Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2881/20.2T8AVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: MEIOS DE PROVA
DESPACHO DE ADMISSÃO
RECURSO
LIVRE CONVICÇÃO DO JUÍZ
EXCESSO DE PRONÚNCIA
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Nº do Documento: RP202203142881/20.2T8AVR.P1
Data do Acordão: 03/14/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSOS IMPROCEDENTES; CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4.ª SECÇÃO SOCIAL
Área Temática: .
Sumário: I - As afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir.
II - Do despacho de admissão de algum meio de prova cabe recurso de apelação autónomo, a ser interposto no prazo de 15 dias [art.ºs 79.º/2/d, e 80.º/2, do CPT].
III - Discordando o autor da decisão que admitiu os orçamentos, então deveria ter oportunamente interposto recurso autónomo, ou seja, naquele prazo de 15 dias, que se iniciou no dia 3 de Junho e atingiu o termo a 17 de Junho.
IV - Não tendo recorrido oportunamente dessa decisão, a mesma transitou em julgado, passando a ser inquestionável, o que vale por dizer que não pode servir de fundamento à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, tenha o Tribunal a quo decidido, ou não, com acerto.
V - Se o recorrente entende que o Tribunal a quo valorou indevidamente meios de prova, por não merecerem credibilidade, tendo por isso errado na formação da sua livre convicção, não lhe basta esgrimir a sua própria convicção para procurar descredibilizar os meios de prova que foram valorados pelo julgador, antes lhe cumprido evidenciar as razões que revelam o erro, seja por ter decidido ao arrepio das regras da experiência, ou por contrariar princípios de racionalidade lógica, ou por ter descurado quaisquer circunstâncias com influência relevante naquele processo de valoração da prova.
VI - Alegando o recorrente que o Tribunal a quo errou, pois “por força do disposto nos artigos 573.º, 576.º e 579.º do Cód. Proc. Civil, não pode conhecer daquela excepção oficiosamente”, o que estará em causa é uma nulidade da sentença, por excesso de pronúncia, que ocorre quando o juiz “conheça de questões de que não podia tomar conhecimento” [art.º 615.º n.º1, al. d), do CPC], e não um erro de julgamento.
VII - É a violação do dever geral de probidade, consagrado no art.º 8.º do CPC, enquanto conduta ilícita, praticada de forma dolosa (lide dolosa) ou gravemente negligente (lide temerária), que configura a litigância de má-fé. VIII - A litigância de má-fé não se basta com a dedução de pretensão ou oposição sem fundamento, ou a afirmação de factos não verificados ou verificados de forma distinta. Exige-se, ainda, que a parte tenha atuado com dolo ou com negligência grave, ou seja, sabendo da falta de fundamento da sua pretensão ou oposição, encontrando-se numa situação em que se lhe impunha que tivesse esse conhecimento.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO n.º 2881/20.2T8AVR.P1

SECÇÃO SOCIAL

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO


I.RELATÓRIO

I.1 No Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo do Trabalho de Aveiro, AA instaurou a presente acção emergente de contrato individual de trabalho, com processo declarativo comum, a qual veio a ser distribuída ao J1, contra “A..., Ld.ª”, pedindo que seja julgada procedente e, em consequência, se condene a Ré a pagar-lhe €10.257,63, mais juros de mora vencidos até 30/09/2020, no valor de €2.226,51 e juros vencidos e vincendos desde a referida data, até integral pagamento, à taxa de 4%.
Para tanto, alega, em síntese, que:
Foi admitido ao serviço da R. no princípio de Dezembro de 2009, por contrato de trabalho sem termo, para exercer funções inerentes à categoria profissional de operador de máquinas, nas instalações da R., com um período normal de trabalho semanal de 40 horas.
Auferiu €550,00 até Abril de 2010; €600,00 até Dezembro de 2011; e €700,00 a partir de Janeiro de 2012 - retribuição esta que presentemente aufere, acrescida de subsídio de alimentação de €5,81 por cada dia efectivo de prestação de trabalho.
O contrato de trabalho encontra-se suspenso desde finais de Setembro de 2019, em consequência de acidente de trabalho sofrido nas instalações da R..
A R. paga sistematicamente as retribuições fora de tempo e em montantes inferiores aos devidos, embora processe os salários pelo montante real.
