Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5818/17.2T8VNG-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EUGÉNIA CUNHA
Descritores: SEGUNDA PERÍCIA
DIREITO À PROVA
Nº do Documento: RP202001275818/17.2T8VNG-A.P1
Data do Acordão: 01/27/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A segunda perícia que, regulada nos art.s 487º a 489º, do CPC, se destina a corrigir a eventual inexatidão dos resultados da primeira (nº3, do art. 487º, do CPC), não é uma nova e autónoma perícia, antes o seu objeto se tem de conter no âmbito da primeira perícia realizada, movendo-se dentro das questões de facto já, aí, averiguadas.
II - Com a consagração da possibilidade de realização de segunda perícia, visou o legislador tão só possibilitar a dissipação de concretas dúvidas sérias que possam decorrer da primeira perícia, relativas a específicas questões suscetíveis de levar a um resultado distinto daquele que foi alcançado na primeira perícia, para que possam não pairar na perceção de factos relevantes para a decisão de mérito.
III - Para tanto, e não sendo lícito realizar no processo atos inúteis (art. 130º, do CPC), impõe-se que sejam densificadas, com fundamentos sérios, as razões da discordância relativamente ao relatório pericial apresentado, ficando a admissibilidade da segunda perícia dependente dessa fundada alegação, em requerimento tempestivamente apresentado (nº1, do art. 487º, do CPC), sem que o requerente tenha, contudo, de provar essas razões, pois que tal resultado apenas seria a alcançar com a realização da diligência requerida.
IV - Ao pronunciar-se sobre o meio de prova proposto, o tribunal tem, para além de analisar da efetiva afirmação de razões de dissonância (eventual inexatidão nos resultados da primeira que careçam de correção), de verificar se os motivos de discordância são, objetivamente, aptos a alcançar resultado distinto do da primeira perícia.
V - Cabendo ao juiz apreciar da proposição da prova e da sua admissibilidade, regendo-se a segunda perícia pelas disposições aplicáveis à primeira (cfr. art. 488º e, ainda, arts 467º a 486º, do CPC), analisando as razões alegadas, deve indeferir o requerimento sempre que a diligência se revele impertinente ou dilatória ou as questões suscitadas sejam desnecessárias, inadmissíveis ou irrelevantes, do mesmo modo que o podia fazer com relação à primeira (art. 476º, nº1 e 2, do CPC).
VI - É impertinente ou dilatória a perícia que não respeita a factos condicionantes da decisão final ou que, embora a eles respeitando, o respetivo apuramento não dependa de prova pericial, por não estarem em causa os conhecimentos especiais (cfr. art. 388º, do Código Civil) que aquela pressupõe, sendo que o que se pretende do perito é que realize uma observação técnica - objetiva -, do objeto da perícia e relate, no relatório final apresentado, o resultado dessa observação, não podendo integrar o seu objeto qualificações, questões jurídicas, opiniões e avaliações subjetivas, suscetíveis de influenciar a livre convicção do julgador.
VII - A segunda perícia, solicitada em processo de insolvência a questões jurídicas e a matérias que não relevam para a decisão aí a proferir, estando as questões de facto relevantes já assentes ou não dependendo o apuramento das mesmas de prova pericial (por não estarem em causa os conhecimentos especiais que aquela pressupõe) e pretendendo-se célere a decisão, incompatível com as delongas de mais uma perícia, a, meramente, elucidar dúvidas subjetivas e sem relevo para o resultado, é impertinente, dilatória e irrelevante, impondo-se o seu indeferimento.
VIII - Os limites impostos ao direito à prova – visando assegurar maiores valores que se levantam como o da efetiva realização da Justiça, que para efetivamente o ser tem de revestir de racionalização e de ser exercida de modo célere -, que não é um direito absoluto, são materialmente constitucionais, desde que assegurado o respeito pelo princípio da proporcionalidade, observado no caso da segunda perícia, sempre admissível quando requerida e justificada com alegação de razões fundadas, salvaguardando-se sérias inexatidões de resultados da primeira perícia, no que se reporta a factos com relevo para a decisão da causa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 5818/17.2T8VNG-A.P1
Processo do Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia – Juiz 1

Relatora: Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha
1º Adjunto: Maria Fernanda Fernandes de Almeida
2º Adjunto: António Eleutério

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

Sumário (elaborado pela relatora - cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC):
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I. RELATÓRIO
Apelante: B…, Sa
Apelada: C…, Lda

Nos autos de insolvência em que é requerente C…, Lda e requerida B…, Sa, foi proferida a decisão a indeferir a realização de segunda perícia, requerida sem fundamentos, por o relatório pericial apresentado responder, de forma cabal, a todos os quesitos propostos, mostrando-se infundadas as razões da discordância da requerida relativamente a ele, tendo a decisão em causa o seguinte teor:
Fls. 1544 e ss.:
Quanto à revisão da decisão de não substituição do Sr. Perito proferida a fls. 1530: A fls. 1530 foi proferido despacho a indeferir o pedido de substituição do Sr. Perito.
Estamos em face de uma decisão judicial e não de um despacho de mero expediente, pelo que, é nosso entendimento de que não é passível de ser revisto por falta de fundamento legal.
