Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
33/14.0T8PVZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS PORTELA
Descritores: ACÇÕES AO PORTADOR
AQUISIÇÃO
VALIDADE FORMAL
MATERIAL DO CONTRATO
NULIDADE DO CONTRATO
ANULABILIDADE DO CONTRATO
RESPONSABILIDADE DO ADMINISTRADOR
Nº do Documento: RP2019041133/14.0T8PVZ.P1
Data do Acordão: 04/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: ACÇÃO COMUM
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º170, FLS.230-240)
Área Temática: .
Sumário: I - As acções ao portador transmitem-se por entrega do título ao adquirente ou ao depositário por ele indicado, dependendo da posse do título ou do certificado passado pelo depositário o exercício de direitos inerentes aos valores mobiliários titulados ao portador.
II - Assim, diversamente do que decorre do regime geral do Código Civil, onde, em regra, a transferência da propriedade se dá por mero efeito do contrato, a transmissão da propriedade das acções não é uma consequência directa do contrato.
III - Deste modo, a não entrega dos títulos representativos das mencionadas acções não atinge a validade formal nem material do contrato celebrado, pois a entrega dos títulos não constitui um requisito de validade do contrato de compra e venda.
IV - No limite, a aquisição de acções próprias sem observância das regras acima explicitadas implica anulabilidade (e não a nulidade) do contrato e, no caso de os administradores não alienarem essas acções no prazo de um ano, tal como dispõe o artigo 323º do CSC, incorrem em responsabilidade pelos prejuízos sofridos pela sociedade.
V - A aquisição de acções próprias quando ultrapasse o limite estabelecido no n.º 2 do artigo 317º do CSC, não está ferido de nulidade.
VI - Ou seja, tal ou tais aquisições serão portanto válidas embora ilícitas devendo a sociedade promover a alienação das correspondentes acções dentro do ano seguinte à aquisição (artigo 323 nº2do CSC), sob pena de, não o fazendo, terem de ser anuladas as acções que houvessem de ser alienadas (artigo 323º n.º3 do CSC).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº33/14.0T8PVZ.P1
Tribunal recorrido: Comarca do Porto
Póvoa de Varzim – Inst. Central – 2ª Secção Cível
Relator: Carlos Portela (923)
Adjuntos: Des. Joaquim Correia Gomes
Des. Filipe Caroço
Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório:
B…, casada, residente na Rua …, nº …, em …, intentou a presente acção comum contra C…, casado, residente na Rua …, nº …., em … – Vila do Conde, e D…, residente na Rua …, nº …., na Maia, pedindo que, na procedência da acção, seja a final declarada a nulidade do negócio de transmissão de 1.600 acções a favor dos Réus e a condenação solidária destes a indemnizá-la em €160.000,00, acrescidos de juros à taxa legal a contar da citação.
Para tanto e em síntese, alegou o seguinte:
Foi constituída a sociedade por quotas E…, Lda., tendo a mesma entretanto sido transformada em anónima, com aumento de capital.
Eram accionistas desta sociedade a sociedade F…, Lda., com 2.391 acções, a Autora, com 1.600 acções, os Réus com 3 acções cada, e G…, também com 3 acções, no valor nominal de €100,00 por unidade.
Após a transformação em anónima, a sociedade passou a ser gerida pelos Réus e pelo cedente das quotas à Autora, H….
A administração da sociedade comprometeu-se a entregar os títulos definitivos das acções aos accionistas, designadamente à Autora, no prazo de seis meses.
Em 20 de Outubro de 2010, o cedente das quotas à A. renunciou à administração, passando então a firma a ser administrada pelos RR., sendo que a administração não entregou os títulos definitivos, sendo todas as acções transferidas para a titularidade dos RR..
A Autora não transmitiu a titularidade das referidas 1.600 acções ao portador.
Não obstante, em 28.12.2011, os RR. procederam à inscrição no registo comercial da transformação da sociedade de novo em sociedade por quotas, bem como da titularidade por cada um deles de uma quota do valor nominal de €200.000,00.
Os RR. apropriaram-se, assim, das acções da A., as quais não se encontram em condições de restituir, dado que a E…” foi declarada insolvente em 24.2.2014.
Contestaram os RR., excepcionando que a Autora vendeu ela própria as acções em questão à sociedade E…, através de contrato de compra e venda por ela assinado.
Alegaram também que os réus compraram as acções em causa à E….
Mais alegaram factualidade susceptível de enquadrar abuso de direito por parte da A. na invocação de qualquer invalidade da venda em questão.
No mais impugnaram diversa factualidade e conclusões de direito, concluindo pela improcedência da acção e pela condenação da A., como litigante de má fé, em multa processual e indemnização a seu favor.
Em resposta, a Autora arguiu a nulidade do contrato de compra e venda das acções à E…, pedindo também a condenação dos RR. como litigantes de má fé.
Teve lugar a audiência prévia, na qual foi proferido despacho saneador, foi identificado o objecto do litígio, definidos os factos desde logo havidos por assentes, por não controvertidos, e enunciados os temas de prova.
Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento com observância do pertinente formalismo legal, no culminar da qual foi proferida sentença onde se julgou a acção totalmente improcedente por não provada e, em consequência, se absolveram os Réus de todos os pedidos formulados.
Na mesma decisão também se condenou a Autora como litigante de má fé em multa que se fixou em 4 UCs e em indemnização aos Réus a fixar após audição das partes nos termos e para os efeitos do disposto no nº2 do art.º543º do CPC.
A Autora veio interpor recurso desta decisão, apresentando desde logo as suas alegações.