Durante os anos de 2017 e 2018, a R. processou salários no montante global líquido de €16.776,85, mas apenas transferiu para a sua conta €11.810,88.
A R. ainda não lhe pagou, nem processou, os subsídios de férias e de Natal dos anos de 2009, 2010, 2011, 2012 e 2014, no valor global ilíquido de €5.291,66.
Sendo-lhe consequentemente devido o montante peticionado.
Realizada audiência de partes, não foi possível a sua conciliação.
Regularmente notificada para o efeito, a ré contestou, defendendo, no essencial:
É falso que o A. tenha sofrido qualquer acidente de trabalho ao seu serviço, estando o contrato de trabalho suspenso desde Setembro de 2018, mas por doença natural do A..
Apenas não liquidou ao A. o subsídio de férias e férias relativos ao ano de 2017, que deveriam ter sido pagos quando fosse de férias em 2018, admitindo também pagar os proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal relativos ao ano de 2018.
Efectuou fornecimentos ao A., a pedido deste, de materiais diversos por si produzidos, que por instruções do A., entraram nos acertos de contas salariais, em Maio e Agosto de 2018.
Pelo que apenas deve presentemente ao A. €1.422,65, que só ainda não pagou porque o A. entrou em baixa médica por doença natural e não voltou ao local de trabalho.
O A. litiga de má-fé, reclamando valores que já recebeu e invocando factos que são falsos.
Concluindo pela absolvição do pedido, com a condenação do A. como litigante de má-fé, em multa não inferior a €2.000,00.
Respondeu o A. ao pedido de condenação por litigância de má-fé contra si formulado pela R., pugnando pela sua improcedência e pedindo ele próprio a condenação da R. como litigante de má-fé, em multa a fixar pelo tribunal e compensação por danos sofridos, em montante não inferior a €1.000,00.
I.2 Findos os articulados foi proferido despacho saneador no qual foi dispensada a realização de audiência prévia, a identificação do objecto do litígio e a enunciação dos temas da prova.
Foi, ainda, fixado valor da acção em €12.484,14.
Realizou-se, depois, a audiência de discussão e julgamento.
I.3 Subsequentemente foi proferida sentença, fixando a matéria de facto provada e aplicando o direito aos factos, concluída com o dispositivo seguinte:
-«Termos em que se decide, na parcial procedência da acção:
I. Condenar a R. a pagar ao A.:
a) A quantia global ilíquida de €3.352,90 (três mil, trezentos e cinquenta e dois euros e noventa cêntimos), a título de subsídios de férias e de Natal relativos aos anos de 2009, 2010, 2014, 2017 e 2018, conforme discriminado supra.
b) A quantia global líquida de €936,19 (novecentos e trinta e seis euros e dezanove cêntimos), a título de salários e subsídios de alimentação relativos aos anos de 2017 e 2018, conforme discriminado supra - quantia já deduzida dos €1.700,00 (mil e setecentos euros) devidos pelo A. à R., por fornecimento de materiais por esta efectuado.
c) €810,94 (oitocentos e dez euros e noventa e quatro cêntimos) de juros de mora vencidos até à presente data, a que acrescem juros de mora vincendos a partir de hoje até integral pagamento, à taxa legal.
II. No mais, absolver a R. do pedido formulado pelo A..
III. Absolver ambas as partes dos pedidos de condenação por litigância de má-fé.
*
Custas por A. e R., na proporção dos respectivos decaimentos - art.º 527º n.ºs 1 e 2 do Cód. de Processo Civil.
(..)».
I.4 Inconformada com esta sentença, a Ré interpôs recurso de apelação, o qual foi admitido e fixado o efeito e modo de subida adequados. Apresentou alegações, as quais sintetizou nas conclusões [a numeração dá sequência à das alegações] seguintes:
15. A Ré, além dos factos já dados como provados, também pagou em 2009 o subsídio de férias, em 2010 o subsídio de férias e o subsídio de Natal, o subsídio de Natal em 2014 e parte do subsídio de férias de 2018 como consta dos documentos agora juntos e que se encontram na CAPA APENSA e que aqui se entregam cópias, só para facilidade de identificação.
16. Em consequência de tal alteração, a matéria de facto dada como provada terá de ser acrescida dos ditos pagamento do subsídio de férias de 2009, do subsídio de férias e Natal de 2010, do subsídio de Natal de 2014 e parte do subsídio de férias de 2018 (400,00 euros)
17. Por essa razão, a douta sentença terá de ser alterada, reduzindo-se a decisão condenatória daqueles valores, bem como dos juros moratórios, pela mesma razão.
