Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4719/15.3T8OAZ-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL DOMINGOS FERNANDES
Descritores: JUNÇÃO DE DOCUMENTO NA FASE DE RECURSO
REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
CONSIGNAÇÃO DE RENDIMENTOS
PRESUNÇÃO DERIVADA DO REGISTO
PENHORA DE CRÉDITO
Nº do Documento: RP202403044719/15.3T8OAZ-C.P1
Data do Acordão: 03/04/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Na fase de recurso, a junção de documentos reveste natureza excecional, só sendo admissível no caso de impossibilidade de apresentação até ao encerramento da discussão em 1ª instância ou de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.
II - A junção será considerada necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância se a decisão recorrida contiver elementos de novidade, isto é, que tenha sido absolutamente surpreendente para o apresentante do documento, face ao que seria de esperar em face dos elementos do processo.
III - O Tribunal da Relação goza no âmbito da reapreciação da matéria de facto dos mesmos poderes e está sujeito às mesmas regras de direito probatório que se aplicam ao juiz em 1ª instância, competindo-lhe proceder à análise autónoma, conjunta e crítica dos meios probatórios convocados pelo recorrente ou outros que os autos disponibilizem, introduzindo, nesse contexto, as alterações que se lhe mostrem devidas.
IV - No âmbito dessa reapreciação o julgador poderá lançar mão de presunções naturais, de facto ou judiciais, isto é, no seu prudente arbítrio, poderá deduzir de certo facto conhecido um facto desconhecido (art.ºs 349.º e 351.º, ambos do C. Civil).
V - A consignação de rendimentos, a terceira das garantias especiais previstas e reguladas na lei (cfr. artigos 656.º a 665.º do CCivil), consiste na estipulação pela qual o cumprimento da obrigação é assegurado mediante a atribuição ao credor dos rendimentos de certos bens imóveis, ou de certos bens móveis sujeitos a registo, pertencentes ao devedor ou a terceiro.
VI - Do artigo 7.º do CRPredial resulta a presunção que o direito existe e pertence ao titular inscrito, dispensando, assim, o seu beneficiário de provar o facto presumido, como decorre claramente do artigo 350.º, n.º 1, do Código Civil.
VII - Assim, o facto-base da presunção, será o facto registado (por ex.: o contrato de compra e venda, doação, usucapião, ou neste caso a consignação de rendimentos, etc.), conferindo o seguinte alcance quanto ao efeito presumido: (i) existência do direito que emerge do facto jurídico inscrito; (ii) titularidade desse direito na esfera do beneficiário inscrito; (iii) o objeto e o conteúdo dos direitos, ónus ou encargos, nos precisos termos definidos no registo.
VIII - Se se encontra registada, sobre as 11 frações autónomas uma consignação de rendimentos a favor do credor reclamante pelo valor mensal de 52.000€ não se pode afirmar que se trata de uma mera consignação de receitas e não de uma garantia real.
IX - Se o agente de execução não notifica o credor com garantia real após a penhora, tal omissão tem as consequências da falta de citação do réu na ação declarativa, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 187º, al. a) e 786º, nº 6 do Código de Processo Civil, com as devidas adaptações, resultantes das especificidades próprias da ação executiva.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 4719/15.3T8OAZ-C.P1-Apelação
Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro-Juízo de Execução de Oliveira de Azeméis-J1
Relator: Des. Dr. Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Drª Maria Fernandes de Almeida
2º Adjunto Des. Drª Eugénia Marinho da Cunha
Sumário:
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I-RELATÓRIO
1. Por apenso aos autos principais de execução, para pagamento de quantia certa, sob a forma ordinária, em que é exequente Banco 1..., S.A., sendo executados A..., S.A., B...–Sgps, S.A., AA e BB, veio Banco 2..., S.A., Sucursal em Portugal deduzir incidente de reclamação de créditos.
A reclamante requereu a verificação e o reconhecimento de um crédito no montante de 3.207.323,61€, acrescido de juros vincendos até integral pagamento, assim como a sua graduação no lugar que lhe coubesse para ser pago pelo produto das rendas penhoradas no âmbito dos autos principais.
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Notificados todos os demais intervenientes processuais, em conformidade com o estabelecido no art. 789.º, nº 2 do Código de Processo Civil, apenas o exequente Banco 1..., S.A., apresentou contestação.
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Conforme advertência contida no artigo 1º da sua contestação, o exequente não pretendeu colocar em crise o crédito reclamado, nem na sua origem ou titularidade, nem quanto ao seu valor.
Em síntese, o exequente formulou oposição, negando, por um lado, a existência das garantias invocadas pela reclamante sobre o crédito de rendas penhorado nos autos principais, assim como a inobservância do preceituado no art. 786.º, nº 1, al. b) do Código de Processo Civil, e, defendendo, por outro lado, a «extemporaneidade da reclamação quanto aos valores já entregues ao exequente», dando-se aqui por integralmente reproduzida, por economia processual, a respetiva argumentação.
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Teve lugar a audiência prévia com observância do formalismo legal.
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Nessa ocasião, analisados os autos globalmente considerados e debatidas as aludidas questões, foi proferido despacho determinando a notificação do Sr. Agente de Execução, a fim de efetuar relatório completo das respetivas atividades no âmbito dos autos principais de execução, nele discriminando, designadamente, o valor da quantia exequenda inicial, em todas as suas parcelas, os atos de penhora concretizados, a data em que o foram e os valores por eles assegurado, o qual veio a ser junto aos presentes autos na data de 12.01.2021.
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Foram, entretanto, os autos suspensos em virtude de terem sido igualmente sustados os autos de embargos de executado, no decurso da audiência de discussão e julgamento de tal causa incidental, com fundamento na existência de negociações entre o exequente Banco 1..., S.A., a executada A..., S.A., e a reclamante Banco 2..., S.A., Sucursal em Portugal.
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Frustrada uma solução consensual entre os referidos intervenientes, fosse para a globalidade dos autos, fosse parcial, foram os mesmos convidados, nos termos e ao abrigo do disposto nos arts. 6.º, 7.º, nº 1 e 2 e 547.º do Código de Processo Civil, a pronunciarem-se sobre a necessidade de produzir outras provas além dos documentos já constantes dos autos, tendo o exequente e a reclamante declarado considerarem que estes seriam suficientes–cf. requerimentos de 26.05.2021 e de 23.09.2021.
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Entendimento que foi seguido pelo tribunal recorrido pelo que foi proferido despacho saneador sentença com a seguinte parte dispositiva:
“Por todo o anteriormente explanado, decide-se:
a) reconhecer os créditos reclamados por Banco 2..., S.A. Sucursal em Portugal, relativos aos contratos de mútuo mencionados nos pontos 16 e 19 dos factos assentes.
b) graduar os créditos reclamados com o crédito exequendo, para serem pagos pelo produto dos bens penhorados nos autos principais, em conformidade com o disposto no art. 796º, nº 2 do Código de Processo Civil, do seguinte modo:
ba) Relativamente ao direito de crédito da executada reclamada, penhorado pelo auto de 22.01.2019:
- em primeiro lugar, o crédito reclamado por Banco 2..., S.A. Sucursal em Portugal, relativo às obrigações assumidas pela executada no contrato de mútuo referido no ponto 16 dos factos assentes; e,
- em segundo lugar, o crédito exequendo.
bb) Relativamente aos bens imóveis penhorados nos autos principais, pelo auto datado do dia 02.03.2020:
- em primeiro lugar, o crédito reclamado por Banco 2..., S.A. Sucursal em Portugal, relativo às obrigações assumidas pela executada no contrato de mútuo referido no ponto 16 dos factos assentes;
- em segundo lugar, o crédito reclamado por Banco 2..., S.A. Sucursal em Portugal, relativo às obrigações assumidas pela terceira à execução no contrato de mútuo referido no ponto 19 dos factos assentes, garantidas pela executada reclamada; e,
- em terceiro lugar, o crédito exequendo.
c) anular, atendendo à graduação constante da alínea ba), os pagamentos efetuados pelo Sr. Agente de Execução ao exequente Banco 1..., S.A., nos termos e ao abrigo do disposto no art. 786º, nº 6, a contrario sensu, do Código de Processo Civil, determinando, consequentemente, ao exequente Banco 1..., S.A., a restituição ao processo de execução dos valores por ele aí recebidos.
d) determinar o desentranhamento dos requerimentos apresentados nas datas de 11.02.2020 e de 17.02.2020, respetivamente juntos aos presentes autos pelo exequente Banco 1..., S.A. e pela reclamante Banco 2..., S.A., Sucursal em Portugal, por se mostrarem anómalos e supérfluos, em conformidade com o explicitado no ponto I.10 desta decisão”.
