Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
22906/19.3T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EUGÉNIA CUNHA
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
CONTRATO DE LICENÇA DE UTILIZAÇÃO DE LOJA EM CENTRO COMERCIAL
LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ
Nº do Documento: RP2024020522906/19.3T8PRT.P1
Data do Acordão: 02/05/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A alteração da decisão de facto pelo Tribunal da Relação só deve ter lugar no caso de diversa e justificada convicção, numa ponderação livre e autónoma, a ser formada com base em elementos lógicos e objetivos e fundada na análise conjunta e conjugada de toda a prova produzida (incluindo a de características subjetivas).
II - Inalterada a decisão de facto e mostrando-se bem subsumido juridicamente o caso, cabe manter a decisão de mérito a, na sequência do livremente acordado ao abrigo da autonomia da vontade e da liberdade contratual (art. 405º e 406º, do Código Civil), julgar a caducidade do contrato, atípico, de “Licença de utilização de loja em centro comercial”, findo o prazo acordado, e a condenar a Autora a indemnizar a Ré pela mora na restituição da loja, nenhum dever impendendo sobre esta de, findo o contrato, continuar a assegurar o fornecimento de água à referida loja, a restituir.
III - Impendendo sob as partes o dever de pautar a sua atuação processual por regras de conduta conformes à boa fé - cfr. art. 8º, do CPC -, não podem deixar de incorrer em responsabilidade processual a violarem-no, estando associada à responsabilidade por litigância de má fé (cfr arts 542º e segs, do CPC) - tipo central de responsabilidade processual - a prática de um ilícito processual.
IV - A condenação de uma parte como litigante de má fé, traduz um juízo de censura sobre a sua atitude processual, visando o respeito pelos Tribunais, a moralização da atividade judiciária e o prestígio da justiça.
V - Com tipificação das situações objetivas de má fé - nº2, do art. 542º, do CPC -, a figura da litigância de má fé pretende cominar quem, dolosamente ou com negligência grave (elemento subjetivo), põe em causa os princípios da cooperação, da boa fé processual, da probidade e adequação formal, que estão subjacentes à boa administração da justiça. Para a sua aplicabilidade, é exigido que resulte demonstrado nos autos que a parte agiu de forma reprovável e conscientemente ao pôr em causa a boa administração da justiça.
VI - Incorre em litigância de má fé a Autora, demonstrada a prática de ilícito processual consciente, de dedução de pretensão cuja falta de fundamento não ignorava e de atuação contra a verdade dos factos (cfr. a) e b), do nº2, do art. 542º, do CPC), havendo lugar a condenação em multa, dentro dos limites estabelecidos pelo art. 27º do Regulamento das Custas Processuais (entre 2 UC e 100 UC), bem tendo sido fixada em 20 UCs dada a gravidade da sua atuação, e, na não demonstração de consciência de falta de razão, cabe absolver a outra parte da condenação como tal.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 22906-19.3T8PRT.P1
Processo da 5ª secção do Tribunal da Relação do Porto (3ª Secção cível)
Tribunal de origem do recurso: Juízo Central Cível do Porto - Juiz 6


Relatora: Des. Eugénia Cunha
1º Adjunto:  Des. Fernanda Almeida

2º Adjunto: Des. Teresa Fonseca

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto

Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC):

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I. RELATÓRIO

Recorrente: A..., LDA

Recorrida: B..., SA,

A..., LDA propôs contra B..., SA, C..., D..., SA e E...  ação comum pedindo se declare:

1) A exclusão e nulidade das cláusulas contratuais e dos pontos L e M, identificados em 33. a 104. da fundamentação de facto, designadamente, do nº 3 da cláusula 16ª e que, por via disso, a denúncia do contrato, efetuada em 07.07.2018, com efeitos em 09.10.2018, é inválida e ineficaz, e, consequentemente, o contrato em causa nos autos, se mantém em vigor, até 30 de junho de 2021 e, não caducará, impreterivelmente, nesta data.

2) Que na sequência das aludidas nulidades, o contrato em questão subsiste, nos termos do disposto no artigo 13º do DL 446/85, de 25/10, com as alterações que se lhe seguiram.

Ou, improcedendo o pedido formulado em 2),

3) Que o aludido contrato, ficará sujeito ao regime da redução do negócios jurídicos, nos termos do artigo 14º do referido diploma legal.

Caso o contrato venha ser julgado extinto, por via da denúncia operada em 07.07.2018, com efeitos em 09-10.2018, se condenem as Rés, solidariamente:

a) A pagarem à Autora, o montante de €550.000,00 (quinhentos e cinquenta mil euros), a título de valorização das lojas em causa nos autos, decorrentes das obras e benfeitorias nelas realizadas pela Autora, acrescido de juros de mora, à taxa legal em vigor, a contar da citação das Rés, até efetivo e integral pagamento,

Ou, assim não se entendendo,

b) A pagarem à Autora, o montante de €217.042,82 (duzentos e dezassete mil quarenta e dois euros e oitenta e dois cêntimos), correspondente ao valor que a Autora desembolsou, com as obras e benfeitorias por esta realizadas na loja em causa nos autos, com o equipamento e com o mobiliário, com que Autora apetrechou esses espaços comerciais, acrescido de juros de mora, à taxa legal em vigor, a contar da citação das Rés, até efetivo e integral pagamento,

c) A pagarem à Autora, os montantes que vieram ser liquidados, em execução de sentença, decorrentes das mercadorias e produtos existentes nas lojas à data da sua entrega, dos gastos e dos lucros cessantes acima indicados em 142. e 143, acrescidos de juros de mora, à taxa legal em vigor, contados da liquidação da divida, até efetivo e integral pagamento.

Alega, para tanto e resumidamente, que, em 25 de junho de 2015, a segunda Ré, na qualidade proprietária do referido F..., representada pela terceira demandada, celebrou com a Autora, um contrato que denominou de licença de utilização de loja em centro comercial, que o aludido contrato, foi elaborado pelas segunda e terceira Rés - “C...” e “D..., SA” -, previamente à entrada em negociações com a Autora e entregue por aquelas a esta, sem que à mesma fosse concedida a possibilidade de negociar e/ ou de discutir o seu conteúdo, que a Autora não teve participação na preparação e/ou na redação das cláusulas do aludido contrato, limitando-se, apenas, a subscrever, o texto que a terceira Ré (D..., SA) lhe apresentou, que as declarações insertas no aludido nº1 (na parte em que prevê a caducidade, impreterivelmente, em 30 de Junho de 2021), nos nºs 3 e 4, da cláusula 16ª e nos pontos “L” e “M”, não correspondem à vontade real da Autora, que as referidas estipulações contratuais violam as normas relativas à responsabilidade civil contratual e são, absolutamente proibidas, nos termos do disposto na alínea h) do artigo 18º do Decreto Lei 446/85, de 25/10 e que a A. realizou obras de conservação e/ou de reparação e as benfeitorias, de grande envergadura, nas lojas em causa, cujos gastos ascenderam ao total €168.737,95 (cento e sessenta e oito mil setecentos e trinta e sete euros e noventa e cinco cêntimos).

Posteriormente deduziu ampliação de pedido (fls. 487 R. E. 40450972) peticionando a condenação da R. no pagamento da quantia de €32.088,81, a título de lucros cessantes vencidos e, ainda, os lucros cessantes vincendos, contados a partir de 30/09/2021, a liquidar em execução de sentença. Invoca para tal que a R./reconvinte mandou cortar a água na loja o que levou a que a que a A. tenha tido necessidade de transportar a água em recipientes e tal facto tem afugentado clientes.


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Citada a R. para contestar veio a mesma impugnar e deduzir reconvenção.

A título de reconvenção peticiona:

“i)- Deve o Tribunal declarar que a denúncia operada através da carta de 07.06.2018, junta como Doc. N.º 5 ao Requerimento Inicial apresentado pela Autora nos autos do procedimento cautelar, foi lícita, pelo que o Contrato de 01.09.2015 cessou no dia 09.10.2018;

ii)- Deve a Autora ser condenada no pagamento de uma indemnização à Ré no montante de €158.697,98, a título de remuneração fixa perdida, pelo que facto de não ter entregado a loja na data de cessação do contrato, gerando os consequentes prejuízos à Ré, melhor descritos no capítulo 2.4.2. e 5.3.2;

iii)- Deve a Autora ser condenada no pagamento de uma indemnização à Ré no montante de €140.530,51, a título de remuneração variável perdida, pelo que facto de não ter entregado a loja na data de cessação do contrato, gerando os consequentes prejuízos à Ré, melhor descritos no capítulo 2.4.3. e 5.3.3;

iv) - Deve a Autora ser condenada no pagamento de uma indemnização à Ré correspondente ao impacto negativo no valor de mercado do F..., o qual apenas, a final, poderá ser apurado, aquando de execução de sentença;

v)- Deve a Autora ser condenada no pagamento das quantias devidas pela execução do Contrato de 01.09.2015 no valor de € 36.848,86, acrescida dos respetivos juros no montante de €2.365,20, bem como dos juros vincendos até efetivo e integral pagamento, com os fundamentos melhores descritos nos capítulos 2.4.4. e 5.4.;

vi)- Deve a Autora ser condenada, nos termos da cláusula 13.ª, n.º 2, alínea b) do Contrato de 01.09.2015, no pagamento do montante de €7.369,77, com os fundamentos melhores descritos nos capítulos 2.4.4. e 5.4.;

vii)- Deve a Autora ser condenada, nos termos da cláusula 13.ª, n.º 2, alínea c) do Contrato de 01.09.2015, no pagamento dos honorários que vier a suportar, montantes a ser liquidados, em sede de execução de sentença, com os fundamentos melhores descritos nos capítulos 2.4.4. e 5.4..

Cumulativamente,

c)- Deve a Autora ser condenada no pagamento dos juros vincendos relativamente a todos os montantes aqui peticionados, desde a data de notificação da presente contestação até ao seu efetivo e integral pagamento.

Peticiona, ainda, a condenação da A./reconvinda como litigante de má-fé.

Posteriormente (fls. 449) veio deduzir ampliação do pedido, peticionando:

- o pagamento de uma indemnização mensal no valor de €7.918,04, a título de remuneração fixa e de €3.654,00 a título de remuneração variável referente à loja G..., desde o dia 01/07/2018 até que a A. entregue a loja à R. e

- €5.905,08, a título de remuneração fixa referente à loja H..., desde o dia 01/07/2018 até que a A. entregue a loja à R..

Ulteriormente houve nova ampliação de pedido (fls. 473) peticionando-se a condenação da A./reconvinda na entrega da loja, objeto do contrato de utilização de loja, em virtude do referido contrato ter cessado ao abrigo da cláusula 21, Nº 2 do mesmo.


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Replicou a A., pugnando pela improcedência do pedido reconvencional e peticiona, ainda, a condenação da R./reconvinte como litigante de má-fé.

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Foi proferido despacho saneador, no qual se absolveram as RR. E..., S. A., C... e D..., S. A. da instância por ilegitimidade.

Procedeu-se à audiência final, com a observância das formalidades legais.


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           Foi proferida sentença com a seguinte parte dispositiva:

“a) Julga-se parcialmente procedente a presente acção intentada pela A./reconvinda, A..., LDA, e condena-se a R./reconvinte, B..., SA, a reconhecer a exclusão e nulidade do nº 3, da cláusula 16ª do contrato referido em 3) e 7) dos factos provados e por via, por via disso, a denúncia do contrato, efectuada em 07.07.2018, com efeitos em 09.10.2018, é inválida e ineficaz, e, consequentemente, o contrato em causa nos autos, mantém-se em vigor, até 30 de Junho de 2021.

b) Julga-se improcedente o remanescente do pedido e absolve-se a R./reconvinte do mesmo.

c) Julga-se parcialmente procedente o pedido reconvencional e condena-se a A./reconvinda a pagar à R./reconvinte, a liquidar em execução de sentença, o qual terá em conta os valores que a A./reconvinda for pagando pela utilização da loja:

- o pagamento de indemnização mensal no valor de €7.918,04, a título de remuneração fixa e de €3.654,00 a título de remuneração variável referente à loja G..., desde o dia 30 de Junho de 2021 até que a A./reconvinda entregue a loja à R./reconvinte e

- €5.905,08, a título de remuneração fixa referente à loja H..., desde o dia 30 de Junho de 2021 até que a A./reconvinda entregue a loja à R./reconvinte.

d) Condena-se a A./reconvinda na entrega da loja objecto do contrato de utilização de loja identificada em 4) dos factos provados.

e) Julga-se improcedente o remanescente do pedido reconvencional e dele se absolve a A./reconvinda.

f) Condena-se a A. Reconvinda como litigante de má-fé, nos termos do artº 542º, nº 1, nº 2, a), e), d), do CPC e artº 27º, nº 3, do RCJ, na multa de 20 UCs.

Custas da acção por A. e R. na proporção do vencimento e decaimento

Custas do pedido reconvencional por R./reconvinte e A./reconvinda na proporção do vencimento e decaimento.


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Face à ampliação dos pedidos da acção e reconvencional, fixa-se à acção o valor de €1.557.077,45 correspondente ao valor já fixado de €895.812,32 + 32.088,81 da ampliação do pedido da A. + 629.176,32 do pedido reconvencional, tendo em conta a data entre 01/07/2018 e 30/06/2021 (€7.918,04 + 3.654,00 = 11.572,04 x 12 meses = 138.864,48 x 3 anos + €5.905,08 x 12 meses = €70.860,96 x 3 anos = €212.582.88).

Ulteriormente atender-se-á à liquidação do pedido reconvencional constante da alínea c) da decisão”.


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           Foi, posteriormente, retificado o valor da causa nos seguintes termos:

“… o valor da acção é de €1.207.534,89 - (€550.000,00 + €32.088,81 da acção) + (€345.812,32 + €138.864,48 + €70.860,96 + €46.288,00 + €23.620,32 da reconvenção).

Por todo o exposto, nos termos do artº 613º, nº 2 e 614º, nº 1, do CPC, rectifica-se o valor da acção para €1.207.534,89, ficando o presente despacho a fazer parte integrante da acção”.


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Apresentou a Autora recurso de apelação, pugnando por que seja dado provimento ao recurso nos termos e pelos fundamentos constantes das formuladas

CONCLUSÕES:

I) O presente recurso destina-se à reapreciação da decisão da primeira instância, que versou sobre matéria de facto e de direito.

II) Com efeito, considera a Recorrente que não se encontram provados os factos descritos sob 27 a 30, 33 a 45, 48 a 52 , 54 , 58 a 70 , 72 a 84 e, que se encontram provados os factos elencados em a) a m) , o) , q) e r).

III) Para além disso, discorda também a Recorrente, do segmento decisório a quo, que ABSOLVEU A RECORRIDA DO PEDIDO DA RECORRENTE, SEGUNDO O QUAL, O CONTRATO OBJETO DO LITIGIO NÃO CADUCA IMPRETERIVELMENTE EM 30 DE JUNHO DE 2021 (CLAUSULA 16ª , nº 1); que CONDENOU A RECORRENTE NO PEDIDO DEDUZIDO PELA RECORRIDA , EM SEDE DE AMPLIAÇÃO DO PEDIDO; QUE CONDENOU A RECORRENTE, COMO LITIGANTE DE MÁ FÉ ; QUE ABSOLVEU A RECORRIDA DO PEDIDO DE LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ ; QUE ABSOLVEU A RECORRIDA DO PEDIDO FORMULADO PELA RECORRENTE NA AMPLIAÇÂO DO PEDIDO (Fls. 487 R. E. 40450972), A TITULO DE CORTE DA ÁGUA NO ESPAÇO COMERCIAL OBJETO DO CONTRATO EM LITIGIO

IV) Segundo o Tribunal a quo, a decisão da matéria de facto ora impugnada, assenta nos seguintes meios de prova: a) Nos documentos juntos aos autos, nos termos referidos em cada um dos factos; b) Nos documentos juntos aos autos (na providência cautelar e nos autos principais) conforme remissão efetuada em cada um dos factos provados; c) Nos depoimentos das testemunhas AA, BB e CC e DD

V) Depôs sobre a matéria de facto objeto de impugnação, BB e CC, tendo a Recorrente, procedido, para esse feito, supra em 6., à transcrição dos respetivos depoimentos, que aqui se reproduzem integralmente, para os devidos efeitos legais e, cuja passagens são as seguintes: BB (20211115165115_15593478_2871443-) (20211115165115_15593478_2871443) (10.21.-10.26) (10.31-11.05) (11.06-11.12) (11.13-11.16) 11.23-11.31) (11.35-12.02) (12.23-12.33) (12.34-12.50) (12.51-12.52) (12.54-13.12) : (15.34 -15.42) (15.43-15.45) (16.06-16.44) (16.45 . 16.19 ) :(24.21-24.29) ( 24.31-25.37) : (27.18-27.27) (27.28-27.52) : 28.00-28.33) (28.34-28.37) (28.39-28.46) (28.47-29.13) (29.14.-29.20) 29.21-29.30) (37.17-37.26) (37.27-37.43): (37.44-37.53) (37.54-37.59) (38.07-38.10) (38.11-38.27) : (38.28-38.36) (38.37- 38.43) : (41.16-41.30) (41.37-42.08) e CC (20211213110855_15593478_2871443 ) (6.48 – 6.54) (6.54-7-07 ) (7.07-7.10) (7.10-7.41) (12.47- 12.53) (13.43-13.47(13.47 -13.49 ) (9.50-10.06) (10.06) (14.12.-14.26) (14.27 . ) (15.09-15.11) (15.11- 15.14) (15.14-15.19) (15.20-15.38) (15.39-15.48) (15.48-15.49) (15.49) (15.50-16.24) (16.29-16.31 e 18.26-18.44 ) (18.44-18.45) (18.45-18.58) (18.58-19.49) (19.58-20.01 ) (20.04-20.10) (20.14- 20.15) (20.15) (20.15-20.19) (20.19-20.28) (23.24-23.34 e 27.45-27.49) (27.49-27.50) (32.10-32.15) (33.24-33.30) (33.30-33.38) (33.38-34,26) : (35.07-35.10) (35.10-35.41) : (40.58-41.09)(41.04-41.05) 41.09- 41.20) (41.22-42.42) (42.54 -42.58) (42.58-43.30) (43.45-43.48) (44.26-44.29)(44.29) (46.28-46.32) (46.33-46.34) (46.34-46.38) (46.38-47.46) (55.05-55.35) (55.35-55.51) (55.51-56.26) (56.27-57.05) (57-19-57.26) (57.26-57.32) (57.32-57.33) (57.36-57.42) (57.46-58.13,1.00.04-1.00.20) (1.00.20 -1.00.43) (1.00.43 -1.01.12) (1.01.12 -1.01.45) 1.07.58 -1.08.09) 1.08.09-1.08.27 ) 1.1.25 -1.12.36) (1.12.40-1.12.54) (1.12.54-1.12.55) (1.13.02) (1.13.32-1.13.46) (1.13.46-1.13.53) (1.15.17-1.15.23) (1.15.23-1.15.48) (1.15.48-1.15.51) (1.15.51-1.15.55)

VI) Analisando, os referidos depoimentos, deles ressalta, relativamente a estas testemunhas, o que encontra acima descrito em 7 e 8, que aqui se reproduz, para os devidos efeitos legais.

VII) Pelo exposto, e pelas razões infra elencadas, deverá dar-se como NÃO PROVADOS, os seguintes factos:

- 27 (na parte em que refere que a Autora tinha experiência no ramo), pois que o facto de se ter provado que a Recorrente havia celebrado um contrato de teor semelhante ao de 2015 e o aditamento constante do documento nº 10 junto à contestação, nada mais se provou, designadamente, que tenha sido explicado e lido à Recorrente esse contrato e aditamento ou que lhe tenha sido facultadas as minutas, que a mesma tenha apreendido/querido o sentido constante deste contrato, tendo-se provado, outrossim, que o contrato em questão nos presentes autos, é em quase tudo idêntico a outro celebrado em 2009 (que não se apurou qual foi) e ao seu aditamento constante do referido doc. nº 10 e que um tal Sr. EE ligado à recorrente, que não se apurou quem foi, dominasse a língua portuguesa, tanto mais que, até tinha que pedir ajuda para o preenchimento de cheques;

Pelo que, não se recolheu prova, de que a Recorrente tinha experiência no ramo em contratou com a proprietária da loja em apreço;

- 28 e 29 Como supra se referiu, apenas se fez prova do aditamento ao contrato de 2009 constante do doc. nº 10 junto à contestação, não se tendo de todo provado, que a Recorrente se fez acompanhar de advogado, em que altura, e a que título foi;

- 30 Nenhuma das referidas testemunhas, confirmaram o teor destes factos, sendo que também inexistem nos autos, qualquer documento que o comprove, razão pela qual a primeira instância foi completamente omissa, quanto aos meios de prova de tais factos;

-33 a 38 – Como acima explicado, nenhuma prova foi obtida, que permita dar como provado, que foi negociado com a Autora, quaisquer dos termos do contrato celebrado em 13.07.2009, e, muito menos se provou, o que consta de 34 a 38;

-39 Esta matéria está em contradição com o que se encontra provado em 5) em que é dito que “a Ré e ex RR sabiam que os gerentes e/ou representantes legais da Autora, têm nacionalidade chinesa e que não dominam bem a língua portuguesa”. Para além disso, não existe qualquer prova nos autos ou produzida, que demonstre que os legais representantes da Recorrente, negociassem frequentemente em língua portuguesa e, muito menos, que os mesmos compreendem a língua portuguesa, pois que até para preencherem simples cheques precisavam de ajuda, como referiu a testemunha BB;

- 40 , 41 , 42, 43, 44 , 45 , 48 a 52, 54 ( este ponto, na parte que refere que foi negociado entre a Autora e a I... , tendo a Autora uma vez mais, sido acompanhada por advogado “ , 58 , 59 - Nenhuma testemunha foi confrontada com qualquer contrato celebrado com a Recorrendo em 2009, o qual de resto, não foi junto aos autos , nem confrontada com os aditamentos que se encontram vertidos nos doc.s nºs 1 , 2 , 4 , 7 , 8 e 9 juntos à contestação, referindo-se tais testemunhas , vagamente, a tal contrato e a testemunha CC aos referidos aditamentos , sem contudo , conseguirem concretizar em que consistiam especificamente, qual o respetivo teor e as datas em que foram celebrados;

Por outro lado, tal como alegado anteriormente, não lograram quaisquer daquelas testemunhas esclarecer, que os referidos aditamentos ocorreram por iniciativa da Recorrente ou de qualquer advogado ou, que tenham por estes sido negociadas, nem tão pouco esclarecer que o contrato objeto do presente litigio de 01.09.2015, foi negociado com a Recorrente ou qualquer advogado.

Pois que, demonstraram essas testemunhas, designadamente, não terem conhecimento direto do que consta de tais email ou, se sabiam que essa mesma correspondência foi enviada ou recebida, quem foram os seus autores, se foram junto a tais email qualquer anexos, em que consistiam as alterações sugeridas, etc.

Pelo que, tendo em conta os referidos depoimentos, e que a Recorrente impugnou todos os citados documentos, e não existindo nos autos, qualquer outro elemento probatório, carecia a primeira instância de prova, para dar como assentes estes factos.

- 60) a 70) Em primeiro lugar dir-se-á que ambas as testemunhas se referiram -se a um reunião apenas com um tal advogado – Dr FF-, sem contudo, saberem concretizar, em que ano tal ocorreu e a que contrato especifico ou aditamento se reportou essa reunião, se esse sr advogado estava ou não munido de mandato para representar a Recorrente e ainda , se o tal Sr EE a que se referiram era ou não representante legal da Recorrente , não tendo as referidas testemunhas aludido a qualquer reunião com o referido Sr EE . Em segundo lugar, a testemunha BB não esteve presente na dita reunião , sendo que a testemunha CC, nada soube elucidar acerca do teor da reunião , ou das conversas telefónicas ou presenciais que alegadamente terá tido com o referido advogado, designadamente, se teve como objetivo discutir o contrato em litigio nos autos ou qualquer outro e aditamentos , uma vez que, não soube esta testemunha esclarecer , o que foi especificamente falado com o referido advogado, se houve clausulas que foram postas em causa por este , designadamente, a que se reporta ao prazo de duração do contrato ,e não tem esta testemunha conhecimento direto dos emails que lhe foram exibidos , do teor dos mesmos , se foram ou não anexados documentos a esses email, se este foram enviados ou recebidos, etc .

No que se refere, concretamente, ao que consta do ponto 64, analisando os documentos juntos aos autos pela Recorrida, nenhum deles se reporta a qualquer revogação de contrato anterior, designadamente no que se reporta ao aditamento constante do doc. nº 10 junto à contestação. Ora conjugando esta realidade, com o contrato em litigio nestes autos, junto como doc. nº 1 à petição da providência cautelar, dele não resulta qualquer revogação de um anterior contrato e, bem assim do aditamento constante do doc. nº 10 junto à contestação.

- 72) a 81) A única testemunha inquirida sobre esta matéria – CC – não confirmou que o contrato constante do doc. nº 13 junto á contestação, foi rubricado e assinado, nem tão pouco, confirmou o teor desse documento, a quem pertencem as rubricas e assinaturas nela apostas, quais os valores constantes de tal documento, sendo que a Recorrente impugnou esse documento (vide réplica de fls.. requerimento de de 26/09/2021 sob a referência 30015259

Quanto ao acordo com a “H...”, não foi exibido qualquer documento à testemunha a este propósito, sendo que o aludido documento nº 13, reporta-se, apenas, a um contrato em que um dos outorgantes que dele consta é “J...”, sendo certo que a Recorrente impugnou todos os documentos juntos aos autos pela Recorrida.

Para além disso, não confirmou a testemunha, em que consistia o tal acordo, designadamente, quanto a valores que eventualmente nele tivessem previstos;

Devendo ter-se em conta que a carta de denúncia do contrato em objeto do presente litigio, foi entregue em mão em 08.06.2018, ou seja, dois dias antes de se completar o prazo de pré-aviso previsto na clausula 16,nº 3 - vide factos provados em 14 e em 7;

Ora, era de todo desconhecido da proprietária da loja se a Autora iria aceitar esse denuncia em mão, tanto mais que a forma de comunicação dessa denuncia, prevista no contrato em apreço, devia ser através carta registada com aviso de receção, assim como não sabia a Recorrida se a Recorrente iria ou não aceitar a Denúncia Por essa razão, não se apreende, como é que a Recorrida podia contar que a loja lhe fosse entregue em 09.10. 2018, tal como decidiu a primeira instância em 14 dos factos provados;

De realçar que, o aludido contrato alegadamente celebrado com a “K...” (doc. nº 13 junto à contestação), foi celebrado em 04.06.2018 e a referida denuncia foi entregue em mão em 08.06.2018, o que demonstra que, o mais consentâneo com a boa fé contratual, seria a então proprietária da loja, apenas ter encetado

negociações com novos lojistas, após ter conhecimento de que a denuncia que havia entregue em mão, havia sido aceite pela Recorrente e que a Recorrente se conformasse com essa denúncia;

Pelo que, não o tendo feito, se algum prejuízo lhe adveio, o que não se concebe, não poderá o mesmo ser assacado à Recorrente.

Mais, como disse a testemunha, o que existiu foi um pré-acordo entre a proprietária da loja e aquelas duas empresas, porque o caderno de encargos era complexo e complicado, em que essa parte estava a ser discutida

82-84 – Nenhuma das referidas testemunha ou outras, confirmaram o teor do documento nº 14 junto à contestação, nem tão pouco confirmaram os factos descritos em tais pontos, sendo certo que a Recorrente impugnou todos os documentos juntos pela Recorrida aos autos

8.Quantos aos FACTOS NÃO PROVADOS, constantes de a) a m) o) q) e r), deverão os mesmos ser dados como provados, pelas razões adiante aduzidas.