I.5 Discordando igualmente da sentença, o autor interpôs recurso de apelação, também admitido e fixado o efeito e modo de subida adequados, finalizando as alegações com as conclusões seguintes:
A) A prova produzida nos autos não habilita o Tribunal a quo a considerar como provada a matéria de 16. dos factos provados, o que equivale à sua impugnação;
B) As facturas juntas com os articulados foram atempadamente impugnadas pelo autor, ora recorrente, o mesmo sucedendo com o orçamento oferecido em julgamento com a oposição do autor;
C) A recorrida não alegou factos susceptíveis de confirmar o fornecimento dos materiais e as declarações do gerente da entidade empregadora não oferecem credibilidade bastante, sem apoio de outra prova, designadamente, a prova testemunhal que prescindiu;
D) Por outro lado, a admissão do documento, no caso sub judice, é claramente ilegal, face ao disposto no artigo 425.º, n.º 1, 2 e 3 do Cód. Processo Civil;
E) Nestas circunstâncias, impõe-se que a matéria de 16. dos factos provados seja alterada, passando a constar dos factos não provados, com todas as consequências;
F) Consequentemente, a alteração daquele segmento da matéria de facto impede que o montante das facturas seja subtraído aos créditos salariais devidos ao A., ora recorrente, procedendo a condenação pelo montante de 6.700,03€ (seis mil e setecentos euros e três cêntimos);
G) Ainda que assim se não entendesse, o que se admite sem conceder, o desconto/compensação apurado na douta sentença do Tribunal a quo carece de fundamento legal;
H) Na verdade, a compensação constitui matéria de excepção peremptória que não foi alegada pela ré, na sua defesa e o Tribunal, por força do disposto nos artigos 573.º, 576.º e 579.º do Cód. Proc. Civil, não pode conhecer daquela excepção oficiosamente;
I) Os factos provados consubstanciam uma conduta dolosa e de negligência grave por parte da ré/recorrida, que negou a existência dos créditos reclamados e deduziu pretensão para a qual não tinha fundamento, com o objectivo de prejudicar a acção da justiça;
J) Pelo que, verificados os factos previstos nas alíneas a) e b) do artigo 542.º, n.º 2 do Cód. Processo Civil, deverá a ré ser condenada como litigante de má fé, em multa a fixar pelo prudente arbítrio do Tribunal e indemnização ao recorrente, em conformidade com o pedido formulado;
K) Assim não tendo decidido o Tribunal de 1.ª instância, foram violados os comandos normativos supra invocados.
Conclui pedindo a procedência do recurso, sendo a sentença revogada e substituída por outra condenando a ré a pagar-lhe a quantia global de 6.700,03€ (seis mil e setecentos euros e três cêntimos), ao que deverá acrescer a condenação da mesma como litigante de má fé, em multa e compensação condignas ao autor.
I.6 A Ré contra-alegou, concluindo como segue:
1. Nenhuma irregularidade decorre da decisão do Meritíssimo Juiz de admitir os documentos relativos aos orçamentos, dando-se aqui por reproduzido o alegado supra, como decorre do artigo 423º, nº3 do Código Processo Civil, por aplicação subsidiária e, por conseguinte, nada há a determinar por V. Exª quanto à alteração da matéria de facto dada como provada, mantendo-se neste aspeto a douta sentença.
2. Também como decorre do alegado, supra, que aqui se dá por reproduzido, no que à alegada má-fé diz respeito, nada haverá a alterar quanto à decisão tomada pelo Meritíssimo Juiz ad quo e, se o houvesse, o que a Ré não reclama porque entendeu a posição tomada na sentença quanto a esta matéria, sempre teria que ser o Autor a ser condenado como litigante de má-fé.
I.7 O Ministério Público teve visto nos autos, nos termos do art.º 87.º3, do CPT, tendo-se pronunciado no sentido de ser determinado o aperfeiçoamento das conclusões da Ré, por falta indicação das normas jurídicas violadas.
I.8Foram cumpridos os vistos legais e determinada a inscrição do processo para julgamento em conferência.