Neste caso, deveria a requerida, não concordando com tal decisão, ter interposto o competente recurso, o que não, fez, pelo que, a decisão transitou em julgado.

Quanto aos fundamentos para a realização da segunda perícia:
A realização de segunda perícia, nos termos do disposto no artº. 487º do CPC “Qualquer das partes pode requerer que se proceda a segunda perícia, no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do resultado da primeira, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado” (nº. 1), sendo que “a segunda perícia tem por objecto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir a eventual inexactidão dos resultados desta” (nº. 3).
Actualmente, como resulta do citado artº. 487º, nº. 1 do CPC, exige-se que, para além da discordância com a primeira perícia, o requerente da segunda perícia alegue fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado.
Agora, o pedido de segunda perícia tem de ser fundamentado com as razões por que a parte discorda da primeira perícia; não basta requerê-la, sendo exigido a quem a requerer que explicite os pontos em que se manifesta a sua discordância do resultado atingido na primeira, com apresentação das razões por que entende que esse resultado devia ser diferente (cfr. Prof. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 2ª ed., pág. 554; no mesmo sentido cfr. acórdão da RG de 7/05/2013, proc. nº. 590-A/2002, acessível em www.dgsi.pt).
A realização da segunda perícia, a requerimento das partes, não se configura como discricionária, pressupondo que a parte alegue, de modo fundamentado e concludente, as razões porque discorda do relatório pericial apresentado.
Como se refere no acórdão do STJ de 25/11/2004, proferido no proc. nº. 04B3648 (acessível em www.dgsi.pt e em CJ. STJ, Ano XII, Tomo III, pág. 123), «[A] expressão adverbial “fundadamente” significa precisamente que as razões da dissonância tenham de ser claramente explicitadas, não bastando a apresentação de um simples requerimento de segunda perícia. Trata-se, no fundo, de substanciar o requerimento com fundamentos sérios, que não uma solicitação de diligência com fins dilatórios ou de mera chicana processual. E isto porque a segunda perícia se destina, muito lógica e naturalmente, a corrigir ou suprir eventuais inexactidões ou deficiências de avaliação dos resultados a que chegou a primeira».
A segunda perícia tem por objecto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir a eventual inexactidão dos resultados desta (nº. 2 do artº. 487º), e a segunda perícia não invalida a primeira, sendo uma e outra livremente apreciadas pelo Tribunal (artº. 489º do CPC).
Neste caso, s.m.o., parece-nos que a requerida se limita a invocar as mesmas razões do requerimento de resposta ao relatório do perito.
Acrescenta-se que a perícia foi ordenada a fim de permitir ao tribunal conhecer melhor da situação económico-financeira da requerida.
A requerida não nega que deve à requerente, apenas pondo em causa a qualificação do credito, sendo certo que, quanto a esta, o tribunal não está vinculado á posição das partes, nem do A.I., nem do perito, sendo apreciada no momento oportuno, ou seja, aquando da prolação da sentença de graduação de créditos.
Deste modo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, afigura-se-me que o relatório pericial responde de forma cabal a todos os quesitos propostos, mostrando-se infundadas as razões da discordância da requerida relativamente a ele, pelo que indefiro a realização de segunda perícia.
Notifique.
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A Requerida apresentou recurso de apelação, pugnando por que seja revogada a decisão recorrida e substituída por outra que admita a realização de uma segunda perícia, formulando as seguintes
CONCLUSÕES:
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A recorrida veio apresentar contra-alegações, nas quais pugna pela manutenção da decisão recorrida, concluindo:
A - Em face de tudo quanto veio de se contra-alegar, entendemos que dos fundamentos de recurso da Recorrente não se vislumbram argumentos ou razões que justifiquem uma valoração e sentido diferente do vertido no despacho recorrido.
B - Em suma, o despacho proferido, pelos fundamentos invocados pela Recorrente, não é merecedor de qualquer juízo de reparo ou censura, tal qual a Recorrente pretende ver declarado, não se verificando, por conseguinte, qualquer violação dos dispositivos legais aplicáveis, à luz dessas mesmas razões tal qual vêm formuladas as conclusões da Recorrente.
C - Devendo, nessa medida, o presente recurso improceder in totum, pois não se verificam os fundamentos necessários ao seu mérito.
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Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.
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II. FUNDAMENTOS
- OBJETO DO RECURSO
Apontemos as questões objeto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações da recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Assim, a questão a decidir é a seguinte:
- Se o Tribunal a quo incorreu em erro de direito ao indeferir a segunda perícia.
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II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos provados, com relevância, para a decisão constam já do relatório que antecede, acrescentando-se, ainda, o seguinte (retirado dos autos):
1- Por despacho proferido em 18-6-2018, foi ordenada a realização de perícia – doc de fls 1-2 da certidão junta, cujo teor se dá por reproduzido;
2- Após notificada do relatório pericial, a Recorrente veio requerer a realização de uma segunda perícia, tendo-o feito por requerimento com a referência citius 31807983, apresentado em 11/3/2019, no qual a Recorrente requerer: “…caso o Meritíssimo Tribunal não dê provimento ao pedido de substituição do senhor Perito por outro que assuma a função com a necessária isenção e independência,
Requer-se, ao abrigo do disposto nos n.º 1 e 3 do artigo 487º do CPC, a realização de Segunda Perícia”;
3- Após, a Requerida apresentou o requerimento que se encontra junto a fls 4 e segs da certidão junta, cujo teor se dá por reproduzido.
