Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | DEOLINDA VARÃO | ||
Descritores: | SERVIDÃO DE VISTAS FUNDAMENTAÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RP2013101743/10.6TBMUR.P1 | ||
Data do Acordão: | 10/17/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | ALTERADA | ||
Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Uma abertura com 78 cm de largura por 69 cm de altura situada a 1,34 m do pavimento da casa permite a constituição de uma servidão de vistas, por usucapião, desde que sejam verificados os respectivos requisitos. II - O reconhecimento do direito de servidão de vistas impede que o proprietário do prédio serviente construa no seu prédio a menos de 1,50 m de distância do prédio dominante, apenas na extensão da janela que a originou. III - A falta ou deficiente fundamentação da decisão de facto não gera nulidade, importando apenas a devolução dos autos à 1.ª instância para que tal decisão seja devidamente fundamentada. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc. nº 43/10.6TBMUR.P1 – 3ª Secção (Apelação) Acção Sumária – Tribunal Judicial de Murça Rel. Deolinda Varão (743) Adj. Des. Freitas Vieira Adj. Des. Carlos Portela Acordam no Tribunal da Relação do Porto I. B… e marido C… instauraram acção declarativa sob a forma de processo sumário contra D…. Pediram a condenação da ré a: A) Reconhecer o direito de propriedade (compropriedade) dos autores sobre o prédio urbano, composto por casa de habitação de rés-do-chão, com 3 divisões para arrumação e 1ºandar para habitação com pátio anexo, sito no …, da freguesia …, do concelho de Murça, a confrontar de Norte e Nascente com E… e a Poente e Sul com caminho, inscrito na respectiva matriz predial sob o artº 858º e descrito na CRP de Murça sob o nº30/19880718; B) Reconhecer que o prédio urbano que inscrito está na matriz, em nome de F…, pai da ré, sob o artº 397º e não descrito na CRP de Murça, onde a ré, D… vive há mais de 40 e 45 anos, está onerado por uma servidão de vistas, em favor do prédio dos autores, constituída por usucapião, oriunda da janela da casa de banho dos autores e intervenientes, que tem uma largura de cerca de 76 cm e altura de cerca de 70 cm; C) Demolir todas as construções que realizou, repondo a situação que existia antes das obras que fez em Julho de 2008, com a consequente destruição do terraço que edificou, tapando a porta de acesso esse mesmo terraço, que também abriu; D) Reparar os estragos que provocou nos quartos contíguos à casa de banho da habitação dos autores; E) Pagar aos autores a importância de € 5.000,00, por todos os prejuízos que lhes causou; F) Pagar aos autores a quantia que relegaram para liquidação e execução de sentença, por os autores ainda não conhecerem em toda a sua extensão, em quantidade e qualidade, os danos que sofrerão no futuro até que todas as obras feitas pela ré sejam destruídas e reparados os estragos que provocou. Como fundamento, alegaram factos tendentes a demonstrar que são comproprietários do prédio identificado em A) e alegaram ainda que: - a ré vive no prédio identificado em B), que confronta com aquele de Norte e Nascente; - em Julho de 2008, a ré destruiu o cabanal de telha existente na confrontação nascente do prédio que habita com o prédio dos autores e aí edificou um terraço, que encostou à parede do prédio dos autores, subindo-o, com o que permitiu que qualquer pessoa, sem dificuldade, aceda ao telhado do mesmo; - em consequência da edificação da placa do terraço, nomeadamente devido às duas tábuas de madeira colocadas no local, a ré tapou a abertura da casa de banho do prédio dos autores, que estes, desde há mais de 30, 35 anos, vêm utilizando, continua e ininterruptamente, de modo público, pacífico e na convicção de que exercem direito próprio; - servindo-se da parede do prédio dos autores, a ré fez uma divisória por debaixo do terraço, e, virado para este, abriu, desde o seu prédio, uma porta; - com as obras encetadas pela ré, designadamente fruto do tapamento da abertura, os quartos do prédio dos autores apresentam humidade, tendo um