Os Réus contra alegaram.
Foi proferido despacho no qual se considerou o recurso tempestivo e legal, admitindo-se o mesmo como sendo de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.
Recebido o processo nesta Relação emitiu-se despacho onde se teve o recurso por próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.
Colhidos os vistos legais, cumpre pois decidir.
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II. Enquadramento de facto e de direito:
Ao presente recurso são aplicáveis as regras processuais da Lei nº41/2013 de 26 de Junho.
É consabido que o objecto do presente recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso obrigatório, está definido pelo conteúdo das conclusões vertidas pela autora/apelante nas suas alegações (cf. artigos 608º, nº2, 635º, nº4 e 639º, nº1 do CPC).
E é o seguinte o teor das mesmas conclusões:
1. Impugna-se com o presente recurso as decisões sobre a matéria de facto e sobre a matéria de direito, bem como a sobre a litigância de má-fé.
2. A relativa á matéria de facto fundamenta-se nas confissões que se extraem das declarações dos RR., ora recorridos, prestadas na sessão de 3 de Julho de 2017 da audiência de julgamento, gravadas no registo áudio digital de 00:35:23 a 00:43:55 (1); de 00:49:02 a 00:55:00 (2); e de 1:09:00 a 1:29:28 (3) quanto a C… e de 00:18:11 a 00:20:22 (4) quanto a D….
3. Confissões que determinaram a alteração da alínea x) e o aditamento das alíneas hh) e ii) no item dos factos assentes da douta sentença recorrida.
4. Quanto à alínea x) a confissão do R. C… encontra-se gravada de 00:22:27 a 00:26:31.
5. Quanto ao aditamento das alíneas hh) e ii) é relevante as assentadas consignadas na sessão de audiência de julgamento de 3 de Julho de 2017, as quais constam da respectiva ata.
6. A alínea x) deve passar a ter a seguinte redacção:
X) A divida ao credor I… originou o pedido de insolvência e a insolvência da E….
7. Deve aditar-se aos factos provados as alíneas hh) e ii) com a seguinte redacção:
hh) Em esclarecimento dos factos constantes das anteriores alíneas j) e l), os títulos representativos da E… nunca foram emitidos, segundo o que sabe o Réu/accionista C…, e que a E… nunca entregou qualquer titulo representativo do capital aos accionistas designadamente aos Réus C… e D… e à A.
ii) A entrega de acções declarada no facto 3 do contrato referido na alínea o) dos factos provados não vale no sentido de ter existido a entrega física de qualquer titulo representativo do capital social da E….
8. A revogação da douta sentença recorrida quanto à matéria de direito fundamenta-se na qualificação do contrato da alínea o) como contrato-promessa e no direito à resolução dele, por um lado, e na anulação desse contrato por não ter sido realizada a Assembleia Geral a deliberar a aquisição de ações próprias pela E…, por outro.
9. Face aos factos dados como provados o contrato referido na alínea o) não pode ser qualificado como contrato definitivo de transmissão de acções ao portador.
Para merecer a qualificação do contrato definitivo era necessário que os títulos representativos das acções ao portador tivessem sido emitidos pela E….
Na realidade, só se pode transmitir o que existe, sendo que, como resulta dos factos constantes das alíneas i), j) e das hh) e ii) a aditar à matéria de facto assente, os títulos representativos dessas acções nunca foram emitidos.
Daí que do aludido contrato da alínea o) apenas resulta a obrigação da A. entregar esses títulos definitivos representativos das acções ao portador quando e após a respectiva emissão pela E….
10. E isto porque, a necessidade de existir a emissão dos títulos representativos das acções para se poder exigir a respectiva entrega e, assim, validar o contrato da alínea o) como definitivo, emerge claramente do disposto nos art.95º a 102º e 104º do Código dos Valores Mobiliários, com especial realce para este último.
11. Face ao exposto, é imperativo concluir que dos factos provados resulta que a A. não podia exercer o direito de transmitir as acções ao portador enquanto não tivessem sido emitidos os respectivos títulos pela E… e, assim, permitir que a Autora, ora recorrente, os entregasse ou exigisse a sua entrega, designadamente pela via judicial.
Deste modo, restará concluir que o contrato da alínea o) apenas pode ser qualificado como CONTRATO PROMESSA DE TRANSMISSÃO DE AÇÕES AO PORTADOR
12. Isto posto, acontece que dos aludidos factos provados resulta que a E… não emitiu esses títulos representativos de acções ao portador nem, consequentemente, que os tenha entregue à A. (cfr. alínea i), j), hh) e ii)), e que, como consta dos factos n) e x), foi declarada insolvente.
Esta circunstância da insolvência, torna impossível, absoluta e definitiva, a emissão dos títulos representativos das acções ao portador a que a E… estava obrigada em cumprimento do disposto no art.º 95º do Código dos Valores Mobiliários.
Impossibilidade essa que confere à A. o direito à resolução do contrato da alínea o), ao abrigo do disposto no nº 2 do art.º 801º do C. Civil.
13. Resolução que aqui se declara com os efeitos retroactivos previsto no art.º 434º do C. Civil, a determinar que a transferência das acções a favor dos RR., ora recorridos, referida na alínea l) dos factos assentes não tenha suporte legal, com a consequente condenação dos Réus, ora recorridos, no pagamento à A., ora recorrente, da quantia referida na alínea q) dos factos assentes, ou seja, na quantia de €87.076,41.