4- A realização de uma segunda perícia veio a ser indeferida, nos termos constantes do despacho recorrido, acima reproduzido.
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II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
- Da admissibilidade da segunda Perícia
Insurge-se a apelante contra a decisão que indeferiu o seu requerimento a solicitar a realização de uma segunda perícia, pugnando pela sua admissão, alegando que o Tribunal a quo, ao indeferir a segunda perícia, ignorando as suas razões de discordância em relação ao relatório apresentado, violou, o artigo 487º, do Código de Processo Civil, diploma a que pertencem todos os preceitos citados sem outra referência.
Cumpre, pois, analisar da admissibilidade da segunda perícia, solicitada no próprio requerimento onde é exercido o contraditório ao Relatório Pericial e onde, embora se referindo, na segunda página do requerimento, o que “vem requerer”, se solicita a mesma, a final, invocando apenas os nº1 e 3 do referido artigo, e esclarecendo que os fundamentos que vêm invocados anteriormente “São”as razões preponderantes, que impedem a Requerida de aceitar os termos do Relatório Pericial apresentado” e que o faz com vista à “substituição de senhor Perito por outro que assuma a função com a necessária isenção e independência”.
Apenas para o caso de se não dar provimento a essa pretensão, requer, então, “ao abrigo do disposto nos nº1 e 3 do artigo 487º do CPC, a realização de Segunda Perícia”, infundadamente, na verdade, adiante-se.
Assim, como bem fundamenta o Tribunal a quo, a requerente apresenta-se a pôr em causa, no requerimento de “resposta” ao relatório pericial, a isenção e a independência de quem o elaborou, sendo essas as razões da discordância que invoca, com vista à substituição do Sr. Perito, requerendo, sem invocação de fundamentos, subsidiariamente, segunda perícia.
Com efeito, fundamentos concretos, específicos, objetivos para a realização da Segunda perícia – sérias inexatidões da mesma - é que, efetivamente, invocados não vêm.
E estatui o nº1, do artº. 487º, do CPC, que “Qualquer das partes pode requerer que se proceda a segunda perícia, no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do resultado da primeira, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado”, que (v. nº 3) “tem por objeto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir a eventual inexatidão dos resultados desta”.
Assim, impõe, presentemente, a lei, para que possa ser admitida segunda perícia, a requerer “no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do resultado da primeira”, que, no requerimento, o requerente “alegue fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado”, bem fundamentando a decisão recorrida “Agora, o pedido de segunda perícia tem de ser fundamentado com as razões por que a parte discorda da primeira perícia; não basta requerê-la, sendo exigido a quem a requerer que explicite os pontos em que se manifesta a sua discordância do resultado atingido na primeira, com apresentação das razões por que entende que esse resultado devia ser diferente (cfr. Prof. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 2ª ed., pág. 554; no mesmo sentido cfr. acórdão da RG de 7/05/2013, proc. nº. 590-A/2002, acessível em www.dgsi.pt).
A realização da segunda perícia, a requerimento das partes, não se configura como discricionária, pressupondo que a parte alegue, de modo fundamentado e concludente, as razões porque discorda do relatório pericial apresentado.
Como se refere no acórdão do STJ de 25/11/2004, proferido no proc. nº. 04B3648 (acessível em www.dgsi.pt e em CJ. STJ, Ano XII, Tomo III, pág. 123), «[A] expressão adverbial “fundadamente” significa precisamente que as razões da dissonância tenham de ser claramente explicitadas, não bastando a apresentação de um simples requerimento de segunda perícia.
Trata-se, no fundo, de substanciar o requerimento com fundamentos sérios, que não uma solicitação de diligência com fins dilatórios ou de mera chicana processual. E isto porque a segunda perícia se destina, muito lógica e naturalmente, a corrigir ou suprir eventuais inexactidões ou deficiências de avaliação dos resultados a que chegou a primeira»”.
Ora, na verdade, “a prova pericial destina-se, como qualquer outra prova, a demonstrar a realidade dos factos alegados pelas partes (artº 341º do Código Civil). Aquilo que a singulariza é o seu peculiar objecto: a percepção ou averiguação de factos que reclamem conhecimentos especiais que o julgador comprovadamente não domina (artº 388º do Código Civil).
Realizada a perícia, o resultado da mesma é expresso em relatório, no qual o perito se pronuncia fundamentadamente sobre o respetivo objecto (artº 484º do CPC), o qual é notificado às partes, que dele podem reclamar, se entenderem que há nele qualquer deficiência, obscuridade ou contradição, ou que as conclusões não se mostram devidamente fundamentadas (artº 485º nº1 e 2 do CPC). A reclamação consiste, assim, em apontar a deficiência ao relatório apresentado e pedir que a resposta seja completada; em denunciar a obscuridade e solicitar que o ponto obscuro seja esclarecido; em notar a contradição e exprimir o desejo de que ela seja desfeita; ou em acusar a falta de fundamentação das conclusões e pedir que sejam motivadas.
Deferida a reclamação, pode o tribunal determinar que o perito supra as deficiências do relatório, por escrito, ou então que preste os esclarecimentos solicitados, oralmente, na audiência de julgamento (artº 486º do CPC).
