Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
53/21.8GDAND-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DO ROSÁRIO MARTINS
Descritores: JULGAMENTO NA AUSÊNCIA DO ARGUIDO
NOTIFICAÇÃO PESSOAL DA SENTENÇA
Nº do Documento: RP2023011153/21.8GDAND-A.P1
Data do Acordão: 01/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO AO RECURSO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Deverá ser notificado pessoalmente da sentença (e não por via postal na morada indicada no termo de identidade e residência) o arguido regularmente notificado e julgado na sua ausência, nos termos previstos no artigo 333.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
II – Só dessa forma, como tem sido entendimento do Tribunal Constitucional, são garantidos os direitos de defesa do arguido e, em especial, o direito ao recurso – exigindo o n.º 6 do artigo 333.º do Código de Processo Penal que na notificação da sentença prevista no n.º 5 do mesmo artigo, o arguido seja «expressamente informado do direito de recorrer da sentença e do respetivo prazo».
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo 53/21.8GDAND-A.P1
Comarca de Aveiro
Juízo de Competência Genérica da Mealhada

Acordaram, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto:

I- RELATÓRIO
I.1. O Ministério Público veio interpor recurso do despacho proferido pela Sra. Juíza em 09.09.2022 que ordenou a notificação da sentença ao arguido, que foi julgado na ausência, por carta registada, com PD.
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I.2. Recurso da decisão (conclusões que se transcrevem parcialmente)
“(…) 2. Em suma, entendeu o Tribunal a quo que em face da redação do art. 113.° do Código de Processo Penal, conjugado com o art. 196.° do mesmo diploma, a notificação ao arguido de uma sentença, em cuja audiência de julgamento o arguido não compareceu, poderá ser feita por via postal com prova de depósito para a morada constante do TIR.
3. Entendimento com o qual, e, salvo o merecido respeito, se não concorda.
4. Nos presentes autos o arguido AA, prestou Termo de Identidade e Residência no dia 08 de junho de 2021 — fr. referência citius 11600206 — e onde consta, além do mais que: «em caso de condenação, o termo de identidade e residência só se extinguirá com a extinção da pena».
5. No dia 05 de agosto 2021 decorreu a Audiência de Julgamento, na qual o arguido não se fez presente, tendo sido determinado que, «Considerando a natureza do crime, entende o Tribunal que o julgamento deve decorrer na ausência do arguido, sendo que não se vislumbra a realização de quaisquer diligências para fazer comparecer o arguido, sendo que é do conhecimento local que o mesmo poderá estar algures em França. Pelo exposto e ao abrigo do disposto no artigo 333.°, n°2 do Código de Processo Penal, determina-se que a audiência se inicie na sua ausência», concluindo-se pelo julgamento na ausência do arguido.
6. No próprio dia, procedeu-se à leitura da sentença, não se tendo, ainda, logrado apurar o paradeiro do arguido, motivo pelo qual, o mesmo não foi, ainda, notificado do seu teor.
7. Não obstante o art. 196.°, n.° 5 als. e) e f) do CPP preconizar que: « (...) e) De que o incumprimento do disposto nas alíneas anteriores legitima a sua representação por defensor em todos os atos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e bem assim a realização da audiência na sua ausência, nos termos do artigo 333. f) De que, em caso de condenação, o termo só se extingue com a extinção da pena (...)», tal normativo terá de ser conjugado com o disposto no art. 373.°, n.° 3 do mesmo diploma e com o disposto no art. 333.°, n.° 5 e 6 do Código de Processo Penal.
(…) 10. Assim, a norma constante do n.° 5 do art 333.° do Código de Processo Penal é especial em relação ao disposto no art. 196.°, n.° 5 al. f) do CPP, pelo que deverá prevalecer, devendo o arguido ser pessoalmente notificado da sentença.
11. O arguido não compareceu à audiência de julgamento para a qual se encontrava regularmente notificado nem consentiu no julgamento na ausência, pelo que apenas poderá ser notificado pessoalmente da douta sentença, e, nessa altura começar a correr o prazo para a interposição do recurso.