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Não se conformando com o assim decidido veio o exequente Banco 1..., SA interpor o presente recurso rematando com as seguintes conclusões:
i. Vem o presente recurso interposto da sentença com a referência 126938296, proferida em 09/06/2023, na parte em que:
a) julgou provada a matéria do ponto 30 da fundamentação de facto da sentença;
b) graduou, em primeiro lugar, o crédito reclamado pela Banco 2..., S.A., Sucursal em Portugal decorrente das obrigações assumidas pela executada no contrato de mútuo referido no ponto 16 dos factos assentes e, em segundo lugar, o crédito exequendo, relativamente ao penhorado direito de crédito de rendas devidas pela Direção-Geral da Administração da Justiça (DGAJ) mensalmente à sociedade executada A..., S.A., que, conforme consta dos autos, ascende a um valor mensal de €52.000,00 e se reporta às instalações do Tribunal de Santa Maria da Feira; e
c) anulou os pagamentos efetuados pelo Sr. Agente de Execução ao Exequente Banco 1..., S.A., determinando consequentemente a sua restituição ao processo de execução.
Vejamos.
ii. A decisão recorrida assenta exclusivamente em prova documental, não tendo sequer sido arroladas testemunhas pelas partes.
iii. Mostra-se penhorado nos autos o direito de crédito de rendas devidas pela Direção-Geral da Administração da Justiça (DGAJ) mensalmente à sociedade executada A..., S.A., no valor mensal de €52.000,00, referente a um contrato de arrendamento que tem por objeto as instalações do Tribunal de Santa Maria da Feira–cfr. FP 11 e documento para onde este remete.
iv. Porém, esse contrato não consta dos autos, pelo que se desconhece o seu concreto teor, designadamente quais as frações por ele abrangidas.
v. Apesar do documento complementar anexo à escritura de mútuo com hipoteca outorgada a 22/04/200937 referir-se no seu artigo décimo primeiro a um contrato de arrendamento celebrado em 29/10/2008 entre a A... e o Instituto de Gestão Financeira e das Infraestruturas da Justiça, IP com renda mensal no valor de €52.000,00.
vi. Refere também o ponto TRÊS do mesmo artigo décimo primeiro daquele documento complementar que a A... entregou naquela data à Mutuante «a documentação comprovativa da existência, validade e eficácia do contrato de arrendamento».
vii. Sucede que o contrato de arrendamento nunca foi junto aos autos,
viii. E a carta referida no ponto 17 dos FP, apesar de identificar as frações indicadas no ponto 30 dos FP, é obviamente anterior àquela escritura de 22/04/2009, reporta-se a um contrato de financiamento celebrado na data da carta, 14/04/200938 e encontra-dirigida a uma entidade (IGFIEJ) distinta da entidade devedora das rendas penhoradas (DGAJ)39.
ix. Aliás, a referida carta do ponto 17 dos FP não menciona a existência de qualquer consignação de rendimentos mas antes de um penhor do «direto ao recebimento das rendas» que, como bem refere a decisão recorrida não foi constituído pela escritura de 22/04/2009.
x. Logo, do contrato de arrendamento cujas rendas foram penhoradas nos presentes autos apenas se sabe que nele se encontra estipulada uma renda mensal de €52.000,00, que se reporta às instalações do Tribunal de Santa Maria da Feira e que a entidade Devedora é a DGAJ – Direção-Geral da Administração da Justiça - isto só isto e nada mais do que isto.
xi. A indicação das concretas frações abrangidas por tal contrato de arrendamento consubstancia uma dedução da Mma. Juiz a quo que os documentos juntos aos autos não permitem fazer.
xii. Pelo que deve o ponto 30 da Fundamentação de Facto da sentença ser corrigido por forma a passar a ter a seguinte redação:
«O contrato referido no ponto 11 reporta-se ao arrendamento das instalações do Tribunal de Santa Maria da Feira pela renda mensal de 52.000€, sendo devedora das mesmas a DGAJ – Direção-Geral da Administração da Justiça».
xiii. O registo a que se refere o ponto 23 dos FP–não por acaso recusado numa primeira tentativa pela Conservatória do Registo Predial de Santarém na sequência da Ap... de 2012/02/29 - não constituiu, só por si, qualquer consignação de rendimentos.
xiv. Com efeito, decorre do art. 660º, nº1, do CC, que o ato constitutivo da consignação voluntária de rendimentos «deve constar de escritura pública, de documento particular autenticado ou de testamento».
xv. De acordo com o art. 656º, nº1, do CC, a consignação de rendimentos é uma garantia real, por força da qual o credor se paga pelos rendimentos de certos imóveis ou móveis sujeitos a registo.
xvi. Assim, para que existisse alguma consignação de rendimentos, o título constitutivo da mesma teria de identificar qual ou quais os concretos bens imóveis cujos rendimentos ficavam consignados.
xvii. Da leitura do documento complementar anexo à escritura de mútuo com hipoteca outorgada a 22/04/200940 resulta evidente que não foram consignados os rendimentos de qualquer imóvel ou imóveis mas sim os rendimentos de um contrato de arrendamento celebrado a 29/11/2008 entre a devedora e o IGFIJ com a renda mensal de €52.000,00.
xviii. Nenhum imóvel é sequer ali identificado, ao contrário do que acontece com a hipoteca, que identifica cabalmente os imóveis sobre os quais incide.
xix. Mesmo a declaração dos representantes da A... no corpo da escritura distingue claramente a hipoteca, «que recai sobre o imóveis acima identificados», da consignação de rendimentos e penhor, que se regem pelos termos do documento complementar.
xx. Donde não só não pode a recorrente subscrever o raciocínio do primeiro parágrafo da p. 52 da sentença recorrida, onde se sustenta que são determináveis naquela escritura41 os bens imóveis com cujos rendimentos as partes quiseram garantir o cumprimento das obrigações ali constituídas.
xxi. O que ali se consignou foi uma consignação de receitas provenientes do contrato de arrendamento ali referido: cessando o contrato de arrendamento ali referido extinguia-se por caducidade a “garantia”.
xxii. Já assim não seria caso se tratasse efetivamente de uma consignação de rendimentos de um ou vários imóveis: nesse caso a consignação abrangeria todos os rendimentos desses imóveis, qualquer que fosse o contrato e fosse qual fosse a data da celebração de tal ou tais contratos, mesmo que posterior à da constituição da garantia (desde que subsistisse a dívida e não houvessem entretanto decorrido 15 anos).
xxiii. A consignação de rendimentos de um contrato de arrendamento, conforme foi estipulada no documento complementar à escritura a que se reporta o ponto 16 dos FP, é uma consignação de receitas de um contrato de arrendamento, não uma consignação de rendimentos de um ou vários imóveis.
xxiv. A consignação de receitas é uma mera garantia obrigacional, não oponível aos demais credores e consiste em afetar rendimentos do devedor ao pagamento de determinada dívida. Esta consignação é um negócio jurídico atípico, que tem por base o princípio da autonomia privada: na realidade o legislador não regulamentou este acordo, mas ao abrigo do artigo 405º do Código Civil, têm, não raras vezes, as partes recorrido a este meio jurídico.
xxv. Não sendo tal acordo oponível aos demais credores do mesmo devedor, não estabelece, por conseguinte, qualquer preferência a favor do credor parte neste negócio jurídico.
xxvi. Na ausência dos requisitos da figura da consignação de rendimentos–como é aqui o caso-tais cláusulas não são oponíveis a terceiros.
xxvii. Pelo que deveria ter-se concluído–tal como se fez relativamente ao invocado penhor–que a Reclamante Banco 2... não beneficia–ou pelo menos não demonstrou beneficiar-de qualquer consignação de rendimentos de imóveis suscetível de justificar a sua graduação com preferência em relação ao Exequente Banco 1..., e julgar-se, em consequência, improcedente a reclamação de créditos deduzida por aquela ou pelo menos improcedente a pretensão de ver o seu crédito graduado com anterioridade relativamente ao crédito exequendo.
xxviii. Ainda que assim se não entendesse, a sentença recorrida não teve em conta que o art. 659º nº2, do CC, estabelece que «quando incida sobre os rendimentos de bens imóveis, a consignação nunca excederá o prazo de quinze anos».