VIII) Com efeito, no âmbito dos contratos de adesão, como é o caso do contato em questão nos presentes autos, incumbia à Recorrente alegar a violação dos deveres de comunicação e de informação do clausulado contratual por parte da Recorrida, e a esta provar que procedeu à adequada informação e comunicação - Vide 6.º do Dec.-Lei n.º 446/85, de 25/10 e Ac. do STJ de 28/09/2017, proc. nº 580/13.0TNLSB.S1, disponível em www.dgsi .pt

No caso vertente, a Recorrente alegou a referida violação mas, a Recorrida não logrou provar que foram cumpridos aqueles seus deveres, conforme se afere das considerações atrás tecidas, a propósito da impugnação da decisão da matéria dada como provada, que aqui se reproduz, integralmente.

É vasta a jurisprudência que entende “que o cumprimento do dever de comunicação, a que se reporta o art. 5º (do regime fixado pelo DL nº 446/85, de 25/10, na redacção introduzida pelos DL nº 220/95, de 31/01, e nº 249/99, de 7/7), basta-se com a entrega de exemplar/minuta do contrato, contendo todas as cláusulas (incluindo as gerais), com a antecedência que seja necessária – em função da extensão e complexidade das cláusulas –, na medida em que, com a entrega dessa minuta, uma pessoa normalmente diligente tem a efectiva e real possibilidade de ler e analisar todas as cláusulas e de pedir os esclarecimentos que entenda necessários para a sua exacta compreensão”.

Sucede porém que, no caso concreto, analisando o clausulado do contrato objeto do litigio, dele resulta, tratar-se de um contrato de adesão, extenso e com complexo clausulado.

Não tendo sido provado nos autos, que tenha sido entregue à Recorrente, um exemplar/minuta desse contrato.

Entende-se ainda que “uma pessoa de comum diligência não assinará um documento sem que, primeiro, se certifique do respectivo teor” – Vide Ac. do TRC, de 21/05/2019, Processo 41136/17.2YIPRT.C1, Relator António Carvalho Martins, un www.dgsi.pt.

A este propósito, há que ter em conta, que os representantes legais da Recorrente, têm nacionalidade chinesa, que os RR sabiam que os mesmos não dominam bem a língua portuguesa, e que até pediam ajuda à testemunha BB, para preencher os cheques para pagamento das faturas, e que a minuta do contrato não lhe foi entregue.

No caso sob apreciação , entende a Recorrente , que a sua versão dos factos se encontra provada, pois que tal como supra referido, não se provou : a) que o contrato objeto do presente litigio é quase um réplica de um outro de 13/07/2009; b) que este contrato tenha existido; c) que exceção feita à alteração contante do doc. nº 10, junto à contestação, houve ou não alterações a qualquer contrato; d), que a Recorrente tenha pedido quaisquer alterações contratuais ou, que as mesmas foram da sua iniciativa; e) que houve intervenção de advogado.

Ora, tal como observou a primeira instância, o contrato objeto do presente litigio, foi elaborado pela Recorrida, e contrariamente ao que refere o referido tribunal, não resultou provado que esse mesmo contrato é a continuação ou uma replica de um qualquer outro contrato, que as partes vinham cumprido esse contrato, que a Recorrente pediu qualquer alteração ao referido contrato ou que o negociou, que houve intervenção de advogado por parte da Recorrente, para negociar ou alterar o aludido contrato ou, para qualquer outro efeito.

Segundo o acórdão do STJ de 03/10/2017, processo nº 569/13.0 TBCSC.L1.S1, disponível em www.dgsi .pt “ Os deveres de comunicação e de informação, que decorrem, respectivamente, dos arts. 5.º e 6.º da LCCG, concretizadores dos deveres pré-contratuais previstos no art. 227.º do CC, são distintos: (i) o dever de comunicar corresponde à obrigação de o predisponente facultar ao aderente, em tempo oportuno, o teor integral das cláusulas contratuais de modo a que este tome conhecimento, completo e efectivo, do seu conteúdo; (ii) o dever de informar dirige- se essencialmente à percepção do conteúdo e corresponde à explicação desse conteúdo quando não seja de esperar o seu conhecimento real pelo aderente”.

No caso sub judice, como já se referiu, não foi entregue à Recorrente, a minuta/exemplar do contrato em questão, portanto, não teve a mesma possibilidade de tomar conhecimento do conteúdo contratual.

Para além disso, não lhe foi lido ou explicado o conteúdo contratual. Ora, tendo os representantes legais da Recorrente, nacionalidade chinesa e não dominando os mesmos bem a língua portuguesa e, não tendo ficado provado, que a mesma não foi representada por advogado, era de prever, que a Recorrente sem essa explicação, não estivesse habilitada para apreender o conhecimento real do contrato.

“Consideram-se excluídas do contrato singular as cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo (art. 8.º, al. b), da LCCG). A protecção concedida à parte mais fraca não abrange as situações em que a falta de conhecimento das cláusulas apenas decorre de um comportamento negligente ou pouco diligente dessa parte que, apesar de ter sido colocado em posição de conhecer essas cláusulas, não teve preocupação em assegurar-se do seu teor”.

Na situação em apreço, a Recorrente nem sequer foi colocada em posição de conhecer o conteúdo contratual, porque nem sequer lhe foi entregue a minuta/exemplar do contrato.

Não se podendo olvidar, que apelando às regras de experiência comum, é sabido que as normas negociais que imperam no pais de origem dos representantes legais da Recorrente - Republica Popular da China – são bem diferentes das que vigoram no nosso pais, imperando naquele outro pais, os meros acordos verbais, onde a palavra tem mais significado do que qualquer acordo escrito, daí que o grau de diligência e zelo exigido a tais representantes legais , não pode equiparado aos que são exigidos aos portugueses

De acordo com o acórdão do STJ de 24/03/2011, processo nº 1582/07.1TBANT-B.P1.S1, disponível em www.dgsi .pt “As cláusulas contratuais gerais são um conjunto de proposições pré – elaboradas que proponentes ou destinatários indeterminados se limitam a propor ou aceitar.

II - Para que as cláusulas se possam incluir nos contratos, necessária se torna a sua aceitação pelo aderente, pelo que ficam naturalmente excluídas do contrato as cláusulas contratuais gerais não aceites especificamente por um contraente, ainda que sejam habitualmente usadas pela outra parte relativamente a todos os seus contraentes.

III - Mas, para além disso, mesmo que ocorra a aceitação, a lei impõe o cumprimento de certas exigências específicas para permitir a inclusão das cláusulas contratuais gerais no contrato singular. Essas exigências constam dos arts. 5.º a 7.º da LCCG, reconduzindo-se à (i) comunicação das cláusulas contratuais gerais à outra parte (art. 5.º); (ii) à prestação de informação sobre aspectos obscuros nelas compreendidos (art. 6.º) e (iii) à inexistência de estipulações específicas de conteúdo distinto (art. 7.º).

IV - Como resulta do n.º 2 do art. 1.º, o regime consagrado no DL n.º 446/85 (redacção introduzida pelo DL n.º 249/99), também se aplica às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo, previamente elaborado, os destinatários não podem influenciar.

V - Relativamente à comunicação à outra parte, a mesma deve ser integral (art. 5.º, n.º 1) e ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária, para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento efectivo por quem use de comum diligência (art. 5.º, n.º 2).

VI - O grau de diligência postulado por parte do aderente, e que releva para efeitos de calcular o esforço posto na comunicação, é o comum (art. 5.º, n.º 2, in fine). Deve ser apreciado in abstracto, mas de acordo com as circunstâncias típicas de cada caso, como é usual no Direito Civil.

VII - O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe à parte que utilize as cláusulas contratuais gerais (art. 5.º, n.º 3). Deste modo, o utilizador que alegue contratos celebrados na base de cláusulas contratuais gerais deve provar, para além da adesão em si, o efectivo cumprimento do dever de comunicar (cf. art. 342.º, n.º 1, CC), sendo que, caso esta exigência de comunicação não seja cumprida, as cláusulas contratuais gerais consideram-se excluídas do contrato singular (art. 8.º, al. a)).

VIII - Para além da exigência de comunicação adequada e efectiva, surge ainda a exigência de informar a outra parte, de acordo com as circunstâncias, de todos os aspectos compreendidos nas cláusulas contratuais gerais cuja aclaração se justifique (art. 6º, n.º 1) e de prestar todos os esclarecimentos razoáveis solicitados (art. 6.º, n.º 2).

IX - O cumprimento desse dever prova-se através de indícios exteriores variáveis, consoante as circunstâncias. Assim perante actos correntes e em face de aderentes dotados de instrução básica, a presença de formulários assinados pressupõe que eles os entenderam; caberá, então, a estes demonstrar quais os óbices. Já perante um analfabeto, impõe-se um atendimento mais demorado e personalizado.

No caso concreto , o contrato em litigio é de adesão, ou seja, estamos perante um contrato que contem cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, limitando-se a Recorrente a assinar o referido contrato, mas, não se pode esquecer, que os representantes legais da Recorrente têm nacionalidade chinesa e não dominavam bem a língua portuguesa , o que eram do conhecimento das Recorrida e ex RR R ( 5 dos factos assentes), nenhuma prova existindo nos autos que permita aferir que os mesmos eram dotados de instrução básica, pois que nem sequer sabiam preencher cheques , como referiu a testemunha BB.

A Prova da falta de negociação do aludido contrato, resulta desde logo do facto de a Recorrida não ter logrado provar esse desiderato que se lhe impunha, uma vez que é a mesma que pretende prevalecer-se do seu conteúdo (n.º 2 do art. 1.º), segundo o qual o ónus de provar que a cláusula resultou de negociação prévia entre as partes cabe a quem pretenda prevalecer-se do seu conteúdo.

IX) Quanto à PROVA DOCUMENTAL, a Recorrente impugnou todos os documentos juntos aos autos pela Recorrida, assim, tratando-se de documentos particulares, estes deixam de fazer prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor e quanto à identidade do próprio autor, nos termos previstos no artigo 376º do CC, mas podem ser utilizados como meios de prova, apreciados livremente pelo tribunal – Acordão da RL de 11.07.2019, processo 4013/15.0T8LRS-L1.7

Sucede porém que, nenhuma das testemunhas inquiridas no julgamento, confirmaram o teor, a autoria, se foram ou não enviados ou recebidos, se houve ou não documentos anexos aos referidos emails e, demais aspetos atrás referidos.

Ora, não existindo nos autos, quaisquer outros meios de prova, que permita alcançar esse desiderato, não podia a primeira instância tal como fez, ter utilizados tais documentos para, com base neles, dar como provados e não provados determinados factos, como é o caso dos que constam do segmento decisório ora posto em crise.

X) Assim, tendo presente as considerações tecidas supra em 7 e 8, VI, VII, VIII e IX, que aqui se dão por integralmente reproduzidas para os devidos efeitos legais, da conjugação prova testemunhal com a prova expressa nos documentos nº 1 junto à petição do procedimento cautelar e nº 10 junto à contestação, e fazendo apelo às regras da experiência comum, às presunções judiciais e às regras de repartição do ónus da prova , daqui resulta, ter quedado por provar os factos assentes em 27 a 30 , 33 a 45 . 48 a 52 , 54, 58 a 70 , 72 a 84 e ter-se provado os factos não assentes elencados em a) a m) o) q) e r) , impondo-se , assim , a alteração da matéria de facto , nesta conformidade .

XI) Impondo-se, para além disso, a alteração de outra parte do aresto recorrido, por outra ordem de razões.

XII) Com efeito, quanto à ABSOLVIÇÃO DA RECORRIDA DO PEDIDO DA RECORRENTE, SEGUNDO O QUAL, O CONTRATO OBJETO DO LITIGIO NÃO CADUCA IMPRETERIVELMENTE EM 30 DE JUNHO DE 2021 (CLAUSULA 16ª, nº 1). A primeira instância fez assentar a referida absolvição, nos factos não provados constantes de j) a K), na factualidade provada sob 27) a 70) e no facto da Recorrente “em 14.06.2018, enviou à E..., SA - uma carta registada com aviso de recepção, pela qual manifestou o seu desacordo quanto à cessação do contrato, antes de 30 .06.2021, aí referindo que a denúncia em causa não produziria quaisquer efeitos jurídicos e, que por essa razão, o contrato se manteria em vigor até 30/06/2021” .

Ora, em primeiro lugar, há que referir, que a recorrente se limitou a transpor para essa missiva, a data final prevista no contrato sub judice, não podendo o termo desse documento ser interpretado como o sentido que o Tribunal a quo lhe imprimiu.

Pois que, como a Recorrente alegou, na petição inicial, essa data não corresponde à que foi por ela querida, perspetivada, explicada, comunicada e compreendida.

Para além disso, não provou a Recorrida como se lhe impunha, que comunicou e informou a Recorrente acerca do conteúdo do contrato, designadamente, acerca da automática caducidade do contrato, sendo, por essa razão, que a Recorrente veio pedir a nulidade de tal clausula.

No caso concreto, encontra-se provado que foi celebrado o aditamento constante do documento nº 10 junto à contestação, datado de 05.08.2014, do qual consta: “O presente contrato tem a duração de 11 (onze) anos, com início em 01 de Agosto de 2009 e fim em 31 de Julho de 2020, caducando impreterivelmente nesta última data”

Ora, o contrato objeto do litigio, ao prever a duração de seis anos e a caducidade automática do contrato em 30.06.2021 , quando anteriormente existia um contrato em tudo semelhante a prever a caducidade em 31 de Julho de 2020, não é plausível nem credível que a Recorrente, cujos gerentes e/ou representantes, têm nacionalidade Chinesa e não dominam bem a língua portuguesa, realidade de que a Recorrida e ex RR eram conhecedores (5 dos factos assentes), tivessem e compreendido/querido e/ou perspetivado, que o novo contrato apenas se mantivesse em vigor por mais um ano em relação aquele outro.

Tanto mais que, esse novo contrato implicou, para a Recorrente, os seguintes encargos/obrigações: a) obrigação da A. “suportar o custo de quaisquer obras de reparação tornadas necessárias, quer pelo funcionamento da loja, quer para se evitarem ou prevenirem danos nas obras de estrutura “. Vide 3 h) b) do contrato em litigio “A loja objecto do presente contrato é entregue à Segunda outorgante no seu estado actual, cabendo-lhe a realização dos necessários trabalhos de acabamentos e decoração.” Vide ponto 5, nº 1 do referido contrato c) “ a realização de quaisquer obras ou benfeitorias, incluindo trabalhos de acabamentos e decoração…ficando os custos de tais obras ou benfeitorias a cargo da segunda outorgante.” Vide 7, ponto 1 do aludido contrato; d) realizadas pela Segunda Outorgante na Loja, bem como todas as benfeitorias que nela sejam introduzidas…renunciando expressamente a Segunda Outorgante à exigência de qualquer indemnização, seja a que título for.” Vide 7 , nº 9 do referido contrato e) Gastos despendidos pela Recorrente no montante de €67.937,95 . Vide 12 dos factos assente; f) Gastos com material e mão de obra, além de ter despendido €48.304,87 em mobiliário e equipamentos, mais €424.984,36 mercadorias e produtos necessários para poder começar e laborar. – Vide 13 dos factos provados

Impondo-se, assim, a interpretação e integração da aludida declaração, de acordo com as normas previstas para esse efeito, para os negócios jurídicos, dentro do contrato em que se inclui.

Como consabido, na integração das cláusulas contratuais gerais vigora o princípio geral previsto no artigo 10º do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro, que estabelece que “As cláusulas contratuais gerais são interpretadas e integradas de harmonia com as regras relativas à interpretação e integração dos negócios jurídicos, mas sempre dentro do contexto de cada contrato singular em que se incluam.

Dispondo o artigo 11º do referido diploma legal que “ 1- As cláusulas contratuais gerais ambíguas têm o sentido que lhes daria o contratante indeterminado normal que se limitasse a subscrevê-las ou a aceitá-las, quando colocado na posição de aderente real, 2- Na dúvida, prevalece o sentido mais favorável ao aderente; - 3- O disposto no número anterior não se aplica no âmbito das acções inibitórias” .

Ao passo que 14º estabelece que “Se a faculdade prevista no artigo anterior não for exercida ou, sendo-o, conduzir a um desequilíbrio de prestações gravemente atentatório da boa fé, vigora o regime da redução dos negócios jurídicos”.

Sendo que a interpretação das declarações negociais, deve fazer-se de acordo com as normas constantes dos artigos 236º a 238.º do Código Civil, segundo as quais, as declarações devem valer com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, deve entendê-la, desde que no documento esse sentido encontre um mínimo de correspondência.

Consagra-se, pois, na nossa lei civil, a chamada teoria da impressão do destinatário. Mas, não se pronuncia o Código Civil sobre o problema de saber quais as circunstâncias atendíveis para a interpretação.

Como refere Mota Pinto (in “Teoria Geral do Direito Civil” pág. 450), também aqui se deve operar com a hipótese de um declaratário normal: serão atendíveis todos os coeficientes ou elementos que um declaratário medianamente instruído, diligente e sagaz, na posição de declaratário efetivo, teria tomado em conta.

Ao passo que Heinrich Ewald Horster (in “Parte Geral do Código Civil Português Teoria Geral do Direito Civil, pág. 510) , defende que a normalidade do declaratário, que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade de entender o texto ou o conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante.

A integração dos negócios jurídicos postula, por seu turno, duas exigências: investigar o que as partes teriam querido se houvessem previsto o ponto omisso, e o que os ditames da boa-fé impõem. Estando em causa a aplicação de critérios da lei, ainda que apoiados factualmente, vide Ac STJ, de 09/02/88, processo 075623, Relator Meneres Pimentel, in www.dgsi.pt.

Consta do nº 1 da cláusula 16 que “O presente contrato tem a duração de 6 (seis) anos com início em 01 de Junho de 2015 e fim em 30 de Junho de 2021, caducando impreterivelmente nesta data”.

No cumprimento dos contratos, dever observar-se certos princípios, entre os quais, o da boa fé, artº 762º, do CC, princípio este que também se encontra consignado no artigo 15º DL n.º 446/85, de 25 de Outubro, segundo o qual “São proibidas as cláusulas contratuais gerais contrárias à boa fé.”

Pelo exposto, ter-se-á de concluir, que a referida missiva da Recorrente não equivale a qualquer aceitação/ vontade , da sua parte , de que o contrato terminou a em 30.06.2021, pois que se assim fosse , não teria a mesma pedido a nulidade da clausula que a prevê - cl 16º, nº 1- .

De realçar que, permitir o funcionamento de tal cláusula seria defraudar de forma violenta e injusta , a confiança e expectativa que a Recorrente possuía e fundadamente depositava na rentabilização de todo o investimento efetuado para a abertura e funcionamento da loja.

Ora, mesmo que se considere provado que a Recorrente , negociou de forma livre e por intermédio de advogado a realização do contrato dos autos, o que não sucedeu , não se pode olvidar , no entanto, que considerando provado a celebração do aludido contrato de 2009 e subsequentes alterações , atenta a longa relação contratual mantida entre as partes , iniciada em 2009 e, nunca tendo sido acionada a cláusula de caducidade automática do contrato , é de crer que a Recorrente nunca perspetivou o acionamento dessa mesma clausula .

. Outrossim, incutindo todo o sobredito circunstancialismo, expetativas sérias na Recorrente, de que o contrato em questão não caducaria automaticamente em 30.06.2021. Resultando pois, de todo o exposto, que a referida cláusula 16ª, nº 1 na parte em que prevê a caducidade do contrato em 30.06.2021 é abusiva, desproporcional aos interesses em jogo no contrato e lesiva da boa-fé, por violador do equilíbrio das prestações a realizar no contrato e do princípio da confiança.

A este propósito escreve José Manuel de Araújo Barros, in Cláusulas Contratuais Gerais, Coimbra Editora, a propósito dos aderentes a este tipo de contratos:

(...)

“Assim, os limites impostos ao princípio da liberdade negocial pela consagração legal de normas protectoras, como as referentes à divergência entre a vontade real e a declarada, ao dolo, à coação, à simulação e à reserva mental; ou a consagração de proibições relativas, com a dos negócios usurários ou dos pactos leoninos. Todavia, aceitar com válida tal asserção é esquecer que o que de novo se nos perfila ê um princípio geral com um alcance muito mais vasto, na medida em que visa a reposição da igualdade nas relações jurídico-negociais, face a uma desigualdade que axiologicamente se pressupõe. Até aqui, a regra era a igualdade. Agora, plasma-se a desigualdade como ponto de partida.

Havendo que apelar, no presente caso, à integração do negócio, aquilo que a aderente, Recorrente pretendia com o contrato e ao princípio da boa fé na execução do mesmo, tal como dispõe o artº 15º, Dec. Lei n° 446/85, de 25.10.

Age de boa fé quem o faz com diligência, zelo e lealdade correspondente aos legítimos interesses da contraparte, por via de uma conduta honesta e conscienciosa, com correção e probidade, sem prejudicar os interesses legítimos daquela (ver o Ac. do STJ de 28/09/2006, relatado pelo Exmo. Conselheiro Salvador da Costa, in ww.dgsi.pt..

Tanto na negociação/formação como no cumprimento/execução dos contratos E, bem assim, no exercício de direitos correspondentes, devem as partes conformar-se com o princípio da boa-fé (cfr. artigos 227.º, n.º 1, e 762.º, nº 2, ambos do CCiv). “

Tendo presente toda a factualidade atrás elencada, ter-se-á de concluir que a cláusula 16º, nº 1 na parte que prevê a caducidade do contrato em 30.06.2021, excede manifestamente os princípios da boa fé, designadamente na vertente da confiança, e da proporcionalidade, dado o desequilíbrio que o acionamento de tal cláusula provoca nas prestações devidas pela Recorrente em confronto com as devidas pela Recorrida.

Decorrendo do exposto que, pese embora a primeira instância tenha dado como provado a existência de um contrato celebrado pela Recorrente em 2009, e de diversos aditamentos a este contrato , com o que não se concorda, certo é que a clausula que prevê a caducidade do contrato, nunca foi antes acionada pela Recorrida , o que levava a concluir, na perspetiva da Recorrente bem como do contraente médio comum colocado no lugar da Recorrente , que esta cláusula 16º, nº 1 que prevê a caducidade do contrato em 30 de Junho de 2021, nunca seria acionada .

Sendo que, a realidade acima descrita, permite concluir, que nunca tendo sido antes acionada a cláusula de caducidade, a longevidade da relação contratual (desde 2009), inculcou a Recorrida na Recorrente, a legítima confiança e expectativa de que mesmo estando a celebrar um novo contrato, mas em tudo similar ao vigente desde 2009, com sucessivas alterações, não seria acionada a cláusula de caducidade.

E, foi por essa razão, que a Recorrente procedeu ao investimento com a dimensão acima referida, sem direito a ser indemnizada das benfeitorias realizadas, a proteção da sua boa-fé terá de ser tanto maior quanto os avultados investimentos feitos, assentes na base na confiança de que o contrato não caducaria.

Esta será a solução que melhor condiz, salvaguarda e equilibra as prestações de ambas as partes, tendo em conta o princípio da boa fé.

Atente-se que o artigo 16º do Dec. Lei n° 446/85, de 25.10, estatui que na aplicação da norma anterior devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face da situação considerada, e, especialmente: a) A confiança suscitada, nas partes, pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos atendíveis; b) O objectivo que as partes visam atingir negocialmente, procurando-se a sua efetivação à luz do tipo de contrato utilizado.

No caso sub judice, por todas as razões acima expostas, deverá considera-se que a cláusula 16º, nº1, na parte que prevê a caducidade do contrato em 30.06.2021, é abusiva, por ser violadora do princípio da boa fé negocial, plasmado nos artigos 762º do CC e artigo 15º, DL n.º 446/85, de 25 de Outubro, devendo, assim, declarar-se a nulidade desta cláusula e considerar- se válido todo restante clausulado no contrato, conforme se prevê no artº 14º do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro.

Decorrendo, assim, do ora alegado que, a primeira instância fez uma incorreta interpretação da prova e do direito, violando, entre outras, as seguintes normas legais: 10º, 11, 14º, 15, 16º do DL nº 446/85 de 28/10 e os artigos 236º a 238º, 227, nº, 1 e 762º, todos do CC

XIII) No que concerne A CONDENAÇÃO DA RECORRENTE NO PEDIDO DEDUZIDO PELA RECORRIDA, EM SEDE DE AMPLIAÇÃO

A Recorrida peticionou, a este titulo, o pagamento de uma indemnização mensal no valor de €7.918,04, a título de remuneração fixa e de €3.654,00 a título de remuneração variável referente à loja G..., desde o dia 01/07/2018 até que a A. entregue a loja à R. e -€5.905,08, a título de remuneração fixa referente à loja H..., desde o dia 01/07/2018, até que a A. entregue a loja à R.

Entendeu a primeira instância, sobre esta questão, que de acordo com o disposto no artigo 804º do CC, que a Recorrente deveria ser condenada ao pagamento de tais valores, a contar de 30.06.2021, pelo facto de se encontrar em mora na entrega da loja a partir desta data.

Sem prescindir da impugnação da decisão de facto, diremos que, mesmo que considere acertada a referida decisão, não se verificam, no caso presente, a prova de quaisquer danos que à Recorrente se imponha ressarcir.

Com efeito, conjugando os factos provados que a primeira instância considerou para este segmento decisório, com a escritura pública junta aos autos, através do requerimento da Recorrente de 18/12/2020 sob a referência 27674640 e o documento 13 junto à contestação, através do requerimento de 96/01/2020 sob a referência 24697203, deles resulta, que o pseudo contrato celebrado com a empresa “K...“ data de 04/06/2018 e, a ex proprietária da loja aqui em causa “C...“ a denuncia do contrato objeto do presente litigio, foi feita em 07/06/2020 , ou seja , em data posterior à da celebração do contrato com aquela outra empresa .

Como consabido, perante tal denúncia, sempre assistiria à Recorrente o direito a opor-se à mesma bem como não aceitar que esta tivesse sido entregue em mão, quando, na verdade, o contrato prevê, especificamente, que tal denuncia tenha que ser feita mediante carta registada com aviso de receção (7 e 15 dos factos provados) . Por conseguinte , não podia a Recorrida contar com a entrega da loja em apreço em 09.10.2018 , outrossim , deveria a mesma ter-se precavido contra a eventualidade da recorrente não aceitar que a denúncia fosse realizada de forma diferente daquela que está prevista no contrato em causa nos autos- registada com aviso de receção- ou, até opor-se a essa mesma denuncia , e , portanto , deveria a Recorrida ter agido com prudência e zelo , e ter começado a negociar com novos lojista e celebrar os respetivos contratos ou acordos, apenas após a entrega da loja por parte da Recorrente.

Pelo que, se a “C...“ não usou da prudência que lhe era exigida, apenas a ela, lhe poderão ser imputados os prejuízo, s que porventura se verifiquem.

De outra parte, tal como se encontra provado, a Recorrida celebrou o referido contrato e acordo, na perspetiva de a loja lhe ser entregue em 09.10.2018.

Sucede porém, que clausula que previa a denuncia do contrato com efeitos a partir 09.10.2018 foi considerada pela primeira instância nula e de nenhum efeito e eficácia e, que o contrato se manteria em vigor até 30.06.2021.

Ora, os danos que porventura a Recorrida tenha sofrido pelo facto de não ter podido entregar a loja até 30.06.2021, não resultam de culpa da Recorrente mas sim de culpa sua, pelo que nenhuma indemnização se impõe à Recorrente pagar -lhe, a este titulo.

Para além disso , sendo certo que a Recorrida em sede de ampliação do pedido , deduz os seguintes pedidos contra a recorrente: 1) o pagamento de uma indemnização mensal no valor de €7.918,04, a título de remuneração fixa e de €3.654,00 a título de remuneração variável referente à loja K..., desde o dia 01/07/2018 até que a A. entregue a loja à R. ; 2) €5.905,08, a título de remuneração fixa referente à loja H..., desde o dia 01/07/2018 , até que a A. entregue a loja à R. , certo é que tais pedidos, estão desancorados de causa de pedir, para o o período posterior a 30.06.2021 .

Com efeito, a Recorrida não alegou, que o tal contrato e acordo, se mantinham em vigor após 30.06.2021 ou, sequer que as aludidas empresas mantinham interesse nas lojas em questão.