Qualquer das partes pode, também, requerer que se proceda a segunda perícia, no prazo de 10 dias, a contar do conhecimento do resultado da primeira.(…)
Actualmente, como resulta do citado artº. 487º nº 1 (correspondente ao 589º nº1 do anterior CPC sem quaisquer alterações), exige-se que, para além da discordância com a primeira perícia, o requerente da segunda perícia alegue fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado.
Ou seja, o pedido de segunda perícia tem de ser fundamentado com as razões por que a parte discorda da primeira perícia. Não basta requerê-la, sendo ainda exigido a quem a requer que explicite os pontos em que se manifesta a sua discordância do resultado atingido na primeira, com apresentação das razões por que entende que esse resultado devia ser diferente (cfr. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 2ª ed., pág. 554 e ac desta RG de 7/05/2013, disponível em www.dgsi.pt).
Como se refere no acórdão do STJ de 25/11/2004 (também disponível em www.dgsi.pt.) “A expressão adverbial “fundadamente” significa precisamente que as razões da dissonância tenham de ser claramente explicitadas, não bastando a apresentação de um simples requerimento de segunda perícia. Trata-se, no fundo, de substanciar o requerimento com fundamentos sérios, que não uma solicitação de diligência com fins dilatórios ou de mera chicana processual. E isto porque a segunda perícia se destina, muito lógica e naturalmente, a corrigir ou suprir eventuais inexactidões ou deficiências de avaliação dos resultados a que chegou a primeira” (no mesmo sentido, Ac desta RG de 17/01/2013, também disponível em www.dgsi.pt).
Esta exigência de fundamentação imposta às partes que requeiram a segunda perícia decorre de duas ordens de razões: a primeira, de natureza processual, ou seja, impedir que seja utilizada como "mero expediente dilatório" ou "mera chicana processual"; a segunda, de natureza substantiva, apontar e precisar as razões da discordância com o resultado da primeira perícia, as quais não podem deixar de incidir sobre eventuais inexactidões, insuficiências ou contradições de que padeça a primeira perícia, atento o disposto no n.º 3 do art. 487º do Código de Processo Civil (cfr. neste sentido Ac STJ, de 25-11-2004; da RP, de 23-11-2006 e de 07-10-2008; da RL, de 28-09-2006, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
Acentua-se ainda que a segunda perícia não invalida a primeira, sendo uma e outra livremente apreciadas pelo Tribunal (artº. 489º do CPC), sendo a segunda perícia mais um meio de prova que servirá ao tribunal para melhor esclarecimento dos factos (Fernando Pereira Rodrigues “Os Meios de Prova em Processo Civil”, Março de 2015, Almedina, pág. 151 e ac desta RG de 22/06/2010 acessível em www.dgsi.pt) [1].
Embora se destine a corrigir a eventual inexatidão dos resultados da primeira perícia, os resultados da segunda não têm prevalência sobre os resultados da primeira, nem aquela tem o caráter de recurso desta, sendo ambos os resultados valorados segundo a livre convicção do julgador, fornecendo uma e outra elementos de prova sobre os factos - diga-se já, não sobre direito ou subsunção jurídica, porque esta cabe em exclusivo ao julgador nem sobre factos que apenas podem ser provados por documentos, pois que são eles que têm de ser juntos - que o julgador aprecia livremente, em conjugação com todas as restantes provas, para formar a sua convicção[2].
O que a lei teve em vista ao consagrar a possibilidade de realização de segunda perícia foi possibilitar a dissipação de dúvidas sérias que decorram da primeira perícia, por forma a que não subsistam na perceção de factos com relevância para a decisão de mérito.
A segunda perícia pressupõe que sejam invocadas razões de discordância quanto ao juízo técnico da primeira perícia e visa corrigir inexatidões nos resultados a que a primeira perícia chegou.
E o objetivo atingir com a exigência de fundamentação das razões de discordância é, desde logo, evitar segundas perícias dilatórias, exigindo-se, para tanto, à parte que concretize os pontos de facto não suficientemente esclarecidos na primeira perícia, enunciando as razões por que entende que o resultado da perícia deveria ser diferente. A parte tem de indicar os pontos de discordância (as inexatidões a corrigir) e justificar a possibilidade de uma distinta apreciação técnica. Não cabe ao tribunal aprofundar o bem ou o mal fundado da argumentação apresentada, sendo que só a total ausência de fundamentação constitui razão para indeferimento do requerimento para a realização da segunda perícia (RP 10-7-13, 1357/12 e RE 18-9-12, 4162/09). Fundamentando o requerente as razões da sua discordância face ao resultado da primeira perícia, a lei não permite ao juiz uma avaliação de mérito da argumentação apresentada como suporte da divergência, devendo o juiz determinar a realização da segunda perícia, desde que conclua que a mesma não tem caráter impertinente ou dilatório (RP 11-1-16, 4135/14)[3].
O objetivo a alcançar com a exigência de fundamentação das razões de discordância é evitar segundas perícias desnecessárias, inúteis e dilatórias, exigindo a lei, para o evitar, a especificação, a concretização, dos pontos de facto não cabalmente esclarecidos na primeira perícia e a indicação das razões do entendimento de dever o resultado da perícia ter sido diferente, tendo o requerente de indicar os pontos de discordância, isto é, as inexatidões a corrigir, e justificar a possibilidade de uma diversa apreciação técnica.