xxix. A teleologia do preceito, se dúvidas houvesse, permite concluir que «este limite se aplica às duas modalidades previstas no nº1 do art. 659º» do CC: tenha a consignação uma duração certa, ou incerta (até ao pagamento da dívida).
xxx. Pelo que a consignação de rendimentos de imóveis caduca sempre, se não tiver duração certa inferior, 15 anos a contar da sua constituição, caducidade que no caso em apreço se operaria a 22/04/2024.
xxxi. Donde mesmo que graduasse o crédito da Reclamante à frente do crédito Exequendo, essa graduação apenas poderia abranger as rendas vencidas e vincendas até 22/04/2024, data em que sempre caducaria a pretensa garantia.
xxxii. Caso se reconheça, como supra se sustenta, que o crédito da Banco 2... não se encontra garantido por consignação de rendimentos de qualquer imóvel, ficará automaticamente prejudicado o trecho da sentença que anula os pagamentos efetuados pelo Sr. Agente de Execução ao Exequente Banco 1..., S.A. e determina a restituição de tais importâncias ao processo de execução.
xxxiii. Mas ainda que assim se não entendesse jamais teria o Sr. Agente de Execução violado o art. 786º, nº1, al.b), do CPC e muito menos caberia ao Exequente o dever de restituir as importâncias recebidas à execução.
xxxiv. Vejamos: de acordo com o estabelecido no art. 786º, nº1, al. b), do CPC “são citados para a execução (…) os credores que sejam titulares de direito real de garantia, registado ou conhecido, sobre os bens penhorados, incluindo penhor cuja constituição conste do registo informático de execuções, para reclamarem o pagamento dos seus créditos”.
xxxv. O “bem penhorado”, na circunstância, era um direito, concretamente às rendas devidas pela Direção-Geral da Administração Interna (DGAJ), mensalmente, à Executada, que apenas se sabe ascenderam a um valor mensal de €52.000,00.
xxxvi. Penhora que foi realizada na sequência de pedido do Exequente, formulado através de comunicação ao Agente de Execução de 10/07/2018 com o seguinte teor: “Banco 1..., S.A., Exequente nos autos à margem referenciados, em que são Executados A..., S.A. e outros, REQUER a penhora das rendas que sejam ou venham a ser devidas pelo INSTITUTO DE GESTÃO FINANCEIRA E EQUIPAMENTOS DA JUSTIÇA (Av. ..., ...., Bloco ..., ... Lisboa) à executada A..., S.A. no âmbito do contrato pelo qual esta arrendou àquele as instalações do Núcleo de Santa Maria da Feira do Tribunal da Comarca de Aveiro, sitas na Rua ..., em Santa Maria da Feira».
xxxvii. Na sequência disso, o Sr. Agente de Execução notificou o IGFEJ para a referida penhora, que por sua vez reencaminhou tal comunicação para a DGAJ, que reconheceu o crédito declarando o seguinte (Doc.1):
xxxviii. «Em relação ao solicitado, processo nº 4719/15.3T80AZ, informa-se que a empresa “A..., SA”, com o NIF ..., é fornecedor desta Direção Geral, existindo um contrato de arrendamento, relativo ao edifício do Tribunal de Santa Maria da Feira, no valor mensal de 52.000 €.
xxxix. Mais se informa que atualmente existe uma penhora solicitada pela Autoridade Tributária no valor de 37.156,06 €.
xl. Ao contrário do que levianamente se presume na decisão recorrida o Senhor Agente de Execução desconhecia e desconhece o teor do contrato de arrendamento cujas rendas se penhorou.
xli. Desconhecia, designadamente, quais os imóveis por ele abrangidos.
xlii. O Agente de Execução desconhecia e não tinha que conhecer a existência de qualquer penhor,
xliii. E de resto, a sentença não reconheceu a existência de qualquer penhor.
xliv. A decisão recorrida entendeu que existiria uma consignação de rendimentos dos bens imóveis correspondentes às frações BQ, BT, BU, BV, BX, BZ, CA, CG, CL, CP e CU do prédio descrito na CRP de Santa Maria da Feira sob o nº..., sito na Rua ... e Rua ..., freguesia ..., concelho de Santa Maria da Feira.
xlv. Sucede que desconhecendo quais os imóveis abrangidos pelo arrendamento cujas rendas se mostram penhoradas nos autos, não tinha o Agente de Execução como adivinhar se estava ou não registado algum direito real de garantia sobre o rendimento penhorado.
xlvi. Mesmo constando dos autos principais 43 consultas ao registo predial, referentes a outros tantos imóveis, não sabia o Agente de Execução nem tinha que saber que os 11 imóveis com registo de consignação de rendimentos registado correspondiam aos imóveis arrendados à DGAJ.
xlvii. Desconhecia–e desconhece-inclusivamente, se tal arrendamento incide sobre bens imóveis próprios da Executada, ou sobre bens por ela administrados enquanto locatária, como sucedera com os edifícios abrangidos pelo contrato de locação financeira imobiliária que está na origem da dívida exequenda, de resto situado nas mesmas ruas.
xlviii. Além disso, obviamente, aquela garantia registada – consignação de rendimentos - não incidia sobre as rendas penhoradas nem sobre receitas daquele ou outro contrato.
xlix. Poderia no limite incidir sobre uma universalidade de direitos-os rendimentos de determinados prédios–l. Mas mesmo que abrangesse o crédito penhorado, uma coisa é o registo de garantia real sobre a renda, outra, distinta, é o registo de garantia real sobre os rendimentos de um determinado prédio.
li. São realidades distintas, mesmo que num determinado momento possam ter um conteúdo patrimonial semelhante.
lii. Acresce que, relativamente à penhora de créditos, dispõe o art. 773º, nº2, do CPC, que uma vez notificado da penhora do crédito «cumpre ao devedor declarar se o crédito existe, quais as garantias que o acompanham, em que data se vence e quaisquer outras circunstâncias que possam interessar à situação».
liii. Ora, a DGAJ não informou o Agente de Execução sobre qualquer garantia que incidisse sobre aquele crédito ou de outra circunstância que pudesse interessar à execução!
liv. Não houve, portanto, qualquer omissão do disposto no art. 786º, nº1, al. b) do CPC.
lv. Pelo que não será aqui aplicável o nº6 do art. 786º do CPC, nada devendo ser restituído.
lvi. Cumpre ainda salientar que as entregas no valor total de €350.000,00 efetuadas pelo Agente de Execução ao Exequente são todas anteriores à reclamação de créditos da Banco 2... onde é invocada a garantia real sobre as rendas, assim como à data em que a Banco 2... requereu a suspensão de entregas ao Banco 1..., o que foi preventivamente acatado de imediato até que a Mma. Juiz a quo proferisse, a 02/07/2020, despacho nesse sentido.
lvii. Além disso, a 15/11/2023, estarão já depositados nos autos, disponíveis para entregar à Reclamante €2.562.000,00, pelo que o pagamento integral da quantia reclamada pela Banco 2... (€2.773.827,6142) nunca careceria da 42 Atendendo ao requerimento de 19/07/2022, que reduziu a importância reclamada.
lviii. Face ao exposto, deverá revogar-se a sentença recorrida, na parte em que anula os pagamentos efetuados pelo Sr. Agente de Execução ao Exequente Banco 1..., S.A. e determina a restituição de tais importâncias ao processo de execução.
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Devidamente notificada contra-alegou a credora reclamante concluindo pelo não provimento do recurso.
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Corridos os vistos legais cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil.
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No seguimento desta orientação são as seguintes as questões que importa apreciar e decidir:
a)- saber se o tribunal recorrido cometeu erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto;
b)- decidir em conformidade em função do julgamento da impugnação da matéria de facto e mesmo não se alterando esta, se a sua subsunção jurídica se encontra, ou não, corretamente feita.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
É a seguinte a matéria de facto que vem dada como provada pelo tribunal recorrido:
1. Por requerimento de 08.10.2015, Banco 1..., S.A., intentou a ação executiva dos autos principais, para pagamento de quantia certa, sob a forma ordinária, contra AA, BB, B...-Sgps, S.A., e A..., S.A., peticionando o montante de 1.687.436,18€ (um milhão seiscentos e oitenta e sete mil quatrocentos e trinta e seis Euros e dezoito Cêntimos).
2. No requerimento executivo, o exequente indicou, no lugar respetivo do formulário, para identificação do “Título Executivo”, “Livrança”.
3. No requerimento executivo, o exequente invocou as deliberações do Banco de Portugal na origem da sua constituição e da aquisição da titularidade do crédito detido sobre os executados.