14. Ao ter absolvido os RR. deste pedido, na douta sentença recorrida violaram-se os normativos supra indicados (art. 95º, 102º e 104º do Código dos Valores Mobiliários, art.801º-2, 434º, do C. Civil).
15. Tendo presente os factos provados nas alíneas o), y), ff), hh) e ii), a demonstrar a não emissão dos títulos representativos das acções, e o disposto no art.104º do Código dos Valores Mobiliários, apenas se pode concluir que a Assembleia Geral para deliberar a aquisição de acções próprias não se realizou.
16. Com efeito, essa Assembleia Geral apenas se poderia realizar com os accionistas que tivessem na sua posse os respectivos títulos representativos do capital, como claramente se extrai do disposto no art.104º do Código dos Valores Mobiliários e está implícito no art.º 319º-1 do Código das Sociedades Comerciais que torna imperativa a deliberação social para aquisição de acções próprias.
17. Consequentemente, não foi cumprida a norma imperativa do art.º 319º do C. S. Comerciais.
18. Assim, a declaração negocial que tem por objecto a aquisição das ações referidas no contrato da alínea o) é nula ao abrigo dos arts.220º e 280º-1 do C. Civil.
19. Nulidade que contamina inexoravelmente o contrato da alínea o) e que, como tal, também é anulado uma vez que depende absolutamente da prévia deliberação da Assembleia Geral para a E… poder adquirir as acções próprias dos autos.
20. Tudo isto determina que a transmissão a favor dos RR., ora recorridos, que consta da alínea l) dos factos provados, seja nula por se tratar da venda de bens alheios, face ao disposto no art.892º do C. Civil.
21. Nulidades que têm efeito retroactivo a obrigar à restituição das acções ou o valor delas caso essa restituição não seja possível, como se extrai do disposto no art.º 289º-1 e 2, do C. Civil.
22. Ora, estando provado que os RR., ora recorridos, se apossaram dessas acções e que não se encontram em condições de as restituir à A., ora recorrente, porque a E… foi declarada insolvente por sentença transitada em julgado em 24 de Fevereiro de 2014 (alínea l), n) e o) dos factos assentes), há lugar ao pagamento do valor dessas acções.
23. Valor esse que se encontra fixado na alínea q) dos factos provados, e ascende a €87.076,41, de capital.
24. Não tendo declarado as referidas nulidades com a consequente condenação dos RR., ora recorridos, no pagamento de €87.075,41, acrescido de juros de mora a contar da citação, na douta sentença recorrida violaram-se os referidos preceitos legais (art.104º do Código dos Valores Mobiliários, art.319º do C. S. Comerciais, art.220º, 280º-1, 289º-1 e 892º do C. Civil).
25. A A., ora recorrente, não agiu com dolo ou negligência ao não apresentar o contrato da alínea o) na petição inicial.
26. E isto porque entendeu que ele não produzia qualquer efeito, como supra se demonstrou.
27. A douta sentença ao condenar a A. como litigante de má-fé, violou o disposto no citado art.542º do C. P. Civil.
Termos em que deve ser concedido provimento à presente apelação, e, por via disso, revogando-se a douta sentença recorrida, designadamente na parte da condenação como litigante de má-fé, e acordar-se na condenação dos RR., ora recorridos, a pagar à A., ora recorrente, a quantia de €87.076,41, acrescida de juros de mora, a contar da citação, com todas as necessárias e legais consequências, em preito à JUSTIÇA
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Por seu lado, os réus/apelados concluem do seguinte modo as suas contra alegações:
A – Bem julgou a decisão da 1ª instância que aqui se reproduz.
B – São irrelevantes, para além de infundadas e desprovidas de razão de facto ou de direito, as alterações peticionadas pela Recorrente nas suas alegações.
C – Em resposta ao pedido de alteração da alínea x) constante da douta sentença, desde logo se diga que nem sequer releva se se encontra entre os factos provados que tenha sido a dívida laboral ao credor I… que originou o pedido e consequente insolvência da E… . Isto porque, como sabemos, não basta uma dívida para que se peça a insolvência de uma pessoa colectiva e, por isso, a dívida ao Sr. I…, neste caso, é apenas mais uma numa realidade de dívidas e passivos da E…. Paradoxalmente, o que releva é que a pessoa que escolheu a A. para aferir da solvabilidade da empresa, foi a que pediu a sua insolvência.
D - Em relação às restantes alterações peticionadas pela Recorrente em sede de recurso todas têm a mesma origem: o facto de os títulos representativos não terem chegado a ser emitidos. No entanto, como bem refere a sentença recorrida o facto de não terem sido emitidos títulos não significa que seja nula a transmissão das acções vendidas pela Autora aos Réus.
E – Nunca a A. exigiu a entrega dos títulos à E…, nem tal venda é nula nos termos preconizados pela A., mas quanto muito seja porque a própria E… as vendeu, seja em face do abuso de direito por tal invocação, estaria devota à improcedência a acção interposta pela A.
A ocultação do contrato nos autos (de venda das acções pela A à E…) e a ocultação na PI das funções do pai da A naquela sociedade, seguido do pedido de condenação dos Réus como litigantes de má fé por terem divulgado o dito contrato, obriga à decisão de que a Autora litigou com manifesta má fé;
Pelo exposto e pelo mais que V.Exas. não deixarão de, proficientemente, suprir, deve a Douta Decisão recorrida ser mantida in totum, porque está elaborada de harmonia com as soluções legais para o caso em litígio e de harmonia com a Doutrina que nos é ensinada pelos melhores mestres de Direito, bem como da jurisprudência dominante, que não têm qualquer contradição ou vício que a invalide, negando-se por isso provimento ao recurso, com o que, será feita, em rigor, inteira e sã Justiça!