Ora, não precedendo de culpa da Recorrente a invalidade e ineficácia da aludida denúncia com efeitos a partir de 09.10.2018, pressuposto em que assentou a celebração de tal contrato e acordo, e nada tendo a Recorrida alegado a propósito da manutenção do dito contrato e acordo, respetivamente, com a “K...” e com a “H... “ou, pelo menos o interesse destas nas lojas, a partir de 30.06.2021, não podem proceder os aludidos pedidos da Recorrida.

Pelo que, mesmo considerando haver mora, por parte da Recorrente na entrega da loja, a partir de 30.06.2021, com o que não se concorda, não se encontra alegado e provado, que essa mora, acarrete para a Recorrida, os prejuízos por ela invocados.

Pelo que, os danos que cumpre ressarcir à Recorrida, derivada da referida mora, terão que corresponder à remuneração e encargos previstos no contrato sub judice.

Porém, tal como se deixará consignado mais adiante, não tendo a Recorrida cumprido com a obrigação de dotar a loja em apreço com água, porque procedeu ao seu corte desde 21.07.2021 (25 dos factos provados), não cumpriu a mesma, as suas obrigações contratuais, as quais, enquanto não for obtida decisão transitada em julgado, são para cumprir, não está a Recorrente obrigada a pagar-lhes a remuneração e encargos fixados no dito contrato.

Pelo que, decidindo o Tribunal a quo, de forma diversa, fez o mesmo uma incorreta apreciação da prova, a qual desembocou na incorreta condenação da Recorrente, no pagamento das referidas quantias à Recorrida, desde 30.09.2021 até à entrega da loja

XIV) Relativamente à CONDENAÇÃO DA RECORRENTE, COMO LITIGANTE DE MÁ FÉ.

Independentemente da decisão de matéria de facto ser ou não alterada, por via do presente recurso, o que não se concebe, não reuniu a primeira instância prova, de que a Recorrente tenha atuado com má fé neste pleito.

Efetivamente , segundo o acórdão do STJ de 18/02/2015 , processo nº 1120/11.1TBPFR.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt “ I) A litigância de má fé não se basta com a dedução de pretensão ou oposição sem fundamento, ou a afirmação de factos não verificados ou verificados de forma distinta ; II) Exige-se , ainda que a parte tenha atuado com dolo ou com negligência grave , ou seja , sabendo a falta de fundamento da sua pretensão ou oposição, encontrando-se numa situação em que se lhe impunha que tivesse esse conhecimento”.

O Tribunal a quo faz assentar a condenação da Recorrente a este título, no facto de a mesma ter invocado “factos que manifestamente não logrou provar, designadamente o constante de a) a j), bem sabendo que estava a trazer uma versão ao tribunal que não correspondia à verdade, tanto mais grave quando foram factos pessoais e que tinha negociado directamente com a R./reconvinte, atente-se nos factos provados de 27) a 70)” e ainda, pelo facto da Recorrente” mais concretamente no decurso da audiência de julgamento, utilizou o constante estratagema do justo impedimentos para entorpecer o andamento e finalização da audiência de julgamento, mesmo após ser advertida de que caso voltasse a ocorrer justo impedimento a diligência se realizaria”.

Ora, uma coisa é Recorrente não lograr provar os factos que invoca, outra bem diferente, é que os mesmos sejam falsos, pois que o facto de a Recorrente não ter provado o que alegou, segundo o entendimento da primeira instância (o que não se aceita), tal não implica que os mesmos sejam falsos.

Quanto aos alegados factos pessoais da Recorrente que esta tinha negociado diretamente com a Recorrida, sem conceder da posição que aquela expandiu em sede de impugnação da matéria de facto, sempre se dirá que dos factos dados como provados indicados pela primeira instância, resulta que essa negociação não foi feita diretamente pela Recorrente mas, sim, através de advogado.

Não constando da prova apurada, se o referido advogado transmitiu ou não à Recorrente, os termos da aludida negociação ou, se esses termos foram compreendidos pela mesma. Para além disso, analisando o contrato objeto do presente litigio, atenta a sua elevada extensão e complexibilidade, e o facto de a “Ré e ex RR. sabiam que os gerentes e/ou representantes da Autora, têm nacionalidade chinesa e que não dominam bem a língua portuguesa” (5 dos factos provados), não é de rejeitar a desculpabilidade da Recorrente, quanto á alegação dos factos, tal como o fez na presente demanda.

E, quanto ao justo impedimento da mandatária da Recorrente por doença, conforme comprovadamente demostrou ao Tribunal, a mesma, infelizmente, ainda não tem o dom, de poder adivinhar e escolher, em que dias vai ficar doente.

E, sendo certo que a Recorrente podia ter anuído ao substabelecimento da sua mandataria noutro/a advogado/a, certo é também, que o direito da Recorrente em não aceitar essa substituição, não lhe pode ser coartado, a pretexto da celeridade processual.

Para além disso, o facto da mandatária da Recorrente, se encontrar impedida de estar presente em algumas sessões de julgamento, não teve como consequência, o arrastamento do processo, porque a primeira instância remarcou essas diligências para datas muito próximas das anteriores, conforme se poderá constatar nos autos.

Se o processo se arrastou no tempo, tal ficou a dever-se, principalmente, ao período de confinamento derivado da Covid 19, e aos períodos das férias judiciais de Dezembro e do Verão, tudo como melhor se poderá verificar nos autos.

Para além do que ficou exposto, entende a Recorrente, que logrou provar, os factos por si alegados a este propósito, pelas razões supra expandidas.

Consequentemente, encontra-se a decisão recorrida, ancorada em incorreta apreciação da prova e na violação do artigo 542º do CPC

XV ) Relativamente à ABSOLVIÇÃO DA RECORRENTE , DO PEDIDO DE LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ

A Recorrente discorda dos argumentos em que a primeira instância fez assentar esta absolvição, pois que , apesar da Recorrente ter carreado para o processo , através da Réplica, os comprovativos dos pagamentos dos montantes peticionado pela Recorrida , a este título , e os descontos dos mesmos no banco , a Recorrida manteve os pedidos , quando , na verdade , podia deles ter desistido , o que não fez.

Sujeitando, assim, a Recorrida a Recorrente, com essa sua conduta processual, a que esta tivesse que fazer prova, em julgamento, de que havia pago esses mesmos montantes, quando, na verdade, não podia a Recorrida ignorar, que já lhe haviam sido pagas aquelas quantias.

Não se apreendendo, tal como fez a primeira instância, como pode o facto da Recorrida ter sucedido na posição na ex Ré “C...”, servir de desculpa, para justificar os valores que peticionou a essa propósito, quando, na realidade , não podia a mesma ignorar, que tais valores já se encontravam pagos, por um lado porque esses montantes foram lançados na sua conta bancária e, por outro lado, porque atenta a sua estrutura , a mesma é dotada de contabilidade organizada e, assim sendo , teria bastado , se quisesse, pedir ao departamento contabilístico essas informações .

Mostrando-se, completamente inverosímil, que a Recorrida não controle os seus movimentos bancários.

Portanto, a sucessão da Recorrida na posição da ex Ré “C...”, não é “desculpável “tal como decidiu a primeira instância.

Pelo que, ao absolver a Recorrida do pedido peticionado pela Recorrente, a este titulo, fez a primeira instância uma incorreta subsunção da matéria de facto ao direto, violando, a mesma, o disposto no artigo 512º, do CC

XVI) Quanto à ABSOLVIÇÃO DA RECORRIDA DO PEDIDO FORMULADO PELA RECORRENTE, NA AMPLIAÇÂO DO PEDIDO (Fls. 487 R. E. 40450972), A TITULO DE CORTE DA ÁGUA NO ESPAÇO COMERCIAL OBJETO DO CONTRATO EM LITIGIO

A primeira instância considerou, a este propósito, que “Relativamente aos factos não provados de n) a q) não se fez prova suficientemente credível para considerar tais factos como provados, no mínimo subsistem grandes dúvidas que a redução das vendas tenha a ver com o corte de água no estabelecimento, e o valor dos lucros corresponda a 50% das vendas, pelo que havendo dúvida terá que se resolver contra a parte a quem o facto aproveita, ou seja, contra a A./reconvinda, consequentemente dar por não provada tal factualidade.”

Sucede porém que, mesmo que se considere não provados tais factos, o que não se aceita, decorrendo do contrato em litigio, obrigações e deveres recíprocos para as partes, como, é exemplo do que consta na cláusula 2, e) , em que a Recorrida se obrigou a dotar o espaço utilizado de água e de eletricidade mediante pagamento da Recorrente de uma contraprestação acrescida dos montantes dos encargos com a eletricidade e a luz – vide cl 13, a) e b) e 14 , 1 e 2 .

Estando provado que a Recorrente procedeu ao pagamento dos referidos valores à Recorrida, num montante mensal de 13 598,97 euros ( 86 a 91 dos factos assentes ) , e provado também que a Recorrida não cumpriu com as suas obrigações contratuais , porquanto em “ Em 21.07.2021, sem autorização e/ou conhecimento da Autora/Reconvinda, a Ré/Reconvinte mandou cortar a água na loja atrás referida, obrigando-a a utilizar água armazenada em recipientes próprios” – 25 dos factos provados .

Provado está, que a Recorrida privou a Recorrente, de usar e de fruir do espaço comercial em questão, na sua plenitude.

Pelo que, mesmo que a Recorrente não tenha provado que os prejuízos que alega tenham tido origem nesse incumprimento da Recorrida, podia e deveria a primeira instância ter fixado uma indemnização a favor daquela, por recurso à equidade. Ac. Do STJ de 10/12/2019, processo nº 1087/14.4T8CHV.G1.S1 , Ac. da RL de 23/05/2013 , processo nº 2984/11.4TVLSB-C.L1, disponíveis em www.dgsi.pt.

Ora, tendo presente que a Recorrida não cumpriu com aquela sua obrigação, também não estava a Recorrente obrigada a pagar a contribuição e encargos a que se obrigou por efeito do aludido contrato , que como provado em 86 a 91 , ascenderam , em média, mensalmente , a € 13 598,98 ( treze mil quinhentos e noventa e oito euros e noventa e oito cêntimos) .

. Donde, à luz do que atrás ficou dito, a indemnização mensal a fixar a favor da Recorrente, deverá corresponder a esse valor.

Daí que, não o tendo feito, violou o tribunal a quo, o disposto noa artigo 566º , nº 3 do CC , segundo o qual “se não puder ser averiguado o valor exato dos danos , o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver provados” .

Revertendo todas as referidas considerações , para o caso concreto , e tendo em conta os fundamentos atrás enunciados para a alteração da decisão da matéria de facto, temos pois que, da conjugação prova testemunhal com a prova expressa nos documentos nº 1 junto à petição do procedimento cautelar e nº 10 junto à contestação, e fazendo apelo às regras da experiência comum , às presunções judiciais e às regras de repartição do ónus da prova , daqui resulta, ter quedado por provar os factos assentes em 27 a 30 , 33 a 45 . 48 a 52, 54, 58 a 70, 72 a 84 e ter-se provado os factos não assentes elencados em a) a m) o) q) e r)

Para além disso, pelas razões cima enunciadas em XII, XV e XVI, impõe-se a condenação da Recorrida nos termos e com os fundamentos aí constantes e, a absolvição da Recorrente nos termos e com os fundamentos acima exposto em XIII e XIV XVII) Devendo, nessa decorrência, substituir-se o segmento decisório ora impugnado, por outro, que considere:

a) não provados os factos constantes de 27 a 30, 33 a 45, 48 a 52, 54, 58 a 70, 72 a 84 e provados os factos elencados em a) a m) o) q) e r) e;

b) parcialmente procedente a ação por provada e, e por via disso, declare:

1) a exclusão e nulidade das cláusulas contratuais e dos pontos L e M descritos na petição inicial sob 33. a 104. (com exceção do nº 3 da clausula 16, porque a Recorrente já obteve ganho na primeira instância), e que, por via disso, seja considerado que o contrato em causa nos autos, não caducou, impreterivelmente, em 30.06.2021 e, por que por essa razão, mantem -se o mesmo em vigor após essa data.

2) que na sequência das aludidas nulidades, o contrato em questão subsiste, nos termos do disposto no artigo 13º do DL 446/85, de 25/10, com as alterações que se lhe seguiram, ou improcedendo o pedido formulado em 2), que o aludido contrato, ficará sujeito ao regime da redução do negócios jurídicos , nos termos do artigo 14º do referido diploma legal;

3) procedente o pedido ampliado pela Recorrente (fls. 487 R. E. 40450972) e, por via disso, a Recorrida seja condenada no pagamento à Recorrente, de acordo com a equidade, da quantia mensal de € € 13 598,98 (treze mil quinhentos e noventa e oito euros e noventa e oito cêntimos a partir de 30/09/2021, até à ligação da água na loja, a liquidar em execução de sentença.

c) totalmente improcedente a reconvenção, por não provada e, que por via disso, se decrete a absolvição da Recorrente, de todos os pedidos reconvencionais;

d) a absolvição da Recorrente como litigante de má fé;

c) a procedência do pedido da Recorrente, na condenação da Recorrida, como litigante de má fé, em multa, em montante que este Tribunal repute como conveniente aplicar e, numa indemnização a favor da A/R, cuja execução deverá ser relegada para execução de sentença, pelo facto de se desconhecer, nesta data, o seu montante”.


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            A Ré-Reconvinte apresentou-se a responder pugnando pela total improcedência do recurso.

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           Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.

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            II. FUNDAMENTOS

- OBJETO DO RECURSO

           Apontemos, por ordem lógica, as questões objeto do recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações da recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº3 e 4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil -, ressalvado o estatuído no artigo 665º, de tal diploma legal.

Assim, as questões a decidir são as seguintes:
1ª- Quanto à impugnação da decisão de facto:
1.1 - Da observância dos ónus de impugnação da decisão de facto;
1.2 - Da modificabilidade da decisão de facto (quanto aos indicados factos provados e não provados);
2ª- Da modificabilidade da decisão de mérito: quanto à ação e à reconvenção:
2.1 –Das obrigações assumidas ao abrigo da autonomia da vontade e liberdade contratual;

3ª - Da responsabilidade processual da Autora e da Ré por litigância de má fé.
4ª - Da responsabilidade tributária.


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II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

            1. FACTOS PROVADOS

Foram os seguintes os factos considerados provados pelo Tribunal de 1ª instância com relevância para a decisão (transcrição):

“1) A primeira Ré é dona e legitima proprietária do F..., instalado na Estrada ..., Quinta ..., ..., Aveiro, Vide sentença constante do apenso A do procedimento cautelar nº 20772/18.5T8PRT.

2) A Autora é uma sociedade comercial por quotas que se dedica ao comércio, importação e exportação de artigos têxteis, tapeçarias, cortinados , vestuário, calçado, acessórios de moda, bijuteria, brinquedos, jogos eletrónicos, produtos de higiene e limpeza, cosméticos e perfumes, artigos para o lar, artigos de bricolage, material e equipamento informático e eletrónico, artigos de papelaria, livros, bebidas alcoólicas e não alcoólicas azeite, produtos alimentares, artigos de desporto e lazer, peças e acessórios auto, mobiliário e artigos de marroquinaria, Vide chave 0854-1321-8877.

3) Em 25 de Junho de 2015, a C..., na qualidade proprietária do referido F... - representada pela terceira demandada, celebrou com a Autora, um contrato que denominou de licença de utilização de loja em centro comercial, o qual foi elaborado pelas segunda e terceira Rés – C...“ , e “ (D..., SA”.

4) O qual tem por objeto, as lojas/médias superfícies nºs 3 e 4ª parcial do centro comercial F..., sito na Estrada ..., Quinta ..., ..., Aveiro. – Doc. nº 2 do procedimento cautelar.

5) A Ré e ex RR. sabiam que os gerentes e/ou representantes da Autora, têm nacionalidade chinesa e que não dominam bem a língua portuguesa.

6) Consta do nº 1 da cláusula 16 que “O presente contrato tem a duração de 6 (seis) anos com início em 01 de Junho de 2015 e fim em 30 de Junho de 2021, caducando impreterivelmente nesta data”.

7) Consta do nº 3 da Cláusula 16 que “Ambas as Outorgantes ficam com o direito de denunciar unilateralmente ao presente contrato, sem necessidade de invocar motivo justificativo, no final do 3º (terceiro) ano completo de funcionamento da Loja, desde que comunique à outra Outorgante, com a antecedência mínima de 120 (cento e vinte) dias, por meio de carta registada com aviso de receção, sem que a estas assista o direito a qualquer indemnização ou quantia a título de remuneração ou outra”. Doc. nº 1 do procedimento cautelar.

8) Consta do nº 4 “Caso seja retirada à primeira Outorgante (A...) a disponibilidade sobre o direito de utilização da loja objeto do presente contrato, em consequência de decisão proferida por autoridade administrativa ou judicial, o presente contrato cessará de imediato, não podendo o Segundo Outorgante (A...) reclamar qualquer indemnização ou compensação pelos prejuízos daí resultantes”.

9) E consta dos pontos “L “ e “M”, “As outorgantes pretenderam no âmbito da liberdade contratual legalmente consagrada, celebrar um contrato atípico, o qual, embora reúna elementos de vários contratos, as mesmas Partes entendem não se subsumir a qualquer dos tipos legais , na presente data não existir qualquer arrendamento da loja em causa, mas antes um contrato atípico de "utilização de espaço em centro comercial" e “ As outorgantes desde já afastam a qualificação deste contrato como de arrendamento ou subarrendamento, por considerarem que este tipo legal de contrato constitui uma figura na qual não se podem integrar grande parte dos elementos próprios de utlização de um espaço integrado em centro comercial e que aqui pretendem consagrar, nomeadamente a forma de remuneração, a seletividade a disciplina de funcionamento comum ou a prestação de serviços inerentes à respetiva administração”.

10) Consta da CLÁUSULA 3ª (Obrigações da Segunda Outorgante, resultantes da integração da Loja no Centro Comercial):

- Na alínea g) está estipulado que a Autora terá que “permitir que a primeira Outorgante (C...) promova as convenientes obras de manutenção, conservação ou reparação do Centro Comercial, no todo ou em parte, bem como quaisquer trabalhos ordenados pelas autoridades públicas, ainda que tais obras afetem temporariamente a utilização da loja em causa, sem que por isso tenha direito a qualquer compensação pelos eventuais prejuízos”.

- A alínea h) prevê que a Autora terá que “Suportar o custo de quaisquer obras de reparação tornadas necessárias, quer pelo funcionamento da Loja, quer para evitarem ou prevenirem danos nas obras de estrutura, primeira obra, rede de abastecimento de água, esgotos, eletricidade e telecomunicações, decorrentes do desgaste inerente a uma prudente utilização da Loja para o exercício da atividade comercial ou com vista à sua devolução quando o presente contrato deva ter-se por extinto.”

11) CLÁUSULA 4ª (Destino da Loja) 5 e 6

Está aqui previsto que “Em caso de violação da obrigação prevista no número anterior ou no caso de a Segunda Outorgante (A...) manter a sua loja encerrada por um período continuo superior a 2 (dois) dias ou por mais de 3 (três) dias intercalados, a primeira Outorgante (C...) tem o direito de resolver, imediata e automaticamente, o presente contrato, sem necessidade de realizar qualquer interpelação para o efeito” e,

“O não desenvolvimento da atividade comercial, entre outros sinais evidentes, pela escassez de bens à venda ou a ausência de prestação de serviços ou por um decréscimo superior a 50,00% da faturação da Loja, relativamente à faturação do mês homologo do ano anterior, determina o direito de resolver o contrato pela Primeira Outorgante, nos termos previstos no número anterior, quando esta situação se verifique ao longo de 3 (três) meses seguidos ou 6 (seis) meses interpolados num mesmo ano.”

12) Autora teve gastos que ascenderam a €67.937,95 (sessenta e sete mil novecentos e trinta e sete euros e noventa e cinco cêntimos) que se reporta aos gastos com material e com mão de obra, cfr Doc. nº 3 junto ao procedimento cautelar.

13) Para além de que apetrechou a Autora, as lojas em apreço, com mobiliário, equipamentos, mercadorias e produtos necessários para poder começar a laborar, no montante de €48.304,87 e €424.984,36, respetivamente, cfr Doc.s nºs 3 e 4 do procedimento cautelar.

14) Em 07.07.2018, a E..., na qualidade de gestora, administradora e representante da C..., endereçou à Autora uma carta pela qual punha termo ao referido contrato, com efeitos em 09.10.2018, cfr. doc. nº 5 do procedimento cautelar.

15) Apesar de constar nessa comunicação, que o envio foi por carta registada com aviso de receção, na verdade, a mesma foi entregue em mão, no dia 08 de Junho de 2018, a um dos gerentes da Autora.

16) Nessa sequência, em 14.06.2018, a Autora enviou à E..., SA - uma carta registada com aviso de receção, pela qual manifestou o seu desacordo quanto à cessação do contrato, antes de 30 .06.2021, cfr. doc. nº 6 do procedimento cautelar.

17) Aí referindo a Autora que a denúncia em causa não produziria quaisquer efeitos jurídicos e, que por essa razão, o contrato se manteria em vigor até 30/06/2021, cfr. doc. nº 6.

18) No dia 02.10.2018, a E..., SA- remeteu à aqui Autora, uma carta registada com aviso de receção, aí escrevendo:

“Vimos pela presente recordara a V. Exªs que, em virtude da denúncia unilateral efectuada nos termos da Carta de Denúncia, o Contrato cessará todos os seu efeitos no próximo dia 9 de Outubro, devendo V. Exas, nessa data, proceder à entrega da Loja e das chaves de acesso à mesma nos termos previstos no Contrato;

“De acordo com o número 2 da Cláusula 21ª do Contrato, deverão V. Exas, no termo do Contrato, ou seja, até 9 de Outubro de 2018, restituir a Loja livre de quaisquer ónus, encargos ou responsabilidades, entregando igualmente os equipamentos comuns e outros indicados no Contrato em perfeito estado de conservação, procedendo às reparações e substituições que se revelem necessárias ou convenientes”

“Caso V. Exas não procedam à desocupação da Loja nos termos previstos no Contrato, seremos forçados a lançar mão dos meios legais destinados a assegurar a restituição da Loja e a adequada salvaguarda dos nossos interesses, designadamente, como previsto na Cláusula 21ª do Contrato, exercendo o nosso direito de oposição ao uso da Loja por parte de V. Exªs, suspendendo também a prestação de todos os serviços à mesma, e, bem assim, a responsabilizar V. Exas por todos e quaisquer danos daí decorrentes, incluindo os resultantes das negociações com terceiros tendo em vista a ocupação da loja após o termo do Contrato, nomeadamente lucros cessantes, e que acrescem à penalização diária de 100,00€ por cada dia de mora na devolução da loja, além da vossa obrigação de nos reembolsarem de todos os custos e despesas, incluindo as judiciais que a mora originar“- cfr. doc. nº 7 do procedimento cautelar.

19)  Dispõe a cláusula 21ª do contrato, o seguinte:

1. “Terminado o contrato, qualquer que seja a causa, a Primeira Outorgante tem o direito de se opor a que a Segunda Outorgante continue a utilizar a loja, bem como a suspender a prestação de quaisquer serviços a que esta haja tido direito”

2. “A Segunda Outorgante obriga-se, no termo do contrato, a desocupar a loja cuja utilização se concede e a restituí-la livre de quaisquer ónus, encargos ou responsabilidades, sem qualquer afectação de fornecedores, prestadores de serviços ou trabalhadores, bem como a entregar os equipamentos comuns e os indicados no anexo II do presente contrato, em perfeito estado de conservação e funcionamento, fazendo todas as reparações e substituições que se revelem necessárias ou convenientes, num prazo de 21 (vinte e um ) dias”

5. “Findo o prazo previsto no nº 2, caso a Segunda Outorgante não proceda ao pagamento integral de todas as quantias que se mostrem em dívida à Primeira Outorgante, seja a que título for, assim como à desocupação e restituição da Loja até à data fixada para o termo do presente contrato, seja porque motivo for, a Primeira Outorgante fica, desde já, autorizada a reassumir a detenção material da Loja, a partir daquela data, ocupando as respectivas instalações, mudando as fechaduras, ou dando-lhes o destino que entender, bem como a dispor, como lhe convier, dos bens nela existentes , incluindo a sua venda, cujo produto poderá compensar com dívidas que a A Segunda Outorgante tenha para com a Primeira Outorgante, renunciando a Segunda Outorgante expressamente a qualquer indemnização decorrente desta actuação”

20) A Autora intentou um procedimento cautelar não especificado, contra as segunda, terceira e quarta Rés, o qual deu origem ao processo nº 20772/18.5T8PRT, que correu termos neste Tribunal.

21) Na pendência desses autos, veio a Ré C...“, C...”, pedir e requerer incidente de adquirente da primeira Ré – B... , SA”, pelo facto daquela ter vendido a esta, em 17 de Outubro de 2018, o prédio objeto do contrato aqui posto em causa, Vide apenso A dos autos do procedimento cautelar.

22) Incidente que foi julgado procedente por provado e, consequentemente, decidido, por sentença, já transitada em julgado, habilitar a referida Ré B..., SA., para prosseguir no procedimento cautelar, em substituição da Ré C... (requerida no referido procedimento).

23) O referido procedimento cautelar foi objecto de decisão final, da qual consta:

“São termos em que, ao abrigo das disposições legais supra referidas, julgo o procedimento cautelar procedente e, consequentemente, decido ordenar às requeridas C..., D... , SA e E... SA, que se abstenham de praticar quaisquer actos que impeçam ou de alguma forma obstaculizem, a actividade da requerente a A... Lda, nas lojas /médias superfícies nºs 3 e 4 parcial do centro comercial F..., sito na Estrada ... , Quinta ..., ... , Aveiro, bem como se abstenham de suspender a prestação de todo e quaisquer serviço, a que se obrigaram a prestar à requerente, por via do contrato dos autos.”.

24) Inconformada com esta decisão, a primeira Ré - B... , SA. - recorreu dela para o Tribunal da Relação do Porto, o qual, porém, confirmou a decisão recorrida

25) Em 21.07.2021, sem autorização e/ou conhecimento da Autora/Reconvinda, a Ré/Reconvinte mandou cortar a água na loja atrás referida, obrigando-a a utilizar água armazenada em recipientes próprios.

26) De 21/07/21 a 30/09/2021 a A./reconvinda teve uma faturação/movimento de venda de mercadorias de €168.179,44, tendo tido uma faturação/movimento de venda de mercadorias de 01/01/2021 a 20/07/2021 no montante de €294.425,39, ou seja, desde 21.07.2021 até 30.09.2021, uma venda/movimento inferior no montante de €32.088,81 (trinta e dois mil oitenta e oito euros e oitenta e um cêntimos) ( €168.179,44 :71 dias – 294 425,39 : 201 dias = € 903,91 x 50% x 71 dias = € 32 088,81) – conforme doc. 16 e 17 do articulado superveniente.

27) A Autora já tinha experiência no ramo, com efeito, até havia celebrado um contrato com teor semelhante referente ao mesmo centro comercial em 2009.

28) Desde o ano de 2009, a Autora celebrou vários aditamentos ao contrato em causa e fez-se sempre acompanhar de advogado.

29) A Autora fez-se e faz-se acompanhar de advogado, quer aquando da negociação dos referidos contratos, quer para efeitos de obtenção de redução do valor das rendas.

30) A Autora apresentava, à data da celebração do contrato, um volume de negócios anual aproximado de €500.000,00.

31) Consta da alínea C) do Contrato: “No Centro Comercial existem diversas lojas e espaços afetos ao exercício de ramos de comércio complementares e uma área comum, na qual se incluem zonas de passagem, de acesso de serviços, de estacionamento e de lazer”.

32) No shopping relativo aos presentes autos a gestão é realizada pela I... (adiante “I...”) que, por exemplo, em representação do proprietário do centro comercial, negoceia os contratos com os lojistas.

33) O Contrato de Licença de Utilização de Loja em Centro Comercial celebrado no dia 13.07.2009 (“Contrato de 13.07.2009”), pela I..., enquanto representante do proprietário do Centro Comercial em apreço, na altura a C..., foi negociado com a Autora.

34) Designadamente, os aspetos essenciais do contrato, preço, prazo e garantias.