4. No requerimento executivo, o exequente alegou que era «dono e legítimo portador de uma livrança, vencida em 26.06.2015, no valor de € 1.667.856,91, subscrita pela sociedade A..., S.A., e avalizada por B..., S.A., já declarada insolvente, B...-Sgps, S.A., CC, também declarado insolvente, AA e BB», que «apresentada a pagamento na data do vencimento, a mesma não foi paga então, nem posteriormente, apesar de os executados terem sido interpelados para o fazer», e, que «ao capital acrescem juros de mora, contados desde a data de vencimento da livrança, à taxa legal de 4%, até efetivo e integral pagamento».
5. Com o requerimento executivo, o exequente juntou cópia da livrança aludida nos pontos 2 e 4, cujo original apresentou na data de 13.10.2025, dando-se aqui por integralmente reproduzido o seu teor.
6. O executado BB foi declarado insolvente por sentença proferida na data de 11.02.2016, no âmbito do processo nº 3361/14.0TBVFR, da 2ª Secção de Comércio, Vila Nova de Gaia, Comarca do Porto.
7. O executado AA foi declarado insolvente por sentença proferida na data de 09.05.2016, no âmbito do processo nº 1907/16.9T8OAZ, da 2ª Secção de Comércio, Oliveira de Azeméis, Comarca de Aveiro.
8. Teor do auto de penhora datado do dia 02.05.2016, junto aos autos principais pelo Sr. Agente de Execução na data de 21.05.2016, sob a designação «Junção de documentos (AE)», relativo à penhora de um prédio do executado AA, aqui dado por integralmente reproduzido.
9. Teor do auto de penhora datado do dia 22.07.2016, junto aos autos principais pelo Sr. Agente de Execução na data de 23.07.2016, sob a designação «Auto de Penhora Editável (AE)», relativo a crédito de B... – SGPS, S.A., reclamado no Processo de Insolvência nº 2035/15.0TOAZ, no valor de 138.770,92€, aqui dado por integralmente reproduzido.
10. Por sentença proferida nos autos principais, no dia 22.05.2018, foi a acção executiva julgada extinta no tocante ao executado AA, dando-se aqui por integralmente reproduzido o seu teor.
11. Teor do auto de penhora datado do dia 22.01.2019, junto aos autos principais pelo Sr. Agente de Execução na mesma data, sob a designação «Auto de Penhora Editável (AE)», aqui dado por integralmente reproduzido.
12. Teor do auto de penhora datado do dia 02.03.2020, junto aos autos principais pelo Sr. Agente de Execução na data de 03.03.2020, sob a designação «Auto de Penhora Editável (AE)», aqui dado por integralmente reproduzido.
13. Por sentença proferida nos autos principais, no dia 02.07.2020, no âmbito do incidente suscitado na data de 17.02.2020, relativo a reclamação da decisão do Sr. Agente de Execução de 11.02.2020, foi determinada suspensão da entrega dos valores resultantes da penhora de rendas, dando-se aqui por integralmente reproduzido o seu teor.
14. Por sentença proferida nos autos que correram termos sob a letra B, no dia 29.05.2022, de oposição à execução, foram julgados improcedentes, por não provados, os embargos de executado formulados pela executada A..., S.A., tendo sido ordenado o prosseguimento da ação executiva nos seus precisos termos, dando-se aqui por integralmente reproduzido o seu teor.
15. Teor do documento junto com a primeira petição inicial da reclamante, sob o nº 1, constituído por certidão narrativa parcial de uma escritura de «Trespasse, Cessão de Créditos, Compra e Venda e Promessas de Compra e Venda», aqui dado por integralmente reproduzido.
16. Teor do documento junto com a primeira petição inicial da reclamante, sob o nº 2, constituído por certidão da escritura pública intitulada «Mútuo com Hipoteca», outorgada no dia 22.04.2009, e pelo respetivo documento complementar, constando, como mutuante, Banco 3...), S.A., e, como mutuária, A..., S.A., aqui dado por integralmente reproduzido.
17. Teor da correspondência junta com a petição inicial da reclamante, datada do dia 14.04.2009, endereçada por A..., S.A., a Instituto de Gestão Financeira e de Infra-Estruturas da Justiça, I.P., aqui dado por integralmente reproduzido.
18. Teor do documento junto com o segundo requerimento da reclamante, de 13.04.2020, sob o nº 1, constituído por certidão narrativa parcial de uma escritura de «Trespasse, Cessão de Créditos, Compra e Venda e Promessas de Compra e Venda», aqui dado por integralmente reproduzido.
19. Teor do documento junto com o segundo requerimento da reclamante, de 13.04.2020, sob o nº 2, constituído por certidão da escritura pública intitulada «Mútuo com Hipoteca», outorgada no dia 23.12.2009, e pelo respetivo documento complementar, constando, como mutuante, Banco 3...), S.A., e, como mutuária, C..., S.A., aqui dado por integralmente reproduzido.
20. A titularidade do direito de propriedade sobre as frações autónomas designadas pelas letras BQ, BT, BU, BV, BX, BZ, CA, CG, CL, CP e CU, descritas na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira, freguesia ..., sob os nº ......, ......, ......, ......, ......, ......, ......, ......, ......, ...... e ......, elencadas no auto de penhora datado do dia 02.03.2020, referido no ponto 12, encontra-se registada em nome da executada A..., S.A., por via da aquisição inscrita pela Ap. nº ... de 24.10.2002 e da constituição da propriedade horizontal levada ao registo pela Ap. nº ... de 20.07.2004, alterada pela Ap. nº ... de 06.10.2008.
21. Pela Ap. nº ... de 17.04.2009, convertida em definitiva pela Ap. nº ... de 27.04.2009, encontra-se registada, sobre as frações autónomas designadas pelas letras BQ, BT, BU, BV, BX, BZ, CA, CG, CL, CP e CU, descritas na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira, freguesia ..., sob os nº ......, ......, ......, ......, ......, ......, ......, ......, ......, ...... e ......, uma hipoteca voluntária constituída a favor de Banco 3...), S.A., abrangendo 11 frações, com fundamento em “garantia de empréstimo”, estando inscrito o capital de 7.500.000€, e, o montante máximo garantido de 9.377.025€.
22. Pela Ap. nº ... de 23.12.2009, convertida em definitiva pela Ap. nº ... de 04.01.2010, encontra-se registada, sobre as frações autónomas designadas pelas letras BQ, BT, BU, BV, BX, BZ, CA, CG, CL, CP e CU, descritas na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira, freguesia ..., sob os nº ......, ......, ......, ......, ......, ......, ......, ......, ......, ...... e ......, uma hipoteca voluntária constituída a favor de Banco 3...), S.A., abrangendo 11 frações, com fundamento em «garantia de empréstimo concedido a C..., S.A.», estando inscrito o capital de 2.500.000€, e, o montante máximo garantido de 3.125.625€.
23. Pela Ap. nº ... de 26.06.2012, encontra-se registada, sobre as frações autónomas designadas pelas letras BQ, BT, BU, BV, BX, BZ, CA, CG, CL, CP e CU, descritas na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira, freguesia ..., sob os nº ......, ......, ......, ......, ......, ......, ......, ......, ......, ...... e ......, uma consignação de rendimentos a favor de Banco 3..., Sucursal em Portugal, abrangendo 11 frações, pelo valor mensal de 52.000€, constando do registo, quanto ao seu prazo, que se manterá «em vigor até integral pagamento das obrigações garantidas (Ap. ... de 2009/04/17 – hipoteca voluntária)».
24. A transmissão de créditos e garantias inerentes, a favor de Banco 2..., S.A., encontra-se registada, sobre a fração autónoma designada pelas letras BQ, descrita na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira, freguesia ..., sob o nº ......, pela Ap. nº ... de 22.06.2020.
25. A transmissão de créditos e garantias inerentes, a favor de Banco 2..., S.A., encontra-se registada sobre a fração autónoma designada pelas letras CU, descrita na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira, freguesia ..., sob o nº ......, pela Ap. nº ... de 14.12.2021.
26. A transmissão de créditos e garantias inerentes, a favor de Banco 2..., S.A., encontra-se registada sobre as demais frações, designadas pelas letras BT, BU, BV, BX, BZ, CA, CG, CL e CP, descritas na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira, freguesia ..., sob os nº ......, Processo: 4719/15.3T8OAZ-C ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., pela Ap. nº ... de 28.10.2021.