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Face ao antes exposto, resulta claro serem as seguintes as questões suscitadas neste recurso:
1ª) A impugnação da decisão da matéria de facto;
2ª) A qualificação do contrato referido na alínea o) dos factos provados como Contrato Promessa de Transmissão de Acções ao Portador;
3ª) A imperatividade da realização de uma Assembleia Geral da E…, S.A. para a aquisição de acções próprias;
4ª) A nulidade da transmissão a favor dos Réus dos títulos representativos de acções da E…, S.A.;
5ª) A condenação da autora/apelante como litigante de má-fé.
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Para apreciar e decidir a primeiras das quatro questões antes identificadas, importa recordar o conteúdo da decisão proferida sobre a matéria de facto.
Assim:
A) Factualidade provada
Com relevo para a decisão do mérito da causa resultou provada a seguinte factualidade:
a) Sob a firma “E…, Lda.”, foi em 28.11.2003 constituída uma sociedade comercial por quotas, sendo matriculada na Conservatória do Registo Comercial do Porto sob o NIPC ……….., tendo como sócios H…, J…, B…, filha do primeiro, e L…, cabendo a gerência a H… e a L… (que todavia a ela veio a renunciar em 2006), nos termos constantes da certidão permanente a que se acedeu on line no site https://publicacoes.mj.pt sob o código …. - …. - …. e que se mostra junta em fotocópia com a petição inicial como documento nº 1; [cfr. alínea a) dos factos assentes]
b) Teor do documento nº 5 junto com a petição inicial (Ata nº 17 da Assembleia Geral da sociedade “E…, Lda.”, ocorrida em 22 de Junho de 2010), cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido, com a seguinte ordem de trabalhos:
“1. Aumento de capital para 278.300 euros, da seguinte forma:
1.1. Transformação em capital de créditos que a empresa F…, Lda. tem sobre a sociedade, no montante de 118.000 euros;
1.2. Transformação em capital de prestações suplementares dos dois actuais sócios, no montante de 88.000 euros;
1.3. Entrada de 3 novos sócios com subscrição de 100 euros por cada um.
2. Cessão de Quotas.
3. Mudança da sede da sociedade.
4. Alteração dos artigos segundo e quinto do pacto social.
5. Transformação da sociedade em anónima: aprovação do relatório justificativo elaborado pela Gerência e alteração do contrato social.
6. Eleição dos membros dos órgãos sociais para o primeiro mandato.
7. Discussão e votação de uma proposta de aumento de capital social, dos 278.000 euros para 400.000 euros, a realizar por entradas em dinheiro e alteração do artigo quinto do pacto social”, todos objecto de deliberação e aprovação por unanimidade; [cfr. a alínea b) dos factos assentes]
c) Designadamente, e quanto ao ponto 2. da ordem de trabalhos, (sic.) “foi deliberado que o sócio H… cede as suas três quotas no valor de 40.000 euros cada uma à sócia K… pelo valor nominal, que declara ter já recebido”;
d) Sob a Apresentação Of. Ap. nº 28, de 14.07.2007, referente ao averbamento 1 à inscrição 7, procedeu-se à inscrição no Registo Comercial da realização de aumento do capital dessa sociedade pelo valor de €206.300,00 – que, assim, passou a ascender a €278.300,00 -, cabendo à sócia K… uma quota no valor de €40.000,00, ao sócio H…, três quotas no valor parcelar de €40.000,00, à sócia “F…, Lda.” uma quota no valor de €118.000,00, e a cada um dos sócios C…, D… e G…, uma quota no valor de €100,00 -, da designação de membros(s) de orgão(s) social(ais), da mudança da sede da sociedade para a Zona Industrial …, na freguesia …, concelho da Trofa, distrito do Porto, e da transformação da sociedade em sociedade anónima, com a firma “E…, S.A.”; [cfr. a alínea a) dos factos assentes]
e) E sob a Ap. nº 29, da mesma data 14.07.2010, referente à inscrição 8, procedeu-se à inscrição no Registo Comercial da realização de novo aumento de capital da sociedade em causa pelo valor de €121.700,00, que assim passou a ascender a €400.000,00, a que correspondem 4.000 ações nominativas ou ao portador no valor nominal de €100,00 cada; [cfr. a mesma alínea a) dos factos assentes]
f) Mercê desses aumentos de capital, da cessão de quotas e da transformação da sociedade no tipo de sociedade anónima, os accionistas da “E…, S.A., passaram a ser:
- “F…, Lda.”, com 2.397 acções ao portador com o valor nominal de €100,00 cada;
- a aqui A., com 1.600 acções ao portador, com o valor nominal de €100,00 cada;
- o aqui 1º R. C…, com 1 ação ao portador, com o valor nominal de €100,00;
- o aqui 2º R. D…, com 1 ação ao portador, com o valor nominal de €100,00; e,
- G…, com 1 acção ao portador, com o mesmo referido valor nominal; [cfr. a mesma alínea a) dos factos assentes]
g) Nestas operações de aumento de capital e transformação da sociedade, a “F…, Lda.”, foi representada pelos 1º e 2º RR. e por G…;
h) Após a transformação em anónima, a sociedade passou a ser administrada pelos 1º e 2º identificados RR. e pelo cedente das quotas à A., J…; [cfr. a mesma alínea a) dos factos assentes]
i) A administração da referida sociedade comprometeu-se a entregar os títulos definitivos das acções aos accionistas, designadamente à Autora, no prazo legal de seis meses a contar de 14 de Julho de 2010; [cfr. a alínea c) dos factos assentes]
j) Contudo não o fez;