12. Afigura-se-nos assim que não é válida nem regular a notificação da sentença ao arguido de condenação em que o arguido tenha sido julgado na ausência, por falta injustificada ao julgamento, mediante via postal com prova de depósito para a morada constante do termo de identidade e residência.
13. A notificação de sentença por via posta simples com prova de depósito não está prevista no art. 113.°, n.° 1 al. c) do Código de Processo Penal, devendo a mesma ser efetuada nos mesmos moldes em que se fazia antes da entrada em vigor da Lei 20/2013, de 21 de fevereiro, mantendo-se inalterado o regime jurídico previsto para a notificação da sentença de condenação. O disposto no n.° 5 al. f) do art. 196.° do Código de Processo Penal apenas está previsto para a notificação de decisões que ocorram após o trânsito em julgado da sentença.
14. O disposto no artigo 373.°, n.° 3, do CPP é de carácter geral, sendo derrogado pela norma especial prevista no artigo 333.°, n.° 5, do CPP, que se reporta ao julgamento do arguido na sua ausência, estando devidamente notificado para comparecer, nos termos previstos nos n.°s 2 e 3 do artigo 333.° do Código de Processo Penal.
(…)16. Estando regularmente notificado para a realização da audiência de julgamento, não comparecendo, a salvaguarda dos direitos de defesa do arguido, designadamente o seu direito ao recurso, apenas ficarão salvaguardados quando ocorrer a sua notificação pessoal, pelo que a notificação da sentença ao arguido por via postal com prova de depósito não pode ser considerada.
17. Em suma, o despacho proferido pelo Tribunal a quo sob referência citius 123296085 de 09.09.2022 não fez uma correta interpretação do disposto nos artigos 113.°, n.° 1, al. a) e n.° 10, 196.° al. e) e f) e artigos 333.°, n.°s 5 e 6 e 373.°, n.° 3, todos do Código de Processo Penal.
18. Devendo assim, salvo melhor entendimento, o douto despacho recorrido ser substituído por outro que determine a realização de diligências nos termos promovidos pelo Ministério Público ou outras consideradas pertinentes e que determine a notificação do arguido por contacto pessoal nos termos preconizados nos art.s 113.°, n° 1 al. a) e n.° 10, 333.°, n.° 5 e 6 do Código de Processo Penal.
19. E ao ter proferido o despacho sub judice foi violado o disposto nos arts. 113.°, n.° 1, al. a) e n.° 10, 196.°, n.° 3 al. e) e f) e artigos 333.°, n.°s 5 e 6 e 373.°, n.° 3, todos do Código de Processo Penal.”
Pugna pela revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que determine a realização das diligências promovidas pelo MºPº ou outras consideradas pertinentes e a notificação do arguido por contacto pessoal nos termos preconizados nos artigos 113º, n.º 1, al. a) e 333º, n.ºs 5, 6 e 10 do C.P.P..
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I.3. Parecer do Ministério Público
Nesta Relação o Ministério Público acompanhou a argumentação constante na motivação do recurso interposto pelo Ministério junto do tribunal recorrido, pugnando pela procedência do recurso.
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I.4. Resposta ao parecer
Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, n.º 2 do CPP, não tendo sido apresentada resposta ao parecer do Ministério Público.
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I.5. Foram colhidos os vistos e realizada a conferência.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. Objecto do recurso
Conforme jurisprudência constante e assente, é pelas conclusões apresentadas pelo recorrente que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior (cfr. Acórdão do STJ, de 15/04/2010, acessível em www.dgsi.pt: “Como decorre do artigo 412.º do CPP, é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões (…)”, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso a que alude o artigo 410º do Código de Processo Penal (conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no Acórdão nº 7/95, do STJ, in DR, I Série-A, de 28/12/95).
Assim, face às conclusões extraídas pelo recorrente a única questão a apreciar e decidir é a de saber qual a modalidade que deve revestir a notificação da sentença ao arguido, julgado na ausência, na situação prevista no artigo 333º do CP.P.P..
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II.2. Decisão recorrida (que se transcreve integralmente)
“Dispõe o n°.10 do artigo 113° do CPP que "As notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respectivo defensor ou advogado. Ressalvam-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, as quais, porém,, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor nomeado; neste caso, o prazo para a prática de acto processual subsequente conta-se a partir da data da notificação efectuada em último lugar."