deles sido esburacado e outro apresenta fissuras; - em razão da falta de sol, derivado do tapamento da abertura, surgiu humidade na casa de banho do prédio dos autores, bem como no corredor que permite o acesso a esse compartimento, sendo certo que os dois quartos referidos tornaram-se frios, o que fez com os autores tivessem gastos acrescidos com energia eléctrica, em razão da utilização de aquecedores; - em face da actuação da ré, os autores sofreram incómodos e mal-estar. Os autores requereram também a intervenção principal de G… e H…, na qualidade de comproprietários do prédio identificado no artº 3º da petição inicial. A ré contestou, impugnando os factos alegados pelos autores. A intervenção principal foi admitida e os chamados aderiram ao alegado pelos autores na petição inicial. Percorrida a tramitação subsequente, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência: A) Reconheceu que os autores são proprietários, em comum, do prédio urbano, composto por casa de habitação de rés-do-chão, com 3 divisões para arrumação e 1ºandar para habitação com pátio anexo, sito no …, da freguesia …, do concelho de Murça, a confrontar de Norte e Nascente com E… e a Poente e Sul com caminho, inscrito na respectiva matriz predial sob o artº 858º e descrito na CRP de Murça sob o nº30/19880718; B) Absolveu a ré dos demais pedidos contra si formulados. Os autores recorreram, formulando, em síntese, as seguintes Conclusões 1ª – Considerando designadamente a resposta aos artºs 1º, 2º, 3º, 4º, 6º, 7º, 8º, 9º, 11º, 12º, 13º, 14, 15º e 16º, não se pode deixar de entender que se está em presença de uma janela que beneficia de uma servidão de vistas. 2ª – Assim não se entender é negar que uma abertura situada a 1,34 m do solo ou chão da casa de banho, que é onde se localiza, com uma largura de 78 cm e 69 cm de altura, existente desde 1975 e utilizada todos os dias, sem oposição e com o conhecimento de todos, particularmente da ré, que permite a visibilidade para o prédio da ré, não é uma janela nem que se possa constituir ou ter constituído uma servidão de vistas. 3ª – O que de modo algum se pode aceitar. Não é uma qualquer fresta irregular, mas antes uma janela, sem quaisquer dúvidas. 4ª – Aliás, os próprios Acórdãos que a Sentença refere para pretender negar a existência da janela e da servidão de vistas, permitem retirar entendimento diferente. 5ª – Pois, além das reduzidas dimensões, as frestas apenas permitem a entrada de ar e luz, o que é diferente das janelas que são mais amplas e permitem ver e devassar o prédio vizinho, que é a finalidade das janelas. 6ª – Assim, todos os Acórdãos citados e também outros que citamos, alguns até posteriores aos referidos na Sentença, referem expressamente que a diferença entre frestas, seteiras, óculos de luz e ar e as janelas está nas dimensões de umas e outras e também na visibilidade e devassa do prédio vizinho. 7ª – Que inclusivamente permitem que um corpo de uma pessoa se projecte ou possa projectar para o prédio alheio. 8ª – Sendo inaceitável dizer-se, como se diz na Sentença, que uma abertura de 78 cm de largura por 69 de altura “(…) apenas com dificuldade assinalável permitirá que um corpo de uma pessoa se projecte através dela sobre o prédio vizinho da ré”. 9ª – È que até as portas não têm normalmente largura superior, pois a largura normal de uma porta, como todos sabem, é de cerca de 75 cm a 80 cm, por onde todos os dias todos nós circulamos, projectando normalmente e sem dificuldade o corpo. 10ª – A existência de parapeito que é um requisito essencial das varandas, terraços e eirados, nos termos do nº 3 do artº 1360º do CC, já o não é da janela, limitando-se esta à amplitude das suas dimensões e à finalidade dela, à possibilidade de ver e devassar o prédio vizinho, que necessariamente não acontece com as frestas. 11ª – Isto sem prejuízo de a parte mais baixa da abertura servir de parapeito. 12ª – Não sendo nunca necessário para que se considere uma janela a existência ou não de uma superfície. 13ª – Nem a lei, a jurisprudência e doutrina fazem essa exigência que manifestamente ocorre nas varandas, terraços e eirados. 