k) Entretanto, em 20 de Outubro de 2010, o referido H… renunciou à administração, passando a “E…, S.A., a ser administrada exclusivamente pelos acima identificados 1º e 2º RR.; [cfr. a mesma alínea a) dos factos assentes]
l) Todos os títulos representativos de acções da “E…, S.A.”, mormente os atribuídos à A. e a que se alude em f), foram transferidos para a titularidade dos RR. C… e D…, que deles se apossaram; [cfr. a alínea d) dos factos assentes]
m) Na verdade, e em relação à matrícula em causa, sob a Apresentação nº 18, de 28.12.2011, os referidos RR. inscreveram na Conservatória do Registo Comercial a transformação da sociedade, de novo, no tipo de por quotas e a titularidade a favor de cada um deles de uma quota do valor nominal de €200.000,00; [cfr. a alínea a) dos factos assentes]
n) Os RR. não se encontram em condições de restituir essas 1.600 acções de €100,00 cada à A. porquanto a “E…, Lda.”, foi declarada insolvente, por sentença transitada em julgado em 24 de Fevereiro de 2014;
o) Entre a “E…, S.A.”, representada pelos administradores C… e D…, como primeira contraente, e a A. K…, como segunda contraente, foi celebrado o contrato escrito que se mostra documentado em fotocópia a fls. 62 vº e 63 (documento nº 1 com a contestação dos RR.), cujo teor se dá por integralmente reproduzido, com data de 10 de Novembro de 2010 e no qual uns e outra apuseram a final as respectivas assinaturas, por via do qual a identificada segunda contraente declarou vender à também identificada primeira contraente, que nessa data declarou recebê-las, as 1.600 acções de que é possuidora na sociedade em referência, no valor nominal de €100,00 cada uma, livres de quaisquer ónus ou encargos, pelo preço de €35.000,00, a pagar pela primeira contraente de acordo com o que se vier a estabelecer; [cfr. a alínea e) dos factos assentes]
p) Por sua vez, na mesma data 10 de Novembro de 2010, entre a “E…, S.A.”, representada pelos administradores C… e D…, como primeira contraente, e G…, como segundo contraente, foi celebrado o contrato escrito que se mostra documentado em fotocópia a fls. 63 vº e 64 (documento nº 2 com a contestação dos RR.), cujo teor se dá por integralmente reproduzido, no qual uns e outro apuseram a final as respectivas assinaturas, e por via do qual o identificado segundo contraente declarou vender à também identificada primeira contraente, a quem nessa data entregou, as acções (uma) de que era possuidor na sociedade em referência, no valor nominal de €100,00, livres de quaisquer ónus ou encargos, pelo preço de €100,00, a pagar pela primeira contraente no momento da entrega do título representativo da acção;
q) A essa data, cada uma das referenciadas 1.601 acções valeriam não mais de €54,427575, assim ascendendo o valor das referidas em o) ao total de €87.076,41;
r) A sociedade “F…, Lda.” era a principal fornecedora da “E…, Lda.”, sendo também uma das principais credoras da mesma;
s) O H…, como forma de tentar “pagar as suas dívidas à dita F…” convidou esta para converter os seus créditos em capital na “E…”;
t) Os aqui réus são os donos da “F…” e porque esta entrou no capital da “E…”, assumiram a administração da mesma e uma acção para cada um deles para perfazer o número de cinco accionistas necessários à transformação desta em Sociedade Anónima;
u) A verdade é que a entrada em capital da E… foi motivada numa realidade de dívidas e activos que foi falseada pelo H… aos aqui réus;
v) Apareciam penhoras com base em dívidas, de passivos que sempre foram omitidas pelo dito H…;
x) Até que uma dessas dívidas originou o pedido de insolvência e a insolvência da E…;
y) A ora A. nada mais é que uma testa de ferro do seu pai, nada percebia da sociedade ou intervinha na mesma, que não fosse pelo que seu pai lhe dizia;
z) A saída do H… ocorre em 20 de Outubro tendo a par da mesma, ou poucos dias depois, sido outorgados os contratos a que se alude em o) e p);
aa) A A., após a assinatura do contrato, jamais veio pedir o que quer que seja à E… pela venda das ditas acções;
bb) O motivo de tal foi exactamente as dívidas e passivo gerado, o passivo omitido e por a sociedade não possuir qualquer valor uma vez que estava em bom rigor em insolvência, que veio efectivamente a ser declarada;
cc) Do que a A. é conhecedora.
dd) Na verdade, desde que adquiriu a qualidade de acionista da “E…, S.A.”, em 2010, até à interposição desta acção, a A. nunca zelou pelas suas acções;
ee) Nunca foi à sociedade;
ff) Nunca votou nas Assembleias Gerais;
gg) Nunca procurou saber se existiram lucros.
Mais se provou:
hh) A sociedade “E…, S.A.” alienou as ditas ações à “F…, SGPS” (antes, “M…”), datando de 31/12/2010 tal operação, participada à AT em 27/01/2011.
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Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão do mérito da causa, designadamente que estivessem em contradição com os acima dados como provados, mormente que:
- À data da venda a que se alude na alínea o) dos factos provados, as 1.600 acções da A. tinham, no mínimo, um valor igual ao nominal, ou seja, valiam €160.000,00;
-O H… vendeu as suas acções à A., sua filha, para fugir de outras dívidas que o assolavam;
- O H…, após a venda pela A. das suas acções à E…, jamais veio pedir a esta última o que quer que seja por tal venda.