Por seu turno, dispõe o artigo 196° do mesmo diploma legal, sob a epigrafe Termo de identidade e residência que:
"1 - A autoridade judiciária ou o órgão de polícia criminal sujeitam a termo de identidade e residência lavrado no processo todo aquele que for constituído arguido, ainda que já tenha sido identificado nos termos do artigo 250.°
2- Para o efeito de ser notificado mediante via postal simples, nos termos da alínea c) do n.° 1 do artigo 113. °, o arguido indica a sua residência, o local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha.
3- Do termo deve constar que àquele foi dado conhecimento:
a) Da obrigação de comparecer perante a autoridade competente ou de se manter à disposição dela sempre que a lei o obrigar ou para tal for devidamente notificado;
b) Da obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado;
c) De que as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada no n.° 2, excepto se o arguido comunicar uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrem a correr nesse momento;
d) De que o incumprimento do disposto nas alíneas anteriores legitima a sua representação por defensor em todos os actos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e bem assim a realização da audiência na sua ausência, nos termos do artigo 333.°
e) De que, em caso de condenação, o termo de identidade e residência só se extinguirá com a extinção da pena.
4- A aplicação da medida referida neste artigo é sempre cumulável com qualquer outra das previstas no presente livro."
O T.I.R. é um meio processual de limitação de liberdade pessoal, que serve a eficácia do procedimento (art.° 191.°, n.°1 do C.P.P.), do qual resultam deveres de identificação, de indicação de residência, de não mudança de residência sem comunicação, de comparência, de manutenção à disposição da autoridade (art.° 333.° do C.P.P.). Resulta do supra citado normativo legal (com as alterações introduzidas pela Lei 20/2013) que o TIR se extingue com a extinção da pena.
Assim, a nosso ver, são estes os preceitos legais convocáveis para a (re)solução desta questão, deles resultando que a notificação (da sentença) a levar a cabo será por via de PD, meio idóneo para a dita notificação, porquanto o TIR prestado foi colhido nos termos previstos na alínea e) do n.° 3 do art.° 196.° do C.P.P., na redacção actual dada pela citada Lei n.° 20/2013.
Assim, face ao exposto, proceda a nova notificação da sentença ao arguido, por carta registada, com PD.”
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II.3. Apreciação do Recurso
§1. Com interesse para a apreciação da questão enunciada importa ter presente os seguintes elementos factuais/ocorrências processuais que constam dos autos:
a) Em 08.06.2021 o arguido prestou TIR nos presentes autos;
b) Em 05.08.2021 foi realizada a audiência de julgamento; regularmente notificado, o arguido não compareceu, tendo a audiência de julgamento sido realizada na sua ausência;
c) Em 05.08.2021 foi proferida e lida a sentença na ausência do arguido, tendo este sido condenado pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido pelos artigos 291º, n.º1 als. a ) e b) e 69º, n.º1, al. a ) do Código Penal, na pena de um ano e seis meses de prisão e na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de dois anos e seis meses.
d) Em 09.08.2021 foi solicitado ao Posto da GNR ... a notificação da sentença ao arguido, não tendo sido possível por se encontrar no estrangeiro.
e) Em 01.07.2022 foi solicitado ao Posto da GNR ... a notificação da sentença ao arguido, não tendo sido possível por se encontrar no Luxemburgo.
f) Em 07.09.2022 o MºPº promoveu que se oficiasse ao Consulado de Portugal no Luxemburgo para que informasse se o arguido ali se encontra inscrito e qual a morada.
g) Em 09.09.2022 o tribunal a quo proferiu o despacho em recurso.
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§2. O MºPº sustenta que o arguido que não compareceu à audiência de julgamento para a qual se encontrava regularmente notificado, nem consentiu no julgamento na sua ausência, apenas poderá ser notificado pessoalmente da sentença.
Invoca como normas violadas os artigos 113º, n.º 1, al. a) e n.º 10, 196º, n.º 3, als. e) e f), 333º, n.ºs 5 e 6 e 373º, n.º 3, todos do CPP.
