Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1139/06.4TBGDM-A.P1
Nº Convencional: JTRP00042706
Relator: JOSÉ FERRAZ
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
ACTA DA ASSEMBLEIA
CONDÓMINOS
Nº do Documento: RP200906041139/06.4TBGDM-A.P1
Data do Acordão: 06/04/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA.
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO - LIVRO 801 - FLS 27.
Área Temática: .
Sumário: I – A força executiva da acta da assembleia de condóminos não depende nem da assinatura de todos os condóminos (ainda que participantes) nem de, nela, se expressar o valor determinado e exacto da dívida de cada condómino, mas deve permitir, de forma clara e por simples aritmética, a determinação desse valor;
II – A acta só constitui título executivo enquanto contém a deliberação da assembleia que fixa a “obrigação” exequenda, não podendo valer como tal se não permitir saber qual é essa obrigação;
III – Anulada a forma de imputação da despesa, constante da acta, e não constando dela deliberada outra forma de distribuição do encargo global pelos diversos condóminos, a acta não permite determinar a obrigação de cada um.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do porto

1) – CONDOMÍNIO B………., sito na ………., ………., ………., Gondomar, instaurou execução comum contra (além de outros) C………. e, mulher, D………., residentes na referida ………., Hab. …, Lote ., ………./Gondomar -proprietários da fracção “R” dos edifícios em propriedade horizontal que integram o condómino exequente -, com vista à cobrança da importância de € 3.925,25, relativos a valores devidos ao condomínio, referentes a comparticipações nas obras aprovadas na Assembleia realizada em 05/12/1998, acrescida dos juros vencidos, desde 31/7/99 até à data da propositura, no montante de € 1.486,43.
Segundo o requerimento executivo, aquele valor de € 3.925,25 respeita a despes com obras no referido prédio (……….).
Sendo vários os executados, no que respeita aos apelantes, o título executivo é constituído pela acta da assembleia de 05/12/1998 (junta a fls. 94/97 da execução).

Os executados deduzem oposição.
Dizem que inexiste título executivo, até porque a deliberação incidente sobre o ponto 2 da ordem de trabalhos constante da dita acta foi anulada e essa acta não contem os requisitos de exequibilidade nem se encontra assinada pelos oponentes.
Acrescentam que a “quantia exequenda está prescrita” e prescritos estão os juros de mora peticionados até 08/08/2001
Mais dizem que a ré litiga de má fé e deve ser sancionada em multa e no pagamento de indemnização a seu favor.

Pedem, em conformidade, a extinção da execução por falta de título executivo e, subsidiariamente, a procedência da alegada prescrição e, bem assim e em qualquer caso, a censura do exequente por má fé.

Contesta o “Condomínio” exequente.
Que a assembleia, de 06/12/1998, aprovou a realização de obras e um orçamento destinado a custear as mesmas e, mantendo-se a aprovação da despesa com as obras de conservação do prédio, o que consta da acta, constitui esta título executivo.
Na dita e da proposta B constava uma ideia aproximada dos valores das quotas-partes dos condóminos nas obras aprovadas, constando do documento enviado com a convocatória, que os custos reais teriam de respeitar a permilagem oficial e, após aprovação das obras, a administração procedeu ao cálculo das comparticipações dos condóminos de acordo com a respectiva permilagem que, depois de descontado o valor do fundo de reserva, resultou caber aos oponentes uma comparticipação de €3.925,25, bem diferente do anulado judicialmente.
Mais diz que os oponentes não assinaram a acta porque não participaram na reunião, o que não lhe retira força executiva.
Pede a improcedência, in totum, da oposição.

Seguidamente, foi proferida decisão – saneador/sentença – que, concluindo pela inexistência de título executivo, julgou procedente a oposição e extinta a execução, não sancionado a oposta como litigante de má fé.

2) – Inconformado com esta decisão, dela recorre o exequente.
Alegando doutamente, conclui:

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………………………………………

Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e revogada a sentença recorrida.”

Os recorridos respondem ao recurso em defesa da improcedência do recurso.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

3) – Perante o teor das conclusões de recurso, pelas quais se delimita o seu âmbito do recuso, cumpre apenas conhecer das questões invocadas pelos recorrentes, ou seja, se a acta da Assembleia de Condóminos, de 05/12/1998, constitui título executivo.