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Como todos já vimos, neste seu recurso da decisão de facto a autora/apelante pretende ver alterada tal decisão nos seguintes termos:
- Dando-se a seguinte redacção ao ponto x) dos factos provados:
“A dívida ao credor I… originou o pedido de insolvência e a insolvência da E….”
- Aditando-se aos factos provados os seguintes pontos:
“ hh) Em esclarecimento dos factos constantes das anteriores alíneas j) e l), os títulos representativos da E… nunca foram emitidos, segundo o que sabe o Réu/accionista C…, e que a E… nunca entregou qualquer titulo representativo do capital aos accionistas designadamente aos Réus C… e D… e à A.
ii) A entrega de acções declarada no facto 3 do contrato referido na alínea o) dos factos provados não vale no sentido de ter existido a entrega física de qualquer titulo representativo do capital social da E…”.
E justifica tal pretensão “nas confissões que se extraem das declarações dos RR., ora recorridos, prestadas na sessão de 3 de Julho de 2017 na audiência de julgamento, gravadas em registo áudio digital de 00:35:23 a 00:43:55; de 00:49:02 a 00:55:00 (2); e de 1:09:00 a 1:29:28 (3) Quanto a C… e de 00:18:11 a 00:20:22 (4) quanto a D….”
Ora como se verifica da respectiva acta de julgamento os réus C… e D…, prestaram depoimento de parte ao abrigo das regras previstas nos artigos 452º e seguintes do Código de Processo Civil.
Do disposto no nº1 do art.º463º do CPC, o que decorre é o seguinte:
A necessidade de que o depoimento de parte seja reduzido a escrito nos segmentos em que houver confissão do depoente, pois só assim produzirá prova plena contra o confitente (art.º358º, nº1 do CC).
Mais, o simples facto da audiência ser gravada não dispensa a redução a escrito da declaração confessória, pois só deste modo se assegura que da mesma sejam retirados os efeitos probatórios plenos, nos termos do art.º358º, nºs 1 e 4 do CC.
Cumprindo tal obrigação legal o tribunal “a quo” fez constar da acta de julgamento as seguintes assentadas:
No que toca ao depoimento do réu C…:
“ – Relativamente à matéria factual vertida no art.12 da petição inicial, afirma que tanto quanto julga saber não foram sequer emitidos quaisquer títulos representativos do capital social, pelo que a ninguém foram entregues os títulos das acções ao portador que a cada um cabia.”.
E no que toca ao depoimento do réu D…:
“ – Relativamente à matéria factual vertida no art.12 da petição inicial, a única coisa que sabe é que é que o próprio depoente nunca viu nem teve conhecimento de títulos nenhuns definitivos de acções ao portador relativos à sociedade E….”.
Ora como nos era imposto, procedeu-se à audição das gravações onde foram registados os depoimentos de parte dos réus C… e D….
E nestes depoimentos não encontramos razões para conceder provimento à pretensão recursiva da autora/apelante antes melhor definida.
Senão, vejamos:
No seu depoimento e a este propósito, o réu C… referiu ter sido o referido N… quem “meteu” em tribunal a insolvência da E… na qualidade de credor laboral da mesma.
Mas em nenhum momento deste seu depoimento afirmou que foi apenas este crédito que deu determinou a insolvência da E….
É igualmente verdade que neste depoimento o mesmo réu declarou estar certo de que não foram emitidos quaisquer títulos representativos do capital social da E….
Mais, que não foram entregues aos accionistas, os papéis correspondentes às respectivas acções ao portador, acções de que cada um era titular.
Quanto ao réu D…, o mesmo, no seu depoimento de parte começou por dizer que nunca viu quaisquer títulos das acções.
Mais referiu, não saber nem se os mesmos foram emitidos pela empresa, nem se tinham sido entregues a cada um dos accionistas, nomeadamente à sócia B….
Por fim, declarou não saber o que terá acontecido às acções de que a aqui autora era titular.
Impõe-se pois concluir que as assentadas constantes da acta de julgamento de fls.339 e 340 e antes melhor transcritas espelham fielmente os depoimentos dos réus C… e D…, na parte em que em cada um deles, houve confissão dos mesmos.
Assim, não é com base neles que se pode proceder à pretendida correcção da redacção da alínea x) nem ao aditamento dos factos supra referidos nas propostas alíneas hh) e ii).
Mais, tal possibilidade também não resulta da restante prova produzida nos autos, nomeadamente a testemunhal.
Assim e quanto à questão da insolvência da E…, pronunciou-se a testemunha N…, o qual referiu ter sido casado com a Autora desde o ano de 2013 e até ao início do ano de 2014 e ter prestado à mesma firma serviços de consultadoria.
A este propósito e curiosamente, referiu que a insolvência da empresa não fazia qualquer sentido, mas não negou ter sido ele quem por ter créditos laborais em dívida, acabou por instaurar o processo que veio a culminar na insolvência da E….
Já quanto à questão da existência física ou não das acções em discussão, também se pronunciou a testemunha O…, o qual e desde o ano de 2006, exerceu funções de director financeiro da sociedade F….
Mais, referiu que, em princípio em cada empresa deve existir um “livro de registo de acções” ou um “suporte digital das acções”, mas na prática, e na maioria dos casos, estes não existem, como era o caso da E….
Por fim, tal não decorre também da prova documental que foi junta aos autos e à qual é feito expressa referência na fundamentação da decisão de facto que agora se impugna.