14ª – As dimensões e a possibilidade de se ver e de se devassar, permitindo a passagem da cabeça de um homem, são os requisitos que a jurisprudência unanimemente considera necessária para a existência de janela e da possibilidade da servidão de vistas. 15ª – A doutrina é ainda menos exigente referindo, designadamente Pires de Lima e Antunes Varela, in CC Anotado, que fazem depender a existência da servidão de vistas das dimensões da janela e da possibilidade de ver e devassar o prédio vizinho, admitindo inclusivamente que a janela pode até estar fechada. 16ª – E que as frestas se destinam apenas à entrada de luz e ar ao contrário das janelas que têm como escopo permitir a visibilidade e poder devassar o prédio alheio. 17ª – Ora, uma abertura situada a 1,34 m do solo, abaixo manifestamente da altura do homem médio, e muito abaixo dos 1,80 m, com uma largura de 78 cm e 69 cm de altura, com vidro que permite a visibilidade para o prédio vizinho, que edificada foi em 1975 e que se manteve até 2008, sem oposição, à vista de todos, utilizada todos os dias, com a convicção de que se não lesavam direitos alheios, não pode, temos que defender, ser impedimento para a constituição da servidão de vistas. 18ª – Também não se concorda com a fundamentação da resposta ao artº 21º da base instrutória e, muito menos, com a justificação dada na Sentença. 19ª – É que depois de se remeter para a prova pericial e admitir que a existência do buraco no quarto se deveu à remoção de uma viga de madeira, apoiada nessa parede, refere-se, pouco depois, que não se pode concluir “com total grau de certeza, que foi no âmbito das obras realizadas pela ré, que comportaram a destruição do cabanal, que foi removida a viga de madeira”. 20ª – Situação que também encontramos na Sentença ao não considerar que as fissuras nos quartos e o buraco num deles não é uma consequência da destruição do cabanal efectuada pela ré em inícios de Julho de 2008. 21ª – E não se concorda porque a resposta ao quesito 3º formulado pelo Sr. Juiz, mereceu resposta unânime e inequívoca dos senhores peritos, referindo expressamente que a existência das fissuras em ambos os quartos e do buraco num deles é “resultante da remoção da viga de madeira, apoiada nessa parede, pertencente à estrutura da cobertura do cabanal da ré”. 22ª – Diz-se respeitar a prova pericial, mas ulteriormente demonstra-se que afinal não se respeita. 23ª – Também não se pode aceitar que se dê como provado que houve incómodos que é o constante da resposta ao artº 24º da base instrutória e se conclua que não merecem qualquer relevo. 24ª – Pois, os incómodos de que trata esse artº 24º não se referem apenas à ausência de humidade na casa de banho e no corredor, ou ao facto de os quartos serem frios e se gastar energia eléctrica. 25ª – Têm também que ver com as fissuras em ambos os quartos e o buraco num deles, que a matéria que o artº 21º da base instrutória pergunta. 26ª – A existência das fissuras e do buraco também terão que ser levadas em conta. A ré contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. * II.O tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos: Pela apresentação nº 4 de 18.07.1988, encontra-se inscrita no registo em favor de B…, casada com C… em regime de comunhão de adquiridos, a aquisição (por dissolução da comunhão conjugal e sucessão hereditária) da quota correspondente a ¼ do prédio urbano, composto por casa de habitação de rés-do-chão, com 3 divisões para arrumação e 1º andar para habitação com pátio anexo, sito no …, da freguesia …, do concelho de Murça, a confrontar de Norte e Nascente com E… e a Poente e Sul com caminho, inscrito na respectiva matriz predial sob o artº 858º e descrito na CRP de Murça sob o n.