27. Pela Ap. nº ... de 10.02.2020, encontra-se registada a favor do exequente Banco 1..., S.A., pelo valor da quantia exequenda de 1.771.807,99€, a penhora dos autos principais, de que os presentes são incidentais, sobre as frações autónomas designadas pelas letras BQ, BT, BU, BV, BX, BZ, CA, CG, CL, CP e CU, descritas na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira, freguesia ..., sob os nº ......, ......, ......, ......, ......, ......, ......, ......, ......, ...... e .......
28. Pela Ap. nº ... de 12.02.2020, encontra-se registada a favor da reclamante Banco 2..., S.A., pelo valor da quantia exequenda de 862.141,24€, a penhora realizada, no processo com o nº 10/20.1T8OAZ, sobre as frações autónomas designadas pelas letras BQ, BT, BU, BV, BX, BZ, CA, CG, CL, CP e CU, descritas na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira, freguesia ..., sob os nº ......, ......, ......, ......, ......, ......, ......, ......, ......, ...... e .......
29. Pela Ap. nº ... de 07.09.2022, encontra-se registada a favor da reclamante Banco 2..., S.A., pelo valor da quantia exequenda de 2.773.827,61€, a penhora realizada, no processo com o nº 2554/22.1T8OAZ, sobre as frações autónomas designadas pelas letras BQ, BT, BU, BV, BX, BZ, CA, CG, CL, CP e CU, descritas na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira, freguesia ..., sob os nº ......, ......, ......, ......, ......, ......, ......, ......, ......, ...... e .......
30. As frações autónomas designadas pelas letras BQ, BT, BU, BV, BX, BZ, CA, CG, CL, CP e CU, descritas na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira, freguesia ..., sob os nº ......, ......, ......, ......, ......, ......, ......, ......, ......, ...... e ......, foram dadas de arrendamento pela executada A..., S.A., para instalação do Tribunal de Santa Maria da Feira, pela renda mensal de 52.000€.
31. A Autoridade Tributária procedeu à penhora da renda referida no ponto 30, pelo valor mensal de 37.156,06€.
32. As penhoras a favor da Autoridade Tributária, mencionadas no auto de penhora datado do dia 02.03.2020, sobre as frações autónomas designadas pelas letras BQ, BT, BU, BX, BZ, CA e CG, descritas na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira, freguesia ..., sob os nº ......, ......, ......, ......, ......, ...... e ......, encontram-se canceladas.
33. Teor das consultas efetuadas pelo Sr. Agente de Execução, juntas aos autos principais na data de 09.01.2019, sob a designação de «Consulta ao Registo Predial (AE)», com as referências Citius nº 8169949, 8169960, 8170000, 8170050, 8170065, 8170074, 8170076, 8170082, 8170085, 8170087 e 8170089, aqui dado por integralmente reproduzido.
34. Teor da documentação junta aos autos principais pelo Sr. Agente de Execução, na data de 23.01.2019, sob a designação de «Penhora de bens móveis – positiva (AE)», aqui dado por integralmente reproduzido.
35. Teor do requerimento da reclamante do dia 19.07.2022, reduzindo o valor do crédito reclamado sobre a executada A..., S.A., aqui dado por integralmente reproduzido.
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III. O DIREITO
Questão prévia
 Com as suas alegações recursivas quer apelante quer apelada vieram juntar cada uma delas um documento.
Invocam ambas, para sustentar a admissibilidade da junção destes documentos nesta fase do processo, o disposto no artigo 651.º n.º 1, 2ª parte do CPCivil.
 Vejamos, então, se tal admissão se mostra possível.
À questão da junção de documentos na fase de recurso se refere expressamente o artigo 651.º, nº 1 do CPCivil, cujo teor ora se transcreve:
Artigo 651.º
Junção de documentos e de pareceres
1-As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425º ou no caso da junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância.
E preceitua o artigo 425.º para o qual remete o texto da norma acabada de transcrever:
Artigo 425.º
Apresentação em momento posterior
Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.
E importará ter presente, enquanto norma contendo o “princípio geral” que referencia, na dinâmica do processo, o momento da apresentação de prova por documentos, o artigo 423.º do CPCivil:
Artigo 423.º
Momento da Apresentação
1-Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.
2-Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.
3-Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles, cuja apresentação, se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.
Da concatenação destas normas decorre, que a junção de documentos em sede de recurso (junção que é positivamente considerada apenas a título excecional) depende da caracterização (rectius, da alegação e da prova) pelo interessado nessa junção de uma de duas situações: (1) a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso, valendo aqui a remessa do artigo 651º, nº 1 para o artigo 425º; (2) o ter o julgamento da primeira instância introduzido na ação um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional, que até aí-até ao julgamento em primeira instância-se mostrava desfasada do objeto da ação ou inútil relativamente a este.
Os documentos em referência nos citados artigos são habitualmente designados de documentos supervenientes, sendo que, e a sua superveniência pode ser objetiva, nos casos em que o documento só foi produzido em momento posterior ao do encerramento da discussão ou subjetiva, quando o documento, apesar de já existir, só chegou ao conhecimento da parte depois desse momento.
Neste caso invoca, quer a apelante quer a apelada a 2ª parte do nº 1 do artigo 651.º supratranscrito, ou seja, de que a junção dos documentos em causa se tornou necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância”.
 O normativo em referência admite de facto, no seu trecho final, a junção de documentos com as alegações de recurso nos casos em que o julgamento proferido em primeira instância torne necessária a consideração desses documentos.
Todavia, pressupõe esta situação, a novidade da questão decisória justificativa da junção pretendida, como questão operante (apta a modificar o julgamento) só revelada pela decisão, sendo que isso exclui que a decisão se tenha limitado a considerar o que o processo já desde o início revelava ser o thema decidendum.[1]
Com efeito, como refere expressivamente António Santos Abrantes Geraldes[2], “[p]odem […] ser apresentados documentos quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, máxime quando este se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo” e mais à frente acrescenta[3]A jurisprudência anterior sobre esta matéria não hesita em recusar a junção de documentos para provar factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado”.
Ora, quando a questão se coloque no plano do resultado probatório a que chegou o tribunal de 1ª instância, é indispensável, para que se admita a junção do documento, que o julgamento proferido seja inovatório e imprevisível em face dos elementos probatórios recolhidos no âmbito do processo, seja por na sentença se formular uma exigência probatória com que razoavelmente não se podia contar ou por se sustentar a necessidade de provar facto cuja relevância não tinha sido equacionada em face da forma como foram expostos os fundamentos da ação ou da defesa ou da delimitação do objeto factual relevante efetuada pelo tribunal.
Em geral, a jurisprudência tem considerado que o aludido pressuposto ocorre nos casos em que o resultado expresso na sentença se mostra assente em meio probatório não oferecido pelas partes–como é o caso de meio de prova cuja produção foi oficiosamente determinada pelo tribunal, em momento processual em que já não era possível à parte carrear para os autos o documento–,em facto novo oficiosamente cognoscível ou em solução de questão de direito nova (por exemplo, quando se fundou em preceito jurídico ou interpretação do mesmo, com a qual a parte que ora se apresenta a recorrer não podia justificada e razoavelmente contar).
Porém, ao referir-se ao caso de a junção só se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância, “a lei não abrange a hipótese de a parte se afirmar surpreendida com o desfecho da ação (ter perdido, quando esperava obter ganho de causa) e pretender, com tal fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado em primeira instância. O legislador quis manifestamente cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objeto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida”.[4]
Como limite excludente, a doutrina e a jurisprudência têm vindo a considerar que “não é admissível a junção com a alegação de recurso de um documento que, ab initio, já era potencialmente útil à apreciação da causa”.[5] Isto porque o regime do artigo 651º, nº 1, do CPC não abrange a hipótese de a parte pretender juntar às alegações documento que já poderia e deveria ter apresentado em 1ª instância. Dito de outra forma, não é admissível a junção, na fase de recurso, de documentos para provar factos (ou fazer a contraprova destes) que já antes da decisão a parte sabia estarem sujeitos a prova.
Em suma, se o documento era necessário ou útil para fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa antes de ser proferida a decisão recorrida e se esta se baseou nos meios de prova com que as partes razoavelmente podiam contar, não se pode dizer que a necessidade de junção do documento com as alegações ocorre em virtude do julgamento realizado pela 1ª instância.
Ora, nada disso ocorre na situação sub júdice, aliás, nem a apelante nem a apelada aduzem qualquer fundamento para a sua junção dentro dos condicionalismos atrás referidos.