35) A minuta contratual disponibilizada à Autora foi preparada pela I....

36) A Autora pôde analisá-la, de modo a pronunciar-se sobre a mesma.

37) A Autora foi ainda representada para o efeito por advogado.

38) Nas negociações havidas com a I..., os legais representantes da Autora jamais revelaram qualquer problema de entendimento com a I..., na pessoa de CC.

39) Apesar de serem chineses, os legais representantes da Autora compreendem a língua portuguesa e são comerciantes em Portugal pelo menos desde 2008, negociando frequentemente nesse idioma, desde essa data.

40) Por iniciativa da Autora, o Contrato de 13.07.2009 sofreu uma primeira alteração, designadamente da cláusula 4ª, que foi vertida num Aditamento no dia 01.09.2009 – Cfr. Doc. Nº 1 da contestação.

41) Devido à dificuldade revelada pela Autora em honrar os compromissos financeiros que resultavam da execução do Contrato de 13.07.2009, as partes desse contrato operaram no dia 31.12.2009 um novo Aditamento –Cfr. Doc. N.º 2 da contestação.

42) A partir desse aditamento, passou a figurar no contrato a seguinte cláusula VI:

“A Primeira Outorgante terá direito a pôr termos ao presente contrato com efeitos a partir da data de assinatura do presente Aditamento, mediante aviso prévio dirigido à Segunda Outorgante, com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, relativamente à data em que pretenda que o presente contrato deixe de produzir os seus efeitos.” – cfr. nova Cláusula 17ª, nº 4 do Contrato de 31.12.2009.

43) Em 2010, a Autora começou a negociar com a I... novas alterações ao Contrato de 13.07.2009, sempre através de advogado – cfr. Doc. N.º 3.

44) Quer o teor do Contrato de 13.07.2009 quer o teor das minutas que iam sendo trocadas eram escalpelizados pelo advogado da Autora.

“Analisei a minuta que teve a gentileza de me enviar. Em circunstâncias normais, dir-lhe-ia que o respectivo teor – na óptica do equilíbrio contratual e da defesa dos interesses da minha cliente – se afigura inaceitável. Todavia, há um contrato-matriz anteriormente outorgado; assim sendo, teremos de anuir com pequenas alterações assinaladas a azul na versão que anexo. Com referência ao texto que V. Exa. me enviou, impõe-se retirar, em “d) dos “considerandos”, a expressão: desde que a mesma seja acompanhada por um Plano de Pagamento mensais de dívida, que agora se acordam e se anexam ao presente documento – nenhum plano se encontra elaborado nem foi tão-pouco equacionado, sendo que se impõe, isso sim, com a assinatura deste aditamento, a anulação da factura de Novembro/2009.”, cfr. email de 08.07.2010 junto com a correspondência do Doc. N.º 3.

45) Ainda por iniciativa da Autora, o Contrato de 13.07.2009 sofreu uma nova alteração, também por razões financeiras, que foi vertida num III Aditamento celebrado no dia 01.01.2011 – Cfr. Doc. N.º 4 da contestação.

46) Por email datado de 09.09.2011, a Autora, novamente através do seu advogado, solicitou um novo desconto na prestação mensal – Cfr. Doc. N.º 5 da contestação.

47) A Autora realizou uma nova insistência em 02.05.2012 para o mesmo efeito junto da I..., tendo ainda solicitado que fosse informada sobre “em que termos está a Sua

representada disponível para revogar, por mútuo acordo, o contrato que vem reciprocamente obrigando as duas sociedades.” – Cfr. Doc. Nº 6 da contestação.

48) A Autora revelou novamente problemas financeiros que a impediam de honrar os compromissos que havia assumido no âmbito do Contrato de 13.07.2009.

49) No dia 05.06.2012, o Contrato de 13.07.2009 sofreu o IV Aditamento – Cfr. Doc. N.º 7 da contestação.

50) Passando a Autora a usufruir de um desconto de 55% relativo à remuneração mensal mínima – cfr. cláusula I do IV Aditamento junto como Doc. N.º 7.

51) Por esta altura, a dívida da Autora ascendia a €76.706,98 – cfr. cláusula II 3. do IV Aditamento junto como Doc. N.º 7.

52) Com vista a ir ao encontro das necessidades da Autora, o Contrato de 13.07.2009 sofreu um novo aditamento no dia 18.03.2013 e outro no dia 29.01.2014 – Cfr. Doc. N.º 8 e 9 da contestação.

53) No dia 05.08.2014 foi celebrado o VII Aditamento ao Contrato de 13.07.2009 – Cfr. Doc. Nº 10 da contestação.

54) Esse aditamento foi negociado entre a Autora e a I..., em representação da C..., parte no Contrato de 13.07.2009, tendo a Autora, uma vez mais, sido acompanhada por advogado.

55) Era o interesse das partes desse contrato “estender a duração do contrato por mais seis anos” – cfr. Considerando b) do VII Aditamento junto como Doc. N.º 10.

56) Tendo sido alterado o nº 1 da cláusula 17ª do Contrato de 13.07.2009 que passou a ter a seguinte redação:

“O presente contrato tem a duração de 11 (onze) anos, com início em 01 de Agosto de 2009 e fim em 31 de Julho de 2020, caducando impreterivelmente nesta última data” – Cfr. Doc. N.º 10 da contestação.

57) Foi ainda alterado o nº 4 da mesma cláusula nos seguintes termos:

“Ambas as Outorgantes ficam com o direito de denunciar unilateralmente o presente contrato, sem necessidade de invocar qualquer motivo justificativo, 3 (três) anos decorridos

sobre o dia 1 de Agosto de 2014, e apenas nesta data, desde que comunique essa sua vontade à outra Outorgante, com a antecedência mínima de 120 (cento e vinte) dias, por meio de carta registada com aviso de recepção, sem que a estas assista o direito a qualquer indemnização ou quantia a título de remuneração ou outra.” – Cfr. Doc. N.º 10.

58) Por email datado de 10.03.2015, o advogado da Autora retoma os contactos com vista a alterar o valor das prestações mensais.

“Fui contactado pela Gerência da sociedade comercial “A..., Lda.”, solicitando-me que transmita a V. Exa o seguinte:

1. A sociedade em causa entende que o valor que vem actualmente pagando pela utilização da loja que ocupa é exagerado, atentas as difíceis circunstâncias actuais, não podendo continuar a pagar o montante em causa (€10.500,00 líquidos). Como forma de poder viabilizar economicamente o respectivo negócio e continuar a cumprir com a representada de V. Exa, propõe a “A..., Lda.” que se fixe o montante mensal líquido a pagar (com todas as prestações incluídas) em €6.000,00 (seis mil euros);

2. Em alternativa – e sempre na ânsia de viabilização do “negócio” – propõe a minha Cliente que, para além do espaço que vem ocupando, lhe seja também concedida a utilização do espaço que foi ocupado pela “L...”, passando a pagar pela totalidade dos espaços a quantia global líquida (com todas as prestações incluídas) de €15.000,00 (quinze mil euros) mensais.

3. Se nenhuma das opções for aceitável para a representada de V. Exa, queira transmitir-me qual a disponibilidade para se proceder à revogação por mútuo acordo do contrato que vem reciprocamente obrigando as duas sociedades.

Aguardando notícias, subscrevo-me com os mais respeitosos cumprimentos.” – Cfr. Doc. N.º 11 da contestação.

59) Foi então que as partes começaram a negociar um novo contrato de utilização de loja e que viria a concretizar-se no contrato em discussão nos presentes autos: o Contrato de 01.09.2015.

60) No Contrato de Licença de Utilização de Loja em Centro Comercial celebrado no dia 01.09.2015 (“Contrato de 01.09.2015”), foram realizadas várias reuniões entre a I... e representantes da Autora.

61) A I... era (e foi sempre) representada para o efeito pelo Gerente do Centro Comercial, CC, e a Autora, tanto era pelo advogado como pelos próprios legais representantes.

62) Estes manifestaram algumas dúvidas sobre algumas cláusulas do Contrato nas reuniões havidas entre as partes.

63) Em momento algum foi suscitada qualquer reserva à clausula 17ª do contrato, que passou a ser a cláusula 16ª, e que transitava do Contrato de 31.07.2009, fruto do VII Aditamento.

64) A celebração do novo contrato implicava a revogação do anterior.

65) Adicionalmente, com a celebração do novo contrato a área concedida à Autora passaria a ser superior.

66) Já numa fase final de negociações, a Autora, através do seu advogado, solicitou alterações às cláusulas 16ª, nº 4 e 20ª, nº 2 – cfr. correspondência junta como Doc. Nº 12.

67) A Autora, através do seu advogado, analisou e pretendeu alterar a cláusula 16ª do Contrato, embora apenas o seu n.º 4.

68) Esses contactos eram essencialmente presenciais ou telefónicos.

69) O advogado da Autora nada disse no sentido de pretender alterar qualquer outro número da referida cláusula 16ª, designadamente os números 1 e 3 em discussão nos presentes autos.

70) O mesmo sucedendo com os legais representantes da Autora que apresentaram dúvidas relativamente a algumas cláusulas, mas nunca sobre cláusula 16ª em apreço.

71) A Autora não entregou a loja conforme a Ré solicitou e continuou a permanecer nela, o que tem feito até à presente data.

72) A C..., anterior proprietária, contava que o espaço ocupado pela Autora ficasse disponível a partir de 09.10.2018.

73) A C... iria ceder esse espaço a duas sociedades para que explorassem a respectiva loja.

74) Num caso, chegou mesmo a celebrar um contrato com a K... Unipessoal, Lda. (“K...”) para uma área de 1.218,16m2 por um período de 6 anos – cfr. Doc. N.º 13 junto com a contestação.

75) Nos termos da cláusula 14.1., a K... obrigou-se a pagar à C... uma remuneração mínima mensal no valor de €7.918,04, acrescida de uma remuneração variável correspondente à diferença entre o valor da remuneração mínima mensal e o valor correspondente a 6% da faturação mensal bruta.

76) Para a loja K..., a facturação correspondente à remuneração fixa desde 10.10.2018 até 30.06.2021 seria de €283.905,66 (valor com IVA).

77) Para a outra metade da loja que era explorada pela Autora, a Ré, ainda não tinha celebrado um contrato de utilização de loja, mas já tinha acordado as condições financeiras do mesmo com a H... e havia igualmente uma minuta contratual aprovada que previa uma duração do contrato de 6 anos.

78) A Ré iria ceder uma área de 984,18m2 a um preço de €6/m2, o que configurava uma prestação mensal de €5.905,08, acrescida de 6% da faturação mensal bruta.

79) Para a loja H..., a faturação correspondente à remuneração fixa desde 10.10.2018 até 30.06.2021 seria de €218.993,13.

80) Por seu lado, a faturação prevista para o Contrato de 01.09.2015 para igual período era de €344.200,81, o que corresponde a uma diferença de €158.697,98.

81) Resultava igualmente das condições acordadas para ambas as lojas uma remuneração variável adicional correspondente a 6% da faturação mensal bruta.

82) Por carta datada de 29.03.2019, a Ré transmitiu à Autora que “… sem que tal constitua ou possa ser interpretado como uma renúncia da B... aos seus direitos e/ou como o reconhecimento de que o Contrato não foi validamente denunciado – não prescindindo a B... de, pelos meios adequados, pugnar pelo reconhecimento da validade de tal denúncia nem pela defesa dos seus interesses e ressarcimento dos danos que para si resultam da presente situação-, dirigimo-nos pela presente a V. Exas. tendo em vista regularizar um conjunto de aspetos inerentes à manutenção do Contrato em execução desde 9 Outubro de 2018 até à presente data (tal como determinado pela decisão emitida no âmbito do sobredito procedimento cautelar).” cfr. Doc. N.º 14.

83) Apesar de considerar que o Contrato de 01.09.2015 tinha deixado de produzir efeitos, na sequência da denúncia contratual que havia sido operada, e sem que renunciasse a todos os direitos que lhe assistiam por causa dessa denúncia, a Ré informou a Autora de que iria proceder à emissão das faturas, relativas às prestações mensais e demais encargos, como se o Contrato de 01.09.2015 estivesse em vigor, na medida em que a Autora se encontrava a retirar dele proveito.

84) No dia 14.06.2021, a Ré/reconvinte enviou uma carta à Autora/reconvinda, por via da qual lhe transmitiu que:

“… deverão V. Exas., nos termos do disposto na cláusula 21, nº 2 do Contrato e no prazo de 21 dias a contar do dia 30.06.2021, desocupar a loja e restitui-la, livre de quaisquer ónus, encargos ou responsabilidades, à Euro V, bem como entregar os equipamentos comuns e os equipamentos identificados no Anexo II do Contrato em perfeito estado de conservação e de funcionamento, fazendo todas as reparações e/ou substituições que se revelarem necessárias ou convenientes.”

85) A A/Reconvinda apenas teve conhecimento da venda do imóvel à aqui R/Reconvinte, no início de Janeiro de 2019.

86) Até essa altura, a A/R pagou à Ré “C...“ as remunerações e despesas seguintes:

- outubro de 2018, de €13 598,98, através do cheque nº ... sacado sobre o Banco 1..., debitado nas faturas nºs ..., ..., ..., emitidas pela R/Reconvinte - doc. nº 4;

- novembro de 2018, de €13.598,98, através do cheque nº ..., sacado sobre o Banco 1..., debitado nas faturas nºs ..., ..., ..., emitidas pela R/Reconvinte - doc. nº 5;

- dezembro de 2018 de €13.598,98, através do cheque nº ..., sacado sobre o Banco 1..., debitado nas faturas nºs ..., ..., ..., emitidas pela R/Reconvinte - doc. nº 6;

87) Como até 21.03.2019, nenhuma fatura havia sido emitida pela R/Reconvinte, a A/Reconvinte para continuar a cumprir as suas obrigações, enviou para a “C...” o pagamento da retribuição e despesas, referente a fevereiro de 2019, de €13.504,93, através do cheque nº ..., sacado sobre o Banco 1..., debitado nas faturas nºs ..., ..., ..., emitidas pela R/R- - doc. nº 6.7.

88) À exceção deste cheque acima referido de dezembro de 2018 de €13.598,98, através do cheque nº ..., todos os demais foram descontados pela Ré “C...” - doc. nº 4.3 a 4.5, 5.3 a 5.5

89) A Ré “C...” reteve os referidos cheques nºs ... e ..., na sua posse até 11.02.2019, data em que procedeu à devolução dos mesmos à A/Reconvinda, fazendo constar na carta que enviou à A/Reconvinda, para esse efeito, que havia comunicado a venda da loja em questão à R/Reconvinte, em 29.11.2018.-doc. 6.8 a 6.10.

90) Após receção desta carta, a A/Reconvinda substituiu estes cheques por outros com o mesmo montante, emitidos à ordem da R/Reconvinte, sacados sobre o Banco 1..., com os nºs ... e ..., que enviou para esta e que a mesma descontou, isto pese embora não haver faturas emitidas, que apenas sucedeu em 21.03.2019 – doc. nº 6.11 a 6.14.

91) Relativamente aos restantes meses reclamados pela R/Reconvinte, a A/Reconvinda pagou diretamente àquela do seguinte modo:

- Janeiro de 2019, de €13.598,97, através do cheque nº ..., sacado sobre o Banco 1..., por esta recebido mas não descontado, certamente de má fé , debitado nas faturas nºs ..., ..., ..., emitidas pela R/Reconvinte - doc. nº 7 a 7.5.

- março de 2019, de €13.598,97, através do cheque nº ..., sacado sobre o Banco 1..., que esta recebeu e já descontou, debitado nas faturas nºs ..., ..., ..., emitidas pela R/R - doc. nº 8 a 8.7”.


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            2. FACTOS NÃO PROVADOS

Considerou o Tribunal de 1ª instancia que se não provou (transcrição):

“a) O contrato aludido em 3) dos factos provados tenha sido elaborado previamente à entrada em negociações com a Autora e entregue pelas RR., sem que à mesma fosse concedida a possibilidade de negociar e/ ou de discutir o seu conteúdo.

b) Não tendo a Autora, a menor participação na preparação e/ou na redacção das cláusulas do aludido contrato, limitando-se, a mesma, apenas, a subscrever, o texto que a terceira Ré (D..., SA) lhe apresentou.

c) Que as segunda e terceira Rés não tivessem comunicado e informado a Autora dos termos do contrato.

d) Os representantes da A. tivessem mostrado grandes dificuldades de entendimento, nas conversações que mantinham com os representantes das Rés.

e) Revelando os representantes legais da Autora impreparação e dificuldade para assimilarem, o verdadeiro sentido de maior parte do aludido clausulado, sobretudo, dos conceitos técnico/jurídicos nele utilizados.

f) A experiência que a Autora tem, neste domínio, restringe-se a meros, correntes, simples e banais contratos de arrendamento comercial e não tinha qualquer experiência, no que à negociação deste tipo de contratos concerne.

g) Perante a ausência de apreensão do sentido de grande parte do clausulado aludido e ainda, por se ter convencido que o mesmo era, na sua generalidade, igual aqueles outros por ela celebrados- simples contratos de arrendamento comercial -, não configurou a Autora, fruto da referida ausência de comunicação e informação, que o mesmo implicava uma elevada afronta à proporção e equilíbrio de posições das partes outorgantes e ainda, que o contrato não fosse de arrendamento comercial.

h) Sendo disto exemplo o que dispõe o nº 1 (na parte em que prevê a caducidade do contrato, impreterivelmente até 30 de Junho e 2021) e os nº 3 e 4 da cláusula 16ª e os pontos L e M do aludido contrato.

i) A Autora não apreendeu o alcance, por culpa das segunda e terceira Rés das aludidas cláusulas.

j) Estivesse a Autora convencida que sendo a duração do contrato de apenas seis anos, que o mesmo não se extinguiria, automaticamente, nesta data e que a mesma teria direito a ser compensada pelas obras e benfeitorias que realizasse nas lojas, a suas expensas, quando o contrato cessasse e foi por causa desse convencimento que realizou obras de conservação e/ou de reparação e as benfeitorias.

k) As referidas obras e benfeitorias incrementaram o valor locativo /de utilização de tais lojas, em €13 933,34 (treze mil novecentos e trinta e três euros e trinta e quatro cêntimos), decorrente da diferença verificada entre o valor locativo /de utilização atual ( €22 000,00) e, o que se encontra fixado no contrato em apreço (€8 066,66 ).

l) Por outro lado, mercê de tais obras e benfeitorias, o valor de mercado das aludidas lojas, aumentou em 550 000,00 (quinhentos e cinquenta mil euros).

m) Se a Autora soubesse, tivesse percebido e apreendido o alcance e consequências, das referidas cláusulas, não teria a mesma, celebrado tal contrato, sem remoção dessas cláusulas.

n) Além do valor referido em 12) a A. tenha despendido a quantia de €100.800,00 (cem mil euros e oitocentos euros) com material e mão de obra.

o) A situação referida em 25) dos factos assentes tem afugentado um elevado número de clientela da Autora/Reconvinda e, causado grande desconforto perante todos os seus funcionários.

q) O que originou a perda de um número considerável de clientes, de que derivou o decréscimo de faturação e consequente perda de lucros, os quais correspondem a 50% das vendas.

r) Lucros que contados desde corte da água até 30.09.2021 ou seja, desde 21.07.2021 até 30.09.2021, ascendem ao montante de €32.088,81.

s) No que respeita a loja K..., e tendo presente outras lojas com características semelhantes existentes no F..., e considerando ainda um cenário manifestamente conservador, é possível estimar que a Ré iria receber, a título de remuneração variável por causa deste contrato, durante o mesmo período, a quantia de €131.564,10.

t) No que respeita a loja H..., e tendo presente outras lojas com características semelhantes existentes no F..., e considerando ainda um cenário manifestamente conservador, é possível estimar que a Ré iria receber, a título de remuneração variável, durante o mesmo período, a quantia de € 8.966,41.

u) A não substituição da loja M... explorada pela Autora no F...

pelas referidas K... e H..., tem naturalmente um impacto no valor de mercado do F..., propriedade da Ré.

v) Até ao dia 11.12.2019, relativo a montantes devidos a título de remuneração, os encargos próprios referentes à loja em causa e aos encargos comuns do Centro Comercial que a Autora não pagou e deve à Ré a quantia de €36.848,86.

Este valor em dívida, resulta dos seguintes documentos contabilísticos:

a) Fatura N.º ..., vencida no dia 21.03.2019, no valor de €2.205,98;

b) Fatura N.º ..., vencida no dia 21.03.2019, no valor de €3.108,42, do qual apenas se encontra pendente o valor de € 24,03;

c) Fatura N.º ..., vencida no dia 21.03.2019, no valor de €3.108,42;

d) Fatura N.º ..., vencida no dia 21.03.2019, no valor de €7.378,18;

e) Fatura N.º ..., vencida no dia 21.03.2019, no valor de €10.396,53;

f) Fatura N.º ..., vencida no dia 21.03.2019, no valor de €17,06;

g) Fatura N.º ..., vencida no dia 21.03.2019, no valor de €24,03;

h) Fatura N.º ..., vencida no dia 04.09.2019, no valor de €24,03;

i) Fatura N.º ..., vencida no dia 04.10.2019, no valor de €24,03;

j) Fatura N.º ..., vencida no dia 05.11.2019, no valor de €24,03;

k) Fatura N.º ..., vencida no dia 04.12.2019, no valor de €3.108,42;

l) Fatura N.º ..., vencida no dia 04.12.2019, no valor de €10.490,09;

m) Fatura N.º ..., vencida no dia 04.12.2019, no valor de €24,03”.


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II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
 1º.  Da impugnação da decisão de facto

1.1 - Da observância dos ónus de impugnação da decisão de facto
Cumpre decidir da impugnação da decisão de facto para que, ante a definitiva definição dos contornos fácticos do caso, possamos entrar na reapreciação da decisão de mérito.
Antes, porém, cabe analisar a questão, de conhecimento oficioso, da observância dos ónus, para tanto, impostos ao recorrente que impugne a matéria de facto (questão adjetiva, prévia à análise da apreciação de mérito da impugnação).
Encontram-se tais ónus de impugnação da decisão de facto enunciados nos nº1, do art. 639º e nos nº1 e 2, a), do art. 640º, decorrendo eles dos princípios da cooperação, da lealdade e da boa-fé processuais, visando garantir a seriedade e a consistência do recurso e assegurar o exercício do contraditório e constituem requisitos habilitadores a que o tribunal ad quem possa conhecer da impugnação.
Na verdade, a lei adjetiva, que no nº1, do art. 639º, consagra o ónus de alegar e formular conclusões, estabelece que “o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”, sendo as conclusões das alegações de recurso que balizam a pronúncia do tribunal (art. 635º).
E o art. 640º consagra ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, estabelecendo no nº1, que:
 “1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a)- os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b)- os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c)- a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
Verifica-se, no caso, que cumpriu a apelante os ónus, que lhe estão cometidos pelo nº1, do referido artigo 640º, pois que especificou nas conclusões das alegações, a delimitar o objeto do recurso, os concretos pontos de facto considera incorretamente julgados (al. a)) e deu, também, nas alegações (podendo fazê-lo no seu corpo), cumprimento aos demais ónus impostos, pacífico vindo a ser, mesmo na Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, que as conclusões, que balizam o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, têm de conter nas conclusões, com precisão, os pontos da matéria de facto que pretende que sejam alterados pelo tribunal de recurso, podendo os demais ónus impostos vir cumpridos apenas no corpo das alegações[1].
Assim sendo, manifesto é que a Recorrente cumpriu aqueles ónus, ao indicar nas conclusões do Recurso, que apresentou, a matéria de facto que pretendia impugnar, como se pode verificar de uma leitura das conclusões, supra citadas, mostrando-se os demais ónus, também, observados nas alegações oferecidas.
Com efeito, apresentou a Autora alegações, observando o ónus de alegar e de formular conclusões, consagrados no nº 1, do artigo 639º, e deu cumprimento aos ónus impostos pelo nº1 e 2, do artigo 640.º, pois que faz referência aos concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados (e tal é efetuado nas conclusões, assim delimitado estando o âmbito do recurso na vertente da impugnação da matéria de facto), indica elementos probatórios a conduzirem à alteração dos pontos impugnados nos termos si propugnados (prova testemunhal produzida e documentos juntos) e a decisão que, no seu entender, deveria sobre eles ter sido proferida e indica, ainda, passagens da gravação, preenchidos se mostrando os pressupostos de ordem formal para se proceder à reapreciação da decisão de facto, os requisitos habilitadores a tal conhecimento.
Tem de entender-se que a Recorrente, ao cumprir esses ónus circunscreveu o objeto do recurso no que concerne à matéria de facto, nos termos exigidos pelo legislador e interpretados pelos Tribunais Superiores, não sendo de rejeitar o recurso da impugnação da decisão de facto, sendo, por isso, de apreciar, também, esta vertente do recurso.