º30/19880718. (A) Pela apresentação nº 1 de 24.03.1998, encontra-se inscrita no registo em favor de G…, casado com H… em regime de comunhão de adquiridos, e em favor da viúva I…, a aquisição (por dissolução da comunhão conjugal deferida em partilha) da quota correspondente, respectivamente, a ¼ e ½ do prédio urbano, composto por casa de habitação de rés-do-chão, com 3 divisões para arrumação e 1º andar para habitação com pátio anexo, sito no …, da freguesia …, do concelho de Murça, a confrontar de Norte e Nascente com E… e a Poente e Sul com caminho, inscrito na respectiva matriz predial sob o artº 858º e descrito na CRP de Murça sob o n.º30/19880718. (B) Encontra-se inscrito em favor de F…, sob o artigo matricial nº 397º, o prédio urbano em propriedade total sem andares nem divisões susceptível de utilização independente, composto por casa com pátio, sito no …, da freguesia …, do concelho de Murça, a confrontar de Norte com J…, de Sul e Poente com Rua e de Nascente com K…. (C) I… faleceu em 09.01.10, no estado de viúva de L…. (D) A autora B… é filha de I… e L…, e, contraiu casamento, sem convenção antenupcial, com C… em 30.12.81. (E) G… é filho de I… e L…, e contraiu casamento, sem convenção antenupcial, com H… em 17.08.96. (F) E… faleceu em 30.07.94 no estado de casado com a ré D…. (G) No prédio descrito em A) e B) sempre viveram os falecidos I… e L…. (H) Desde a data do seu casamento, os autores, B… e C…, residem, igualmente, no prédio descrito em A) e B). (I) O mesmo sucedendo com G… e sua esposa H… desde a data do seu casamento. (J) Há mais de 10, 20, 30 e 40 anos, por si e por intermédio dos seus antepossuidores, os autores vêm dando aproveitamento ao prédio descrito em A) e B), nele dormindo, comendo, pagando as contribuições devidas a ele inerentes e fazendo as reparações necessárias, tudo isto dia após dia, à vista da generalidade das pessoas, sem qualquer espécie de violência, quer em relação às coisas quer em relação às pessoas e sem a oposição de ninguém, cientes que não lesavam direitos, interesses ou expectativas de outrem e na convicção de estarem a exercer um direito próprio. (K) De igual modo, há mais de 10, 20, 30 40 e 45 anos, por si e por intermédio dos seus antepossuidores, a ré vêm dando aproveitamento ao prédio descrito em C), nele residindo (conjuntamente com o seu marido até à morte do mesmo) e fazendo obras, dia após dia, à vista da generalidade das pessoas, sem a oposição de ninguém. (L) No início do mês de Julho de 2008, a ré destruiu o cabanal coberto de telha existente na confrontação nascente do prédio que habita com o prédio descrito em A). (1º) E edificou um terraço de cerca de 40 m2. (2º) Terraço esse que foi encostado à parede do prédio descrito em A). (3º) O terraço foi subido em, pelo menos, 1,5 m. (4º) Por esse terraço se situar junto à cornige do prédio descrito em A), pode aceder-se, através dele, ao telhado do mesmo. (5º) Em consequência da edificação da placa do terraço, nomeadamente devido aos tijolos e às duas tábuas de madeiras colocadas no local, a abertura da casa de banho do prédio descrito em A) foi tapada. (6º) Tal abertura fica situada a 1,34 m do mosaico da casa de banho, é de vidro inteiriça e permite a visibilidade para o prédio descrito em C). (7º e 8º) Tal abertura tem 78 cm de largura e 69 cm de altura e foi edificada por L… em 1975. (9º, 10º e 11º) Há mais de 30, 35 anos, por si por intermédio dos seus antepossuidores, ininterruptamente, os autores vêm dando aproveitamento à abertura existente na casa de banho do prédio descrito em A), utilizando-a, tudo isto dia após dia, à vista da generalidade das pessoas, designadamente da ré e seu falecido marido, sem oposição de ninguém, particularmente da ré e seu falecido marido, cientes que não lesavam direitos de outrem e na convicção de estarem a exercer um direito próprio. (12º, 13º, 14º, 15º e 16º) Virado para terraço a ré abriu, desde o prédio descrito em C), uma porta para aceder ao mesmo. (18º) Junto à casa de banho cuja abertura a ré tapou, existem, no prédio descrito em A), dois quartos. (19º) Os quartos apresentam humidades. (20º) Um dos quartos apresenta um buraco e ambos apresentam fissuras. (21º) Com as obras realizadas pela ré, os autores sofreram incómodos. (24º) * III.O recurso é balizado pelas conclusões das alegações, estando vedado ao tribunal apreciar e conhecer de matérias