Apreciando.
No que respeita às notificações preceitua o artigo 113º do CPP, sob a epígrafe “Regras gerais sobre notificações” que:
“1. As notificações efectuam-se mediante:
a) Contacto pessoal com o notificando e no lugar em que este for encontrado;
(…)
c) Via postal simples, por meio de carta ou aviso, nos casos expressamente previstos;
(…)
3. Quando efectuadas por via postal simples, o funcionário judicial lavra uma cota com a indicação da data da expedição da carta e do domicílio para a qual foi enviada e o distribuidor do serviço postal deposita a carta na caixa do correio do notificando, lavra uma declaração indicando a data e confirmando o local exacto do depósito, e envia-a de imediato ao serviço ou ao tribunal remetente, (…).
(…)
10. As notificações do arguido… podem ser feitas ao respectivo defensor ou advogado. Ressalvam-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, (…) e à sentença, (…), porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor nomeado; neste caso, o prazo para a prática de acto processual subsequente conta-se a partir da data da notificação efectuada em último lugar.”.
Sobre a leitura da sentença, preceitua o n.º 3 do art. 373º do C.P.P. que:
“O arguido que não estiver presente considera-se notificado da sentença depois de esta ter sido lida perante o defensor nomeado ou constituído”.
Ainda com interesse para a decisão, o artigo art. 333º sob a epígrafe “falta e julgamento na ausência do arguido notificado para a audiência”, dispõe:
“(…) 5. No caso previsto nos n.ºs 2 e 3, havendo lugar a audiência na ausência do arguido, a sentença é notificada ao arguido logo que seja detido ou se apresente voluntariamente. O prazo para a interposição de recurso pelo arguido conta-se a partir da notificação da sentença.
6. Na notificação prevista no número anterior o arguido é expressamente informado do direito a recorrer da sentença e do respectivo prazo.”
Decorre dos preceitos legais ora transcritos que a lei distingue claramente duas situações:
- a primeira a da notificação de arguido julgado na ausência, ou seja, de arguido faltoso e ausente desde o início do julgamento;
- a segunda a da notificação de arguido presente em julgamento e que entretanto se tenha ausentado.
No caso vertente, atentos os elementos factuais supra referidos, a audiência de julgamento ocorreu na ausência do arguido, tendo a leitura da sentença decorrido também na sua ausência e na presença da sua defensora nomeada no processo, em conformidade com o disposto no art. 333º, nº 2 do C.P.P. (cfr. acta de audiência).
Assim, tendo a audiência se iniciado e terminado na ausência do arguido, mas na presença da sua defensora, cumpre saber se a lei exige a notificação pessoal àquele da sentença proferida ou se basta a sua notificação por via postal simples nos termos do art. 113º nº 1 al. c) do C.P.P. conforme decidido pelo Tribunal a quo.
A respeito do n.º 10 do citado artigo 113º (expressamente invocado na decisão recorrida), importa esclarecer, como refere o acórdão do TRP de 08.02.2017 (acessível em www.dgsi.pt) que “… o nº 10 do art. 113º apenas prevê os actos processuais que devem ser notificados simultaneamente ao arguido e ao respectivo defensor ou advogado, nada esclarecendo sobre a forma das notificações a efectuar.”
No caso em apreço, tendo o arguido prestado termo de identidade e residência (TIR), as suas notificações, em regra, passaram a ser efectuadas pela via postal simples, de acordo com o art. 196º, nºs 2 e 3, alínea c), do C.P.P..
Contudo, uma vez que o arguido, regularmente notificado, não compareceu na audiência de julgamento, que se realizou na sua ausência nos termos do artigo 333º, n.º 2 do C.P.P., tal regra – notificação por via postal simples – não se aplica à notificação da sentença.