Concluindo, não estão verificados no caso os requisitos previstos no art.º662º, nº1 do CPC.
Por isso, improcede o recurso da decisão de facto que foi interposto pela autora/apelante B….
Deste modo, os factos provados (e não provados) são apenas aqueles que já antes aqui deixamos melhor identificados.
É pois com esta decisão de facto que cabe apreciar e decidir as restantes questões suscitadas pela autora/apelante.
Assim e desde logo a da qualificação do contrato referido na alínea o) dos factos provados como Contrato Promessa de Transmissão de Acções ao Portador.
Ora, como todos sabemos, ao contrato promessa é aplicável o regime substantivo previsto no art.º410º do Código Civil, o qual e no seu nº1 prescreve do seguinte modo:
“Á convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido, exceptuadas as relativas à forma e as que, por sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato - promessa.”
Assim, “o contrato promessa cria a obrigação de contratar, isto é, a obrigação de emitir a declaração de vontade correspondente ao contrato prometido. Trata-se de prestação de facto positivo” (cf. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, pág.335).
Segundo a autora/apelante, o supra identificado contrato deve ser qualificado como contrato promessa de transmissão de acções ao portador com base no facto de não terem sido emitidos os títulos representativos correspondentes às ditas acções.
Não tem no entanto razão neste seu entendimento já que resulta evidente que no contrato referido no ponto o) dos factos provados não se criou qualquer obrigação de emitir a declaração de vontade correspondente ao contrato prometido no caso a venda das 1.600 acções ali melhor identificadas.
Dito de outra forma, no mesmo contrato ficou acordada (em definitivo) a venda das referidas acções relegando-se apenas para momento posterior, o modo como seria pago o respectivo preço de €35.000,00.
Por outro lado, a qualificação jurídica do contrato apontada pela autora/apelante não tem qualquer sentido já que a circunstância de os títulos não terem sido emitidos à data do contrato em nada obsta à validade do mesmo contrato nem à sua qualificação como compra e venda.
Tudo isto pelas razões que estão consignadas na decisão recorrida as quais, aliás, subscrevemos integralmente.
Assim, todos aceitam que as acções ao portador se transmitem por entrega do título ao adquirente (traditio) ou ao depositário por ele indicado (cf. art.º 101º, n.º 1, do CVM), dependendo da posse do título ou do certificado passado pelo depositário o exercício de direitos inerentes aos valores mobiliários titulados ao portador (art.º 104º, n.º 1, do mesmo diploma).
A lei omite, por estar pressuposta, a necessidade daquele acordo entre as partes.
Daí que, diversamente do que decorre do regime geral do Código Civil (cf. art.º 408º), onde, em regra, a transferência da propriedade se dá por mero efeito do contrato, a transmissão da propriedade das acções não é uma consequência directa do contrato.
Deste modo, o contrato em discussão, não é pois um contrato real quoad effectum, produzindo apenas imediatamente efeitos obrigacionais entre as partes, não produzindo, por si só, a transmissão das acções.
Ou seja, tal transmissão só fica perfeita, só funciona, com a entrega das respectivas acções.
Assim, para que o efeito real se produza, é necessário simultaneamente que exista título (ou seja, que seja celebrado um contrato, enquanto negócio causal) e de um modo de aquisição (acto de transmissão: tradição), só operando a transmissão da propriedade através dos dois.
Na esteira do entendimento que também perfilhamos, vão entre outros o Acórdão do STJ de 15/05/2008, no processo 08B153, em www.dgsi.pt. onde em síntese se defende o seguinte:
“A transmissão das acções tituladas e escriturais, fora do mercado bolsista, só fica perfeita com a entrega (acções tituladas ao portador), a declaração de transmissão escrita no título (acções tituladas nominativas), ou o registo em conta (acções escriturais); mas estes actos – que integram e traduzem o modo – não bastam, só por si, para operar a transmissão, que exige que eles se apoiem num título válido, num negócio jurídico, o negócio causal subjacente.
Tal significa que a transmissão não se opera por mero efeito do contrato, nem apenas e só por efeito do modo, só se efectuando por força do contrato e do modo.
A compra e venda de acções não é um contrato real quoad effectum – é um contrato com efeitos imediatos meramente obrigacionais, como os contratos do mesmo tipo tendo por objecto títulos de crédito em papel, para cuja transmissão se exige a tradição, o endosso ou acto equivalente.
Os actos exigidos por lei, e que integram o modo, não se referem ao contrato, mas sim à transmissão da propriedade das acções: são actos essenciais para a transmissão destas, mas não contendem com a validade formal do contrato.
Assim, um contrato de compra e venda de acções ao portador não deixa de ser válido pelo facto de o transmitente não ter feito entrega, ao adquirente, dos títulos representativos das acções; e este pode requerer judicialmente o cumprimento do contrato, a entrega das acções.”.
Em suma, e como bem ficou referido na sentença recorrida, a não entrega dos títulos representativos das mencionadas acções não atinge a validade formal nem material do contrato celebrado, pois a entrega dos títulos não constitui um requisito de validade do contrato de compra e venda.