que naquelas não se encontrem incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido. 1. Nas conclusões 1ª a 17ª, os autores suscitam a questão da constituição, por usucapião, de uma servidão de vistas a favor do seu prédio (identificado em A e B) e sobre o prédio da ré (identificado em C). Diz o artº 1360º, nº 1 do CC que o proprietário que no seu prédio levantar edifício ou outra construção não pode abrir nela janelas ou portas que deitem directamente sobre o prédio vizinho sem deixar entre este e cada uma das obras o intervalo de metro e meio. Por seu turno, diz o artº 1362º, nº 1 do mesmo Diploma, que a existência de janelas, portas, varandas, terraços, eirados ou obras semelhantes, em contravenção do disposto na lei, pode importar, nos termos gerais, a constituição de servidão de vistas por usucapião. Segundo o nº 2 do mesmo preceito, constituída a servidão de vistas, por usucapião ou outro título, ao proprietário vizinho só é permitido levantar edifício ou outra construção no seu prédio desde que deixe entre o novo edifício ou construção e as obras mencionadas no nº 1 o espaço mínimo de metro e meio, correspondente à extensão destas obras. Finalmente, de acordo com o disposto no nº 1 do artº 1363º, não se consideram abrangidos pelas restrições da lei as fretas, seteiras ou óculos para luz e ar. Podendo o vizinho levantar a todo o tempo a sua casa ou contramuro, ainda que vede tais aberturas. E, segundo o nº 2 do mesmo preceito, as frestas, seteiras ou óculos para luz e ar devem, todavia, situar-se elo menos a um metro e oitenta centímetros do solo ou do sobrado, e não devem ter, numa das suas dimensões, mais de quinze centímetros; a altura de um metro e oitenta centímetros respeita a ambos os lados da parede ou muro onde essas aberturas se encontram. Como referem Pires de Lima e Antunes Varela[1], é dupla a finalidade da limitação prevista no artº 1360º do CC. Por um lado, pretende-se evitar que o prédio vizinho seja facilmente objecto de indiscrição de estranhos. Por outro lado, quer-se impedir que o prédio seja facilmente devassado com o arremesso de objectos. Uma vez abertas janelas ou portas em contravenção ao disposto no artº 1360º, nº 1 do CC, se o proprietário do prédio vizinho não exigir que as mesmas sejam fechadas, pode sofrer as consequências decorrentes da constituição de uma servidão de vistas que, além de atribuir ao dono do prédio onde tais janelas e portas foram abertas o direito de ver o que se passa no prédio alheio, impede o vizinho de levantar edifício ou outra construção sem deixar, entre as duas construções, uma zona de 1,50 m (cfr. artº 1362º, nº 1 do CC)[2]. O objecto da servidão de vistas prevista no citado nº 1 do artº 1362º não é a vista sobre o prédio vizinho, mas a existência de janela ou porta em condições de o poder ver e devassar, independentemente da concretização dessa usufruição, o que significa que o corpus da posse se reconduz, na espécie, à simples existência da janela ou porta em infracção do que se prescreve no artº 1360º, nº 1 do CC[3]. Não se exerce a servidão com o facto de se desfrutarem as vistas sobre o prédio, mas mantendo-se a obra e condições de se poder devassar o prédio vizinho. Pode a janela ou a porta estar fechada, desde que o não seja, definitivamente, que a servidão não deixa de ser exercida[4]. No caso, está provado que no prédio dos autores (identificado em A e B) existe uma abertura com as dimensões de 78 cm de largura e 69 cm de altura, de vidro inteiriça, e situada a 1,34 m do mosaico da casa de banho da casa de habitação do referido prédio. Essa abertura está situada a menos de 1,50 m de distância do prédio da ré (descrito em C), o qual, pelo seu lado nascente, confronta com o prédio dos autores – como se depreende do facto de a ré ter edificado no seu prédio um terraço encostado ao prédio dos autores e que tapou a aludida abertura. A questão que se coloca é a de saber se a abertura existente no prédio dos autores é uma janela, que, verificados os demais requisitos, permitiria a aquisição pelos autores de um direito de servidão