4) - Os factos a atender são os que constam descritos em 1).
Adita-se, concretizando:
a) A ordem de trabalhos da Assembleia de Condóminos de 05/12/1998 era constituída pelos pontos:
1) Discussão e deliberação da proposta da Administração do Condomínio para a
Realização da empreitada de obras de manutenção e reparação dos edifícios integrados na B………. .
2) Discussão e deliberação sobre os prazos relativos à entrega pelos condóminos das suas comparticipações para a realização das obras referidas no número um.
b) No que respeita ao ponto um, foram aprovadas duas deliberações:
1) foi aprovada a realização de obras e
2) foi aprovada a proposta (orçamento – 275.208.102$00) B.
c) Da proposta B consta a distribuição da despesa global por tipologia – T2 PH, T3 PH, T4 PH, T3 PI, T4 PI e CCH – considerando uma permilagem média.
d) Por decisão judicial, transitada em julgado, foi anulada a deliberação b.2, no que respeita ao constante da al. c) - distribuição da despesa pelos condóminos e plano de pagamentos das comparticipações.
e) No que toca ao ponto 2 da ordem de trabalhos foi deliberado (aprovado):
1) Que a totalidade do montante que a cada um (segundo a imputação inscrita na proposta B) compete seria satisfeito à Administração do Condomínio até fins de Junho de 1998, impreterivelmente;
2) Conferir poderes ao Administrador poderes para, junto da E………., movimentar a Conta-Poupança Condomínio, por forma a fazer face aos encargos iniciais resultantes das obras e
3) A utilização do Fundo de Reserva para custear as obras.
e) Da Acta não consta o montante determinado a pagar por cada condómino.
f) Por escritura pública de 24 de Novembro de 1998, os executados (ora, apelados) adquiriram por compra a fracção “R”, a que se reportam v de Os executados/oponentes são proprietários da fracção “R”.

5) – Foi dado à execução, como título executivo uma acta da assembleia de condóminos, que na sentença recorrida se decidiu não reunir os requisitos de exequibilidade, defendendo o recorrente que a acta constitui título executivo.
São títulos executivos apenas os (mas todos os) previstos na lei (não está na disponibilidade das partes a criação de título executivos que aquela não prevê, nem retirar exequibilidade aos títulos a que a lei a confere).
Sem título, não há lugar à execução (artigo 45º do CPC).
Além dos títulos expressamente previstos no artigo 46º/1, deste código, podem servir de base à execução outros “documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva” (alínea d) desse nº 1).

Dispõe o artigo 1º do DL 268/94, de 25/10, que devem ser lavradas actas das assembleias de condóminos, assinadas por quem tenha presidido e pelos condóminos participantes, suposto que estes se disponham a assiná-las. Não é o facto de algum participante não assinar a acta (que não seja o presidente da assembleia) que lhe retira força executiva.
O artigo 6º desse Dec. Lei estabelece que “a acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte”.
Para o condomínio, pelo administrador (artigo 6º/1 desse DL), demandar o condómino, por via executiva, deve da acta constar o “montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum”, mas as contribuições ou outras prestações só são devidas se a lei substantiva impuser ao condómino a contribuição ou o encargo para custear as despesas, nomeadamente para custear as obras de conservação do edifício ou edifícios que constituem o condomínio, nos termos do artigo 1424º do CC.
Sendo a medida da contribuição para os encargos prevista nesse dispositivo legal, a exequibilidade do título não demanda, necessariamente, a menção, na acta, do quantitativo exacto relativo à divida de cada condomínio, nomeadamente do condómino contra quem o administrador venha a instaurar a execução.
Necessário é que haja sido aprovado o montante certo da contribuição ou da despesa global de modo que, pela simples aplicação da permilagem relativa a cada fracção da propriedade (ou de outro critério que haja sido aprovado) se determine o quantum devido por cada condómino.

Como consta do preâmbulo do referido DL, visou-se, por um lado, tornar mais eficaz o regime da propriedade horizontal, e, por outro, facilitar o decorrer das relações com terceiros (por interesses relativos ao condomínio). Sabendo-se das relações complexas que envolve a propriedade horizontal e das dificuldades (frequentes) criadas ao seu funcionamento, nomeadamente pela actuação relapsa e frequente de alguns condóminos, avessos a contribuir para as despesas comuns, sem que, não obstante, prescindam ou deixem de aproveitar dos benefícios da contribuição dos outros (revelador de, pelo menos, algum deficit de civismo), é criado um instrumento que facilite a cobrança dos valores devidos ao condomínio, legalmente previstos e regularmente aprovados.