Neste caso, a sentença deve ser notificada ao arguido logo que seja detido ou se apresente voluntariamente como preceitua o citado artigo 333º, n.º 5 do C.P.P., pelo que, conforme se sustentou no Ac. do TRP de 18.02.2004 (disponível em www.dgsi.pt) “Se o arguido só é notificado da sentença quando seja detido ou se apresente voluntariamente, a notificação que se tem em vista só pode ser aquela que exige a presença do arguido, ou seja, a que é feita através de contacto pessoal, estando fora de hipótese a notificação pela via postal simples, que podia logo ser feita, em nada dependendo da presença do arguido.”.
Sobre a exigência de notificação pessoal da sentença ao arguido, que, estando notificado para comparecer, esteve ausente na audiência de julgamento, pronunciou-se o Tribunal Constitucional nos seus acórdãos nº 274/2003, de 28.05.2003, n.º 278/2003, de 28.05.2003 e n.º 503/2003, de 28.10.2003 (todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt) decidindo que as normas dos artigos 334.º, n.º 8, e 113.º, n.º 7, na versão da Lei n.º 59/98 (correspondentes aos artigos 334.º, n.º 6, e 113.º, n.º 9, na versão do Decreto-Lei n.º 320-C/2000), conjugadas com a do artigo 373.º, n.º 3, todos do CPP, “fossem interpretadas no sentido de que consagram a necessidade de a decisão condenatória ser pessoalmente notificada ao arguido ausente, não podendo, enquanto essa notificação não ocorrer, contar o prazo para ser interposto recurso ou requerido novo julgamento.”
Também no Acórdão n.º 312/2005, de 08.06.2005 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt) o Tribunal Constitucional decidiu “interpretar as normas dos artigos 411.º, n.º 1, e 333.º, n.º 5, do CPP no sentido de que o prazo para a decisão de recurso da decisão condenatória do arguido ausente se conta a partir da notificação pessoal e não a partir do depósito na secretaria, independentemente dos motivos que determinaram tal ausência e se os mesmos são, ou não, justificáveis.”
Na jurisprudência da Relação e do Supremo Tribunal de Justiça o entendimento largamente maioritário, considerando o disposto no n.º 5 do artigo 333º do CPP – que estatui que “o arguido é notificado da sentença logo que seja detido ou se apresente voluntariamente” – é que essa notificação deve ser feita através de contacto pessoal, não podendo ser efectuada, por via postal simples, para a morada indicada no TIR, nos termos do artigo 113º, n.º 1, al. c) do CPP - neste sentido, cfr., entre muitos outros, os Acs. do TRE de 20.11.2012, 06.06.2017 e 22.06.2021, os Acs. do TRC de 06.02.2013, 15.05.2013 e 22.10.2014, os Acs. do TRP 02.06.2004, 24.02.2016 e 23.11.2016, os Acs. do TRG de 23.03.2009, 08.10.2012 e 17.03.2014, os Acs. do TRL de 06.06.2017, 09.11.2020 e 26.10.2021 e o Ac. do STJ de 18.09.2014, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Perfilhamos deste entendimento também por se considerar que na situação em que a audiência de julgamento tenha lugar, na ausência do arguido, nos termos previstos no artigo 333º, n.º 2 C.P.P., a salvaguarda dos direitos de defesa e, em especial, do direito ao recurso – exigindo o n.º 6 do artigo 333º do CPP, que na notificação da sentença prevista no n.º 5 do mesmo artigo, o arguido seja «expressamente informado do direito de recorrer da sentença e do respectivo prazo» –, só ficarão plenamente assegurados, se o arguido for notificado da sentença por contacto pessoal.
Assim sendo e, ao contrário do decidido no despacho recorrido, não pode o arguido julgado na ausência ser notificado da sentença condenatória proferida nos autos por carta registada, com PD.
Impõe-se, pois, que se ordene a diligência promovida pelo MºPº, ou outras pertinentes, com vista à notificação pessoal do arguido da sentença proferida nos autos.
Por todo o exposto, procede o presente recurso.
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III- DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem a 1ª Secção deste Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, decide-se revogar o despacho recorrido e ordenar que seja substituído por outro que ordene a diligência promovida pelo MºPº, ou outras pertinentes, com vista à notificação pessoal do arguido da sentença contra si proferida.
Sem custas.
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Porto, 11.01.2023
Maria do Rosário Martins
Lígia Trovão
Pedro M. Menezes