Já quanto às outras questões suscitadas ou seja, a da imperatividade da realização da assembleia-geral da E…, S.A. para aquisição de acções próprias e a da nulidade da transmissão a favor dos Réus dos títulos representativos de acções da E…, S.A., o que cabe dizer é o seguinte:
Neste seu recurso a autora/apelante começa por chamar à colação o disposto no art.º 319º do Código das Sociedades Comerciais, segundo o qual:
“1. A aquisição de acções próprias depende, salvo o disposto no nº3 deste artigo, de deliberação de assembleia geral, da qual obrigatoriamente devem constar:
a) O número máximo e, se o houver, o número mínimo de acções a adquirir;
b) O prazo, não excedente a 18 meses a contar da data da deliberação, durante o qual a aquisição deve ser efectuada;
c) As pessoas a quem as acções devem ser adquiridas, quando a deliberação não ordenar que elas sejam adquiridas em mercado regulamentado e seja lícita a aquisição a accionistas determinados;
d) As contrapartidas mínima e máxima, nas aquisições a título oneroso.”
Salvo melhor opinião, da redacção da referida norma, nada se prevê, no caso de falta de legitimação por deliberação da assembleia geral e sem que se verifique nenhuma das hipóteses previstas no nº3 deste artigo, no sentido da nulidade da aquisição (neste sentido cf. João Labareda, Das acções das Sociedades Anónimas, AAFD, 1988, pág.97, nota 1).
Têm pois razão os réus/apelados quando nas suas contra alegações afirmam que no limite, a aquisição de acções próprias sem observância das regras acima explicitadas implica anulabilidade (e não a nulidade) do contrato e, no caso de os administradores não alienarem essas acções no prazo de um ano, tal como dispõe o artigo 323º do CSC, incorrem em responsabilidade pelos prejuízos sofridos pela sociedade.
Assiste assim razão à Sr.ª Juiz “a quo” quando na sentença recorrida e citando a anotação do CSC Anotado de Abílio Neto, subscreve o entendimento segundo o qual, ‘‘a aquisição de acções próprias (...) quando ultrapasse o limite estabelecido no n.º 2 do artigo 317º (...) não está ferido de nulidade (...) Tal ou tais aquisições serão portanto válidas embora ilícitas devendo a sociedade promover a alienação das correspondentes acções dentro do ano seguinte à aquisição (artigo 323 nº2), sob pena de, não o fazendo, terem de ser anuladas as acções que houvessem de ser alienadas (artigo 323º n.º3).’’.
Em suma, na situação em apreço nos autos, em que sociedade E… S.A. veio a vender as acções à F…, SGPS, o que se impõe concluir, atento o acabado de expor e as circunstâncias de facto que estão ao nosso dispor, é que o contrato titulado pelo documento junto a fls.62 v e 63 e datado de 10/11/2010, no qual a autora/apelante declarou vender as ditas acções, não é pois susceptível de nulidade.
Deste modo e contrariamente ao que defende a autora/apelante neste seu recurso, nenhum fundamento existe para aplicar ao caso as regras previstas nos artigos 220º e 280º, nº1 do Código Civil.
Por tudo isto, improcedem também nesta parte as suas pretensões recursivas.
Resta, por fim, a questão da condenação da autora/apelante como litigante de má-fé.
Segundo o disposto no art.º 542º, nº1 do Código de Processo Civil, a parte que litigar de má-fé será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta o pedir.
Atento o nº2 deste mesmo artigo, será considerado como litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave, tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; tiver alterado a verdade dos factos ou omitidos factos relevantes para a decisão da causa; tiver praticado omissão grave do dever de cooperação ou tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
É consabido que nestas regras só cabe a postura processual dolosa ou negligente mas não já o comportamento processual temerário ou ousado.
Ora, no caso concreto a autora/apelante recorreu a juízo alegando que os réus/apelados se apossaram indevidamente das acções de que era proprietária, acções essas que nunca vendeu, o que estes últimos bem sabiam.
Em face de tal alegação vieram os réus ora apelados, juntar o contrato segundo o qual se demonstra que a autora ora apelante havia de facto procedido à venda das mesmas acções.
Perante tal “defesa”, limitou-se a autora a vir arguir a nulidade do mesmo contrato, o que como todos já vimos, se veio a verificar, não tem qualquer fundamento.
É consabido que na sua actuação processual estão as partes vinculadas aos deveres de probidade e cooperação, devendo agir de boa-fé e cooperar para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio.
Não foi claramente assim que procedeu a autora/apelante B…, pois não mencionou em juízo a referida venda e ocultou ao Tribunal quer a actuação e intervenção do seu pai em toda esta questão.
Ora, para além do mais, o que acabou por se provar foi que “a autora nada mais era do que uma “testa de ferro” do seu pai, nada percebendo da sociedade ou intervinha na mesma, que não fosse pelo que seu pai lhe dizia” (cf. a alínea y) dos factos provados).
Por seu turno os réus limitaram-se a contestar a alegação da autora, impugnando os factos alegados por esta, fazendo juntar ao processo o contrato no qual fundaram a sua defesa.
Deste modo e quanto a eles não resultou provada qualquer atitude processual que possa ser subsumida na previsão legal do supra citado art.º542º do CPC.
Por tudo isto e também por vir aos autos pedir a condenação dos réus como litigantes de má-fé, bem decidiu o Tribunal “a quo” quando condenou a autora como litigante de má-fé em multa, que fixou em 4 Ucs., mais relegando para momento posterior a fixação da indemnização a atribuir aos réus.
Em suma, também aqui não merece censura a decisão recorrida.
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Sumário (cf. art.º663º, nº7 do CPC):
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III. Decisão:
Pelo exposto, julga-se improcedente o presente recurso de apelação e confirma-se a sentença recorrida.
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Custas a cargo da autora/apelante (cf. art.º527º, nºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.
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Porto, 11 de Abril de 2019
Carlos Portela
Joaquim Correia Gomes
Filipe Caroço