No caso, não se coloca questão alguma quanto a legalidade das deliberações, na parte não anulada pelo tribunal, nem nenhum indício se traz ao processo que demonstre que, noutros aspectos, as deliberações tivessem sido impugnadas, vinculando, nessa outra parte, todos os condóminos “bem como terceiros titulares de direitos relativos às fracções” (artigo 1º/2 desse DL).
Porém, não basta que as deliberações adoptadas sejam válidas para a acta que as incorpora ser título executivo; torna-se necessário que esta contenha os requisitos de exequibilidade previstos na lei, maxime no citado artigo 6º/1.
No aludido objectivo da lei – de tornar eficaz o regime da propriedade horizontal e facilitar as relações entre os condóminos (e terceiros por interesses relativos ao condomínio) - se integra a atribuição à acta da assembleia de condóminos que fixa o montante das contribuições devidas força executiva, facilitando a cobrança dos créditos do “condomínio” sobre os condóminos e, de certo modo, evitando que, por falta de recursos, deixe de funcionar regularmente. Deste modo, se não é de exigir grande rigor formal na elaboração das actas, para basear a execução, delas deve constar de forma compreensível (que não permita dúvidas razoáveis) os montantes devidos.

Atendo o teor do citado artigo 6º/1, a força executiva da acta não depende de nela se fazer necessariamente constar o montante determinado, concreto, certo, da dívida de cada condómino, mas deve conter critério que permita que esse valor se determine. A acta pode conter o valor global devido ao condomínio (seja por contribuições correntes, seja para realização de despesas de conservação ou fruição das partes comuns, ou para pagamento de serviços de interesse comum), mas deve permitir que a cada condómino, pela simples aplicação da permilagem da sua fracção ao valor global, saber qual o montante que lhe toca (se outro critério não for expressamente deliberado). Quem tem de aprovar a despesa e a imputação é a assembleia e não outrem, nomeadamente o administrador, para quem aquela não deve remeter o encargo dessa determinação. A acta só constitui título executivo, enquanto contem a deliberação da assembleia que fixa a “obrigação” exequenda.

Sendo o título o instrumento documental da demonstração da obrigação exequenda, fundamento substantivo da execução, a prestação exigida terá de ser a prestação substantiva acertada no título ou, por outras palavras, o objecto da execução deve corresponder ao objecto da obrigação definida no título.
A obrigação que se executa é a que emerge do documento, que a demonstra em termos bastantes para permitir acção executiva contra o devedor. Se o documento não permite saber qual é essa obrigação, não pode valer como título executivo.

Resulta do processo, no que respeita às “deliberações executadas”: a assembleia de condóminos do Condomínio exequente deliberou a realização de umas obras no prédio (melhor, prédios) – ………. - e aprovou determinado orçamento (até aqui, não se terão colocado divergências nem a deliberação foi impugnada), mas imputou o encargo a todos os “condóminos”, e atendendo a permilagens médias (que não as reais) mesmo dos que nada tinham a beneficiar com as obras, em partes comuns que não usavam, como os proprietários das moradias (o que igualmente constava da proposta B aprovada – que continha não só o custo das obras mas também a forma de imputação ou a distribuição da despesa pelos condóminos - e apenas por tipologia e permilagem média para cada tipologia), mais deliberando um prazo até ao qual deviam os condóminos efectuar os pagamentos bem assim a movimentação de outros recursos (conta-poupança condomínio e fundo de reserva, existente em 31-12-98) para custear as obras.
Não consta concretizado ou quantificado o valor a pagar por cada condómino, por referência à respectiva fracção.

Escreve-se na decisão recorrida (em referência à decisão que anulou parte do deliberado na assembleia de condóminos de 05/12/1998) - “não se trata, com efeito, apenas de anular uma deliberação que incidisse sobre os prazos de pagamento de certos montantes pelos condóminos, deixando incólume a deliberação que aprovou a distribuição quantitativa dos encargos por aqueles, mas sim, também, da anulação da própria parte da deliberação que aprovou o modo de distribuição dos aludidos encargos.
E embora esta anulação tivesse resultado da ilegalidade que se considerou existir por imputar aos condóminos das moradias o pagamento de encargos com partes comuns dos blocos habitacionais, tal anulação vem, necessariamente, a reflectir-se na imputação global do encargo a cada condómino. De resto, o exequente vem a reconhecer isto mesmo quando afirma, no art.º 46º da contestação, que «o pedido formulado contra os Oponentes não foi calculado com base no mapa de pagamentos anulado pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça…».
Assim sendo, não podemos ter por determinado, em face da acta exequenda, o quantitativo a cobrar a qualquer dos condóminos, dentro do custo global da obra, constante da proposta “B”, que se mantém, de facto, aprovada.
O que vem a ligar-se, afinal, à segunda questão que os oponentes também levantaram, a de ter de constar da acta o quantitativo devido por cada condómino, para que a mesma goze de força executiva. Com efeito, não necessariamente porque tal quantitativo dela não constasse[1] – constava o quantitativo global e a previsão de divisão pelas permilagens oficiais, como defende o exequente –, mas porque tal critério de repartição foi judicialmente anulado, como acima se disse.
Deste modo, impõe-se concluir que a acta não preenche os requisitos exigidos pelo art.º 6º do DL nº 268/94, de 25.10, não constituindo título executivo contra os oponentes.
Nem lhe conferirá tal valor o facto de ter, eventualmente, existido uma outra forma, posterior, de cálculo das comparticipações de cada condómino, como referido pelo exequente, a qual não consta da dita acta (cfr. Art.º s 10º a 12º da contestação)”.