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1.2. Do mérito da impugnação da decisão de facto/ modificabilidade da decisão de facto: alteração de factos provados e não provados.
Podendo a decisão da matéria de facto proferida pelo Tribunal de 1ª instância sofrer de patologias, cabe à Relação, em caso de recurso e a ser caso disso, alterar a decisão. As patologias a conhecer pelo Tribunal da Relação, dentro dos limites traçados pela lei, podem corresponder a:
i) erros de apreciação ou de julgamento;
ii) ou a outros erros, também estes, lato senso, de julgamento, como seja caso a envolver a consideração de factos essenciais complementares ou concretizadores fora das condições previstas no art. 5º e situações de se não estar perante matéria de facto e questões de facto. 
Em matéria de alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, estatui o nº1, do art. 662º, com a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto” que Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto:
“… se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Nesta conformidade, e “dentro dos limites definidos pelo recorrente, a Relação goza de autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção sobre os meios de prova sujeitos a livre apreciação, sem exclusão do uso de presunções judiciais. Ou seja, (…) a Relação não está limitada à reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes, devendo atender a todos quantos constem do processo, independentemente da sua proveniência (art. 413º), sem exclusão sequer da possibilidade de efetuar a audição de toda a gravação se esta se revelar oportuna para a concreta decisão (cf. Abrantes Geraldes, ob. cit. , pp. 288-293)”.[2].
Os objetivos visados pelo legislador com o duplo grau de jurisdição em matéria de facto “designadamente quando esteja em causa decisão assente em meios de prova oralmente produzidos, determinam o seguinte: reapreciação dos meios de prova especificados pelo recorrente, através da audição das gravações (…); conjugação desses meios de prova com outros indicados pelo recorrido ou que se mostrem acessíveis, por constarem dos autos ou da gravação; (…) formação de convicção própria  e autónoma quanto à matéria de facto impugnada, introduzindo na decisão da matéria de facto que se considere erradamente julgada as modificações que forem consideradas pertinentes (cf. STJ 14-5-15, 260/70, STJ 29-10-13, 298/07, STJ 14-2-12, 6823/09 e STJ 16-12-10, 170/06). Cf. ainda Luís Filipe Sousa, Prova por Presunção no Direito Civil, pp. 187-189, no sentido de que a Relação pode fazer uso de presunções judiciais que o Tribunal de 1ª instância não utilizou, bem como que alterar a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida com base em presunções judiciais”[3].
Deste modo, “a livre convicção da Relação deve ser assumida em face dos meios de prova que estão disponíveis, impondo-se que o Tribunal de recurso sustente a sua decisão nesses mesmos meios de prova, descrevendo os motivos que o levaram a confirmar ou infirmar o resultado fixado em 1ª instância[4], sendo que “a Relação goza dos mesmos poderes atribuídos ao tribunal a quo, sem exclusão dos que decorrem do princípio da livre apreciação genericamente consagrado no art. 607º, nº5, e a que especificamente se alude no arts. 349º (presunções judiciais), 351º (reconhecimento não confessório), 376º, nº3 (certos documentos), 391º (prova pericial) e 396º (prova testemunhal), todos do CC, bem assim nos arts. 466º, nº3 (declarações de parte) e 494º, nº2 (verificações não qualificadas) do CPC[5].
Cumpre referir que o âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, deve conter-se dentro dos seguintes parâmetros:
i) o Tribunal da Relação só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo Recorrente (a menos que se venha a revelar necessária a pronúncia sobre facticidade não impugnada para que não haja contradições);
ii) sobre essa matéria de facto impugnada, o Tribunal da Relação tem que realizar um novo julgamento;
iii) nesse novo julgamento, o Tribunal da Relação forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes).
Dentro destas balizas, o Tribunal da Relação, assumindo-se como um verdadeiro Tribunal de Substituição, que é, está habilitado a proceder à reavaliação da matéria de facto especificamente impugnada pelo Recorrente, pelo que, neste âmbito, a sua atuação é praticamente idêntica à do Tribunal de 1ª Instância, apenas ficando aquém quanto a fatores de imediação e de oralidade. E o controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, tem de ser efetuado na consideração de a convicção do julgador em 1ª Instância ter sido construída dialeticamente e na importante base da imediação e da oralidade.
A garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova (consagrado no artigo 607.º, nº 5 do CPC), que está atribuído quer ao tribunal da 1ª instância quer ao Tribunal de recurso, sendo que, contudo, na formação da convicção do julgador podem intervir elementos que escapam à gravação vídeo ou áudio e na valoração de um depoimento pesam elementos que só a imediação e a oralidade trazem.
Com efeito, no vigente sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objeto do julgamento, com base apenas no juízo adquirido no processo. O que é essencial é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade da convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado[6].A lei determina expressamente a exigência de objetivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (artigo 607.º, nº 4).
O princípio da livre apreciação de provas situa-se na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade e concentração: é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que, através delas, se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas de experiência aplicáveis[7].
E na reapreciação dos meios de prova, o Tribunal de segunda instância procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção - desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria - com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância. Impõe-se-lhe, assim, que analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação (seja ela a testemunhal seja, também, a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da, demais, prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser, também, fundamentada).
Ao Tribunal da Relação competirá apurar da razoabilidade da convicção formada pelo julgador, face aos elementos que lhe são facultados. E norteando-se o julgamento pelos princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, que continuam vigorantes, e regendo-se o julgamento humano por padrões de probabilidade, nunca de certeza absoluta, o uso dos poderes de alteração da decisão sobre a matéria de facto, proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, pelo Tribunal da Relação deve atuado nos casos de desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados[8], devendo ser usado quando se possa concluir, de modo fundado e seguro, por outra convicção relativamente aos concretos pontos de facto impugnados.
Assim, deve ser efetuada alteração da matéria de facto pelo Tribunal da Relação quando este Tribunal, depois de proceder à audição efetiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontarem para direção diversa e justificarem outra conclusão, que não aquela a que chegou o Tribunal de 1ª Instância.
E na apreciação dos depoimentos, no seu valor ou na sua credibilidade, é de ter presente que a apreciação dessa prova pelo Tribunal da Relação envolve “risco de valoração” de grau mais elevado que na primeira instância, em que há imediação, concentração e oralidade, permitindo contacto direto com as partes e as testemunhas, o que não acontece neste tribunal. E os depoimentos não são só palavras, estabelecendo-se a comunicação, também, por outras formas que permitem informação decisiva para a valoração da prova produzida e apreciada segundo as regras da experiência comum e que, no entanto, se trata de elementos que são intraduzíveis numa gravação.
Por estas razões, está em melhor situação o julgador de primeira instância para apreciar os depoimentos prestados, uma vez que o foram perante si, pela possibilidade de apreensão de elementos que não transparecem na gravação dos depoimentos, devendo, contudo, esclarecer, na decisão, os elementos considerados, que entendeu de relevo.
Os factos incorporados em registos fonográficos devem ser alterados a existir convencimento pelo Tribunal de 2ª instância, com base em elementos lógicos e objetivos, em sentido diverso do considerado em 1ª instância, sendo que o julgamento da matéria de facto é o resultado da ponderação de toda a prova produzida, pelo que toda ela tem de ser revisitada e sopesada. Cada elemento de prova tem de ser ponderado por si, mas, também, em relação/articulação com os demais. O depoimento de cada testemunha tem de ser conjugado com os das outras testemunhas e todos eles com os demais elementos de prova, designadamente a documental.

           Ponderando estas referências, os argumentos apresentados pela apelante e, ainda, os da parte contrária e debruçando-nos sobre a parte da sentença onde vem motivada a decisão de facto, entendemos não se justificar alterar a decisão de facto pelas razões que, de seguida, se passam a expor.


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Insurge-se a Apelante contra a decisão de facto considerando que:

i) os factos dados como assentes em 27 a 30, 33 a 45, 48 a 52, 54, 58 a 70 e 72 a 84, devem ser julgados como não provados, por falta de prova;

ii) os factos não provados elencados em a) a m) o) q) e r), devem passar a provados, por demostrados.

Fundou o Tribunal a quo a decisão da matéria de facto nos documentos juntos quer aos autos principais quer à providência cautelar, conforme remissão efetuada em cada um dos factos provados e nos depoimentos das quatro testemunhas inquiridas, sendo:

“A testemunha AA, presta serviço de contabilista para a A. desde Julho de 2015.

Referiu que o gerente da A. é chinês e tem dificuldades no português.

Confrontada com doc. de fls. 27 e 28 Apenso A., refere que de acordo com o mapa de 2015 as obras de remodelação foram no valor de €49.096,13 + IVA, confirmando os valores do mapa de fls, 27, o qual é um documento da contabilidade.

Documento de fls. 28, o inventário foi de €424.984,36, confirmando os documentos 4, 5, 6, 7, 8, sendo que o cheque até foi a testemunha que o emitiu.

O doc. 7 corresponde a um cheque que terá sido extraviado, tendo havido estorno, o qual nunca foi descontado.

Pronunciou-se ainda sobre os documentos do articulado superveniente R. E. 40451711, referindo que os documentos 1, 2, 3 e 9 são cheques para pagar rendas

Os docs 6, 7, 8 foram para pagar despesas.

Pronunciando-se ainda sobre os documentos 12.1, 13, 14, 15, 16.

Todas as rendas foram pagas desde 2018 até Junho de 2021 (data dos últimos lançamentos), sendo que a partir de Junho de 2021 tem pagamentos e não tem facturas.

Para as conferências bancárias conferem o extracto bancário com o extracto do lançamento na contabilidade da empresa.

Instada sobre os documentos da R., 16, 17 do articulado superveniente (R. E. 40450972) correspondem a balancete em que se representa o total das vendas sem IVA, havendo uma variação das vendas entre o extracto constante do documento 16 para o 17, em que este último tem menos €120.000,00.

A margem de lucro da A. é de cerca de 40%.

A testemunha BB, secretária de direcção no F....

A R. cortou a água no espaço da A. em Agosto deste ano, por informação do departamento jurídico.

O A. apenas tinha em dívida o valor de 1 cheque extraviado, o qual nunca foi depositado, correspondendo ao valor de cerca de €13.000,00.

No geral as facturas são emitidas no início de cada mês e o cliente paga até ao dia 10 de cada mês.

O A. sempre emitiu cheques para pagamento de rendas e encargos.

Interagiu com o sr. EE e filhas desde 2009.

Não interveio directamente no contrato de 2009.

O gerente da A. revela dificuldades em falar português.

Uma das alterações do contrato passou pelo e-mail da testemunha.

O doc de fls. 104 tem a ver com o 2º contrato de alteração com vista a ter mais área a loja do A..

O Dr. FF, advogado do A., esteve lá no escritório a intervir no contrato para alteração das cláusulas nº 16 e 20, onde se previa uma duração do contrato de 2015 a 2021.

A testemunha não interveio na aludida reunião.

O pedido de alteração das aludidas cláusulas foi feito pelo advogado e através de e-mail.

As conversações sobre a discussão do contrato ocorreram com o colega CC

O A. dizia que não queria dores de cabeça, dizendo, que, entretanto, o tempo vai-se arrastando e o contrato termina.

A testemunha CC, director do F... desde 2006 e para a I... desde 2010.

Referiu que deu instruções para o corte da água à loja do A.

A I... é que gere vários activos entre os quais o F...

Sempre fez a gestão do Centro Comercial.

Interveio na aprovação do contrato com a A.

Interagiu com o proprietário da A. e com as filhas deste.

Existe um primeiro contrato de 2009 e a A..., o qual foi alterado várias vezes, em especial sobre a cláusula da renda mensal por causa do preço.

Confrontado com o doc. 1 da contestação, confirma o mesmo, como sendo um um aditamento

Sobre Doc. 3 de fls. 78, refere que o Dr. FF, advogado da A., é que veio discutir o contrato.

Desconhece se o advogado tratou/interveio no contrato inicial de 2009.

Refere que o doc. 10 da contestação (fls. 94v) de 2014 é uma alteração que prolonga o contrato até 2020.

Originalmente o contrato era de 6 anos e alargaram o período para 11 anos.

Discutiu com o EE, sócio-gerente da A., e com o Dr. FF (advogado) os valores contratuais (valor da crise).

O doc. 1 da p.i. da providência cautelar é um novo contrato de 2015 que tem a ver com a estrutura do Centro Comercial, por terem saído 2 lojistas, um de cada lado da A..., tendo a loja do A. se expandido para a antiga loja da N... e daí a razão do novo contrato.

Quanto ao doc. 12 da contestação (fls. 103v e ss) refere que há um e-mail com o Dr. FF, o qual interveio no contrato.

Nunca foi posto em causa pelo A. não perceber as cláusulas do contrato.

Se a. A. chegasse à conclusão que a área era demasiada para as suas necessidades podia alterar/cessar o contrato, porquanto se estava a viver comercial e economicamente um período complicado.

Tem uma relação boa com o EE há muitos anos e falavam sempre em português, nunca aquele lhe disse que não percebia o português e aquilo que lhe estava a dizer.

Actuaram sempre de forma a nunca haver problemas e dificuldades para o EE, de forma a facilitar as coisas.

As obras/benfeitorias não têm valor para o shopping porque o novo ocupante do espaço quer tudo em bruto e tem de demolir o que lá estiver, o que acarreta mais custos.

Decorridos 3 anos (2018) assinaram cláusula de quebra.

A área que era ocupada pela A. A... ia ser ocupada por 2 entidades, conforme doc. 13 da contestação e a outra era a O..., com a qual não assinaram contrato porque a A... não entregou o espaço pese já estar tudo tratado/negociado.

As duas marcas que iam ocupar espaço abriram no C... ao lado a concorrer a com a R..

O Dr. FF (advogado) interveio em representação do EE e falou várias vezes com a testemunha.

O doc. 3 da contestação é uma garantia bancária, porque a A... prestou um depósito caução.

O dc. 11 da contestação corresponde a um documento a discutir o valor e a necessidade de aumento de área, como introdução à negociação de 2015, já com novas áreas.

A BB é a assessora da testemunha.

A GG era a advogada da D....

BB, secretária desde há cerca de 19 anos da direcção do F....

A R. cortou a água no espaço do A. em Agosto deste ano, de acordo com informação do departamento jurídico.

A R. apenas tinha em dívida o valor de 1 cheque extraviado, pelo que nunca o depositaram, no valor de €13.000,00.

No geral as facturas saem no início de cada mês e o cliente paga até ao dia 10 de cada mês.

O A. sempre emitiu cheque para pagar a renda e encargos.

Interagiu com o Sr. EE e filhos desde 2009.

Não interveio directamente no contrato de 2009.

O A. revela muitas dificuldades a falar o português.

Uma das alterações ao contrato passou pelo e-mail da testemunha

Instada sobre o doc. de fls. 104 refere ter a ver com o 2º contrato de alteração, com vista a conceder à A. mais área disponível para a loja.

O advogado da A., Dr. FF, esteve no escritório a discutir os termos do contrato.

Confirma o pedido de alteração das cláusulas nº 16 e nº 20, pedido que foi feito pelo advogado da A., através de e-mail, as quais previam uma duração do contrato de 2015 a 2021.

As conversações de discussão do contrato  foi com o colega CC.

O A. chegou a dizer à testemunha que não queria dores de cabeça e que, entretanto, o tempo se ia arrastando e o contrato terminava.

Identificou os documentos juntos em sede de audiência de discussão e julgamento (R. E. 40451711), sendo os documentos 1, 2, 3, 4 cheques para pagamentos de rendas.

Docs. 6, 7, 8 despesas

Doc. 9 cheque para pagamento de renda de Outubro.

Extractos correntes sob docs. 12.1, 13, 14, 15, 16.

Todas as rendas foram pagas desde 2018 até Junho de 2021 (data dos últimos lançamentos).

A partir de Junho de 2021 tem pagamentos e não tem facturas.

Quanto às conferências, referiu que conferem o extracto (lançamento na contabilidade da empresa) com o extracto bancário.

Instada sobre os documentos da R. 16 e 17 (articulado superveniente R. E. 40450972) Balancetes referiu que a margem de lucro da A. é de cerca de 40%.

Há uma variação das vendas entre o extracto de doc. 16 para 17, o qual tem menos €120.000,00 (de 21.07 a 30.09/2021).

DD, agente de execução.

Fala muito com o Sr. EE o qual, em 2018, lhe pediu para lhe explicar o contrato, porquanto o mesmo tem muitas dificuldades de português, tendo-o aconselhado a consultar um advogado” (negrito nosso).

Efetuando “Análise crítica da prova produzida” refere o Tribunal a quo:

“No caso sub judice, contrariamente à versão trazida pela A., resulta que o contrato em discussão nos autos e celebrado em 15 de Junho de 2015 é uma quase réplica, uma versão semelhante ao contrato celebrado 13/07/2009, o qual sofreu várias alterações contratuais a pedido da A., sempre com intervenção de advogado, tal como sucedeu com o contrato dos autos (…)

Mesmo que se reconheça ter os representantes da A. dificuldades no domínio do português, certo é que se encontram em Portugal desde 2008, realizaram o contrato de 13/07/2009, efectuando e diligenciando pela realização de alterações ao contrato inicial, concretamente:

- Em 13.07.2009 sofreu uma primeira alteração, designadamente da cláusula 4ª, que foi vertida num Aditamento no dia 01.09.2009;

-Devido à dificuldade revelada pela Autora em honrar os compromissos financeiros que resultavam da execução do Contrato de 13.07.2009, as partes desse contrato operaram no dia 31.12.2009 um novo Aditamento;

- Em 2010, a Autora começou a negociar com a I... novas alterações ao Contrato de 13.07.2009, sempre através de advogado;

- Ainda por iniciativa da Autora, o Contrato de 13.07.2009 sofreu uma nova alteração, também por razões financeiras, que foi vertida num III Aditamento celebrado no dia 01.01.2011.

- Por email datado de 09.09.2011, a Autora, novamente através do seu advogado, solicitou um novo desconto na prestação mensal.

- A Autora realizou uma nova insistência em 02.05.2012 para o mesmo efeito junto da I..., tendo ainda solicitado que fosse informada sobre “em que termos está a Sua representada disponível para revogar, por mútuo acordo, o contrato que vem reciprocamente obrigando as duas sociedades.

- No dia 05.06.2012, o Contrato de 13.07.2009 sofreu o IV Aditamento.

- Com vista a ir ao encontro das necessidades da Autora, o Contrato de 13.07.2009 sofreu um novo aditamento no dia 18.03.2013 e outro no dia 29.01.2014.

- No dia 05.08.2014 foi celebrado o VII Aditamento ao Contrato de 13.07.2009;

Serve o exposto para dizer que a A. pretendeu trazer uma versão ao tribunal que não corresponde à verdade e à realidade dos factos, pois ao longo dos anos negociou cinco alterações ao contrato de 2009, sem nunca ter posto em causa a validade do contrato e das cláusulas constantes do mesmo.

De seguida, por e-mail datado de 10.03.2015, o advogado da Autora retoma os contactos com vista a alterar o valor das prestações mensais.

 “Fui contactado pela Gerência da sociedade comercial “A..., Lda.”, solicitando-me que transmita a V. Exa o seguinte:

1. A sociedade em causa entende que o valor que vem actualmente pagando pela utilização da loja que ocupa é exagerado, atentas as difíceis circunstâncias actuais, não podendo continuar a pagar o montante em causa (€10.500,00 líquidos). Como forma de poder viabilizar economicamente o respectivo negócio e continuar a cumprir com a representada de V. Exa, propõe a “A..., Lda.” que se fixe o montante mensal líquido a pagar (com todas as prestações incluídas) em €6.000,00 (seis mil euros);

2. Em alternativa – e sempre na ânsia de viabilização do “negócio” – propõe a minha Cliente que, para além do espaço que vem ocupando, lhe seja também concedida a utilização do espaço que foi ocupado pela “L...”, passando a pagar pela totalidade dos espaços a quantia global líquida (com todas as prestações incluídas) de €15.000,00 (quinze mil euros) mensais.

Na sequência deste pedido da A. foi elaborado e celebrado pelas partes o contrato dos autos de 01/09/2015, o qual é praticamente uma reprodução, similar ao anterior com as cláusulas aditadas desde 2009 até Janeiro de 2014.

Sobre toda a factualidade inerente à celebração do contrato 27) a 70) dos factos provados, vide os documentos referidos em cada um dos factos que não sofreram qualquer abalo, aliado aos depoimentos credíveis das testemunhas CC e BB.

Ora, se é verdade que o contrato foi elaborado pela R., certo é que o mesmo é uma continuação do contrato anterior que as partes já possuíam e que vinham a cumprir e alterado, a pedido da A., desde 2009, sendo certo que o mesmo foi negociado pelas partes e com intervenção de advogado do lado da A., o qual foi sugerindo a alteração das cláusulas que entendeu relevantes para a sua cliente e representada.(…)

In casu, pese os representantes da A. terem dificuldade no português, certo é que negociaram através de um advogado, o qual tem conhecimentos mais que suficientes para negociar e entender o contrato, tanto foi assim que ao longo do anos, desde 2009 e até à realização do contrato dos autos, 2015, interveio em representação da A., pugnando pela alteração das cláusulas que entendeu e considerou ser de alterar, de forma a beneficiar a A., solicitando em 10/03/2015 a redução do valor da renda ou ampliação do espaço com o pagamento de novo valor de renda, dado o espaço passar a corresponder a duas loja.

Assim sendo, na sequência de todo o exposto é manifesto que se tinha que dar por não provados os factos de a) a j).

(…) Relativamente aos factos não provados de n) a q), o tribunal considerou que uma coisa é a redução do valor das vendas que pode suceder por várias razões, outra é o nexo de causal entre o corte da água e a redução das vendas, tanto mais que a actividade da loja não depende propriamente de possuir água ou não no estabelecimento.

Acresce que uma coisa é o valor das vendas e outro é o lucro inerente a essas vendas. (…) no caso “sub judice” não se fez prova suficientemente credível para considerar tais factos como provados, no mínimo subsistem grandes dúvidas que a redução das vendas tenha a ver com o corte de água no estabelecimento, e o valor dos lucros corresponda a 50% das vendas, pelo que havendo dúvida terá que se resolver contra a parte a quem o facto aproveita, ou seja, contra a A./reconvinda, consequentemente dar por não provada tal factualidade” (negrito nosso).
           Considerando que, na verdade, os factos provados impugnados resultam efetivamente provados, como referido, e a prova indicada pela apelante e toda a restante produzida não é suficiente para dar uma resposta diversa aos factos não provados impugnados, não pode a impugnação da decisão de facto deixar de improceder.
Vejamos.
Impugna a Autora a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida pretendendo:

i)- Quanto aos factos provados: que sejam dados como não provados os factos constantes de 27 a 30, 33 a 45 , 48 a 52 , 54, 58 a 70 , 72 a 84”. Comecemos pela análise dos factos provados impugnados. Têm, eles, a seguinte redação:
“27) A Autora já tinha experiência no ramo, até havia celebrado um contrato com teor semelhante referente ao mesmo centro comercial em 2009.
28) Desde o ano de 2009, a Autora celebrou vários aditamentos ao contrato em causa e fez-se sempre acompanhar de advogado.
29) A Autora fez-se e faz-se acompanhar de advogado, quer aquando da negociação dos referidos contratos, quer para efeitos de obtenção de redução do valor das rendas.
30) A Autora apresentava, à data da celebração do contrato, um volume de negócios anual aproximado de €500.000,00.
33) O Contrato de Licença de Utilização de Loja em Centro Comercial celebrado no dia 13.07.2009 (“Contrato de 13.07.2009”), pela I..., enquanto representante do proprietário do Centro Comercial em apreço, na altura a C..., foi negociado com a Autora.
34) Designadamente, os aspetos essenciais do contrato, preço, prazo e garantias.
35) A minuta contratual disponibilizada à Autora foi preparada pela I....
36) A Autora pôde analisá-la, de modo a pronunciar-se sobre a mesma.
37) A Autora foi ainda representada para o efeito por advogado.
38) Nas negociações havidas com a I..., os legais representantes da Autora jamais revelaram qualquer problema de entendimento com a I..., na pessoa de CC.
39) Apesar de serem chineses, os legais representantes da Autora compreendem a língua portuguesa e são comerciantes em Portugal pelo menos desde 2008, negociando frequentemente nesse idioma, desde essa data.
40) Por iniciativa da Autora, o Contrato de 13.07.2009 sofreu uma primeira alteração, designadamente da cláusula 4ª, que foi vertida num Aditamento no dia 01.09.2009 – Cfr. Doc. Nº 1 da contestação.
41) Devido à dificuldade revelada pela Autora em honrar os compromissos financeiros que resultavam da execução do Contrato de 13.07.2009, as partes desse contrato operaram no dia 31.12.2009 um novo Aditamento –Cfr. Doc. N.º 2 da contestação.
42) A partir desse aditamento, passou a figurar no contrato a seguinte cláusula VI:
“A Primeira Outorgante terá direito a pôr termo ao presente contrato com efeitos a partir da data de assinatura do presente Aditamento, mediante aviso prévio dirigido à Segunda Outorgante, com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, relativamente à data em que pretenda que o presente contrato deixe de produzir os seus efeitos.” – cfr. nova Cláusula 17ª, nº 4 do Contrato de 31.12.2009.
43) Em 2010, a Autora começou a negociar com a I... novas alterações ao Contrato de 13.07.2009, sempre através de advogado – cfr. Doc. N.º 3.
44) Quer o teor do Contrato de 13.07.2009 quer o teor das minutas que iam sendo trocadas eram escalpelizados pelo advogado da Autora.
“Analisei a minuta que teve a gentileza de me enviar. Em circunstâncias normais, dir-lhe-ia que o respectivo teor – na óptica do equilíbrio contratual e da defesa dos interesses da minha cliente – se afigura inaceitável. Todavia, há um contrato-matriz anteriormente outorgado; assim sendo, teremos de anuir com pequenas alterações assinaladas a azul na versão que anexo. Com referência ao texto que V. Exa. me enviou, impõe-se retirar, em “d) dos “considerandos”, a expressão: desde que a mesma seja acompanhada por um Plano de Pagamento mensais de dívida, que agora se acordam e se anexam ao presente documento – nenhum plano se encontra elaborado nem foi tão-pouco equacionado, sendo que se impõe, isso sim, com a assinatura deste aditamento, a anulação da factura de Novembro/2009.”, cfr. email de 08.07.2010 junto com a correspondência do Doc. N.º 3.
45) Ainda por iniciativa da Autora, o Contrato de 13.07.2009 sofreu uma nova alteração, também por razões financeiras, que foi vertida num III Aditamento celebrado no dia 01.01.2011 – Cfr. Doc. N.º 4 da contestação.
48) A Autora revelou novamente problemas financeiros que a impediam de honrar os compromissos que havia assumido no âmbito do Contrato de 13.07.2009.
49) No dia 05.06.2012, o Contrato de 13.07.2009 sofreu o IV Aditamento – Cfr. Doc. N.º 7 da contestação.
50) Passando a Autora a usufruir de um desconto de 55% relativo à remuneração mensal mínima – cfr. cláusula I do IV Aditamento junto como Doc. N.º 7.
51) Por esta altura, a dívida da Autora ascendia a €76.706,98 – cfr. cláusula II 3. do IV Aditamento junto como Doc. N.º 7.
52) Com vista a ir ao encontro das necessidades da Autora, o Contrato de 13.07.2009 sofreu um novo aditamento no dia 18.03.2013 e outro no dia 29.01.2014 – Cfr. Doc. N.º 8 e 9 da contestação.
54) Esse aditamento foi negociado entre a Autora e a I..., em representação da C..., parte no Contrato de 13.07.2009, tendo a Autora, uma vez mais, sido acompanhada por advogado.
58) Por email datado de 10.03.2015, o advogado da Autora retoma os contactos com vista a alterar o valor das prestações mensais.
“Fui contactado pela Gerência da sociedade comercial “A..., Lda.”, solicitando-me que transmita a V. Exa o seguinte:
1. A sociedade em causa entende que o valor que vem actualmente pagando pela utilização da loja que ocupa é exagerado, atentas as difíceis circunstâncias actuais, não podendo continuar a pagar o montante em causa (€10.500,00 líquidos). Como forma de poder viabilizar economicamente o respectivo negócio e continuar a cumprir com a representada de V. Exa, propõe a “A..., Lda.” que se fixe o montante mensal líquido a pagar (com todas as prestações incluídas) em €6.000,00 (seis mil euros);
2. Em alternativa – e sempre na ânsia de viabilização do “negócio” – propõe a minha Cliente que, para além do espaço que vem ocupando, lhe seja também concedida a utilização do espaço que foi ocupado pela “L...”, passando a pagar pela totalidade dos espaços a quantia global líquida (com todas as prestações incluídas) de €15.000,00 (quinze mil euros) mensais.
3. Se nenhuma das opções for aceitável para a representada de V. Exa, queira transmitir-me qual a disponibilidade para se proceder à revogação por mútuo acordo do contrato que vem reciprocamente obrigando as duas sociedades.
Aguardando notícias, subscrevo-me com os mais respeitosos cumprimentos.” – Cfr. Doc. N.º 11 da contestação.
59) Foi então que as partes começaram a negociar um novo contrato de utilização de loja e que viria a concretizar-se no contrato em discussão nos presentes autos: o Contrato de 01.09.2015.
60) No Contrato de Licença de Utilização de Loja em Centro Comercial celebrado no dia 01.09.2015 (“Contrato de 01.09.2015”), foram realizadas várias reuniões entre a I... e representantes da Autora.
61) A I... era (e foi sempre) representada para o efeito pelo Gerente do Centro Comercial, CC, e a Autora, tanto era pelo advogado como pelos próprios legais representantes.
62) Estes manifestaram algumas dúvidas sobre algumas cláusulas do Contrato nas reuniões havidas entre as partes.
63) Em momento algum foi suscitada qualquer reserva à clausula 17ª do contrato, que passou a ser a cláusula 16ª, e que transitava do Contrato de 31.07.2009, fruto do VII Aditamento.
64) A celebração do novo contrato implicava a revogação do anterior.
65) Adicionalmente, com a celebração do novo contrato a área concedida à Autora passaria a ser superior.
66) Já numa fase final de negociações, a Autora, através do seu advogado, solicitou alterações às cláusulas 16ª, nº 4 e 20ª, nº 2 – cfr. correspondência junta como Doc. Nº 12.
67) A Autora, através do seu advogado, analisou e pretendeu alterar a cláusula 16ª do Contrato, embora apenas o seu n.º 4.
68) Esses contactos eram essencialmente presenciais ou telefónicos.
69) O advogado da Autora nada disse no sentido de pretender alterar qualquer outro número da referida cláusula 16ª, designadamente os números 1 e 3 em discussão nos presentes autos.
70) O mesmo sucedendo com os legais representantes da Autora que apresentaram dúvidas relativamente a algumas cláusulas, mas nunca sobre cláusula 16ª em apreço.
72) A C..., anterior proprietária, contava que o espaço ocupado pela Autora ficasse disponível a partir de 09.10.2018.
73) A C... iria ceder esse espaço a duas sociedades para que explorassem a respectiva loja.
74) Num caso, chegou mesmo a celebrar um contrato com a K... Unipessoal, Lda. (“K...”) para uma área de 1.218,16m2 por um período de 6 anos – cfr. Doc. N.º 13 junto com a contestação.
75) Nos termos da cláusula 14.1., a K... obrigou-se a pagar à C... uma remuneração mínima mensal no valor de €7.918,04, acrescida de uma remuneração variável correspondente à diferença entre o valor da remuneração mínima mensal e o valor correspondente a 6% da faturação mensal bruta.
76) Para a loja K..., a facturação correspondente à remuneração fixa desde 10.10.2018 até 30.06.2021 seria de €283.905,66 (valor com IVA).
77) Para a outra metade da loja que era explorada pela Autora, a Ré, ainda não tinha celebrado um contrato de utilização de loja, mas já tinha acordado as condições financeiras do mesmo com a H... e havia igualmente uma minuta contratual aprovada que previa uma duração do contrato de 6 anos.
78) A Ré iria ceder uma área de 984,18m2 a um preço de €6/m2, o que configurava uma prestação mensal de €5.905,08, acrescida de 6% da faturação mensal bruta.
79) Para a loja H..., a faturação correspondente à remuneração fixa desde 10.10.2018 até 30.06.2021 seria de €218.993,13.
80) Por seu lado, a faturação prevista para o Contrato de 01.09.2015 para igual período era de €344.200,81, o que corresponde a uma diferença de €158.697,98.
81) Resultava igualmente das condições acordadas para ambas as lojas uma remuneração variável adicional correspondente a 6% da faturação mensal bruta.
82) Por carta datada de 29.03.2019, a Ré transmitiu à Autora que “… sem que tal constitua ou possa ser interpretado como uma renúncia da B... aos seus direitos e/ou como o reconhecimento de que o Contrato não foi validamente denunciado – não prescindindo a B... de, pelos meios adequados, pugnar pelo reconhecimento da validade de tal denúncia nem pela defesa dos seus interesses e ressarcimento dos danos que para si resultam da presente situação-, dirigimo-nos pela presente a V. Exas. tendo em vista regularizar um conjunto de aspetos inerentes à manutenção do Contrato em execução desde 9 Outubro de 2018 até à presente data (tal como determinado pela decisão emitida no âmbito do sobredito procedimento cautelar).” cfr. Doc. N.º 14.
83) Apesar de considerar que o Contrato de 01.09.2015 tinha deixado de produzir efeitos, na sequência da denúncia contratual que havia sido operada, e sem que renunciasse a todos os direitos que lhe assistiam por causa dessa denúncia, a Ré informou a Autora de que iria proceder à emissão das faturas, relativas às prestações mensais e demais encargos, como se o Contrato de 01.09.2015 estivesse em vigor, na medida em que a Autora se encontrava a retirar dele proveito.
84) No dia 14.06.2021, a Ré/reconvinte enviou uma carta à Autora/reconvinda, por via da qual lhe transmitiu que: “… deverão V. Exas., nos termos do disposto na cláusula 21, nº 2 do Contrato e no prazo de 21 dias a contar do dia 30.06.2021, desocupar a loja e restitui-la, livre de quaisquer ónus, encargos ou responsabilidades, à Euro V, bem como entregar os equipamentos comuns e os equipamentos identificados no Anexo II do Contrato em perfeito estado de conservação e de funcionamento, fazendo todas as reparações e/ou substituições que se revelarem necessárias ou convenientes.”.