Na verdade, o tribunal recorrido limitou-se a julgar a ação, nos exatos termos configurados pelas partes.
Acresce que, fácil é de ver que os documentos em causa já se encontravam na posse/ou eram de conhecimento de apelante e apelada antes de a ação ser proposta.
Além de que, nem apelante nem apelada, invocaram qualquer circunstância fática que os tenha impossibilitado de juntar o documento na fase quer do requerimento inicial quer na fase da oposição, ou mesmo até antes da decisão final proferida pelo Tribunal de 1ª instância.
*
Em consequência, recusa-se a junção dos referidos documentos e consequentemente, ordena-se o seu desentranhamento, condenando-se apelante e apelada em multa que se fixa em 2 (duas) UCs, para cada um deles, nos termos do artigo 543.º, nº 2 do CPC e do artigo 27.º, nº 1do Regulamento das Custas Processuais.
*
Como supra se referiu a primeira questão que vem colocada no recurso prende-se com:
a)- saber se o tribunal recorrido cometeu erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto.
Como resulta do corpo alegatório e das respetivas conclusões recursivas a apelante impugna o ponto 30. dos factos provados propondo uma diferente redação do mesmo.
Vejamos, então, se lhe assiste razão.
O controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialeticamente na base da imediação e da oralidade.
Ora, contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objeto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objetivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.
O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado”.[6]
De facto, a lei determina expressamente a exigência de objetivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (artigo 607.º, nº 4 do CPCivil).
Todavia, na reapreciação dos meios de prova, a Relação procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção, desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria, com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância.[7]
Impõe-se-lhe, assim, que “analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, quer a testemunhal, quer a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser fundamentada”.[8]
Tendo presentes estes princípios orientadores, vejamos agora se assiste razão à apelante, neste segmento recursivo da impugnação da matéria de facto, nos termos por ela pretendidos.
O ponto 30. da resenha dos factos provados tem a seguinte redação:
“As frações autónomas designadas pelas letras BQ, BT, BU, BV, BX, BZ, CA, CG, CL, CP e CU, descritas na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira, freguesia ..., sob os nº ......, ......, ......, ......, ......, ......, ......, ......, ......, ...... e ......, foram dadas de arrendamento pela executada A..., S.A., para instalação do Tribunal de Santa Maria da Feira, pela renda mensal de 52.000€”.
Propugna a apelante que o citado ponto deve, antes, ter a seguinte redação:
“O contrato referido no ponto 11 reporta-se ao arrendamento das instalações do Tribunal de Santa Maria da Feira pela renda mensal de 52.000€, sendo devedora das mesmas a DGAJ–Direção-Geral da Administração da Justiça”.
Alega a apelante, no essencial, e para a pretendida alteração que o contrato de arrendamento em questão nunca foi junto aos autos e, de tal contrato, cujas rendas foram penhoradas nos presentes autos apenas se sabe que nele se encontra estipulada uma renda mensal de € 52.000,00, que se reporta às instalações do Tribunal de Santa Maria da Feira e que a entidade Devedora é a DGAJ–Direção-Geral da Administração da Justiça-isto só isto e nada mais do que isto.
Portanto, a indicação das concretas frações abrangidas por tal contrato de arrendamento consubstancia uma dedução da Mmª Juiz a quo que os documentos juntos aos autos não permitem fazer.
*
Na motivação da decisão da matéria de facto o tribunal recorrido e sobre o concreto ponto em questão discorreu do seguinte modo:
“Relativamente aos factos considerados nos pontos 30 e 31, a sua prova assenta nos elementos em que se fundou a factualidade vertida no ponto 32, conjugados com o teor da correspondência vertida no ponto 17 dos factos provados, com o do documento nº 1 apresentado pelo exequente Banco 1..., S.A., com a sua contestação, e, ainda, com o teor da documentação reportada no ponto 34 da factualidade acima elencada.
Com efeito, muito embora não tenha sido junto ao processo, por qualquer um dos intervenientes, o contrato de arrendamento cuja existência é referida e aceite por reclamante, exequente e Agente de Execução, foi possível concluir, retirando-se a ilação do cotejo da referida documentação, de per se, mas também com a factualidade vertida no ponto 23, relativa à inscrição no registo de consignação de rendimentos nos termos aí consignados, pela outorga de contrato de arrendamento tendo por objeto as frações autónomas designadas pelas letras BQ, BT, BU, BV, BX, BZ, CA, CG, CL, CP e CU, descritas na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira, freguesia ..., sob os nº ......, ......, ......, ......, ......, ......, ......, ......, ......, ...... e ......, propriedade da executada A..., S.A., para instalação do Tribunal de Santa Maria da Feira e pela renda mensal de 52.000€”.
Salvo o devido respeito por diferente opinião, acompanha-se a transcrita fundamentação.
Dúvidas não existem de que o contrato de arrendamento em questão não se encontra junto aos autos.
Todavia, todos os intervenientes processuais, admitem a sua existência.
Também ninguém discute que o citado contrato de arrendamento abrange as instalações do Tribunal de Santa Maria da Feira pela renda mensal de 52.000€.
Ora, a consignação de rendimentos registada pela Ap. .../2012 abrange as frações autónomas designadas pelas letras BQ, BT, BU, BV, BX, BZ, CA, CG, CL, CP e CU, descritas na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira, freguesia ..., sob os nº ......, ......, ......, ......, ......, ......, ......, ......, ......, ...... e ...-CUndo 11 frações e pelo valor mensal de € 52.000,00, ou seja, existe coincidência entre o valor consignado e o valor mensal do contrato de arrendamento, sendo certo que a referida consignação abrange as referidas 11 frações.
Para além disso, no documento complementar anexo à escritura de mútuo com hipoteca outorgada a 22/04/2009, no seu artigo décimo primeiro faz-se referência a um contrato de arrendamento celebrado em 29/10/2008 entre a A... e o Instituto de Gestão Financeira e das Infraestruturas da Justiça, IP com renda mensal no valor de €52.000,00.
Da mesma forma que, no ponto três do mesmo artigo décimo primeiro do mencionado documento complementar, se refere que a A... entregou, naquela data, à Mutuante “a documentação comprovativa da existência, validade e eficácia do contrato de arrendamento”.
Como assim, concatenando os referidos documentos deles é possível retirar, pelo recurso a um juízo de indução ou de inferência e à luz das regras da experiência que o contrato de arrendamento em causa tinha por objeto as frações constantes do ponto 30. dos factos provados (cfr. artigo 349.º do CCivil).
*
Deve, assim, o citado ponto factual permanecer com a mesma redação da fundamentação factual, improcedendo, desta forma, as conclusões i) a xii) formuladas pela recorrente.
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Permanecendo inalterada a fundamentação factual que o tribunal recorrido deu como assente a questão que agora importa, dilucidar é:
b)- saber e a sua subsunção jurídica se mostra, ou não, corretamente feita.
1- A questão da existência da consignação de rendimentos.

Importa, desde logo, sublinhar que a dialética processual não se resume a um jogo de palavras cuja coloração pode mudar a gosto de cada interveniente.
Afirma o apelante na sua conclusão xiii que o registo a que se refere o ponto 23. dos factos provados não constituiu, só por si, qualquer consignação de rendimentos.
Não se acompanha, respeitando-se entendimento diverso, esta asserção.
A consignação de rendimentos, a terceira das garantias especiais previstas e reguladas na lei (cfr. artigos 656.º a 665.º do CCivil), consiste na estipulação pela qual o cumprimento da obrigação é assegurado mediante a atribuição ao credor dos rendimentos de certos bens imóveis, ou de certos bens móveis sujeitos a registo, pertencentes ao devedor ou a terceiro.
Trata-se de um ato sujeito a registo [cfr. artigo 660.º, nº 2 do CCivil-com a exceção aí referida- e artigo 2.º al. h) do CRegisto Predial].
O artigo 7.º do CRPredial estatui que o registo definitivo constitui presunção que o direito existe e pertence ao titular inscrito, dispensando, então, tal presunção legal, o seu beneficiário de provar o facto presumido, como decorre claramente do artigo 350.º, n.º 1, do Código Civil.
Assim:
— O facto-base da presunção, será o facto registado (por ex.: o contrato de compra e venda, doação, usucapião, ou neste caso a consignação de rendimentos, etc.);
— E confere o seguinte alcance, quanto ao efeito presumido: (i) existência do direito que emerge do facto jurídico inscrito; (ii) titularidade desse direito na esfera do beneficiário inscrito; (iii) o objeto e o conteúdo dos direitos, ónus ou encargos, nos precisos termos definidos no registo.