Como se verifica da decisão, nesta não é feita referência à exigibilidade da determinação da dívida de cada condómino, mas apenas porque o critério mencionado na acta ficou sem efeito por decisão judicial, outro não se extrai da acta, o que não é suprível pelo recurso a “uma outra forma, posterior, de cálculo das comparticipações de cada condómino …a qual não consta da dita acta” (que não foi aprovado pela assembleia de condóminos.
De resto, entendeu-se que sendo aprovado determinado plano que foi “anulado”, outro não consta da acta que permita a determinação do encargo de cada “fracção”.

O que terá conduzido à anulação da imputação dos encargos foi o facto da deliberação distribuí-los também por quem (proprietários das moradias) das obras não aproveitava ou que se destinavam à conservação de partes de que não se serviam (além do critério da permilagem média em detrimento da permilagem real).
Anulada a forma de imputação da despesa, não aprovou a assembleia outro critério para determinar a distribuição do encargo global pelos diversos condóminos, que teria de respeitar a regra da proporcionalidade (artigo 1424º/1 do CC) e não ser feito por permilagens médias (o que nem mereceu aprovação unânime).
Como consta da acta, para custear as despesas seriam movimentados a conta-poupança condomínio e o fundo de reserva (para que seguramente também teriam contribuído os condóminos não participantes no encargo com as obras). Do que decorre que a comparticipação de cada condómino seria já determinada com a dedução do que por esses “fundos” pudesse ser suportado.
Foi aprovada uma determinada forma de distribuição da despesa, que foi anulada. Não foi deliberado outro critério subsidiário. A obrigação exequenda é que decorre da deliberação aprovada pela assembleia de condóminos, nos termos fixados na acta.
Amputada da parte anulada, a acta não permite a distribuição do encargos pelos condóminos, determinar a obrigação de cada um, aqui, e no relevante, dos apelados.
A acta não constitui título executivo para demandar os oponentes/apelados.

Não é que, pelo que os autos sobejamente revelam, os apelados não devam contribuir para custear as despesas (eles e não os vendedores da sua fracção – que das obras também nem terão beneficiado, pois a despesa foi aprovada e realizada quando aqueles já eram proprietários da fracção “R”), mas para os demandar, por via executiva, terá o condomínio de se munir do necessário título executivo.
O recurso não merece provimento.

Em síntese, se conclui:
– a força executiva da acta da assembleia de condóminos não depende nem da assinatura de todos os condóminos (ainda que participantes) nem de, nela, se expressar o valor determinado e exacto da dívida de cada condómino, mas deve permitir, de forma clara e por simples aritmética, a determinação desse valor.
- a acta só constitui título executivo enquanto contem a deliberação da assembleia que fixa a “obrigação” exequenda.
- se o teor desse documento não permite saber qual é essa obrigação, não pode valer como título executivo.
- a obrigação exequenda é que decorre da deliberação aprovada pela assembleia de condóminos, nos termos fixados na acta.
- anulada a forma de imputação da despesa, constante da acta, e não constando dela deliberada outra forma de distribuição do encargo global pelos diversos condóminos, a acta não permite determinar a obrigação de cada um, aqui, e no relevante, dos apelados.

6) – Pelo exposto, acorda-se neste tribunal da Relação do Porto em julgar a apelação improcedente e confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo apelante.

Porto, 04/Junho/2009
José Manuel Carvalho Ferraz
António do Amaral Ferreira
Ana Paula Fonseca Lobo

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[1] Todos os itálicos são nossos.