Conclui a Autora dever dar-se como não provado o ponto 27, na parte em que refere que a Autora tinha experiência no ramo, dado que, para além de se ter provado que a Recorrente havia celebrado um contrato de teor semelhante ao de 2015 e o aditamento constante do documento nº 10 junto à contestação, nada mais se provou, pelo que, não se recolheu prova, de que a Recorrente tinha experiência no ramo em contratou com a proprietária da loja em apreço. Quanto a este ponto, mesmo que assim fosse, e não é como veremos, pois que outros aditamentos houve, cumpre referir que o facto de ter já celebrado o primeiro contrato e aditamentos ao mesmo está, já, a demonstrar aquela experiência no ramo.

Quanto aos pontos 28 e 29, conclui a Autora que apenas se fez prova do aditamento ao contrato de 2009 constante do doc. nº 10 junto à contestação, não se tendo provado, que a Recorrente se fez acompanhar de advogado, em que altura e a que título foi. Ora, relativamente a estes pontos outros aditamentos houve, como bem resulta do depoimento da testemunha CC, diretor do Centro, que referiu estar a Autora acompanhada por advogado, que se manifestava quer presencialmente quer por contacto telefónico quer, ainda, por escrito.

Quanto ao ponto 30, conclui a Autora que nenhuma das testemunhas confirmou o teor destes factos, sendo que, também, inexiste nos autos qualquer documento que o comprove, razão pela qual a primeira instância foi omissa quanto aos meios de prova de tais factos. Não se aprecia este ponto, pese embora a documentação junta ao procedimento cautelar, dado ser a referida matéria inócua, sem relevo para a decisão da causa, estando vedada no processo a prática de atos inúteis (art. 130º, do CPC).

Quanto aos pontos 33 a 38, conclui a Autora nenhuma prova existir que permita dar como provado que foram negociados com a Autora quaisquer dos termos do contrato celebrado em 13.07.2009, e muito menos se provou, o que consta de 34 a 38. Quanto a estes pontos resultou efetivamente provado, desde logo pelo, esclarecedor, credível e convincente, depoimento da testemunha CC, que explicou, detalhadamente, ter o Contrato de Licença de Utilização de Loja em Centro Comercial celebrado no dia 13.07.2009 (“Contrato de 13.07.2009”), pela I..., enquanto representante do proprietário do Centro Comercial em apreço, na altura a C..., sido negociado com a Autora, designadamente, os aspetos essenciais do contrato, como preço, prazo e garantias, que a minuta contratual disponibilizada à Autora foi preparada pela I..., que a Autora pôde analisá-la, de modo a pronunciar-se sobre a mesma e, ainda, que a Autora foi representada para o efeito por advogado e esclareceu, ainda, que nas negociações havidas com a I..., os legais representantes da Autora jamais revelaram qualquer problema de entendimento do que estava a ser abordado e acertado.

Quanto ao ponto 39, conclui a Autora que esta matéria está em contradição com o que se encontra provado em 5) em que é dito que “a Ré e ex RR sabiam que os gerentes e/ou representantes legais da Autora, têm nacionalidade chinesa e que não dominam bem a língua portuguesa” e, para além disso, não existe qualquer prova nos autos ou produzida, que demonstre que os legais representantes da Recorrente, negociassem frequentemente em língua portuguesa e, muito menos, que os mesmos compreendem a língua portuguesa, pois que até para preencherem simples cheques precisavam de ajuda, como referiu a testemunha BB. Da prova produzida, e de modo pormenorizado, do depoimento de CC, bem resultou que, apesar de serem chineses, os legais representantes da Autora compreendem a língua portuguesa e são comerciantes em Portugal, pelo menos, desde 2008, negociando nesse idioma, desde então, nenhuma contradição existindo, antes resultou tudo sempre ter sido tratado, ao longo dos anos em que se mantiveram no shopping, em língua portuguesa, com perfeita comunicação e entendimentos recíprocos sobre o tratado.

Quanto aos pontos 40 a 45 , 48 a 52, 54 (este na parte que refere a que foi negociado entre a Autora e a I..., tendo a Autora uma vez mais, sido acompanhada por advogado), 58 e 59 bem se provou pelos documentos que se passam a referir e pelo depoimento da testemunha CC que bem o mostrou saber e conhecer, com detalhe, pelo exercício das suas funções de diretor do centro, que: Por iniciativa da Autora, o Contrato de 13.07.2009 sofreu uma primeira alteração, designadamente da cláusula 4ª, que foi vertida num Aditamento no dia 01.09.2009 – Cfr. Doc. Nº 1 da contestação; Devido à dificuldade revelada pela Autora em honrar os compromissos financeiros que resultavam da execução do Contrato de 13.07.2009, as partes desse contrato operaram no dia 31.12.2009 um novo Aditamento – Cfr. Doc. N.º 2 da contestação – e  a partir desse aditamento, passou a figurar no contrato a seguinte cláusula VI:“A Primeira Outorgante terá direito a pôr termo ao presente contrato com efeitos a partir da data de assinatura do presente Aditamento, mediante aviso prévio dirigido à Segunda Outorgante, com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, relativamente à data em que pretenda que o presente contrato deixe de produzir os seus efeitos.” – cfr. nova Cláusula 17ª, nº 4 do Contrato de 31.12.2009; Em 2010, a Autora começou a negociar com a I... novas alterações ao Contrato de 13.07.2009, sempre através de advogado – cfr. Doc. N.º 3; Quer o teor do Contrato de 13.07.2009 quer o teor das minutas que iam sendo trocadas eram escalpelizados pelo advogado da Autora (“Analisei a minuta que teve a gentileza de me enviar. Em circunstâncias normais, dir-lhe-ia que o respectivo teor – na óptica do equilíbrio contratual e da defesa dos interesses da minha cliente – se afigura inaceitável. Todavia, há um contrato-matriz anteriormente outorgado; assim sendo, teremos de anuir com pequenas alterações assinaladas a azul na versão que anexo. Com referência ao texto que V. Exa. me enviou, impõe-se retirar, em “d) dos “considerandos”, a expressão: desde que a mesma seja acompanhada por um Plano de Pagamento mensais de dívida, que agora se acordam e se anexam ao presente documento – nenhum plano se encontra elaborado nem foi tão-pouco equacionado, sendo que se impõe, isso sim, com a assinatura deste aditamento, a anulação da factura de Novembro/2009.”, cfr. email de 08.07.2010 junto com a correspondência do Doc. N.º 3); Ainda por iniciativa da Autora, o Contrato de 13.07.2009 sofreu uma nova alteração, também por razões financeiras, que foi vertida num III Aditamento celebrado no dia 01.01.2011 – Cfr. Doc. N.º 4 da contestação; A Autora revelou novamente problemas financeiros que a impediam de honrar os compromissos que havia assumido no âmbito do Contrato de 13.07.2009; No dia 05.06.2012, o Contrato de 13.07.2009 sofreu o IV Aditamento – Cfr. Doc. N.º 7 da contestação. Passando a Autora a usufruir de um desconto de 55% relativo à remuneração mensal mínima – cfr. cláusula I do IV Aditamento junto como Doc. N.º 7.Por esta altura, a dívida da Autora ascendia a €76.706,98 – cfr. cláusula II 3. do IV Aditamento junto como Doc. N.º 7. Com vista a ir ao encontro das necessidades da Autora, o Contrato de 13.07.2009 sofreu um novo aditamento no dia 18.03.2013 e outro no dia 29.01.2014 – Cfr. Doc. N.º 8 e 9 da contestação. Esse aditamento foi negociado entre a Autora e a I..., em representação da C..., parte no Contrato de 13.07.2009, tendo a Autora, uma vez mais, sido acompanhada por advogado. Por email datado de 10.03.2015, o advogado da Autora retoma os contactos com vista a alterar o valor das prestações mensais.“Fui contactado pela Gerência da sociedade comercial “A..., Lda.”, solicitando-me que transmita a V. Exa o seguinte:1. A sociedade em causa entende que o valor que vem actualmente pagando pela utilização da loja que ocupa é exagerado, atentas as difíceis circunstâncias actuais, não podendo continuar a pagar o montante em causa (€10.500,00 líquidos). Como forma de poder viabilizar economicamente o respectivo negócio e continuar a cumprir com a representada de V. Exa, propõe a “A..., Lda.” que se fixe o montante mensal líquido a pagar (com todas as prestações incluídas) em €6.000,00 (seis mil euros);2. Em alternativa – e sempre na ânsia de viabilização do “negócio” – propõe a minha Cliente que, para além do espaço que vem ocupando, lhe seja também concedida a utilização do espaço que foi ocupado pela “L...”, passando a pagar pela totalidade dos espaços a quantia global líquida (com todas as prestações incluídas) de €15.000,00 (quinze mil euros) mensais.3. Se nenhuma das opções for aceitável para a representada de V. Exa, queira transmitir-me qual a disponibilidade para se proceder à revogação por mútuo acordo do contrato que vem reciprocamente obrigando as duas sociedades. Aguardando notícias, subscrevo-me com os mais respeitosos cumprimentos.” – Cfr. Doc. N.º 11 da contestação. Foi então que as partes começaram a negociar um novo contrato de utilização de loja e que viria a concretizar-se no contrato em discussão nos presentes autos: o Contrato de 01.09.2015. Foi o depoimento de CC convincente e esclarecedor, bem revelando de tudo ter tratado diretamente com a Autora e com o advogado da mesma. Com efeito, foi aquela testemunha que negociou os contratos e os aditamentos celebrados com a Recorrente, tudo tendo sido tratado por CC com esta e com o advogado da mesma, e bem deixou o mesmo claro terem os acordos havidos sido despoletados, sempre, por iniciativa da Autora/apelante, que os pretendeu, e o que com ela negociou e acertou antes da formalização do acordado.

Quanto aos pontos 60 a 70, bem foi considerado provado que: para o Contrato de Licença de Utilização de Loja em Centro Comercial celebrado no dia 01.09.2015 (“Contrato de 01.09.2015”), foram realizadas várias reuniões entre a I... e representantes da Autora. A I... era (e foi sempre) representada para o efeito pelo Gerente do Centro Comercial, CC, e a Autora, tanto era pelo advogado como pelos próprios legais representantes. Estes manifestaram algumas dúvidas sobre algumas cláusulas do Contrato nas reuniões havidas entre as partes. Em momento algum foi suscitada qualquer reserva à clausula 17ª do contrato, que passou a ser a cláusula 16ª, e que transitava do Contrato de 31.07.2009, fruto do VII Aditamento. A celebração do novo contrato implicava a revogação do anterior. Adicionalmente, com a celebração do novo contrato a área concedida à Autora passaria a ser superior. Já numa fase final de negociações, a Autora, através do seu advogado, solicitou alterações às cláusulas 16ª, nº 4 e 20ª, nº 2 – cfr. correspondência junta como Doc. Nº 12. A Autora, através do seu advogado, analisou e pretendeu alterar a cláusula 16ª do Contrato, embora apenas o seu n.º 4. Esses contactos eram essencialmente presenciais ou telefónicos. O advogado da Autora nada disse no sentido de pretender alterar qualquer outro número da referida cláusula 16ª, designadamente os números 1 e 3 em discussão nos presentes autos. O mesmo sucedendo com os legais representantes da Autora que apresentaram dúvidas relativamente a algumas cláusulas, mas nunca sobre cláusula 16ª em apreço.

Relevantes foram os depoimentos das testemunhas BB e CC que bem explicaram as conversações/reuniões havidas quer com o referido Sr. EE , gerente da Autora, quer com o Advogado da Autora, prévias às solicitadas, pela Autora, e havidas formalizações de contratos e alterações ao primeiro contrato, onde tudo era tratado, negociado e acertado para, ulterior e conforme, formalização. A testemunha CC esclareceu que tudo o que foi formalizado com a Autora foi previamente tratado e detalhadamente negociado entre si e o legal representante da Autora e que o que foi formalizado o foi em conformidade com o acordado por ambas as partes, afirmando que, sempre o prazo de duração do contrato é conversado e acertado com detalhe, o que se verificou no caso. Bem resultou do seu depoimento que o contrato celebrado posteriormente veio revogar o contrato anterior, designadamente no que se reporta ao aditamento constante do doc. nº 10 junto à contestação, pois que as partes regularam de modo diverso os seus interesses.

Quanto aos pontos 72 a 81 bem foi considerado provado que A C..., anterior proprietária, contava que o espaço ocupado pela Autora ficasse disponível a partir de 09.10.2018. A C... iria ceder esse espaço a duas sociedades para que explorassem a respectiva loja. Num caso, chegou mesmo a celebrar um contrato com a K... Unipessoal, Lda. (“K...”) para uma área de 1.218,16m2 por um período de 6 anos – cfr. Doc. N.º 13 junto com a contestação. Nos termos da cláusula 14.1., a K... obrigou-se a pagar à C... uma remuneração mínima mensal no valor de €7.918,04, acrescida de uma remuneração variável correspondente à diferença entre o valor da remuneração mínima mensal e o valor correspondente a 6% da faturação mensal bruta. Para a loja K..., a facturação correspondente à remuneração fixa desde 10.10.2018 até 30.06.2021 seria de €283.905,66 (valor com IVA). Para a outra metade da loja que era explorada pela Autora, a Ré, ainda não tinha celebrado um contrato de utilização de loja, mas já tinha acordado as condições financeiras do mesmo com a H... e havia igualmente uma minuta contratual aprovada que previa uma duração do contrato de 6 anos. A Ré iria ceder uma área de 984,18m2 a um preço de €6/m2, o que configurava uma prestação mensal de €5.905,08, acrescida de 6% da faturação mensal bruta. Para a loja H..., a faturação correspondente à remuneração fixa desde 10.10.2018 até 30.06.2021 seria de €218.993,13. Por seu lado, a faturação prevista para o Contrato de 01.09.2015 para igual período era de €344.200,81, o que corresponde a uma diferença de €158.697,98. Resultava igualmente das condições acordadas para ambas as lojas uma remuneração variável adicional correspondente a 6% da faturação mensal bruta.

A testemunha inquirida sobre esta matéria CC bem esclareceu a existência das referidas interessadas nas lojas e bem referiu o contrato celebrado e o mesmo encontra-se nos autos (doc. nº 13 junto á contestação), sendo que quer o depoimento da testemunha quer o mencionado documento são de livre apreciação pelo julgador.

Quanto aos pontos 82 a 84 bem referiu a testemunha CC ter o contrato em causa sido denunciado e foi oferecida prova documental, concretamente o doc. nº 14 junto com a contestação, documentos esses que têm valor de livre apreciação.
Cumpre referir que, para a apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto quanto aos pontos dados como provados impugnados se procedeu à análise conjunta e conjugada de toda a prova, sendo a documental referida em cada ponto conjugada com a restante prova, bem se tendo os depoimentos das testemunhas comuns a ambas as partes revelado esclarecedores quanto à matéria provada impugnada.
Com efeito, a testemunha CC, Diretor do F... desde 2006, trabalhando para a I... desde 2010, bem revelou as circunstâncias em que os contratos e as alterações foram, por si, negociados com a Autora e os contactos que teve, quer com o legal representante desta quer com o advogado que a representava, e que tudo foi acertado e combinado com a Autora antes de reduzido a escrito, para, posterior, análise desta, de cada escrito (minuta), e que só após essa análise ocorria a formalização dos contratos celebrados. Bem esclareceu, pormenorizando, que comunicou inúmeras vezes com o legal representante da Autora ao longo de anos, desde 2009, e que a comunicação sempre se estabeleceu em língua portuguesa, bem percebendo um o que era dito pelo outro e bem tendo acordado todas as condições, designadamente relativas a prazos, garantias e valores a pagar. Esclareceu em que contexto foram sendo pedidas, pela Autora, as diversas alterações ao primeiro contrato celebrado e em que contexto foi negociado e celebrado entre Autora e Ré o segundo contrato, que substituiu o primeiro.
A testemunha BB, secretária da direção do F... há 19 anos, bem mostrou ter começado a ter contactos com a Autora, com o gerente da mesma, o Sr. EE, e com as filhas em 2009 e que afirmou comunicarem em português e entenderem-se mutuamente, que o Sr. EE ia aos escritórios e aí esteve em reuniões, que foi celebrado o primeiro contrato de utilização de loja referido nos autos e os aditamentos ao mesmo e, posteriormente, foi celebrado um outro contrato de utilização de loja com maior área (aumento de área de loja), estando a Autora, representada, também, por um advogado (Dr. FF), tendo havido negociações entre as partes, designadamente para o segundo contrato, quer verbalmente quer por escrito. 
Bem julgou, pois, o Tribunal a quo os referidos factos provados, sem que qualquer contradição exista entre eles, nada cabendo, pois, alterar quanto a factos provados.


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ii)- Quanto aos factos julgados não provados impugnados, os elencados em a) a m), o), q) e r) dos factos não provados, que apelante pretende sejam considerados provados, considerou a 1ª instância nenhuma prova haver que permita responder positivamente aos referidos factos não provados que, por isso, foram julgados não provados e, na verdade, nenhuns elementos existem que imponham ou justifiquem resposta diversa, por ausência de prova.

Na verdade, nada nos permite afirmar que:

a) O contrato aludido em 3) dos factos provados tenha sido elaborado previamente à entrada em negociações com a Autora e entregue pelas RR., sem que à mesma fosse concedida a possibilidade de negociar e/ ou de discutir o seu conteúdo.

b) Não tendo a Autora, a menor participação na preparação e/ou na redação das cláusulas do aludido contrato, limitando-se, a mesma, apenas, a subscrever, o texto que a terceira Ré (D..., SA) lhe apresentou.

c) Que as segunda e terceira Rés não tivessem comunicado e informado a Autora dos termos do contrato.

d) Os representantes da A. tivessem mostrado grandes dificuldades de entendimento, nas conversações que mantinham com os representantes das Rés.

e) Revelando os representantes legais da Autora impreparação e dificuldade para assimilarem, o verdadeiro sentido de maior parte do aludido clausulado, sobretudo, dos conceitos técnico/jurídicos nele utilizados.

f) A experiência que a Autora tem, neste domínio, restringe-se a meros, correntes, simples e banais contratos de arrendamento comercial e não tinha qualquer experiência, no que à negociação deste tipo de contratos concerne.

g) Perante a ausência de apreensão do sentido de grande parte do clausulado aludido e ainda, por se ter convencido que o mesmo era, na sua generalidade, igual aqueles outros por ela celebrados- simples contratos de arrendamento comercial -, não configurou a Autora, fruto da referida ausência de comunicação e informação, que o mesmo implicava uma elevada afronta à proporção e equilíbrio de posições das partes outorgantes e ainda, que o contrato não fosse de arrendamento comercial.

h) Sendo disto exemplo o que dispõe o nº 1 (na parte em que prevê a caducidade do contrato, impreterivelmente até 30 de Junho e 2021) e os nº 3 e 4 da cláusula 16ª e os pontos L e M do aludido contrato.

i) A Autora não apreendeu o alcance, por culpa das segunda e terceira Rés das aludidas cláusulas.

j) Estivesse a Autora convencida que sendo a duração do contrato de apenas seis anos, que o mesmo não se extinguiria, automaticamente, nesta data e que a mesma teria direito a ser compensada pelas obras e benfeitorias que realizasse nas lojas, a suas expensas, quando o contrato cessasse e foi por causa desse convencimento que realizou obras de conservação e/ou de reparação e as benfeitorias.

k) As referidas obras e benfeitorias incrementaram o valor locativo/de utilização de tais lojas, em €13 933,34 (treze mil novecentos e trinta e três euros e trinta e quatro cêntimos), decorrente da diferença verificada entre o valor locativo /de utilização atual ( €22 000,00) e, o que se encontra fixado no contrato em apreço (€8 066,66 ).

l) Por outro lado, mercê de tais obras e benfeitorias, o valor de mercado das aludidas lojas, aumentou em 550 000,00 (quinhentos e cinquenta mil euros).

m) Se a Autora soubesse, tivesse percebido e apreendido o alcance e consequências, das referidas cláusulas, não teria a mesma, celebrado tal contrato, sem remoção dessas cláusulas.

o)A situação referida em 25) dos factos assentes tem afugentado um elevado número de clientela da Autora/Reconvinda e, causado grande desconforto perante todos os seus funcionários.

q) O que originou a perda de um número considerável de clientes, de que derivou o decréscimo de faturação e consequente perda de lucros, os quais correspondem a 50% das vendas.

r) Lucros que contados desde corte da água até 30.09.2021 ou seja, desde 21.07.2021 até 30.09.2021, ascendem ao montante de €32.088,81.
Nada resulta que permita fundamentar qualquer resposta positiva aos factos impugnados dados como não provados na sentença como bem transparece da análise de toda a prova produzida, tendo, ao invés, resultado que o contrato em causa foi negociado entre as partes, que, posteriormente a isso, foi reduzido a escrito e que só após foi formalizado com aposição de assinaturas, bem resultando, desde logo do depoimento da testemunha CC, que cláusulas, como relativas a prazo, a termo do contrato, foram negociadas.
Tendo presentes os mencionados princípios orientadores, integralmente revisitada a prova e vista a decisão da matéria de facto, supra, ficou-nos a convicção de que, in casu, não existe qualquer erro de julgamento, ao invés a matéria de facto foi livremente e bem decidida. E cada elemento de prova de livre apreciação, designadamente depoimentos de testemunhas, não pode ser considerado de modo estanque e individualizado. Há que proceder a uma análise crítica, conjunta e conjugada dos aludidos elementos probatórios, para que se forme uma convicção coerente e segura. Fazendo essa análise crítica, conjunta e conjugada de toda a prova produzida – toda a prova documental referida nos factos provados e testemunhal, concretamente e com relevo os depoimentos das testemunhas BB e CC -, e com base nas regras de experiência comum, não pode este Tribunal, com segurança, divergir do juízo probatório do Tribunal a quo.

Efetuou este Tribunal a análise da prova e não há elementos probatórios produzidos no processo que imponham ou justifiquem decisão diversa – como exige o nº1, do artigo 662.º, para que o Tribunal da Relação possa alterar a decisão da matéria de facto.
O Tribunal Recorrido decidiu de uma forma acertada quando considerou a referida factualidade, de acordo com a livre convicção que formou de toda a prova produzida nos termos que bem refere e que se deixaram acima exarados, os quais fazemos nossos.
 Assim, tendo-se procedido a nova análise da prova, ponderando, de uma forma conjunta e conjugada e com base em regras de experiência comum, os meios de prova produzidos, que não foram validamente contraditados por quaisquer outros meios de prova, pode este Tribunal concluir que o juízo fáctico efetuado pelo Tribunal de 1ª Instância, no que concerne a esta matéria de facto, se mostra conforme com a prova, de livre apreciação, produzida, não se vislumbrando qualquer razão para proceder à alteração do ali decidido, que se mantém, na íntegra.
E, na verdade, não obstante as críticas que são dirigidas pela Recorrente, não se vislumbra, à luz dos meios de prova invocados qualquer erro ao nível da apreciação ou valoração da prova produzida – sujeita à livre convicção do julgador –, à luz das regras da experiência, da lógica ou da ciência.
A convicção do julgador tem apoio nos ditos meios de prova produzidos e, na ausência de prova que permita fundar resposta diversa, é de manter a factualidade tal como decidido pelo tribunal recorrido, não sendo de aderir ao mero convencimento subjetivo e genérico da Autora Apelante.
Não resultando erros de julgamento, antes convicção livre e adequadamente formada pelo julgador (ante a prova prestada perante si e, por isso, com oralidade e imediação), que também é, como vimos, a nossa, tem de se concluir pela improcedência da apelação, nesta parte.

*
Improcede, pois, na totalidade, o recurso, na vertente da impugnação da matéria de facto.
*

2. Da modificabilidade da decisão de mérito: ação e reconvenção.
2.1 –Das obrigações assumidas ao abrigo da autonomia da vontade e liberdade contratual.

Insurgindo-se contra a decisão de facto, pretende a apelante que, na procedência da impugnação da decisão de facto, se:

i)- declare a exclusão e nulidade das cláusulas contratuais e dos pontos L e M descritos na petição inicial sob 33. a 104. (com exceção do nº 3 da clausula 16, porque a Recorrente já obteve ganho na primeira instância) e que, por via disso, seja considerado que o contrato em causa nos autos, não caducou, impreterivelmente, em 30.06.2021, mantendo-se em vigor após essa data e que, na sequência das aludidas nulidades, o contrato em questão subsiste, nos termos do disposto no artigo 13º do DL 446/85, de 25/10, com as alterações que se lhe seguiram, ou improcedendo o pedido formulado em 2), que o aludido contrato, ficará sujeito ao regime da redução dos negócios jurídicos, nos termos do artigo 14º do referido diploma legal; e, na procedência do pedido ampliado pela Recorrente (fls. 487 R. E. 40450972) seja a Recorrida condenada no pagamento à Recorrente, de acordo com a equidade, da quantia mensal de € 13.598,98 a partir de 30/09/2021 e até à ligação da água na loja, a liquidar em execução de sentença.

ii)- julgue improcedente, por não provada, a parte da reconvenção que foi julgada procedente, absolvendo-se a Recorrente, também nessa parte, do pedido reconvencional;

iii)- absolva a recorrente da condenação em multa por litigância de má fé e se condene, como tal, a Recorrida.