I.9 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 640.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho], as questões colocadas para apreciação nos recursos consistem em saber se o tribunal a quo errou o julgamento quanto ao seguinte:
I. Recurso do A:
i) Na apreciação da prova, ao ter considerado provado o que consta no ponto 16;
ii) Na aplicação do direito, ao ter procedido à compensação do montante das facturas referidas naquele facto aos créditos salariais que lhe devidos;
iii) Ao não ter condenado a Ré em litigância de má-fé.
II. Recurso da Ré:
i) Na apreciação da prova, ao não ter considerado provado os pagamentos do subsídio de férias de 2009, do subsídio de férias e Natal de 2010, do subsídio de Natal de 2014 e parte do subsídio de férias de 2018 (400,00 euros).
ii) Na aplicação do direito, no pressuposto da alteração à matéria de facto.
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1 MOTIVAÇÃO DE FACTO
O Tribunal a quo fixou o elenco factual que segue:
1. O A. foi admitido ao serviço da R. no princípio de Dezembro de 2009, mediante contrato de trabalho sem termo, para o exercício das funções inerentes à categoria profissional de operador de máquinas.
2. A prestação de trabalho, nas instalações da R., era executada no horário semanal de 40 horas, de 2ª a 6ª feira.
3. Como remuneração pelo trabalho prestado, o A. auferiu a título de retribuição base ilíquida: €550,00, até Abril de 2010; €600,00, até Dezembro de 2011; e €700,00 a partir de Janeiro de 2012.
4. À data da propositura da acção, o A. auferia €700,00 ilíquidos de retribuição base, acrescida de subsídio de alimentação no valor de €5,81 por cada dia efectivo de prestação de trabalho.
5. Ocasionalmente, quando a prestação de trabalho ocorria no exterior (no local das obras), a R. pagava ao A. a refeição, mediante apresentação da respectiva factura.
6. O A. está de baixa médica desde Outubro de 2018 (inclusive), não mais tendo prestado trabalho efectivo para a R., desde então.
7. A R. pagou ao A., pelo menos, €45,83 ilíquidos a título de subsídio de Natal do ano de 2009.
8. A R. pagou ao A. €600,00 ilíquidos a título de subsídio de Natal de 2010.
9. A R. pagou ao A. €600,00 ilíquidos a título de subsídio de férias do ano de 2011 e €600,00 ilíquidos a título de subsídio de Natal de 2011.
10. A R. pagou ao A. €700,00 ilíquidos a título de subsídio de férias do ano de 2012 e €700,00 ilíquidos a título de subsídio de Natal de 2012.
11. A R. pagou ao A. €700,00 ilíquidos a título de subsídio de férias do ano de 2014 e pelo menos €117,00 líquidos a título de subsídio de Natal de 2014.
12. No ano de 2017, a R. processou nos recibos de vencimento do A. salários e subsídios de alimentação, nos seguintes montantes líquidos:
Janeiro €715,39
Fevereiro €692,77
Março €601,22
Abril €166,86
Maio €751,62
Junho €755,04
Julho €742,23
Agosto €704,04
Setembro €737,88
Outubro €752,77
Novembro €764,73
Dezembro €730,16
13. No ano de 2017, a R. pagou ao A., a título de salários e subsídios de alimentação, pelo menos, os seguintes montantes líquidos:
- €215,39 em 17/03/2017, por transferência bancária.
- €500,00 em 19/01/2017, por transferência bancária.
- €400,00 em 12/04/2017, por transferência bancária.
- €100,00 em 23/06/2017, por transferência bancária.
- €300,00 em 30/06/2017, por transferência bancária.
- €451,62 em 19/07/2017, por transferência bancária.
- €455,04 em 07/08/2017, por transferência bancária.
- €300,00 em 19/07/2017, por transferência bancária.
- €700,00 em 18/08/2017, por transferência bancária.
- €600,00, em 27/10/2017, por transferência bancária.
- €160,00, em 06/10/2017, por transferência bancária.
- €500,00, em 19/09/2017, por transferência bancária.
- €600,00, em 08/12/2017, por transferência bancária.
- €1.099,42, em 23/12/2017, por transferência bancária.