Expressam António Santos Arantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa não caber ao tribunal aprofundar o bem ou o mal fundado da argumentação apresentada, sendo que só a total ausência de fundamentação constitui razão para indeferimento do requerimento para a realização da segunda perícia (RP 10-7-13, 1357/12 e RE 18-9-12, 4162/09). Fundamentando o requerente as razões da sua discordância face ao resultado da primeira perícia, a lei não permite ao juiz uma avaliação de mérito da argumentação apresentada como suporte da divergência, devendo o juiz determinar a realização da segunda perícia, desde que conclua que a mesma não tem caráter impertinente ou dilatório (RP 11-1-16, 4135/14)[4].
Indo um pouco mais longe e seguindo a evolução da legislação adjetiva, bem se concluiu no Acórdão da Relação de Guimarães de 14/2/2019, supra citado, “o requerimento da parte a solicitar a realização da segunda perícia pode ser indeferido pelo tribunal, se se considerar que na primeira perícia o perito já respondeu de forma clara e completa aos quesitos formulados”, referindo-se” “não temos dúvidas em afirmar que a realização da segunda perícia é sindicável pelo tribunal, considerando-se, nomeadamente, que a primeira perícia deu já cumprimento ao pedido da parte e que nela se respondeu já às questões solicitadas, embora não possam ainda ser emitidos juízos de valor sobre o resultado da mesma. A intervenção do tribunal deve aqui limitar-se a aferir se a prova pericial – a primeira perícia – cumpriu já os desideratos(…) Ou seja, a parte tem o dever de justificar o motivo por que pretende a realização da segunda perícia – quais as razões por que discorda da primeira -, competindo ao tribunal verificar se ela tem razão de ser – se existem inexactidões nos resultados da primeira que careçam de correcção.
Ela é, por isso sindicável, como o são, no geral, todas as provas requeridas pelas partes – devendo o tribunal emitir sobre as mesmas um juízo, não só de legalidade, se elas são legalmente admissíveis –, mas também se elas são pertinentes e têm por objecto a prova dos factos que se propõem provar.
Isso mesmo resulta, cremos que de forma clara, do disposto no artº 476º nº1 do CPC, ao ali se referir que “Se entender que a diligência não é nem impertinente nem dilatória, o juiz ouve a parte contrária sobre o objecto proposto, facultando-lhe aderir a este ou propor a sua ampliação ou restrição”, acrescentando o nº 2 que “Incumbe ao juiz, no despacho em que ordene a realização da diligência, determinar o respectivo objecto, indeferindo as questões suscitadas pelas partes que considere inadmissíveis ou irrelevantes ou ampliando-a a outras que considere necessárias ao apuramento da verdade” ”.
Também o Tribunal da Relação de Coimbra se orientou no sentido de embora não cabendo ao Tribunal aprofundar o bem (ou mal) fundado da argumentação apresentada, pode indeferir o requerimento com fundamento no caráter impertinente ou dilatório da segunda perícia[5], o mesmo acontecendo em Acs. da Relação de Guimarães, onde se decidiu poder vedar-se a sua iniciativa no caso de impertinência, desnecessidade ou irrelevância ou da natureza meramente dilatória do requerido[6].
Aliás, se relativamente à primeira perícia e face ao estatuído no artº 476º nº1 e 2 do CPC, o juiz pode indeferir o requerimento por a diligência ser impertinente ou dilatória e indeferir questões suscitadas pelas partes por desnecessárias, inadmissíveis ou irrelevantes, nenhum sentido faria que o não pudesse fazer, com a mesma amplitude em relação a outra perícia (a segunda), que verdadeiramente é repetição, total ou parcial, da primeira, que tem por objeto a averiguação das mesmas questões de facto sobre que incidiu a primeira e se destina a corrigir a eventual inexactidão dos resultados desta, regendo-se a segunda pelas disposições aplicáveis à primeira (art. 488º).
E uma diligência de prova será impertinente (devendo, por isso, ser indeferida) se não for idónea para provar o facto que com ela se pretende demonstrar, se o facto se encontrar já provado por qualquer outra forma, ou se carecer de todo de relevância para a decisão da causa[7] e, mais ainda, se nem de questão de facto se tratar mas mera questão de direito ou se a perícia não for o meio próprio para provar certo facto.
É impertinente ou dilatória a perícia que não respeita a factos condicionantes da decisão final ou que, embora a eles respeitando, o respetivo apuramento não depende de prova pericial, por não estarem em causa os conhecimentos especiais que aquela pressupõe[8], sendo que o que se pretende do perito é que realize uma objetiva observação técnica do objeto da perícia e relate, no relatório final apresentado, o resultado dessa observação, devendo ser dela afastadas questões jurídicas, opiniões e avaliações subjetivas, suscetíveis de influenciar a livre convicção do julgador.
Ora, in casu, as inexatidões que o apelante aponta à perícia e aos resultados da mesma, consignados no respetivo relatório, relacionam-se com a imputada falta de isenção e independência ou seja a Requerida, ora Apelante, insurge-se é contra o próprio Perito, cuja substituição solicitou.