            Considerou o Tribunal a quo terem as partes celebrado um contrato inominado, atípico, intitulado “Contrato de Licença de Utilização de loja em Centro Comercial” e analisa:

“Tal contrato caracteriza-se por ser um contrato inominado e sem regime legal específico, criado, desenvolvido e densificado pelos agentes económicos ao abrigo do princípio da liberdade negocial consagrado no artigo 406º do Código Civil, aplicando-se as normas jurídicas de carácter geral relativas aos contratos e, depois, os regimes jurídicos que, em termos de negócios jurídicos tipificados na lei, melhor se afeiçoem à natureza e características desse contrato de índole mista, em que se combinam uma faceta locatícia com uma de prestação de serviços (muito embora para alguns não se esgote aí), devido à sua inserção num espaço económico e de consumo mais vasto que é o Centro Comercial, elemento verdadeiramente unificador e conformador do conjunto de lojas, actividades e tipo de exploração a desenvolver, colectiva e individualmente.

É pacífico ainda na jurisprudência que atenta a complexidade de direitos e deveres que o integram e a função económica e social que desempenha, o contrato de instalação de lojista em shopping center - configura-se como contrato atípico ou inominado, sujeito, assim, à liberdade contratual das partes.

Por isso, a esse contrato é aplicável, desde logo, o regime resultante das respectivas cláusulas acordadas, desde que válidas, bem como o regime legal geral dos contratos e, se necessário (subsidiariamente), a disciplina de figuras contratuais próximas, como o são, em certas vertentes, o contrato de arrendamento urbano e o de prestação de serviço, vide entre outros, Ac do TRL, de 26/02/2015, processo 209280-12.5YIPRT.L1-8, Relator Catarina Manso e Ac do TRC de 18/12/2019, processo 18338/13.5YYLSB-A.C1, Relator Ana Vieira, in www.dgsi.pt.

Trata-se de um contrato-tipo (prévia e unilateralmente elaborado pela empresa proponente), insusceptível na grande maioria dos seus aspectos, muitos deles verdadeiramente estruturais e essenciais, de serem alterados por iniciativa ou sugestão da Autora e dos demais lojistas, em posição negocial e comercial idêntica, impondo-se em toda a sua plenitude e complexidade à outra parte que, na presença dessas cláusulas imutáveis, só podia ter uma de duas atitudes: firmar ou não o contrato em causa, apesar de tal blindagem negocial, que, nessa medida, pode ser qualificado juridicamente como um contrato de adesão.

Este contrato de cedência temporária de loja em Centro Comercial integra, de qualquer maneira, um vasto conjunto de cláusulas que devem ser qualificadas juridicamente como cláusulas gerais contratuais, importando referir que o correspondente regime legal, muito embora vocacionado para a protecção do consumidor particular ou final, aplica-se igualmente nas “relações entre empresários ou entre os que exerçam profissões liberais, singulares ou colectivos, ou entre uns e outros, quando intervenham apenas nessa qualidade e no âmbito da sua actividade específica”, o que bem se compreende, atenta a diferente dimensão, inserção e domínio do mercado e poder institucional e económico das empresas e dos profissionais liberais, sendo facilmente equacionável a imposição de cláusulas contratuais gerais por parte das grandes empresas, que muitas vezes detêm uma posição de monopólio ou de oligopólio, a uma pequena ou média empresa.

O regime do DL 446/85 aplica-se, segundo o seu nº 1, às cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar, bem como, segundo o seu nº 2 às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode [ou melhor: pôde] influenciar.

Ou seja, não estão só em causa as cláusulas contratuais gerais, mas as cláusulas contratuais individualizadas, desde que o aderente não as tenha podido influenciar, como é o caso, em que as cláusulas não foram negociadas nem comunicadas e os executados assinaram o contrato/documento com elas já totalmente impressas, no próprio dia em que elas lhe foram entregues, vide Ac. do TRL, de 29/06/2017, processo 78/15.2T8VFC-A.L1-2, Relator Pedro Martins, in www.dgsi.pt.

As três características básicas das cláusulas contratuais gerais (CCG) são: a) a pré-elaboração; b) a rigidez ou inalterabilidade por via negocial; e, c) a generalidade. Só perante estas características se estará em presença da situação contemplada no art. 1.º, n.º 1, do DL n.º 446/85, de 25-10, vide ac. do STJ de 19/10/2010, proc. 10552/06.6TBOER.S1, in www.dgsi.pt.

No que ao presente caso diz respeito, cabe, desde já, dizer que relativamente à questão da invalidade e ineficácia das cláusulas contratuais gerais constantes do contrato, acima mencionadas e que a A./reconvinda pretende ver declaradas inválidas, o tribunal, face à factualidade dada por provada e não provada e ao contexto em quer ocorreu a celebração do contrato, considera apenas haver lugar a invalidade da cláusula 16ª, nº 3, nos termos e razões abaixo apreciadas.

No que concerne à violação do dever de comunicação e informação, tal como é estatuído nos artº 5º e 6º do D. L. DL n.º 446/85, de 25 de Outubro, tal não se verifica, porquanto a A./reconvinda não logrou provar a factualidade por si alegada, vide a) a m) dos factos não provados.

Além disso, decorre da factualidade provada que o teor do contrato foi oportunamente explicado e negociado com o representante da Autora, com efeito, atente-se que o contrato em análise nos autos é sequência, continuação do contrato que as partes haviam celebrado em 2009, muito similar ao mesmo, o qual sofreu várias alterações e aditamentos a pedido da A., mais concretamente:

- Em 13.07.2009 sofreu uma primeira alteração, designadamente da cláusula 4ª, que foi vertida num Aditamento no dia 01.09.2009;

- Devido à dificuldade revelada pela Autora em honrar os compromissos financeiros que resultavam da execução do Contrato de 13.07.2009, as partes desse contrato operaram no dia 31.12.2009 um novo Aditamento;

- Em 2010, a Autora começou a negociar com a I... novas alterações ao Contrato de 13.07.2009, sempre através de advogado;

- Ainda por iniciativa da Autora, o Contrato de 13.07.2009 sofreu uma nova alteração, também por razões financeiras, que foi vertida num III Aditamento celebrado no dia 01.01.2011.

- Por email datado de 09.09.2011, a Autora, novamente através do seu advogado, solicitou um novo desconto na prestação mensal;

- A Autora realizou uma nova insistência em 02.05.2012 para o mesmo efeito junto da I..., tendo ainda solicitado que fosse informada sobre “em que termos está a Sua representada disponível para revogar, por mútuo acordo, o contrato que vem reciprocamente obrigando as duas sociedades.

- No dia 05.06.2012, o Contrato de 13.07.2009 sofreu o IV Aditamento.

- Com vista a ir ao encontro das necessidades da Autora, o Contrato de 13.07.2009 sofreu um novo aditamento no dia 18.03.2013 e outro no dia 29.01.2014.

- No dia 05.08.2014 foi celebrado o VII Aditamento ao Contrato de 13.07.2009;

- Por email datado de 10.03.2015, o advogado da Autora retoma os contactos com vista a alterar o valor das prestações mensais, em alternativa, – e sempre na ânsia de viabilização do “negócio” – propõe a minha Cliente que, para além do espaço que vem ocupando, lhe seja também concedida a utilização do espaço que foi ocupado pela “L...”, passando a pagar pela totalidade dos espaços a quantia global líquida (com todas as prestações incluídas) de €15.000,00 (quinze mil euros) mensais.

- Na sequência deste último pedido da A. é celebrado o contrato dos autos, em tudo similar ao contrato que vigorava desde 2009 com os respectivos sete aditamentos, alterações todas elas efectuadas a pedido da A.

De toda a realidade negocial atrás enunciada tem que se concluir que nada obrigava a Autora a aceitar e subscrever o contrato dos autos, o qual, aliás, se vem a realizar a pedido da mesma.

Contrariamente ao invocado pela A. ela não foi enganada, a relação jurídica entre as partes decorreu com normalidade, de acordo com o contratualmente combinado entre elas até que ocorreu a denúncia do contrato pela R./reconvinte.

Diga-se ainda ser de todo incoerente o pedido da A. para manter o contrato para além de 30/06/2021, quando ela própria diz em 17) que o contrato se manteria até 30/06/2021.

O tribunal considera, aliás, que perante a factualidade provada, a Autora, no âmbito do contrato dos autos, nunca esteve colocada numa situação de necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de carácter de outrem, que tenha possibilitado à Ré explorar tal estádio e impor à R. as suas condições, atente-se que a A. teve ao longo dos anos um advogado a negociar as alterações ao contrato de 2009 e a seu pedido vieram a realizar o contrato dos autos em 2015.

Questão diversa que se coloca é a de saber da exequibilidade e admissibilidade do número 3 da Cláusula 16, o qual no entender do tribunal deve ser aferido e integrado no contexto do contrato celebrado pelas partes e como tal afastar a sua aplicação, pelo menos, a possibilidade da sua invocação por banda da R./reconvinte.

Na interpretação e integração das cláusulas contratuais gerais vigora o princípio geral ínsito no artº 10º do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro, segundo o qual:

“As cláusulas contratuais gerais são interpretadas e integradas de harmonia com as regras relativas à interpretação e integração dos negócios jurídicos, mas sempre dentro do contexto de cada contrato singular em que se incluam.

Por sua vez o artº 11º (cláusulas ambíguas) do citado diploma estatui:

1 - As cláusulas contratuais gerais ambíguas têm o sentido que lhes daria o contratante indeterminado normal que se limitasse a subscrevê-las ou a aceitá-las, quando colocado na posição de aderente real.

2 - Na dúvida, prevalece o sentido mais favorável ao aderente.

3 - O disposto no número anterior não se aplica no âmbito das acções inibitórias.

O Artigo 14º (Redução) estatui:

Se a faculdade prevista no artigo anterior não for exercida ou, sendo-o, conduzir a um desequilíbrio de prestações gravemente atentatório da boa fé, vigora o regime da redução dos negócios jurídicos.

A interpretação das declarações negociais deve fazer-se de acordo com as normas constantes dos artigos 236º a 238.º do Código Civil, segundo as quais, as declarações devem valer com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, deve entendê-la, desde que no documento esse sentido encontre um mínimo de correspondência.

Consagra-se, pois, na nossa lei civil a chamada teoria da impressão do destinatário. Mas, não se pronuncia o Código Civil sobre o problema de saber quais as circunstâncias atendíveis para a interpretação.

Como elucida Mota Pinto (in “Teoria Geral do Direito Civil” pág. 450), também aqui se deve operar com a hipótese de um declaratário normal: serão atendíveis todos os coeficientes ou elementos que um declaratário medianamente instruído, diligente e sagaz, na posição de declaratário efectivo, teria tomado em conta.

Como alude Heinrich Ewald Horster (in “Parte Geral do Código Civil Português Teoria Geral do Direito Civil, pág. 510) a normalidade do declaratário, que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade de entender o texto ou o conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante.

A integração dos negócios jurídicos postula, por seu turno, duas exigências: investigar o que as partes teriam querido se houvessem previsto o ponto omisso, e o que os ditames da boa-fé impõem. Estando em causa a aplicação de critérios da lei, ainda que apoiados factualmente, vide Ac STJ, de 09/02/88, processo 075623, Relator Meneres Pimentel, in www.dgsi.pt.

Consta do nº 1 da cláusula 16 que “O presente contrato tem a duração de 6 (seis) anos com início em 01 de Junho de 2015 e fim em 30 de Junho de 2021, caducando impreterivelmente nesta data”.

Sucede que as partes, concomitantemente, fizeram constar do nº 3 que “Ambas as Outorgantes ficam com o direito de denunciar unilateralmente ao presente contrato, sem necessidade de invocar motivo justificativo, no final do 3º (terceiro) ano completo de funcionamento da Loja, desde que comunique à outra Outorgante, com a antecedência mínima de 120 (cento e vinte) dias, por meio de carta registada com aviso de recepção, sem que a estas assista o direito a qualquer indemnização ou quantia a título de remuneração ou outra”.

Os contratos são para ser cumpridos de acordo com certos princípios, entre os quais, o da boa fé, artº 762º, do CC, princípio este que também se encontra exarado no artigo 15º DL n.º 446/85, de 25 de Outubro, segundo o qual “São proibidas as cláusulas contratuais gerais contrárias à boa fé.”

Pese se considere que a A. não seja pessoa inábil e incapaz de perceber as cláusulas do contrato, pelas razões já acima evidenciadas, certo é que a cláusula 16ª, nº 3, a conceder a denúncia unilateral do contrato antes do seu fim previsto em 30 de Junho de 2021 é abusiva, desproporcional aos interesses em jogo no contrato e lesiva da boa-fé, por violador do equilíbrio das prestações a realizar no contrato e do princípio da confiança.

A este propósito escreve José Manuel de Araújo Barros, in Cláusulas Contratuais Gerais, Coimbra Editora, a propósito dos aderentes a este tipo de contratos:

(...)

Assim, os limites impostos ao princípio da liberdade negocial pela consagração legal de normas protectoras, como as referentes à divergência entre a vontade real e a declarada, ao dolo, à coação, à simulação e à reserva mental; ou a consagração de proibições relativas, com a dos negócios usurários ou dos pactos leoninos. Todavia, aceitar com válida tal asserção é esquecer que o que de novo se nos perfila ê um princípio geral com um alcance muito mais vasto, na medida em que visa a reposição da igualdade nas relações jurídico-negociais, face a uma desigualdade que axiologicamente se pressupõe. Até aqui, a regra era a igualdade. Agora, plasma-se a desigualdade como ponto de partida.

No presente caso há que fazer apelo à integração do negócio, aquilo que a aderente, A., pretendia com o contrato e ao princípio da boa fé na execução do mesmo, tal como dispõe o artº 15º, Dec. Lei n° 446/85, de 25.10.

Age de boa fé quem o faz com diligência, zelo e lealdade correspondente aos legítimos interesses da contraparte, por via de uma conduta honesta e conscienciosa, com correcção e probidade, sem prejudicar os interesses legítimos daquela (ver o Ac. do STJ de 28/09/2006, relatado pelo Exmo. Conselheiro Salvador da Costa, in ww.dgsi.pt..

Tanto na negociação/formação como no cumprimento/execução dos contratos e, bem assim, no exercício de direitos correspondentes, devem as partes conformar-se com o princípio da boa-fé (cfr. artigos 227.º, n.º 1, e 762.º, nº 2, ambos do CCiv).

Fazendo apelo ao contrato constata-se, entre outros, no ponto 3, h) ser obrigação da A. “suportar o custo de quaisquer obras de reparação tornadas necessárias, quer pelo funcionamento da loja, quer para se evitarem ou prevenirem danos nas obras de estrutura “.

Consta do ponto 5, número 1 “A loja objecto do presente contrato é entregue à Segunda outorgante no seu estado actual, cabendo-lhe a realização dos necessários trabalhos de acabamentos e decoração.”

No número 7, ponto 1, estabelece-se que a realização de quaisquer obras ou benfeitorias, incluindo trabalhos de acabamentos e decoração…ficando os custos de tais obras ou benfeitorias a cargo da segunda outorgante.”

No número 9 diz-se que “Todas e quaisquer obras e reparações que sejam realizadas pela Segunda Outorgante na Loja, bem como todas as benfeitorias que nela sejam introduzidas…renunciando expressamente a Segunda Outorgante à exigência de qualquer indemnização, seja a que título for.”

Na sequência do contrato, a A./reconvinda despendeu a quantia de €67.937,95 com material e mão de obra, além de ter despendido €48.304,87 em mobiliário e equipamentos, mais €424.984,36 mercadorias e produtos necessários para poder começar e laborar.

Compulsada toda a factualidade atrás referenciada, ter-se-á de concluir que a cláusula 16º, nº 3, ao permitir a denúncia unilateral do contrato, em especial por banda da R./reconvinte, excede manifestamente os princípios da boa fé, designadamente na vertente da confiança, e da proporcionalidade, dado o desequilíbrio que o accionamento de tal cláusula provoca nas prestações devidas pela A./reconvinda em confronto com as devidas pela R./reconvinte.

Acresce que permitir o funcionamento de tal cláusula seria coarctar de forma violenta e injusta a confiança e expectativa que a A./reconvinda possuía e fundadamente depositava na rentabilização de todo o investimento efectuado para a abertura e funcionamento da loja.

É verdade que a A. negociou de forma livre e por intermédio de advogado a realização do contrato dos autos, no entanto, não se pode olvidar que as partes já possuíam uma longa vida contratual, iniciada em 2009, nunca tendo sido feita a utilização da cláusula de denúncia unilateral.

A propósito veja-se que as partes em 31/12/2009 fizeram um aditamento ao contrato de 2009, ficando a figurar no contrato a seguinte cláusula VI:

“A Primeira Outorgante terá direito a pôr termos ao presente contrato com efeitos a partir da data de assinatura do presente Aditamento, mediante aviso prévio dirigido à Segunda Outorgante, com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, relativamente à data em que pretenda que o presente contrato deixe de produzir os seus efeitos.”

No dia 05.08.2014 foi celebrado o VII Aditamento ao Contrato de 13.07.2009, tendo sido alterado o nº 1 da cláusula 17ª do Contrato de 13.07.2009 que passou a ter a seguinte redacção:

“O presente contrato tem a duração de 11 (onze) anos, com início em 01 de Agosto de 2009 e fim em 31 de Julho de 2020, caducando impreterivelmente nesta última data”

Foi ainda alterado o nº 4 da mesma cláusula nos seguintes termos:

“Ambas as Outorgantes ficam com o direito de denunciar unilateralmente o presente contrato, sem necessidade de invocar qualquer motivo justificativo, 3 (três) anos decorridos sobre o dia 1 de Agosto de 2014, e apenas nesta data, desde que comunique essa sua vontade à outra Outorgante, com a antecedência mínima de 120 (cento e vinte) dias, por meio de carta registada com aviso de recepção, sem que a estas assista o direito a qualquer indemnização ou quantia a título de remuneração ou outra.”

Do exposto decorre que, pese constar no contrato de 2009, decorrente dos aludidos aditamentos, a possibilidade de denúncia unilateral do contrato, esta cláusula nunca foi accionada pela R./reconvinte, o que levava a concluir que na perspectiva da A./reconvinda, esta cláusula 16º, nº 3, também não seria accionada, pese constar do contrato, tanto mais que existia a cláusula 16º, nº 1 a prever a duração do contrato até 30 de Junho de 2021.

O atrás exposto leva concluir que a realidade acima descrita, o nunca accionamento da cláusula de denúncia unilateral, a longevidade da relação contratual (desde 2009), inculcou na A. a legítima confiança e expectativa que mesmo estando a celebrar um novo contrato, mas em tudo similar ao vigente desde 2009, com sucessivas alterações, não seria accionada a cláusula de denúncia até à ao fim do contrato, a ocorrer em 30 de Junho de 2021.

Tendo a A. procedido ao investimento na dimensão acima referida, sem direito a ser indemnizado das benfeitorias realizadas, a protecção da sua boa-fé terá de ser tanto maior quanto os avultados investimentos feitos, assentes na base na confiança de que o contrato se manteria até 30 de Junho de 2021.

Esta será a solução que melhor condiz, salvaguarda e equilibra as prestações de ambas as partes, tendo em conta o princípio da boa fé.

Atente-se que o artº 16º do Dec. Lei n° 446/85, de 25.10 estatui que na aplicação da norma anterior devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face da situação considerada, e, especialmente:

a) A confiança suscitada, nas partes, pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos atendíveis;

b) O objectivo que as partes visam atingir negocialmente, procurando-se a sua efectivação à luz do tipo de contrato utilizado.

No caso sub judice, por todas as razões acima expressas considera-se que a cláusula 16º, nº 3, do contrato é inválida e ineficaz, atento facto da mesma ser violadora do princípio da boa fé negocial, ínsito nos artºs 762º do CC e artigo 15º, DL n.º 446/85, de 25 de Outubro, sendo válido todo restante clausulado no contrato, o qual é reduzido e amputado da aludida cláusula 16ª, nº 3, conforme se prevê no artº 14º do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro.

Sendo o contrato reduzido nos termos acima mencionados, tal significa que procederá parcialmente o pedido em apreço, considerando-se a denúncia efectuada em 07/07/2018, com efeitos a 09/10/2018, ineficaz, mantendo-se em vigor o contrato até 30 de Junho de 2021, conforme cláusula 16ª, nº 1.

Diga-se, ainda, ser de todo incompreensível e incoerente que a A./reconvinda peticione a manutenção do contrato para além de 30/06/2021, quando ela própria, em 14.06.2018, enviou à E..., SA - uma carta registada com aviso de recepção, pela qual manifestou o seu desacordo quanto à cessação do contrato, antes de 30 .06.2021, aí referindo que a denúncia em causa não produziria quaisquer efeitos jurídicos e, que por essa razão, o contrato se manteria em vigor até 30 /06/2021.

Em suma, o Tribunal considera-se que o contrato deve ser interpretado e integrado nos termos atrás expressos, sendo a validade do mesmo nos termos constantes da cláusula 16ª, nº 1, ou seja, caducou em 30/06/2021.


***

Relativamente aos restantes pedidos eles encontram-se prejudicados na sua apreciação, porquanto se encontravam dependentes de se declarar como válida a denúncia efectuada em 07/07/2018, com efeitos a 09/10/2018, o que não foi o caso.

Aliás, diga-se que quanto à questão das benfeitorias existe cláusula expressa a considerar que as mesmas não são ressarcíveis, vide cláusula 7ª, nº 9, o que se compreende, tanto mais que as obras realizadas não terão qualquer utilidade para os futuros utilizadores da loja.


***

No que concerne à ampliação do pedido efectuada pela A., peticionando a condenação da R. no pagamento da quantia de €32.088,81, a título de lucros cessantes vencidos e os lucros cessantes vincendos, contados a partir de 30/09/2021, a liquidar em execução de sentença, o mesmo improcede por duas ordens de razões:

Em primeiro lugar, como já acima foi referido, o contrato, nos termos da clausula 16ª, nº 1, caducou em 30/06/2021, o que significa que nenhum direito assiste à A./reconvinda para além desta data, porquanto o corte de água ocorreu em 21/07/2021, data posterior ao término do contrato.

As partes celebraram o «Contrato de Licença de Utilização de Loja em Centro Comercial», contrato escrito que se mostra validamente celebrado, já tendo em conta a redução operada à clausula 16ª nº 3, o qual se tornou vinculativo para os contraentes, os quais ficaram adstritos ao cumprimento pontual do clausulado por si estipulado de harmonia com o princípio da autonomia, princípio que lhes permitiu modelar o seu conteúdo por forma a regulamentar os seus interesses (artigos 405º e 406º do Código Civil).

O cumprimento pontual significa que as partes, além de observarem o acordado quanto ao aspecto temporal, ficaram ainda vinculadas a, durante a sua vigência, satisfazerem as prestações que nele estipularam, vide Ac. STJ de 29/06/2017, processo 9554/12.9TVLSB.L1.S1, Relator Fernanda Isabel Pereira, in www.dgsi.pt.

Tendo o contrato caducado em 30/06/2021, significa que a partir desta data a A. ficou a ocupar o espaço sem justificação para tal, porquanto devia ter entregue a loja nesta data, atento o prazo certo para o cumprimento do contrato, não podendo querer locupletar-se e obter ainda proveito da situação de incumprimento em que se colocou, porque tal seria reconhecer vantagem para o incumpridor do contrato.

Em segundo lugar, apenas se provou que a R./reconvinte cortou a água ao estabelecimento explorado pela A. em 21/07/2021, não se tendo provado que tal tenha sido a razão para a diminuição de clientes e, em simultâneo, tenha sido o corte de água a provocar a diminuição de proventos por banda da A., tanto mais que a actividade da A/reconvinda não está propriamente dependente da existência de água no estabelecimento.

Assim sendo, improcede a ampliação de pedido formulado pela A./reconvinda” (negrito nosso).


*

E no que concerne ao pedido reconvencional, na parte desfavorável à Autora, analisa o Tribunal a quo:

 “Decorre do artº 804º, nº 1, do CC que a mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor.

No caso sub judice estava a A./reconvinda obrigada à entrega da loja em 30 de Junho de 2021, pelo que é a mesma obrigada a reparar os danos provocados pela falta de entrega da loja após a aludida data.

Decorre da factualidade provada que:

- A C... iria ceder esse espaço a duas sociedades para que explorassem a respectiva loja.

- Num caso, chegou mesmo a celebrar um contrato com a K... Unipessoal, Lda. (“K...”) para uma área de 1.218,16m2 por um período de 6 anos.

- Nos termos da cláusula 14.1., a K... obrigou-se a pagar à C... uma remuneração mínima mensal no valor de €7.918,04, acrescida de uma remuneração variável correspondente à diferença entre o valor da remuneração mínima mensal e o valor correspondente a 6% da faturação mensal bruta.

- Para a loja K..., a facturação correspondente à remuneração fixa desde 10.10.2018 até 30.06.2021 seria de €283.905,66 (valor com IVA).

- Para a outra metade da loja que era explorada pela Autora, a Ré, ainda não tinha celebrado um contrato de utilização de loja, mas já tinha acordado as condições financeiras do mesmo com a H... e havia igualmente uma minuta contratual aprovada que previa uma duração do contrato de 6 anos.

- A Ré iria ceder uma área de 984,18m2 a um preço de €6/m2, o que configurava uma prestação mensal de €5.905,08, acrescida de 6% da facturação mensal bruta.

- Para a loja H..., a facturação correspondente à remuneração fixa desde 10.10.2018 até 30.06.2021 seria de €218.993,13.

- Por seu lado, a facturação prevista para o Contrato de 01.09.2015 para igual período era de €344.200,81, o que corresponde a uma diferença de €158.697,98.

- Resultava igualmente das condições acordadas para ambas as lojas uma remuneração variável adicional correspondente a 6% da faturação mensal bruta.

Considerando que a mora só ocorreu a partir de 30/06/2021, só a partir desta data está a A./reconvinda obrigada a pagar os danos sofridos pela R./reconvinte, por falta de entrega da loja.

Não se encontra apurada e liquidada a diferença de valores sofridos pela R./reconvinte a partir de 30/06/2021 até à entrega da loja, pelo que terá de improceder o pedido quanto aos danos pretensamente sofridos até 30/06/2021, relegando-se os posteriores a esta data até à entrega da loja para liquidação de sentença, conforme artº 609º, nº 2, do CPC.”.

E mais decidiu: “Pedido em ampliação de pedido para a condenação da A./reconvinda na entrega da loja, objecto do contrato de utilização de loja, em virtude do referido contrato ter cessado ao abrigo da cláusula 21. Nº 2 do mesmo.

Resulta da cláusula 16ª, nº 1, que o contrato termina em 30 de Junho de 2021, caducando impreterivelmente nesta data.

Do acima exposto resulta que as partes fixaram um prazo fixo absoluto, para o fim do contrato, tal como previsto no artº 805º, nº 2, a), do C. Civil.

Acresce que no dia 14.06.2021, a Ré enviou uma carta à Autora, por via da qual lhe transmitiu que:

“… deverão V. Exas., nos termos do disposto na cláusula 21, nº 2 do Contrato e no prazo de 21 dias a contar do dia 30.06.2021, desocupar a loja e restitui-la, livre de quaisquer ónus, encargos ou responsabilidades, à Euro V, bem como entregar os equipamentos comuns e os equipamentos identificados no Anexo II do Contrato em perfeito estado de conservação e de funcionamento, fazendo todas as reparações e/ou substituições que se revelarem necessárias ou convenientes.”1

Ora, considerando que há muito tempo se encontra ultrapassada a data de 30 de Junho de 2021, manifesto é que haverá lugar à procedência do pedido em análise.