14. No ano de 2018, a R. a processou nos recibos de vencimento do A. salários, subsídios de alimentação e subsídio de férias, nos seguintes montantes líquidos:
Janeiro €770,80
Fevereiro €748,02
Março €746,11
Abril €720,22
Maio €703,91
Junho €703,91
Julho €716,28
Agosto €636,92
Setembro €704,80
Subsídio de férias €591,00
15. No ano de 2018, a R. pagou ao A., a título de salários, subsídios de alimentação e subsídio de férias, pelo menos, os seguintes montantes líquidos:
- €450,00 em 26/01/2018, por transferência bancária.
- €650,00 em 27/02/2018, por transferência bancária.
- €500,00 em 19/05/2018, por transferência bancária.
- €748,02 em 27/03/2018, por transferência bancária.
- €600,00 em 20/04/2018, por transferência bancária.
- €600,00 em 14/06/2018, por transferência bancária.
- €300,00 em 23/06/2018, por transferência bancária.
- €600,00 em 06/08/2018, por transferência bancária.
- €250,00 em 20/07/2018, por transferência bancária.
- €300,00 em 26/07/2018, por transferência bancária.
- €550,00 em 20/08/2018, por transferência bancária.
- €400,00 em 21/12/2018, por transferência bancária (respeitante ao subsídio de férias).
16. A pedido do A., a R. forneceu-lhe materiais no valor global de €1.700,00 (IVA incluído), fornecimentos esses titulados por duas facturas, uma com data de 14/08/2018, no valor de €300,00; e outra com data de 18/05/2018, no valor de €1.400,00.
*
Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa (não se pronunciando o tribunal sobre as alegações de natureza jurídica, conclusiva ou desnecessária, tendo em conta as regras de distribuição do ónus da prova, consagradas no art. 342º do Cód. Civil), de entre os alegados na petição inicial e contestação, nomeadamente:
- Que o A. se encontra de baixa médica em consequência de acidente de trabalho sofrido nas instalações da R., quando procedia ao carregamento de obra para o veículo de transporte;
- Que os fornecimentos de materiais feitos pela R. ao A. entraram, por instruções do A., nos acertos de contas salariais, em Maio e Agosto de 2018.
II.2 Questão prévia: Conclusões da recorrente Ré
No parecer emitido ao abrigo do art.º 87.º3, do CPT, o Digno Magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido da Ré ser convidada a aperfeiçoar as conclusões por falta indicação das normas jurídicas violadas.
O artigo 639º n.º1, do CPC, impõe ao recorrente que conclua a alegação, de forma sintética, indicando os fundamentos por que se pede a alteração ou anulação da decisão. Segue-se, o n.º 2, enunciando as indicações que devem constar das conclusões quando o recurso verse sobre matéria de direito, no que aqui importa, decorrendo aa alínea a), que o recorrente deve indicar as normas jurídicas violadas.
No caso, a recorrente pretende a alteração da sentença exclusivamente no pressuposto de ver atendida a alteração da decisão sobre a matéria de facto. Dito de outro modo, a recorrente não coloca à apreciação deste Tribunal de recurso qualquer questão de direito, ou seja, o recurso não versa sobre matéria de direito.
Assim sendo, não lhe cabia indicar normas jurídicas violadas, posto não ser esse o fundamento do recurso e, logo, não há razão para determinar o aperfeiçoamento, nos termos do n.º3, do referido artigo 639.º, por não ter havido falta de especificação das indicações mencionadas no n.º2.
II.3 Questão prévia: Junção de documentos com o recurso pela recorrente Ré
A recorrente Ré sustenta a impugnação da decisão sobre a matéria de facto em alegado erro de julgamento do Tribunal a quo na apreciação e valoração de prova documental que juntou ao processo numa denominada ”Capa Apensa”, constituída por 239 documentos. Reportando-se essa impugnação a parte dos factos e invocando determinados desses documentos, a Ré optou por juntar cópias dos mesmos com as alegações, invocando fazê-lo “por comodidade de consulta”.
O recorrido Autor não se pronunciou quanto à referida junção de documentos.
O art.º 425.º dispõe que “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento”. E, sobre a junção de documentos com as alegações e recurso, dispõe o n.º 1 do art.º 651.º que ”[A]s partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o art.º 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido a 1.ª instância”.
Da conjugação destas disposições resulta, pois, que a apresentação de documentos em sede de recurso assume natureza excepcional, dependendo de não ter sido possível a sua apresentação até esse momento (superveniência objectiva ou subjectiva) ou, numa segunda ordem de casos, quando a sua junção se tenha revelado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.