Ora, foi indeferido o pedido de substituição do perito (por despacho proferido a fls 1530, transitado em julgado) e a realização de uma segunda perícia revela-se sem fundamento (apenas havendo as alegações efetuadas para apreciação daquele pedido de substituição, que, definitivamente, indeferido se mostra, nenhumas deficiências ou inexatidões se tendo, pois, a considerar, como bem entendeu o Tribunal a quo, que refere, a fundamentar o indeferimento, quea requerida se limita a invocar as mesmas razões do requerimento de resposta ao relatório do perito.
Acrescenta-se que a perícia foi ordenada (oficiosamente) a fim de permitir ao tribunal conhecer melhor da situação económico-financeira da requerida.
A requerida não nega que deve à requerente, apenas pondo em causa a qualificação do crédito, sendo certo que, quanto a esta, o tribunal não está vinculado á posição das partes, nem do A.I., nem do perito, sendo apreciada no momento oportuno, ou seja, aquando da prolação da sentença de graduação de créditos”.
Assim, e para lá de inadmissível, por fundamentos objetivos não serem invocados e por o relatório pericial responder de forma cabal a todos os quesitos propostos, não havendo fundadas razões a justificar a sua realização, também se mostra irrelevante, pois que, como refere o Tribunal a quo, a requerida não nega que deve à requerente, apenas pondo em causa a qualificação do crédito, sendo certo que, quanto a esta, o tribunal não está vinculado á posição das partes, nem do A.I., nem do perito, sendo apreciada no momento oportuno, ou seja, aquando da prolação da sentença de graduação de créditos, se for caso disso.
Irrelevante é posição que possa entender-se manifestada na primeira perícia ordenada em contrário ao agora decidido, pois certo é que juízos de direito, qualificações jurídicas ou considerandos sobre factos que têm de ser provados por documento, nenhuma relevância têm para a decisão a proferir, nunca podendo ser considerados pelo julgador na decisão a proferir.
E cumpre, ainda, referir que, na verdade, se impõe urgência na resolução da questão, que se não compadece com delongas não justificadas.
Assim se decidiu em Acórdão desta Secção, em que a ora relatora foi adjunta, onde se considerou estar conferido ao juiz, no processo de insolvência, o poder de fundar a sua decisão não só nos factos alegados, como também naqueles que da discussão da causa se vierem a apurar, e estar-lhe conferida a faculdade de, igualmente, os investigar, recolhendo os elementos de prova que tiver por conveniente e oportunos com vista ao apuramento da verdade material, mas que o poder-dever investigatório do juiz está sempre balizado pela natureza urgente do processo e, assim, pelo respeito pelos restritos prazos legalmente estabelecidos, sendo que este poder não visa a desresponsabilização dos intervenientes processuais no que respeita à alegação factual e proposição de prova necessária à demonstração daquela: esteja em causa a procedência da pretensão deduzida pelo requerente ou a alegação e demonstração pelo opoente dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos da pretensão deduzida. A natureza urgente do processo de insolvência consagrada no artigo 9º do CIRE, da qual é consequência a determinação da marcação da audiência para um dos cinco dias subsequentes à dedução da oposição do devedor, não é compatível com a realização de prova pericial que vise demonstrar o que aliás por via documental e testemunhal poderá ser igualmente demonstrado[9].
Aí se fundamenta, com inteira propriedade para o caso, para se constatar não ser o processo compaginável com demoras, como a já verificada, “Da remissão do artigo 17º do CIRE (já acima citado) para o CPC – cujas regras apenas são aplicáveis ao processo de insolvência na medida em que não contrariem as suas disposições - temos que a instrução do processo tem por objeto os temas da prova enunciados, ou quando não houver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova – artigo 410º do CC.
E a prova tem por função demonstrar a realidade dos factos – 341º do CC (Código Civil).
O artigo 25º nº 2 ex vi 30º nº 1 (do CIRE ambos), disciplina o modo como o opoente (e também o requerente) deve oferecer os meios de prova: de forma clara dizendo que “todos” os meios de prova de que disponha o interessado devem ser oferecidos com o respetivo articulado, in casu, de oposição.
Esta especial exigência no oferecimento da prova está relacionada com a natureza urgente do processo consagrada no artigo 9º do CIRE, impondo uma interpretação compaginável com o disposto no artigo 35º nº 1 do CIRE, o qual determina a marcação da audiência para um dos cinco dias subsequentes à dedução da oposição do devedor.
Motivo por que ao devedor opoente é exigido oferecer toda a prova de que disponha com a oposição.
E eventual intervenção oficiosa do tribunal deverá também conter-se dentro dos limites temporais que o legislador fixou.
O que nos leva a concluir, de um lado, que o poder-dever investigatório do juiz está sempre balizado pela natureza urgente do processo e assim pelo respeito pelos restritos prazos legalmente estabelecidos.
E do outro lado que este mesmo poder não visa a desresponsabilização dos intervenientes processuais no que respeita à alegação factual e proposição de prova necessária à demonstração daquela: esteja em causa a procedência da pretensão deduzida pelo requerente ou a alegação e demonstração pelo opoente dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos da pretensão deduzida.
E como doutamente se decidiu no Acórdão da Relação de Guimarães de 4/10/2018:
1- Para que seja deferida a realização de segunda perícia é necessário que o requerente alegue, de modo fundamentado e concludente, as razões pelas quais discorda do relatório pericial.