Ora, no caso em apreço não consta da fundamentação da decisão qualquer resenha factual capaz de ilidir a referida presunção da existência da constituição dessa garantia real.
Antes pelo contrário.
Como bem se afirma na decisão recorrida: “(…)  da análise do mesmo documento complementar é possível retirar-se que a consignação de rendimentos se refere, inequivocamente, ao contrato de arrendamento identificado no “Artigo Décimo Primeiro”, reportando-se especialmente, não obstante referir genericamente no seu ponto “Um” a “totalidade dos créditos”, às rendas mensais a pagar à mutuária A..., S.A., pelo inquilino Instituto de Gestão Financeira e das Infraestruturas da Justiça, IP, no valor mensal de 52.000€.
Assim decorre, inequivocamente, da utilização do termo “renda” ou “rendas”, nos pontos “Dois”, “Quatro” e “Cinco” do “Artigo Décimo Primeiro», sendo certo que, tendo as partes remetido para o teor do mencionado contrato de arrendamento, segundo consta do ponto “Três” do mesmo “Artigo Décimo Primeiro”, a mutuária entregou, na data da outorga do contrato de mútuo, toda a documentação relativa ao contrato de arrendamento visado, no qual não pode deixar de estar devidamente concretizado o respetivo objeto, e, assim também, o da consignação de rendimentos, a qual versa, deste modo, cotejados os elementos documentais de que se dispõe e adequadamente interpretados os mesmos, sobre os rendimentos dos bens imóveis sujeitos a registo, consubstanciados na renda mensal de 52.000€, a pagar pelo inquilino, pela ocupação das frações autónomas, designadas pelas letras BQ, BT, BU, BV, BX, BZ, CA, CG, CL, CP e CU, do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira, freguesia ..., sob o nº ..., para instalação do Tribunal de Santa Maria da Feira.
Entende-se, pois, que entre as partes outorgantes no contrato de mútuo com hipoteca do dia 22.04.2009, ficou acordada, para garantia do cumprimento das obrigações dele emergentes para a mutuária, a acrescer à hipoteca constituída sobres as referidas frações autónomas BQ, BT, BU, BV, BX, BZ, CA, CG, CL, CP e CU, do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira, freguesia ..., sob o nº ..., uma consignação de rendimentos tendo por objeto as rendas a liquidar mensalmente à mutuária/senhoria A..., S.A., pelo inquilino Instituto de Gestão Financeira e das Infraestruturas da Justiça, IP, no valor mensal de 52.000€, encontrando-se tal garantia devidamente registada, pela Ap. nº ... de 26.06.2012, sobre aquelas 11 frações-cf. factualidade descrita nos pontos 20, 21, 23 e 30 dos factos provados.
Mais se entende, em primeiro lugar, que o objeto de tal garantia se encontra suficientemente definido no contrato celebrado entre as partes, como o impõe o art. 656.º do Código Civil, sendo determináveis, nos termos explicitados, os bens imóveis com cujos rendimentos as partes quiseram garantir «o cumprimento integral e pontual das obrigações» da mutuária A..., S.A., o que incluía «o pagamento de capital e juros a que houver lugar, acrescido de quaisquer montantes necessários para liquidar as obrigações emergentes do referido contrato»; em segundo lugar, que a mutuária A..., S.A., tinha legitimidade para a constituição da consignação dos rendimentos em causa, conforme exigido pelo art. 657.º, nº 1 do Código Civil; e, em terceiro lugar, que foi observada a forma legalmente prescrita no art. 660.º, nº 1 do Código Civil”.
Fundamentação que se acompanha na íntegra, razão pela qual que não tem qualquer fundamento o afirmado pela apelante na sua conclusão xxi de que, o que se consignou na escritura a que se refere o ponto 16. da resenha dos factos provado, foram receitas provenientes de um contrato de arrendamento ali referido, mas receitas, dizemos nós, de arrendamento de bens imóveis, como consta, aliás do respetivo registo e se extrai do documento complementar anexo à referida escritura.
Ou seja, o que foi afeto ao pagamento da dívida foram os rendimentos dos imóveis/frações dadas de hipoteca, provenientes do contrato de arrendamento, e não rendimentos do devedor/mutuária A....

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Improcedem, assim, as conclusões xxiii a xxvii formuladas pela apelante.
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2- A questão do prazo da garantia real
Preceitua o artigo 659.º do CCivil sob a epígrafe “Prazo” que:
1. A consignação de rendimentos pode fazer-se por determinado número de anos ou até ao pagamento da dívida garantida.
2. Quando incida sobre os rendimentos de bens imóveis, a consignação nunca excederá o prazo de quinze anos.
Refere a apelante na sua conclusão xxxi que ainda que tivesse sido graduado o crédito da Reclamante à frente do crédito Exequendo, essa graduação apenas poderia abranger as rendas vencidas e vincendas até 22/04/2024, data em que sempre caducaria a pretensa garantia.
Ora, tendo ficado acordado entre as partes, que a consignação de rendimentos vigoraria até integral cumprimento das obrigações assumidas e que o contrato celebrado previa um prazo de 174 meses de vigência (ponto “Dois”, do “Artigo Segundo” do documento complementar), estamos perante um prazo inferior ao limite máximo de 15 anos, previsto para a consignação de rendimentos de bens imóveis.
De qualquer modo, como bem se afirma na decisão recorrida, conforme decorre da conjugação dos arts. 287.º, 292.º e 659.º, nº 2 do Código Civil, caso a estipulação negocial em apreço ultrapassasse o limite do prazo imperativamente definido nesta última disposição legal, sempre seria de considerar como reduzido, o prazo que tivesse sido acordado, ao limite máximo legalmente consagrado, não se impondo a declaração de invalidade da garantia negociada entre as partes.
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Improcedem, desta forma, as conclusões xxviii a xxxi formuladas pela apelante.
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3- A questão da anulação dos pagamentos efetuados pelo Sr. Agente de Execução ao Exequente.
No essencial refere a apelante que no caso concreto não houve violação do preceituado no artigo 786.º, nº 1, al. b) do CPCivil.
Estatui este normativo que:
1 - Concluída a fase da penhora e apurada, pelo agente de execução, a situação registral dos bens, são citados para a execução:
(…)
b)- Os credores que sejam titulares de direito real de garantia, registado ou conhecido, sobre os bens penhorados, incluindo penhor cuja constituição conste do registo informático de execuções, para reclamarem o pagamento dos seus créditos”.
Ora, dúvidas não existem de que reconhecida à reclamante/apelada a invocada garantia de consignação de rendimentos, a qual, como supra se referiu constitui uma garantia especial da obrigação, tendo a natureza de direito real de garantia, impõe-se reconhecer que a mesma deveria ter sido citada pelo Sr. Agente de Execução, nos termos previstos naquela disposição legal, logo após a concretização da penhora a que se refere o auto de 22/01/2019.
Obtempera a apelante que o Sr. Agente de Execução apenas tinha o dever de citar os credores com direito de garantia real registado ou conhecido, defendendo não ser o caso dos autos.
Mas, salvo o devido respeito, não se sufraga este entendimento.
Com efeito, como acima se deixou dito, a reclamante é titular de direito real de garantia, traduzido na invocada consignação de rendimentos, devidamente constituído e registado, sendo que, facilmente se observa, das consultas efetuadas pelo Sr. Agente de Execução reportadas no ponto 33. dos factos assentes, consubstanciadas, no que aqui interessa destacar, nos atos informaticamente registados na data de 09/01/2019, sob a designação de “Consulta ao Registo Predial (AE)”, com as referências Citius nº 8169949, 8169960, 8170000, 8170050, 8170065, 8170074, 8170076, 8170082, 8170085, 8170087 e 8170089, referentes às frações autónomas, designadas pelas letras BQ, BT, BU, BV, BX, BZ, CA, CG, CL, CP e CU, do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira, freguesia ..., sob o nº ..., que este tinha de conhecer a garantia real em causa.
Efetivamente, observadas as consultas do Sr. Agente de Execução relativas às mencionadas frações autónomas, ressalta à evidência a inscrição da consignação de rendimentos vertida no ponto 23. da resenha dos factos provados.