de vistas sobre o prédio, conforme à previsão dos citados artºs dos artºs 1360º, nº 1 e 1362º, nº 1 do CC ou se é uma simples fresta, que, como tal, não conduziria à aquisição daquele direito (artº 1363º, nº 1). “A lei reporta-se a janelas, frestas, seteiras e a óculos de luz, mas não os define, pelo que é livre ao intérprete considerar que as mencionadas expressões assumem o sentido que lhes é dado na linguagem corrente, ou seja, com o significado que lhes é atribuído pelo comum das pessoas. (…) E mesmo na análise do comum das pessoas não é fácil a distinção entre janelas por um lado, e frestas, seteiras e óculos de luz por outro, esta última espécie designada por aberturas de tolerância Mas a dimensão das mencionadas aberturas não superior a quinze centímetros e a sua localização a não menos de um metro e oitenta centímetros a contar do sobrado ou do terraço, conforme os casos, visa obstar a que por elas ocorra o devassamento dos prédios vizinhos situados nos limites do seu enfiamento imediato. Tendo em conta a dimensão máxima prevista na lei para tais aberturas, poder-se-á afirmar que as frestas e as seteiras e os óculos significam as janelas muito estreitas ou as fendas abertas nas paredes de modo a permitirem a entrada de luz ou a claridade, as duas primeiras em regra de forma alongada, e os últimos de forma oval ou em círculo. A expressão janela, derivada do latim janua, com o sentido de porta ou entrada, que é o comum, traduz-se numa abertura feita na parede externa das casas, em regra para entrada de ar e luz no seu interior ou para desfrute de vistas. (…) Em sentido jurídico, o conceito de janela abrange, além da abertura mencionada, os elementos materiais que a compõem, por exemplo as vidraças, que são peças de madeira, de plástico ou de vidro que se colocam nos respectivo vão para que penetre a luz e não o ar. Dir-se-á, tendo em conta, além do mais, o que se expressa nos artigos 1362º e 1363º do Código Civil, que a diferença específica entre as janelas, por um lado, e as frestas, seteiras, gateiras e óculos de luz, por outro, é o tamanho em largura e altura e a função de permitir a visão pelas pessoas de dentro para fora quanto às primeiras e não em relação às últimas.”[5]. As aberturas que excedam os limites impostos pelo nº 2 do artº 1363º para as dimensões e localização das frestas, seteiras e óculos não são necessariamente janelas: tratar-se-á, neste caso, de frestas, seteiras ou óculos irregulares, tendo-se entendido que importam a constituição de uma servidão predial, permitindo ao proprietário do prédio onde existem que as mantenha abertas, mas não importam a constituição de uma servidão de vistas, não impondo ao proprietário do prédio vizinho a obrigação de levantar a todo o tempo construção que as vede[6]. Do exposto resulta que a classificação de uma abertura como janela depende, essencialmente, da sua virtualidade para, através dela, se devassar o prédio vizinho, permitindo não só ver o que ali se passa, como lançar lixo ou objectos sobre o prédio. No caso, a abertura que existe no prédio dos autores tem as dimensões de 78 cm de largura por 69 cm de altura. Tais dimensões são idênticas às utilizadas em divisões como salas e quartos, sendo até superiores às que são actualmente utilizadas em casas de banho (que é o compartimento em que se situa a janela em causa): como tal, são perfeitamente adequadas à projecção da parte superior de um corpo humano e ao lançamento de objectos. No entanto, a janela situa-se a 1,34 m do pavimento da casa de banho, o que significa que, embora as suas dimensões sejam adequadas à projecção da parte superior de um corpo humano, a altura a que se encontra do pavimento não permite tal projecção: tal medida de 1,34 m situa-se, aproximadamente, pelos ombros de uma pessoa com 1,70 m de altura. E sabemos que a possibilidade de projecção da parte superior de um corpo humano pela abertura, que permita a uma pessoa apoiar-se e debruçar-se, por forma a desfrutar das vistas sobre o prédio vizinho, tem sido um dos factores usados para classificar uma abertura como