2- Essas razões têm de incidir sobre eventuais inexactidões (latu sensu), contradições ou insuficiências de que eventualmente padeça a perícia e que, caso venham efetivamente a verificar-se, sejam suscetíveis de levar a um resultado distinto daquele que foi alcançado na primeira perícia.
3- O requerente tem de: a) especificar os pontos sobre que discorda do relatório de perícia; e b) indicar as concretas razões dessa discordância.
4- O requerente não tem de demonstrar a procedência dessas razões, uma vez que essa demonstração apenas pode ser alcançada com a realização da segunda perícia.
5- No entanto, os motivos de discordância por eles indicados terão de ser aptos, do ponto de vista objetivo, atentas as circunstâncias do caso concreto, a criar um estado de dúvida no julgador médio sobre se a perícia efetuada não padecerá dos vícios que o requerente lhe assaca e que caso venham a ser demonstradas levam a que seja alcançado um resultado distinto do da primeira perícia”[10].
Como aí bem se refere, “não basta um estado de dúvida subjetivo do requerente da segunda perícia para se ordenar a realização desta, mas terá aquele expor as concretas razões que alicerçam esse seu “estado de dúvida”, razões essas que terão, à luz de um padrão objetivo – “bonus pater família” –, perante as concretas circunstâncias do caso, fazer gerar no juiz médio um estado de dúvida sobre se eventualmente a perícia não padecerá das inexatidões que o requerente lhe assaca e que importará suprir caso sejam efetivamente verificáveis, por levarem a um resultado distinto daquele que foi alcançado na primeira perícia”.
Ora, bem sustenta a apelada não ter a realização de uma segunda perícia o condão de alterar o resultado da primeira (estado de insolvência), sendo que se não justifica a realização de segunda perícia por:
1 - no que respeita ao crédito da aqui Recorrida, a Recorrente se limita a impugnar o relatório pericial quanto à sua qualificação, sendo esta indiferente para se aferir da solvabilidade da Recorrida, para além de se tratar de matéria de direito, não sendo, pois, matéria de caráter estritamente técnico, que exija os conhecimentos especiais a que alude o artigo 388º, do Código Civil;
2 - no que respeita ao crédito da sociedade “D…, S.A.”, a existência ou inexistência do crédito daquela sociedade não é determinante para as conclusões que o Senhor Perito faz no relatório pericial nem é matéria que tenha que ser demonstrada mediante a realização de uma perícia, mas através de certidão do processo (pois que a demonstração da factualidade da alegação que a Recorrente faz acerca do crédito da sociedade “D…”, designadamente que o mesmo não foi reconhecido no âmbito do processo que corre termos sob o n.º 555/12.7, não depende da realização de uma perícia, não necessitando o julgador de ter acesso a conhecimentos especiais de um perito que diga se tal crédito está ou não reconhecido e se deve ou não ser considerado para efeitos de passivo da sociedade Recorrente, tratando-se de matéria que pode ser demonstrada por prova documental, incumbindo tal ónus à Recorrente e bastando, para o efeito, uma certidão dos autos que correm termos sob o n.º 555/12.7 a atestar se o crédito da sociedade “D…” está aí reconhecido e, em caso afirmativo, montante e natureza do mesmo);
3. no que respeita a ter sido ocultada informação atual sobre o estado económico financeiro da sociedade Recorrente, o que a Recorrente pretende é trazer aos autos comprovativos de que vem efetuando pagamentos por conta do Plano de Insolvência aprovado nos aludidos autos 555/12.7 e, para isso, junta documentos, sendo que tais pagamentos são posteriores, não se justificando novo relatório pericial por cada novo pagamento, sendo que tal factualidade, posterior, pode ser demonstrada por outros meios de prova, designadamente documental, não revestindo tal matéria qualquer questão técnica ou que exija conhecimentos especiais.
Refere, ainda, não estar o despacho recorrido em contradição com o despacho que ordenou a realização da 1ª perícia, sendo até que a Recorrente se opôs à realização da perícia, dizendo que, no seu entender, bastaria que se requeresse junto do Senhor AJ nomeado nos autos que correm termos sob o n.º 555/12.7 para que este se pronunciasse sobre a existência ou inexistência do crédito da aqui Recorrida e, não obstante, o Tribunal “a quo” ordenou, oficiosamente, a realização de uma perícia para averiguar da “…consistência do crédito invocado, bem como do seu valor e data de vencimento, se o plano de recuperação está ou não a ser cumprido, apurar dos ativos e passivos da sociedade (…) concluindo-se se a situação da sociedade requerida se enquadra em alguma das alíneas a) a h) do n.º 1 do artigo 20º do CIRE”, não existindo contradição, pois que o objeto da perícia fixado não consistia na qualificação do crédito da Recorrida, mas tão somente na consistência deste, bem como do seu valor e data de vencimento, isto é, versava sobre a existência do crédito, sendo que, como bem refere o despacho agora em crise, a qualificação dos créditos só se coloca em sede de sentença de graduação de créditos, no apenso próprio da reclamação de créditos e sendo que o Tribunal não está condicionado à qualificação jurídica que as partes ou os A.J. ou os Peritos fazem como resulta do n.º 3 do artigo 5º do C.P.C.
