Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
791/00.9PAMAI-E.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ABÍLIO COSTA
Descritores: IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
REPÚDIO DA HERANÇA
Nº do Documento: RP20151109971/00.9PAMAI-E.P1
Data do Acordão: 11/09/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: A improcedência do incidente de habilitação, por repúdio da herança pelo único herdeiro, não determina a extinção da instância executiva, por impossibilidade superveniente da lide.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 791/00.9PAMAI-E.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

B… instaurou, em 1-4-2005, no Tribunal Judicial da Comarca da Maia, pendendo actualmente os autos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Vila do Conde – Inst. Central – 2ª Sec. Criminal – J7, acção executiva, com base em sentença, para pagamento da quantia de € 162.279,48, contra C….
Efectuada a penhora de um crédito no montante de € 4.000,00, já com data de 3-12-2013, foi prestada a informação, aquando da diligência de citação, de que o executado havia falecido.
Declarada suspensa a instância, vem a ser proferida no respectivo apenso, em 28-11-2014, sentença na qual se julgou improcedente o incidente de habilitação de D…, filha do executado.
Escreveu-se na respectiva fundamentação:
“A questão objecto do presente incidente é a de saber se a Requerida D… deve ser declarada habilitada por virtude do óbito do Executado C…, para contra ela prosseguir a Demanda, ou seja, a acção executiva.
Como claramente decorre do Art.262º, al. a), do C.P.Civil, a instância modifica-se quanto às pessoas, além do mais, em consequência da substituição, por sucessão, de algumas das partes.
O património hereditário deixado pelo falecido C… garante, em termos gerais, o cumprimento das obrigações pecuniárias por ele contraídas (Art.2068º do Código Civil).
A Requerida D…, na qualidade de filha única do Executado C…, falecido no estado de divorciado, é sua sucessora, na posição de herdeira legitimária (Art.s 2132º e 2133º, nº1, al. a), e 2139º, nº2, do Código Civil).
Sucede, porém, que a Requerida D… repudiou a herança de seu falecido pai, o Executado C…, sendo certo que a mesma não tem descendentes que a possam representar, nos termos das disposições conjugadas dos Art.s 2140º, 2039º e 2042º do Código Civil.
Dispõe o Art.2062º do Código Civil que os efeitos do repúdio da herança retrotraem-se ao momento da abertura da sucessão, considerando-se como não chamado o sucessível que a repudia, salvo para efeitos de representação.
Assim sendo, e face ao que supra aludimos, a consequência necessária é a improcedência da habilitação, dado não estarem verificados os pressupostos legais para a julgar habilitada como sucessora do falecido (Art.s 351º e 354º do C.P.Civil)”.
Em 6-2-2015 requer a exequente a notificação da mãe do falecido executado no sentido de prestar determinadas informações – como a identificação dos herdeiros daquele - tendo em vista a dedução de novo incidente de habilitação de herdeiros. O que foi indeferido, atenta a decisão já proferida e acima referida – fls 147.
E em 25-2-2015 é proferida sentença que julgou extinta a instância, nos termos do disposto no art.277º, al. e), do CPC, por impossibilidade superveniente da lide.
Fundamentou-se no “teor da sentença proferida no dia 28/11/2014, a fls.71/75 do Apenso J – Habilitação de Herdeiros”.
Entretanto, a exequente, e juntando certidão de escritura notarial de habilitação de E…, mãe do executado, como única herdeira daquele, requer a sua habilitação processual, a fim de com ela os autos prosseguirem os respectivos termos. Considerando o tribunal, e atenta a decisão que declarou extinta a instância, encontrar-se esgotado o respectivo poder jurisdicional.
Então, inconformada com a decisão que declarou extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide, a exequente interpôs recurso.