janela[7] - foi esse factor que, no essencial, relevou para que, na sentença recorrida, não se tivesse classificado como janela a abertura existente no prédio dos autores. Porém, há que ver que, no caso, apesar de a abertura não permitir essa projecção de um corpo humano (a não ser de uma pessoa com altura superior à média), atentas as suas dimensões e a parte do corpo humano que fica acima da mesma, não deixa de permitir um amplo visionamento do prédio da ré e de facilmente permitir o lançamento de lixo ou objectos sobre tal prédio. Por isso, tendo em consta a ratio da norma do artº 1360º, nº 1 do CC, não podemos deixar de classificar tal abertura como janela nos termos e para os efeitos do disposto naquele preceito e no nº 1 do artº 1362º do mesmo Diploma, ou seja, para permitir a aquisição de um direito de servidão de vistas pelos autores, constituído a factor do seu prédio e sobre o prédio da ré. Está provado que a abertura foi feita em 1975 e que, há mais de 35 anos, por si por intermédio dos seus antepossuidores, ininterruptamente, os autores vêm dando aproveitamento à mesma, utilizando-a, tudo isto dia após dia, à vista da generalidade das pessoas, designadamente da ré e seu falecido marido, sem oposição de ninguém, particularmente da ré e seu falecido marido, cientes que não lesavam direitos de outrem e na convicção de estarem a exercer um direito próprio. Mostram-se assim preenchidos os demais requisitos de que a lei faz depender a aquisição, por usucapião, de um direito de servidão de vistas (cfr. artºs 1251º, 1252º, nº 1, 1253º, 1256º, 1258º, 1259º, 1260º, nº 1, 1261º, 1262º, 1263º, al. a), 1287º, 1288º, 1293º, al. a), a contrario, e 1296º, todos do CC). O reconhecimento da existência do direito de servidão de vistas dos autores tem como consequência que a ré não possa levantar edifício ou outra construção no seu prédio, a menos que deixe entre o novo edifício ou construção e a janela existente no prédio dos autores o espaço mínimo de 1,50 m, correspondente à extensão dessas obras (artº 1362º, nº 2 do CC. Como se tem entendido, a distância de 1,50 m terá de ser guardada apenas na extensão da janela, o que significa que a ré terá de demolir o terraço que edificou no seu prédio apenas na dimensão do enfiamento da janela, dessa forma ficando salvaguardado o direito de servidão de vistas dos autores[8]. 2. Nas conclusões 18ª a 22ª, dizem os autores que não concordam com a fundamentação da resposta que foi dada ao quesito 21º, argumentando que em tal fundamentação se remeteu para a prova pericial e que acabou por se escrever que não se pode concluir que foi no âmbito das obras realizadas pela ré, que comportaram a destruição do cabanal que foi removida a viga de madeira e ainda que as fissuras e os buracos existentes nos quartos da casa de habitação dos autores se deveu à remoção daquela viga. Não tiram os autores quaisquer consequências da invocada “falta de acordo” com a fundamentação. Parece-nos que os autores querem invocar o erro na apreciação da prova respeitante àquele concreto ponto da matéria de facto; no entanto, não pedem a alteração do mesmo, pelo que mesmo que este Tribunal entenda que tal erro existe, não poderá alterá-lo (cf. artº 712º, nº 1 do CPC, na versão anterior à introduzida pela Lei 41713, de 26.06 e artºs 640º, nº 1 e 662º, nº 2 da versão aprovada por aquela Lei). Por outro lado, não nos parece que os autores tenham querido invocar a deficiência da fundamentação da matéria de facto, que é questão diversa da invocação do erro na apreciação da prova. Sempre se dirá, no entanto, que, a partir da reforma processual introduzida pelo DL 329-A/95 de 12.12, o suporte mínimo da fundamentação da matéria de facto não se satisfaz com a indicação dos concretos meios de prova que foram decisivos para a convicção do julgador, exigindo-se ainda a referência, na medida do possível, das razões de credibilidade ou da força decisiva reconhecidas a esses meios de prova. É o que resulta da redacção do artº 653º, nº 2 do CPC, anterior à versão do CPC aprovada pela Lei 41/13. Por outro lado, a