In casu, as razões invocadas pela apelante são insuscetíveis de fundamentar dúvida objetiva sobre a correção do juízo pericial emitido pelo perito no relatório que elaborou, não bastando críticas vagas e genéricas e questões a ser tratadas por outro meio de prova.
Acresce que a primeira perícia foi oficiosamente ordenada, com o objeto determinado, e indeferido que foi o requerimento de substituição do perito pelas razões invocadas, nenhuma outra perícia, solicitada, pelas razões que levaram ao indeferimento (transitado em julgado) do requerimento de substituição do perito, se justifica para a decisão da causa, nem se justificando mais demoras, pelo que bem indeferiu o Tribunal a quo a diligência, infundada, impertinente, irrelevante e dilatória.
Com efeito, subsunções jurídicas, meras conclusões e factos que têm de ser provados por documento estão fora do objeto de perícia, que lhes não pode dar resposta, nunca podendo, pois, o resultado da perícia ser distinto.
Cabendo às partes carrear para os autos a prova pelo meio idóneo próprio (designadamente, certidões do processo em causa), não sendo o sendo a perícia, bem indeferiu o Tribunal a quo a diligência solicitada.
Assim, e por a primeira perícia, oficiosamente ordenada, ter respondido ao que lhe foi solicitado e a segunda não poder ir além da primeira, nem dar satisfação ao que lhe está vedado, não sendo o meio idóneo a provar o que com ela se pretende demonstrar, e, ainda, por meras questões de direito não integrarem o seu objeto, nos termos bem referidos pelo Tribunal a quo e pela apelada nas suas contra-alegações, conclui-se que a segunda perícia é, na verdade, irrelevante para a decisão, impertinente e dilatória, bem tendo sido indeferida. Infundadas e não aptas a alterar o resultado da perícia são, pois, as razões indicadas pela Requerente/Apelante, mencionadas nas conclusões da apelação.
A prova pericial efetuada deu cumprimento ao que lhe foi pedido, deu satisfação ao objeto da perícia ordenada e, cumpridos que se mostram os seus desideratos, bem foi indeferido o requerimento de segunda perícia, pois que a prova pericial não tem o objetivo que a apelante pretende.
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Cumpre, ainda, deixar claro que, ao indeferir o pedido de realização de segunda perícia, o julgador não violou a lei ordinária, sequer preceito constitucional a observar, em nada se mostrando violado o artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, pois que os limites impostos adjetivamente ao direito à prova, corolário do direito à tutela jurisprudencial efetiva, constitucionalmente consagrado, são com ele, perfeitamente, conformes.
Não sendo o Direito à prova um direito absoluto, tem de comportar os limites que lhe são impostos por outros direitos e interesses, como o da celeridade processual com vista à efetiva realização da Justiça, pois que uma justiça não célere de verdadeira justiça se não trata, sendo, também, tais limites um mecanismo de racionalização do sistema judiciário, para evitar o seu colapso, decorrente de exageros de proposição de prova, incompatíveis com uma célere e racional produção da mesma.
E os limites impostos a tal direito, que não é, pois, um direito absoluto, são materialmente constitucionais, desde que assegurado o respeito pelo princípio da proporcionalidade, o que se verifica no caso da segunda perícia, adjetivamente regulada nos artigos 487º a 489º, sempre admissível quando, devidamente, justificada em razões fundadas, para salvaguardar verdadeiras inexatidões de resultados da primeira perícia, fechando o regime consagrado a porta a manobras meramente impertinentes ou dilatórias, adjetiva e constitucionalmente não queridas.
Improcedem, por conseguinte, as conclusões da apelação, não ocorrendo a violação de qualquer dos normativos invocados pela apelante, devendo, por isso, a decisão recorrida ser mantida.
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III. DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, os Juízes desta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam, integralmente, a decisão recorrida.
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Custas pela apelante, pois que ficou vencida – art. 527º, nº1 e 2, do CPC.

Porto, 27 de janeiro de 2020
Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores
Eugénia Cunha
Fernanda Almeida
António Eleutério
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[1] Ac. da RG de 14/2/2019, processo nº 2587/17.0T8BRG-A.G1 (Relatora: Maria Amália Santos), in dgsi
[2] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 3ª Edição, Almedina, pág 345
[3] António Santos Arantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, pág 546-547
[4] Ibidem, pág 546-547
[5] Ac. RC de 1/12/2015, Proc. 65/14.8TBCTB-B-C1.dgsi, citado in Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 4ª Edição, 2017, pág 665
[6] Ac.s RG de 19/5/2016:Proc. 188/12.8TMBRG-F.G1 e de 12/7/2016, Proc.559/14.5TJVNF.G1.dgsi citados in Abílio Neto, Novo Código de Processo Civil Anotado, 4ª Edição, 2017, pág 666
[7] Ac. RG de 17/12/2019, processo 21/16.1T8VPC-B. G1(Relatora: Maria João Matos), in dgsi
[8] António Santos Arantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Idem, pág 539
[9] Ac. da RP de 7/10/2019, proc. 400/19.2T8AMT-D.P1
[10] Ac. RG de 4/10/2018 (Relator: José Alberto Moreira Dias e, em que a ora relatora foi adjunta)