Não é o isso que acontece, o que leva a questionar se é admissível a junção de documentos.
A Ré não veio juntar quaisquer documentos novos, são documentos que já fazem parte do processo, sobre os quais a parte contrária teve oportunidade de se pronunciar e que foram objecto de apreciação pelo Tribunal a quo na audiência de julgamento. O propósito da Ré foi o de permitir uma melhor identificação dos documentos que invoca para sustentar a impugnação, destacando-os do conjunto que apresentou, organizados no que veio a denominar-se no processo como “capa apensa”, numa opção que tem alguma paridade com o uso pelas partes recorrentes de transcreverem os extractos de testemunhos invocados, além de indicarem os pontos da gravação em que os mesmos se situam e de referirem o essencial que deles resulta.
Nestas circunstâncias em concreto, cremos que rejeitar os documentos se traduziria numa aplicação excessivamente formalista e rigorosa do disposto no art.º 651.º n.º1, do CC.
Nessa consideração, afigura-se-nos não se justificar a sua rejeição, pelo que se admite fiquem nos autos.

II.4 IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
A recorrente Ré insurge-se contra a decisão sobre a matéria de facto, em razão do Tribunal a quo não ter considerado provados os pagamentos do subsídio de férias de 2009, do subsídio de férias e Natal de 2010, do subsídio de Natal de 2014 e parte do subsídio de férias de 2018 (400,00 euros).
Por seu turno, o recorrente autor, insurgindo-se igualmente contra a decisão sobre a matéria de facto, discorda de ter sido considerado provada a matéria constante sob o ponto 16, em concreto, que “A pedido do A., a R. forneceu-lhe materiais no valor global de €1.700,00 (IVA incluído), fornecimentos esses titulados por duas facturas, uma com data de 14/08/2018, no valor de €300,00; e outra com data de 18/05/2018, no valor de €1.400,00”.
Conforme decorre do n.º1 do art.º 662.º do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Nas palavas de Abrantes Geraldes, “(..) a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância” [Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. 221/222].
Pretendendo a parte impugnar a decisão sobre a matéria de facto, deve observar os ónus de impugnação indicados no art.º 640.º do CPC, ou seja, é-lhe exigível a especificação obrigatória, sob pena de rejeição, dos pontos mencionados no n.º1 e n.º2, enunciando-os na motivação de recurso, nomeadamente os seguintes:
- Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
- Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
A propósito do que se deve exigir nas conclusões de recurso quando está em causa a impugnação da matéria de facto, sendo estas não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações, mas atendendo sobretudo à sua função definidora do objeto do recurso e balizadora do âmbito do conhecimento do tribunal, é entendimento pacífico que as mesmas devem conter, sob pena de rejeição do recurso, pelo menos uma síntese do que consta nas alegações da qual conste necessariamente a indicação dos concretos pontos de facto cuja alteração se pretende e o sentido e termos dessa alteração [cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: de 23-02-2010, Proc.º 1718/07.2TVLSB.L1.S1, Conselheiro FONSECA RAMOS; de 04/03/2015, Proc.º 2180/09.0TTLSB.L1.S2, Conselheiro ANTÓNIO LEONES DANTAS; de 19/02/2015, Proc.º 299/05.6TBMGD.P2.S1, Conselheiro TOMÉ GOMES; de 12-05-2016, Proc.º 324/10.9TTALM.L1.S1, Conselheira ANA LUÍSA GERALDES; de 27/10/2016, Proc.º 110/08.6TTGDM.P2.S1, Conselheiro RIBEIRO CARDOSO; e, de 03/11/2016, Proc.º 342/14.8TTLSB.L1.S1, Conselheiro GONÇALVES ROCHA (todos eles disponíveis em www.dgsi.pt)].
Para além disso, exige-se também que o recorrente fundamente “em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa” [cfr. Ac. STJ de 01-10-2015, Proc.º n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1, Conselheira Ana Luísa Geraldes, disponível em www.dgsi.pt].
Acresce dizer, que conforme o Supremo Tribunal de Justiça tem entendido, quando o recorrente não cumpra o ónus imposto no art.º 640.º do Código de Processo Civil não há lugar ao convite ao aperfeiçoamento, que está reservado para os recursos da matéria de direito [Cfr. acórdãos de 7-7-2016, processo n.º 220/13.8TTBCL.G1.S1, Conselheiro Gonçalves Rocha; e, de 27-10-2016, processo n.º 110/08.6TTGDM.P2.S1, Conselheiro Ribeiro Cardoso; (ambos disponíveis em www.dgsi.pt)].