Conclui, essencialmente:
- para a prolação da sentença de extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide torna-se necessária a verificação de dois requisitos:
a) que decorra de facto posterior ao início da instância;
b) tendo a acção executiva como escopo a cobrança coerciva de um crédito, concluir-se pela inexistência ou insuficiência de património do executado;
- no caso em apreço, mantém-se o sujeito e o objecto da acção;
- existe verba penhorada nos autos – € 4.000,00;
- não há confirmação de que do processo de inventário instaurado por óbito do executado decorra a inexistência de bens a partilhar;
- não há assim perda objectiva do interesse processual da exequente na cobrança dos seu crédito;
- tendo sido declarada suspensa a instância a 20 de Fevereiro de 2014, na sequência do óbito do executado, só a dedução do incidente de habilitação de herdeiros fará cessar esta suspensão;
- incidente esse deduzido a 29 de Janeiro de 2014 quanto a incertos e a 27 de Fevereiro de 2015 (perante novas informações chegadas ao processo e a pesquisa efectuada) quanto à mãe do executado, mediante escritura de habilitação de herdeiros de 30 de Outubro de 2014.
Não foram apresentadas contra-alegações.
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Questão a decidir:
- extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide.
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A matéria de facto a considerar já resulta do relatório.
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A instância extingue-se, entre outras situações, por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide – art.277º, al. e), do CPC.
Ocorre impossibilidade superveniente da lide quando, por facto ocorrido na pendência da instância, “a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo”; ocorrendo inutilidade superveniente da lide quando, nas referidas circunstâncias, o autor “encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida” – cfr LEBRE DE FREITAS in CPC Anotado, 1º, 512.
Não resultando dos autos qualquer situação atinente ao desaparecimento do objecto do processo – até porque ocorreu a penhora de um direito – resta a questão do eventual desaparecimento dos sujeitos. Parecendo ter sido com este fundamento que se considerou verificar-se impossibilidade superveniente da lide.
Ou seja, analisando a sentença proferida, foi com base na decisão proferida no incidente de habilitação de herdeiros que se considerou verificar-se uma situação de impossibilidade superveniente da lide: tendo sido indeferido tal incidente, a instância não poderia continuar, por falta de executado. Que havia desaparecido: havia falecido e o respectivo incidente de habilitação foi indeferido.
Mas não parece ser assim.
Na verdade, e consoante resulta da fundamentação da sentença proferida no referido incidente de habilitação, o que foi indeferido foi a habilitação de D…, filha do executado: esta a concreta questão apreciada e julgada.
Nada impede, por isso, que seja apreciada a habilitação doutros sucessores, legítimos, legitimários ou testamentários consoante art. 2156º e ss. do C.Civil - o que, aliás, acabou por ser requerido pela exequente logo em 27-2-2015, com base na escritura de habilitação de E…, mãe do executado, como sua única herdeira. Situação em que não se estará a repetir aquela causa: são outros sujeitos, pedido e causa de pedir – art.580º, nº1, do CPC.
Como escreve SALVADOR DA COSTA in Os Incidentes da Instância, 235:
“A pertinente causa de pedir inclui os factos susceptíveis de revelar que os requeridos são os únicos sucessores da parte falecida e, se for caso disso, que aceitaram a herança e estão na posse dela.
Não basta que o habilitando seja herdeiro da parte falecida para que proceda o seu pedido de habilitação, certo ser indispensável a demonstração de que, segundo o direito substantivo, lhe sucedeu na relação jurídica em litígio.
Cuida-se neste incidente de apurar quem tem a qualidade ligitimante da substituição da parte falecida na pendência da causa ou antes da sua propositura, sendo o direito substantivo que estabelece quem a substitui na relação jurídica substantiva que constitui o objecto do litígio”.
Assim sendo, e não obstante o indeferimento do incidente de habilitação da filha do executado – por ter repudiado a herança daquele – haverá sempre outros sucessíveis a habilitar, prosseguindo depois a acção com eles no lugar daquele.
Não ocorre, por isso, impossibilidade superveniente da lide
Pelo que o recurso merece, sem mais, provimento.
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Acorda-se, em face do exposto, e julgando procedente a apelação, em revogar a decisão recorrida.
Custas a considerar a final.

Porto, 9-11-2015
Abílio Costa
Augusto de Carvalho
José Eusébio Almeida