*
Dependendo a reapreciação da matéria de direito do recurso, quer relativamente à ação quer à reconvenção, da procedência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto fixada, mantendo-se esta, o conhecimento daquela fica, necessariamente, prejudicado (nº2, do artigo 608º, ex vi da parte final, do nº2, do art. 663º, e, ainda, do nº6, deste artigo, ambos do CPC).
Sendo, no caso, de manter a decisão de facto, verifica-se que bem apreciou o Tribunal a quo de mérito, como se deixou exarado, nenhuma outra cláusula sendo de excluir e declarar nula, bem resultando ter havido negociação e conter o contrato em causa cláusulas negociadas, entre elas as relativas a prazos e, por isso, válidas já que queridas pelas partes e vigora a autonomia da vontade e a liberdade contratual (arts. 405 e 406º, do Código Civil). Caducou, pois, como bem foi decidido, o contrato em 30/6/2021.
Destarte, bem foi a Autora condenada a restituir a loja à Ré, findo o contrato, e a ressarci-la dos danos que se lhe provou, decorrentes da mora na restituição (art. 804º, nº1, do CC) .
Com efeito, bem se provou a existência de interessados nas lojas em questão, pelos valores referidos e a verificação dos danos que a Ré suporta, por a Autora se manter a ocupar o espaço após a caducidade do contrato e, devido a isso, o não poder disponibilizar a outrem. Tem, pois, a Autora de ressarcir os danos que vem a causar à Ré desde que o contrato caducou, a 30/6/2021.
Por outro lado, terminado o contrato em 30 de junho de 2021, conforme o acordado entre as partes, nenhuma obrigação resultava para a Ré de assegurar à Autora o fornecimento de água a partir daquela data, pelo que, tendo procedido ao corte de água, apenas, posteriormente à referida data, se não constituiu em obrigação de indemnizar danos que dele pudessem advir, como bem decidiu o Tribunal a quo.

*

3*– Da responsabilidade processual da Autora e da Ré por litigância de má fé.

           Insurge-se a Autora quanto à decisão na parte em que a condenou por litigância de má fé e, ainda, naquela em que absolveu a Ré de litigância como tal.

Independentemente de razões relativas a justos impedimentos, certo é que não pode deixar de ser mantido o, bem, decidido, também, quanto a responsabilidade processual das partes por litigância de má fé.

           Com efeito, condenou o Tribunal a quo a Autora/Reconvinda na multa de 20 UCs por litigância de má fé, ao abrigo do artº 542º, nº 1, nº 2, a), e), d), do CPC e do artº 27º, nº 3, do RCJ, pois “esta litigou de má-fé, quer a nível processual, quer a nível material, invocando factos que manifestamente não logrou provar, designadamente o constante de a) a j), bem sabendo que estava a trazer uma versão ao tribunal que não correspondia à verdade, tanto mais grave quando foram factos pessoais e que tinha negociado directamente com a R./reconvinte, atente-se nos factos provados de 27) a 70). (…) Toda situação descrita revela litigância de má-fé a nível material, invocando factos que sabia não corresponder à verdade, tanto mais que tinha negociado o contrato de 2009 e 2015, solicitando as alterações que entendeu necessárias, vindo invocar que não tinha tido participação na elaboração do contrato, na comunicação e conhecimento do mesmo, o que não correspondeu à verdade. (…) a situação acima descrita, (…) revelam uma actuação dolosa e de má-fé, invocando factos pessoais que sabia não corresponderem à verdade (…).

Pese a má-fé acima revelada e manifestada pela A./reconvinda, o tribunal considera, no entanto, face ao procedimento parcial do pedido da A., a manter o contrato até 30/06/2021 e não a 09.10.2018, como pretendido pela R/reconvinte, que esta sempre teria de contestar, pelo que considera não ser de fixar qualquer indemnização a título de litigância de má-fé a favor da R./reconvinte”. (negrito nosso).

E absolveu a Ré/Reconvinte por “pese não se ter provado a factualidade de v) dos factos não provados, certo é haver a considerar o facto da R. ter sucedido na posição da ex – Ré “C...”, o que potenciou a dedução de pedido atinente aos factos em causa”.

Consagrando o legislador o direito de acesso aos Tribunais, a lei não reserva tal acesso aos detentores da razão, estabelecendo, contudo, entraves à introdução em juízo de pretensões, cominando certas atuações como litigância de má fé.

E, na verdade, “não deve confundir-se a litigância de má fé com:

a) A mera dedução de pretensão ou oposição cujo decaimento sobreveio por mera fragilidade da sua prova, por a parte não ter logrado convencer da realidade por si trazida a juízo;

b) A eventual dificuldade de apurar os factos e de os interpretar;

c) A discordância na interpretação e aplicação da lei aos factos, a diversidade de versões sobre certos factos ou a defesa convicta e séria de uma posição, sem, contudo, a lograr impor (RP 2-3-10, 6145/09)[9].

Assim, mesmo resultando a falta de razão das partes, não se segue, como consequência necessária, a condenação delas como litigantes de má fé. 

A condenação de uma parte como litigante de má fé traduz um juízo de censura sobre a sua atitude processual, visando alcançar o respeito pelos Tribunais, a moralização da atividade judiciária e o prestígio da justiça.

Conclui a Autora não litigar de má fé, por não alegar factos falsos e por serem justos e legítimos os impedimentos.

Analisando o pedido de condenação por litigância de má-fé formulado pela Ré/Reconvinte contra a Autora/Reconvinda, entendeu o Tribunal a quo que a mesma alegou factos falsos - designadamente os constantes das a) a j), dos factos não provados, bem sabendo que estava a trazer uma versão ao tribunal que não correspondia à verdade, tanto mais grave quando de factos pessoais se trata, que tinha negociado diretamente com a R./reconvinte (atente-se nos factos provados de 27) a 70).

Ora, mantendo-se a decisão de facto, como se manteve, outra não pode ser a decisão da questão da litigância de má fé relativamente à Autora/Reconvinda, bem resultando dos referidos factos provados, no confronto com os mencionados não provados, ter a Autora alegado factos pessoais falsos.   

Litiga, na verdade, a Autora deduzindo pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar e alterando a verdade dos factos.

Segundo o dever da boa-fé processual estabelecido no artigo 8.º do Código de Processo Civil, impõe-se às partes que conscientemente, não formulem pedidos injustos, que não articulem factos contrários à verdade, que não requeiram diligências meramente dilatórias.

A violação deste dever pode dar lugar a sanção pecuniária.

Com efeito, impendendo sob as partes o dever de pautar a sua atuação processual por regras de conduta conformes à boa-fé - cfr. art. 8º, do Código de Processo Civil -, caso não o observem podem incorrer em responsabilidade processual. 

O instituto da má-fé processual, regulado nos artigos 542º a 545º, de tal diploma legal, visa sancionar a parte que preencha, com a sua atuação processual, a respetiva previsão.

Ao contrário do que sucedia antes da revisão do Código de Processo Civil operada pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de dezembro, atualmente as condutas passíveis de integrar má fé não têm de ser, necessariamente, dolosas, já que o instituto passou a abranger, também, a negligência grave, atingindo-se, assim, uma maior responsabilização das partes. Como resulta do preâmbulo do referido diploma, o atual Código de Processo Civil, com a nova filosofia de colaboração que lhe está ínsita, consagrou "expressamente o dever de boa fé processual, sancionando-se como litigante de má fé a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave, deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas, altere, por acção ou omissão, a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos adjectivos". Na reforma processual introduzida por este DL houve uma substancial ampliação do dever de boa fé processual, alargando-se o tipo de comportamentos que podem integrar má fé processual - quer a substancial quer a instrumental -, tanto na vertente subjetiva como na objetiva. A condenação por litigância de má fé pode agora fundar-se em negligência grave, para além da situação de dolo já anteriormente prevista.

Alberto dos Reis distinguia, em matéria de conduta processual das partes, quatro tipos de lide: lide cautelosa (aquela em que a parte esgota todos os meios para se assegurar de que tem razão e apesar disso vê inviabilizada a sua pretensão (ou oposição)), lide imprudente (aquela em que a parte comete imprudência leve ou levíssima), lide temerária (aquela em que a parte, embora convencida que tem razão, incorre em culpa grave ou erro grosseiro, indo a juízo sem tomar em consideração as razões ponderosas (de facto ou de direito) que devia empregar para desfazer o seu erro, comprometendo a sua pretensão) e lide dolosa (aquela em que a parte, apesar de ciente de que não tem razão, litiga e deduz pretensão (ou oposição) conscientemente infundada)[10].

Ao sancionar, atualmente, a litigância com negligência grave a lei está a proibir, para além da lide dolosa, a lide temerária, a qual pressupõe culpa grave ou erro grosseiro[11].
Na verdade, de acordo com o nº2, do art. 542º, do CPC, “Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:
a)Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b)Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c)Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d)Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão”.
“Segundo o nº2, constituem atuações ilícitas da parte: a dedução de pretensão ou oposição com manifesta falta de fundamento, por inconcludência ou inadmissibilidade do pedido ou da exceção (alínea a));  a apresentação duma versão dos factos, deturpada ou omissa, em violação do dever de verdade (alínea b)); a omissão do dever de cooperação (alínea c)); em geral, o uso reprovável do processo ou de meios processuais, visando um objetivo ilegal, o impedimento da descoberta da verdade, o entorpecimento da ação da justiça ou o protelamento, sem fundamento sério, do trânsito em julgado da decisão (alínea d))”[12].
“Visa entorpecer a ação da justiça a parte que atua usando meios dilatórios”[13] – cfr exemplos citados in ob e pag. cit..
“Visa apenas protelar o trânsito em julgado da decisão a parte que recorre ou reclama sem fundamento sério, conseguindo assim atrasar o momento do trânsito em julgado e da exequibilidade da decisão”[14].
Assim, a lei tipifica as situações objetivas de má fé, exigindo-se, simultaneamente, um elemento subjetivo (dolo ou negligência grave) - cfr. referido nº2 - já não no sentido psicológico, mas ético-jurídico.
O juízo de censura que enforma o instituto radica na violação dos elementares deveres de probidade, cooperação e de boa fé a que as partes estão adstritas, para que o processo seja “justo e equitativo”, e daí a designação, segundo alguns autores, de responsabilidade processual civil. Litiga de má fé não apenas a parte que tem consciência da falta de fundamento da pretensão ou oposição, como aquela que, muito embora não tenha tal consciência, deveria ter agido com o dever de cuidado e prudência, bem assim com o dever de indagar a realidade em que funda a pretensão[15].
Distingue-se entre má fé material ou substancial e má fé processual ou instrumental. A primeira tem a ver com o mérito da causa, a segunda com a conduta processual[16]. Na primeira “a parte, não tendo razão, atua no sentido de conseguir uma decisão injusta ou realizar um objetivo que se afasta da função processual. A segunda abstrai da razão que a parte possa ter quanto ao mérito da causa, qualificando o comportamento processualmente assumido em si mesmo. Assim, só a parte vencida pode incorrer em má fé substancial, mas ambas as partes podem atuar com má-fé instrumental, podendo portanto o vencedor da ação ser condenado como litigante de má-fé” [17].
A má fé a que se reportam as supra referidas als. a) e b) é a má fé material ou substancial, aquela que se refere à relação jurídica material[18]; as restantes alíneas contendem com a má fé instrumental[19].

A litigância de má fé surge como um instituto processual, de tipo público, com um sistema sancionatório próprio, especialmente regulado, não se tratando de uma manifestação de responsabilidade civil, que pretenda suprimir danos, ilícita e culposamente causados a outrem através de atuações processuais. A responsabilidade por litigância de má fé está sempre associada à verificação de um ilícito puramente processual e constitui o “tipo central da responsabilidade processual”[20].

Atualmente, “considera-se sancionável a título de má-fé, a lide dolosa, tal como preconizava A. Reis, in Código de Processo Civil anotado, II volume, pg.280, e, ainda, a lide temerária baseada em situações de erro grosseiro ou culpa grave.

Como refere Menezes Cordeiro “alargou-se a litigância de má-fé à hipótese de negligência grave, equiparada, para o efeito, ao dolo.” (in “Da Boa Fé no Direito Civi”, Colecção Teses, Almedina).

No dolo substancial deduz-se pretensão ou oposição cuja improcedência não poderia ser desconhecida – dolo directo – ou altera-se a verdade dos factos, ou omite-se um elemento essencial – dolo indirecto; no dolo instrumental faz-se dos meios e poderes processuais um uso manifestamente reprovável (v. Menezes Cordeiro, obra citada, pg.380).

Verifica-se a negligência grave naquelas situações resultantes da falta de precauções exigidas pela mais elementar prudência ou das desaconselhadas pela previsão mais elementar que devem ser observadas nos usos correntes da vida (Maia Gonçalves, C.Penal, anotado, pg.48).

O dever de litigar de boa-fé, com respeito pela verdade é corolário do princípio da cooperação a que se reporta o art.º 266º do Código de Processo Civil, e vem consignado no art.º 266º-A, do mesmo diploma legal.

Em qualquer caso, a conclusão pela  actuação da parte como litigante de má-fé será sempre casuística, não se deduzindo mecanicamente da previsibilidade legal das alíneas do art.º 456º do Código de Processo Civil e a responsabilização e condenação da parte como litigante de má-fé só deverá ocorrer quando se demonstre nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu, conscientemente, de forma manifestamente reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a acção da justiça[21].

A questão da má-fé material não pode ser vista de forma linear, sob pena de se limitar o direito de defesa que é um dos princípios fundamentais do nosso direito processual civil, com foros de garantia constitucional, tendo de ser feita uma apreciação casuística, não cabendo a análise do dolo ou da negligência grave no processo civil em estereótipos rígidos.

 A má-fé processual não opera no domínio da interpretação e aplicação das regras do direito, mas tão só no domínio dos factos. A sustentação de posições jurídicas, mesmo que desconformes com a correta interpretação da lei, não basta à conclusão da litigância de má fé de quem as propugna.

 Acresce, também, que, a conclusão no sentido da litigância de má fé não se pode extrair, mecanicamente, da simples alegação de factos pessoais que não se provaram ou da negação de factos pessoais que vieram a provar-se. Na “base da má-fé está este requisito essencial, a consciência de não ter razão. Não basta pois o erro grosseiro ou a culpa grave; é necessário que as circunstâncias induzam o tribunal a concluir que o litigante deduziu pretensão ou oposição infundada"[22].
O que importa é que exista uma intenção maliciosa (má fé em sentido psicológico) e não apenas imprudência (má fé em sentido ético), não bastando a imprudência, o erro, a falta de justa causa, é necessário o querer e o saber que se está a atuar contra a verdade ou com propósitos ilegais.
A condenação por litigância de má-fé, em qualquer das suas vertentes – material e instrumental – pressupõe sempre a existência de dolo ou de negligência grave (art. 456º, nº2, do CPC) pelo que se torna necessário que a parte tenha procedido com intenção maliciosa ou com falta das precauções exigidas pela mais elementar prudência ou previsão, que deve ser observada nos usos correntes da vida”[23].
Emergente dos princípios da cooperação, da boa fé processual e da probidade e adequação formal, a figura da litigância de má fé pretende cominar quem, dolosamente ou com negligência grave, põe em causa tais princípios, que a eles tem subjacente a boa administração da justiça. É unânime entre a jurisprudência e a doutrina mais avisada, a exigência de um comportamento pelo menos consciente no sentido de pôr em causa a boa administração da justiça.
Uma aplicação restritiva do instituto impõe-se por ser a que melhor compreende a realidade subjacente a um processo em que as partes estão em desacordo, não sendo exigível que elas sejam absolutamente objetivas, pois são elas que sentem os problemas que o litígio revela. Contudo, inadmissível é, sabendo a parte não ter razão, que recorra ao processo, o que é ainda mais grave tratando-se de factos pessoais.
O ensinamento do Prof. Alberto dos Reis que, quanto a esta matéria, vem incluído no CPC Anotado, é lapidar, assim escrevendo Não obstante o dever geral de probidade, imposto às partes, a litigância de má fé pressupõe a violação da obrigação de não ocultar ao tribunal ou, melhor, de confessar os factos que a parte sabe serem verdadeiros. Não basta, pois, o erro grosseiro ou culpa grave; é necessário que as circunstâncias induzam o tribunal a concluir que o litigante deduziu pretensão ou oposição conscientemente infundada, de tal modo que a simples proposição da ação ou contestação, embora sem fundamento, não constitui dolo, porque a incerteza da lei, a dificuldade de apurar os factos e de os interpretar, podem levar as consciências mais honestas a afirmarem um direito que não possuem ou a impugnar uma obrigação que devessem cumprir; é preciso que a Autora faça um pedido que conscientemente sabe não ter direito, e que o Réu contradiga uma obrigação que conscientemente sabe que deve cumprir[24].
Exige-se para a condenação como litigante de má-fé que se esteja perante uma situação donde não possam surgir dúvidas sobre a atuação dolosa ou gravemente negligente da parte, demonstrando-se nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu, conscientemente, de forma manifestamente reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a ação da justiça, litigando de modo desconforme ao respeito devido ao tribunal e às partes[25].
À litigância de má fé não se basta a dedução de pretensão ou oposição sem fundamento ou a afirmação de factos não verificados ou verificados de forma distinta. Exige-se ainda que a parte tenha atuado com dolo ou com negligência grave, ou seja, que soubesse da falta de fundamento da sua pretensão ou oposição e que se encontrasse numa situação em que se lhe impusesse esse conhecimento e um dever de agir em conformidade com ele. A aplicação do instituto da litigância de má fé, à semelhança do instituto do abuso de direito, traduz uma aplicação do princípio da boa fé no domínio processual civil, tendo de se ter em conta a tutela da confiança e a primazia da materialidade subjacente, através da análise global dos factos provados e não provados, e não apenas de um segmento dessas factos[26].
Ora, vista a Doutrina e a Jurisprudência tendo-se em atenção a lição assim colhida, que em nosso entender plasma a interpretação mais avisada da figura jurídica do litigante de má fé, e analisando a conduta processual da Autora/Reconvinda não podemos deixar de considerar que a mesma atuou com dolo, pondo em causa os seus deveres como litigante, pelo que se justifica plenamente, como bem se decidiu, a sua condenação como litigante de má fé.
Resulta, como vimos, provado serem factos alegados pela Autora falsos, o que se constata, designadamente, do confronto das alíneas a) a j) dos factos não provados com os factos provados de 27) a 70).

Deduziu a Autora pretensão cuja falta de fundamento não ignorava, com alteração da verdade dos factos trazendo para a ação factos que bem sabia serem falsos. E agiu contra a verdade dos factos com o propósito de entorpecer a ação da Justiça, bem sabendo não ter o direito que pretende fazer valer para além do termo previsto no contrato (30/6/2021) termo este por si negociado.
Ora, resultando verificar-se a referida atuação como litigante de má fé, bem foi proferida condenação da mesma como tal.

Como se referiu, a violação dos referidos deveres dá lugar a sanção pecuniária, a multa.

Tendo a Autora, como vimos, litigado de má fé, bem foi, nos termos do nº1, do art. 542º, do CPC, condenada em multa e, estabelecendo o art. 27º, nº3, do RCP, a moldura legal entre 2 a 100 UC, dada a gravidade da atuação, da alegação (com dolo) de factos falsos, factos esses pessoais, a multa fixada, de 20 UC, é de manter.

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Quanto à Ré/Reconvinte bem considerou o Tribunal a quo não estarem preenchidos os requisitos, acima enunciados, de responsabilidade processual da mesma não sendo, por isso, por falta dessa verificação, de a condenar como tal.  Com efeito, na base da má-fé está o requisito essencial da consciência de se não ter razão e quanto à Ré/Recorrida, que sucedeu na posição da “C...”, não resultaram demonstrados factos que permitam formular este juízo como bem refere o Tribunal a quo não se podendo considerar demonstrado que atuou, sequer, com negligência grave.

Improcedem, por conseguinte, as conclusões da apelação, não ocorrendo a violação de qualquer dos normativos invocados pela apelante, devendo, por isso, a decisão recorrida ser mantida.


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4. Da responsabilidade tributária.

As custas do recurso são da responsabilidade da recorrente dada a total improcedência da sua pretensão recursória (nº1 e 2, do artigo 527º, do Código de Processo Civil).


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            III. DECISÃO

           Pelos fundamentos expostos, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam, integralmente, a decisão recorrida.


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            Custas pela apelante, pois que ficou vencida – art. 527º, nº1 e 2, do CPC.


Porto, 5 de fevereiro de 2024

Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores
Eugénia Cunha
Fernanda Almeida
Teresa Fonseca
___________________
[1] Com efeito, fixada foi, até, já, jurisprudência no sentido de “Nos termos da alínea c), do nº1, do artigo 640º, do Código de Processo Civil, o recorrente que impugne a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, nas alegações” - AUJ de 17/10/2023, proc. 8344/17.6T8STB.E1-A.S1 e v., ainda, Decisão do STJ de 27/9/2023, proferida no proc. nº2702/15.8T8VNG-C.S1.
[2] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2ª Edição, Almedina, pág. 823 e seg.
[3] Ibidem, págs 824 e seg.
[4] Ibidem, pág, 825.
[5] Ibidem, pág, 825.
[6] Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pág. 348.
[7] Lebre de Freitas, Código de Processo Civil, vol II, Almedina, pag.635.
[8] Ac. RP de 19/9/2000, CJ, 2000, 4º, 186 e v., ainda, Ac. RP, proferido em 13/11/2023, no Proc. 12254/19.4T8PRT.P1 (Relatora: Ana Paula Amorim).
Sobre a questão da alteração da decisão da matéria de facto pela Relação podem ser vistos os seguintes Acórdãos desta Relação, em que a ora relatora foi adjunta:
- Ac. RP 13/3/2023, proc. 124/18.8T8PVZ.P1, sumário: “I. Tendo em vista alcançar o duplo grau de jurisdição ao nível da decisão de facto, incumbe ao Tribunal da Relação proceder à reanálise crítica e autónoma da decisão de facto proferida pelo Tribunal de 1ª instância, convocando, para o efeito, todos os meios de prova disponíveis no processo (e não apenas os que foram convocados pelo apelante).II. Os poderes de alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem um remédio a utilizar apenas nos casos em que os meios probatórios apontam inequivocamente (em termos de convicção autónoma) para uma resposta diferente da que foi dada pelo Tribunal de 1ª instância e já não naqueles (como é o caso) em que, existindo versões contraditórias, o tribunal recorrido, beneficiando da oralidade e da imediação, logrou firmar a sua convicção quanto à demonstração de determinado quadro factual, sem que se evidencie nesse seu juízo algum atropelo das regras da lógica, da ciência e da experiência comum, assumindo uma opção que justificou de forma consonante, lógica e racional com toda a prova produzida nos autos” (Relator: Jorge Seabra);
- Ac. da RP de 8/5/2023, proc. 9648/21.9T8PRT.P1, sumário: “…II- O tribunal de 1ª instância é livre de dar credibilidade a determinados depoimentos em detrimento de outros, desde que na explicitação do iter formativo da sua convicção evidencie de forma coerente e convincente a adoção de uma das teses em confronto, mormente estribando-se na coerência e consistência dos elementos probatórios que a sustentam. III- Os poderes para alteração da matéria de facto conferidos ao tribunal de recurso constituem apenas um remédio a utilizar nos casos em que os elementos constantes dos autos apontam inequivocamente (em termos de convicção autónoma) para uma resposta diferente da que foi dada pela 1ª instância e já não naqueles em que, existindo versões contraditórias, o tribunal recorrido, beneficiando da oralidade e da imediação, firmou a sua convicção numa delas (ou na parte de cada uma delas que se apresentou como coerente e plausível) sem que se evidencie no juízo alcançado algum atropelo das regras da lógica, da ciência e da experiência comum” (Relator: Miguel Baldaia Morais);
- Ac. RP de 24/10/2022, proc. 2270/20.9T8AVR.P1, sumário: “I. Mantendo-se em vigor, em sede de Recurso, os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pelo Tribunal da Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser efectuado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. II- Nesta conformidade, a modificação da decisão de facto só deve ocorrer quando hajam razões fortes para que tal suceda, o que implica que, existindo uma convicção razoável da parte do tribunal recorrido, não deve o Tribunal da Relação substituir por uma outra, igualmente possível, mas formada na ausência dos elementos presenciais que podem ter levado à formação da primeira. O princípio da imediação é um princípio processual geral a respeitar e as consequências dele extraídas só devem ser afastadas quando tenha sido mal usado, não quando o Tribunal da Relação pareça, ouvida a gravação, que outra é mais plausível” (Relator: Pedro Damião e Cunha);
- Ac. da RP de 25/1/2001, proc. 11472/18.7T8PRT.P1, onde se escreve “o juízo formulado pelo tribunal a quo não se mostra passível de censura em sede de julgamento, certo sendo que o mesmo beneficiou da imediação e oralidade.
Nada evidencia uma errada valoração das provas produzidas, ou violação das regras da lógica ou da experiência no processo valorativo e justificativo expresso pelo tribunal a quo.
Tal como decorre do já citado artigo 662º nº 1 do CPC a modificação da decisão de facto é um dever para a Relação, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou a junção de documento superveniente impuserem diversa decisão” (Relatora: Fátima Andrade).
[9]António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, vol.I, Almedina, pág. 593
[10]Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 3ª Ed. 1981, p. 262 e seguintes
[11] Ac. do STJ, de 20/3/2014: Processo 1063/11.9TVLSB.L1.S1,in dgsi.net, citado in Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 4ª Edição Revista e Ampliada, Março de 2017, pág 703, onde se decidiu que “a condenação como litigante de má fé pode ser imposta tanto na lide dolosa como na lide temerária, constituindo lide temerária aquela em que o litigante deduz pretensão ou oposição “cuja falta de fundamento não devia ignorar”, ou s eja, não é agora necessário, para ser sancionada a parte, como litigante de má fé, demonstrando-se que o litigante tinha consciência “de não ter razão”, pois é suficiente a demonstração de que lhe era exigível essa consciencialização”.
[12] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, 2º Volume, 3ª Edição, Almedina, pág 457
[13] Ibidem, pág 457
[14] Ibidem, pág 457
[15] Ac. da Relação de Coimbra de 16/12/2015, processo 298/14.7TBCNT-A.C1, in dgsi.net, onde se escreve “O juízo de censura que enforma o instituto radica na violação dos elementares deveres de probidade, cooperação e de boa fé a que as partes estão adstritas, para que o processo seja “justo e equitativo“, e daí a designação, segundo alguns autores, de responsabilidade processual civil.
O âmbito da má fé abrange hoje não apenas o dolo, como a “negligência grave“, introduzida com a alteração ao CPC pelo DL nº 329-A/95, de 12 /12, concebida como erro grosseiro ou culpa grave, sem que seja exigível a prova da consciência da ilicitude da actuação do agente.
Por conseguinte, a lei tipifica as situações objectivas de má fé, exigindo-se simultaneamente um elemento subjectivo, já não no sentido psicológico, mas ético-jurídico. (…) Importa ter presente que actua de má fé não apenas a parte que tem consciência da falta de fundamento da pretensão ou oposição, como aquela que, muito embora não tenha tal consciência, deveria ter agido com o dever de cuidado. Além disso, o dever de verdade processual (alínea b)) pressupõe que a parte tem a obrigação de indagar a realidade em que funda a sua pretensão (dever de pré-indagação)”.
[16] Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 2008, p. 220/221
[17] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, idem, pág 457
[18] Alberto dos Reis, CPC Anotado, II, 3ª ed., p. 264).
[19] Ac. da Relação de Coimbra de 16/12/2015, processo 298/14.7TBCNT-A.C1, in dgsi.net
[20] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, idem, pág 461
[21] Ac. da Relação de Guimarães de 10/11/2011, Processo 387645/09.9YIPRT.G1, in dgsi.net
[22] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, II, Coimbra Editora, 1982, pag. 263.
[23] Ac. do STJ, de 3/2/2011, Ver. 351/2000: Sumários, 2011, p. 77, citado in Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 4ª Edição Revista e Ampliada, Março de 2017, pág 703
[24]Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, 2º, Coimbra Editora, pag. 263
[25] Ac. da Relação de Guimarães de 15/10/2015, processo 3030/11.3TJVNF.G1, in dgsi.net
[26] Ac. do STJ de 10/12/2015, Processo551/06: Sumários, 2015, pág 692, citado in Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 4ª Edição Revista e Ampliada, Março de 2017, pág 706