fundamentação não deve ser um extenso e neutro repositório de tudo o que as testemunhas declararam. O que a lei pretende é a apreciação crítica das provas, isto é, que o juiz justifique os motivos da sua decisão, esclarecendo, designadamente, por que razão atribuiu credibilidade a uns depoimentos em detrimento de outros ou deu prevalência ao laudo de um perito e não ao de outros divergente[9]. Esta solução manteve-se na versão do CPC aprovada pela Lei 41/13 (cfr. artº 607º, nº 4). A falta ou deficiente fundamentação da decisão sobre a matéria de facto não gera nulidade: a inobservância do nº 2 do citado artº 653º acarretava a devolução dos autos à 1ª instância, a requerimento da parte, para que as respostas aí sejam devidamente fundamentadas, nos termos do artº 712º, nº 5 do CPC, anterior à versão do CPC aprovada pela Lei 41/13. Nos termos da versão do CPC aprovada pela Lei 41/13, a devolução dos autos à 1ª instância para fundamentação passou a poder ser feita oficiosamente pelo Tribunal de recurso (artº 662º, nº 2, al. d). No caso, na fundamentação da matéria de facto, o Mº Juiz a quo analisou de forma exaustiva e proficiente todas as provas produzidas, designadamente a prova testemunhal, documental, pericial e por inspecção judicial, dando pleno cumprimento à disposição do anterior artº 653º, nº 3 do CPC – o que basta para que não se verifique qualquer deficiência naquela fundamentação. Mas a elaboração de conclusões contrárias ao que consta do relatório pericial não se enquadra propriamente na figura da deficiência da fundamentação da matéria de facto, mas sim na do erro na apreciação da prova – que nos aprece ser o que os autores realmente quiseram invocar, mas sem daí retirar as necessárias consequências quanto à alteração da matéria de facto. 3. Finalmente, nas conclusões 23ª a 26ª, dizem os autores que não concordam que não lhes tenha sido atribuída indemnização pela existência das fissuras e do buraco nos quartos da sua casa de habitação, uma vez que se provou que, com tal, sofreram incómodos. Ora, o que não se provou foi o nexo de causalidade entre tais fissuras e buraco e as obras levada a cabo pela ré, pelo que, desde logo, não se verifica um dos requisitos da responsabilidade civil por facto ilícito prevista no artº 483º do CC. * IV. Pelo exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando-se, em parte, a sentença recorrida e, em consequência: - Mantém-se o reconhecimento do direito de propriedade dos autores e interveniente sobre o prédio identificado em A) e B) da matéria de facto assente; - Declara-se que o prédio identificado em C) da matéria de facto assente está onerado com uma servidão de vistas, a favor do prédio identificado em A) e B) da mesma matéria de facto, constituída por usucapião, oriunda da janela da casa de banho deste último prédio, que tem a largura de 78 cm e a altura de 69 cm; - Condena-se a ré a demolir as construções que fez no prédio identificado em C), até à altura da janela acima referida e em toda a extensão desta; - Absolve-se a ré dos demais pedidos formulados pelos autores e intervenientes. Custas em ambas as instâncias na proporção de ½ para os autores e intervenientes e de ½ para a ré. *** Porto, 17 de Outubro de 2013Deolinda Varão Freitas Vieira Carlos Portela ______________ [1] CC Anotado, III, 2ª ed., pág. 212. [2] Cfr. A. Santos Justo, Direitos Reais, pág. 243. [3] Ac. do STJ de 15.05.08, www.dgsi.pt. [4] Pires de Lima e Antunes Varela, obra citada, pág. 219. No mesmo sentido, José Luís Santos, Servidões Prediais, 3ª ed., pág. 55. [5] Ac. do STJ de 15.05.08, já citado. [6] Cfr. Santos Justo, obra citada, pág. 244 e os Acs. do STJ de 26.02.04, 01.04.08 e 26.06.08, todos em www.dgsi.pt. [7] Cfr. os citados Acs. do STJ de 26.02.04 e 01.04.08 e ainda o Ac. desta Relação de 19.12.07, também em www.dgsi.pt. [8] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, obra citada, pág. 221, José Luís Santos, obra citada, pág. 34 e o citado Ac. do STJ de 15.05.08. [9] Pinto de Almeida, “Fundamentação da Sentença Cível”, nota 9, Intervenções, www.trp.pt. |