O registo da consignação de rendimentos a favor de Banco 3..., Sucursal em Portugal, mostra-se bem visível nas aludidas consultas prediais do Sr. Agente de Execução, nas quais consta lançada a Ap. nº ..., do dia 26.06.2012, relativamente às 11 frações envolvidas, ou seja, sobre as frações autónomas, designadas pelas letras BQ, BT, BU, BV, BX, BZ, CA, CG, CL, CP e CU, descritas na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira, freguesia ..., sob os nº ......, ......, ......, ......, ......, ......, ......, ......, ......, ...... e ......, mencionando cada uma das descrições prediais que a inscrição registral da consignação abrange 11 frações, que o seu valor mensal é de 52.000€, que a garantia se manterá “em vigor até integral pagamento das obrigações garantidas (Ap. ... de 2009/04/17–hipoteca voluntária)”, e, que a garantia se refere às obrigações, assumidas pela proprietária das frações, que deram origem à constituição da hipoteca voluntária, registada sobre as mesmas frações pela Ap. nº ..., do dia 17.04.2009.
E contra isto não se argumente, como o faz a apelante que o Senhor Agente de Execução desconhecia o teor do contrato de arrendamento cujas rendas foram penhoradas.
Com efeito, resulta dos autos que:
a)- a  penhora em causa foi realizada na sequência de pedido do Exequente, formulado através de comunicação ao Agente de Execução de 10/07/2018 com o seguinte teor: “Banco 1..., S.A., Exequente nos autos à margem referenciados, em que são Executados A..., S.A. e outros, REQUER a penhora das rendas que sejam ou venham a ser devidas pelo INSTITUTO DE GESTÃO FINANCEIRA E EQUIPAMENTOS DA JUSTIÇA (Av. ..., ...., Bloco ..., ... Lisboa) à executada A..., S.A. no âmbito do contrato pelo qual esta arrendou àquele as instalações do Núcleo de Santa Maria da Feira do Tribunal da Comarca de Aveiro, sitas na Rua ..., em Santa Maria da Feira”;
b)- Feita a referida penhora, o Sr. Agente de Execução notificou o IGFEJ para a referida penhora, que por sua vez reencaminhou tal comunicação para a DGAJ, que reconheceu o crédito declarando o seguinte: “Em relação ao solicitado, processo nº 4719/15.3T80AZ, informa-se que a empresa “A..., SA”, com o NIF ..., é fornecedor desta Direção Geral, existindo um contrato de arrendamento, relativo ao edifício do Tribunal de Santa Maria da Feira, no valor mensal de 52.000 €” (cfr. certidão junta aos autos).
Ora, na posse destes elementos como dizer que, face à coincidência dos valores da renda mensal com o valor que constava do registo da consignação de rendimentos que o Sr. Agente de Execução consultou, a referida garantia não dizia respeito ao mesmo contrato de arrendamento cujo objeto eram as frações aí discriminadas?
E como dizer-se, como faz a apelante, que o Sr. Agente de execução também desconhecia se tal arrendamento incidia sobre bens imóveis próprios da executada, ou sobre bens por ela administrados enquanto locatária, quando consta do registo que a garantia se refere às obrigações assumidas pela proprietária das frações, que deram origem à constituição da hipoteca voluntária, registada sobre as mesmas?
Refere ainda, sob este conspecto, a apelante que a garantia registada–consignação de rendimentos-não incidindo sobre as rendas penhoradas nem sobre receitas daquele ou outro contrato, apenas poderia, no limite, incidir sobre uma universalidade de direitos-os rendimentos de determinados prédios.
Mais alega que mesmo que abrangesse o crédito penhorado, uma coisa é o registo de garantia real sobre a renda, outra, distinta, é o registo de garantia real sobre os rendimentos de um determinado prédio.
Mas então a garantia em causa, como já supra se referiu, não consiste na estipulação pela qual o cumprimento da obrigação é assegurado mediante a atribuição ao credor dos rendimentos de certos bens imóveis, ou de certos bens móveis sujeitos a registo, pertencentes ao devedor ou a terceiro?
E nesses rendimentos não estão englobadas as rendas provenientes de uma relação locatícia, isto é, a consignação dos rendimentos emergentes da prestação do locatário (rendas)?
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Refere depois a recorrente que estipulando o artigo 773.º, nº 2, do CPCivil, que uma vez notificado da penhora do crédito “cumpre ao devedor declarar se o crédito existe, quais as garantias que o acompanham, em que data se vence e quaisquer outras circunstâncias que possam interessar à situação”, a DGAJ não informou o Agente de Execução sobre qualquer garantia que incidisse sobre aquele crédito ou de outra circunstância que pudesse interessar à execução.
Acontece que, essa não informação não eximia o Sr. Agente de Execução de cumprir o seu dever legal estatuído no artigo no artigo 786.º, nº 1, al. b) do CPCivil.
Com efeito, a única consequência dessa omissão, por parte do devedor, traduz-se apenas em se entender que ele reconhece a existência da obrigação nos termos da indicação do crédito à penhora (cfr. nº 4 do mesmo inciso).
Aliás, este reconhecimento, nem sequer pode ser encarado como um reconhecimento inabalável, fundado numa presunção “juris et de jure” decorrente de um cominatório pleno ou semipleno como o existente entre partes processuais, pois é bastante diferente da inação de quem, sendo parte na causa, e estando citado para a ação, pura e simplesmente se não quis defender de factos que lhes eram diretamente imputáveis.
Na cominação entre as partes, o sujeito cominado conhecia a causa de pedir e o pedido contra ele era formulado, e poderia logo equacionar as consequências dessa omissão comportamental em toda a sua extensão, havendo assim uma relação de conhecimento direto, que justifica a proporcionalidade entre a falta de ação e as consequências.
Aqui, pelo contrário, estamos perante uma sanção imposta a quem é estranho à causa, que não conhece os exatos termos dela.
É, portanto, hoje pacífico entre a doutrina e jurisprudência[9], que esse reconhecimento constitui uma presunção ilidível, em sede de oposição à execução (cf. artigo 777.º, n.º 4, do CPCivil).
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Sustenta, por último, a apelante que em 15/11/2023, estarão já depositados nos autos, disponíveis para entregar à Reclamante € 2.562.000,00, pelo que o pagamento integral da quantia reclamada pela Banco 2... (€ 2.773.827,6142) nunca careceria da restituição da totalidade dos € 350.000,00 recebidos até ao momento pelo Banco 1... em resultado da penhora de rendas.
Acontece que, como nos parece evidente, nesta data não é possível apurar se os valores resultantes da penhora das rendas, depositados no processo (como os referidos pela apelante) serão ou não suficientes para pagamento integral do crédito reclamado pela apelada e graduado em primeiro lugar, mesmo tendo em consideração a redução efetuada por ela efetuada em relação ao valor reclamado, no requerimento de 19/07/2022, pois que, continuam a vencer-se juros até integral pagamento, pelo que deverá a apelante restituir ao processo a totalidade do valor que lhe foi transferido-€350.000,00–a fim do Sr. Agente de Execução elaborar a conta do processo, e aí verificar se o crédito reclamado fica integralmente pago.
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Diante do exposto, improcedem as conclusões xxxiii a Lviii formuladas pela recorrente e, com elas, o respetivo recurso.
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IV-DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação interposta improcedente por não provada e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
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Custas da apelação pela embargada/exequente (artigo 527.º nº 1 do C.P.Civil).
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Porto, 04 de março de 2024.
Manuel Domingos Fernandes
Fernandes Almeida
Eugénia Cunha
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[1] Ou dito, de outra forma os casos em que a sua junção se torna necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância são apenas aqueles em que, pela fundamentação da sentença, ou pelo objeto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não poderia razoavelmente contar antes de a decisão ter sido proferida.
[2] In Recursos no Novo Código de Processo Civil, cit., p. 184.
[3] Obra citada pág. 185.
[4] Cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio da Nora, in Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra Editora, págs. 533-534.
[5] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís F. Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, 2018, pág. 502.
[6] Miguel Teixeira de Sousa in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, p. 348.
[7] Cfr. acórdãos do STJ de 19/10/2004, CJ, STJ, Ano XII, tomo III, pág. 72; de 22/2/2011, CJ, STJ, Ano XIX, tomo I, pág. 76; e de 24/9/2013, processo n.º 1965/04.9TBSTB.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[8] Cfr. Ac. do S.T.J. de 3/11/2009, processo n.º 3931/03.2TVPRT.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[9] Particularmente após a reforma introduzida pelo Decreto-Lei n.º 38/2003 de 8 de março-cfr. por todos o Ac. RLx de 23/11/2011, Proc. 1573-B/2002.L2-2, consultável em www.dgsi.pt.