As partes, ambas recorrentes, observaram com a suficiência necessária os indicados ónus de impugnação, logo, nada obstando ao conhecimento das respectivas impugnações da decisão sobre a matéria de facto.
II.3.1 Começando pela impugnação da Ré, insurge-se esta contra a decisão do Tribunal a quo, alegando que existe suporte documental para se ter dado como provados os pagamentos que efetuou ao Autor, a titulo de subsídio de férias e de natal relativos ao ano de 2009, 2010, 2014 e parte de 2018.
Alega a recorrente que existe suporte documental desses pagamentos, na denominada “CAPA APENSA”, nomeadamente nos que identifica [e optou por juntar no recurso], para concluir [conclusão 16] que “Em consequência de tal alteração, a matéria de facto dada como provada terá de ser acrescida dos ditos pagamento do subsídio de férias de 2009, do subsídio de férias e Natal de 2010, do subsídio de Natal de 2014 e parte do subsídio de férias de 2018 (400,00 euros)”.
No que concerne aos pagamentos que foram considerados provados, na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto o Tribunal a quo pronunciou-se como segue:
-«[..]
Relativamente à demais matéria de facto considerada provada, a convicção do tribunal baseou-se:
N.º 7: Na cópia do recibo de vencimento de Dezembro de 2010, assinado pelo A. (junto a fls. 229 da capa com documentação apensa aos autos), onde vem discriminado o pagamento de €45,83 a título de subsídio de Natal do ano de 2009. Bem assim como na cópia do cheque emitido para pagamento da quantia global mencionada no recibo de vencimento, junta também a fls. 229 da capa apensa - ainda que não se perceba a data nele aposta. Não se estranhando que o pagamento do proporcional do subsídio de Natal de 2009 tenha sido feito em 2010, atendendo a que o contrato de trabalho teve início apenas em Dezembro de 2009.
N.º 8: No recibo de vencimento de fls. 230 da capa apensa, assinado pelo A., com indicação de ter recebido a quantia nele mencionada.
N.º 9: Nos recibos de vencimento constantes de fls. 201 (quanto ao subsídio de férias) e de fls. 208 (quanto ao subsídio de Natal) da capa apensa, ambos assinados pelo A., que embora tal como os outros recibos de vencimento de 2011 tenham na “Data fecho” referência ao ano de 2010 (supõe-se que por lapso), serão na verdade relativos ao ano de 2011, à semelhança dos demais, posto que neles se encontra inscrito como período abrangido, meses respeitantes a 2011. E na cópia dos cheques emitidos para pagamento dos ditos recibos, juntos a fls. 201 e 209 da capa apensa.
N.º 10: No recibo de fls. 188 da capa apensa, assinado pelo A., respeitante ao subsídio de Natal de 2012, e comprovativo de transferência (feita apenas em 13/05/2013) da quantia titulada pelo recibo, a fls. 189. E quanto ao subsídio de férias, no recibo de fls. 180 e comprovativo de transferência de €585,00 efectuada para o A. em 17/12/2012, a fls. 181, ambos da capa apensa.
N.º 11: No recibo de fls. 126 da capa apensa, assinado pelo A., respeitante ao subsídio de férias de 2014 e no comprovativo da transferência dos €567,00 referidos no recibo, a fls. 127. E quanto ao subsídio de Natal de 2014, no recibo de fls. 136 da capa apensa e no comprovativo da transferência de €117,00, a fls. 137 - não se tendo demonstrado qualquer outro pagamento para além da referida quantia.
N.ºs 12 e 14: Nos recibos de vencimento juntos a fls. 30, 33, 34, 36, 38, 41, 44, 46, 50, 52, 55 e 57 da capa com documentação apensa aos autos (quanto ao ano de 2017); e 7, 10, 12, 14, 17, 19, 21, 23, 25, 27 e 28 da capa apensa, no que se refere ao ano de 2018.
N.ºs 13 e 15: Nos documentos respeitantes à transferência bancária das quantias em questão da R. para o A., constantes de fls. 31, 32, 35, 37, 39, 40, 42, 43, 45, 47, 48, 49, 53, 54 da capa com documentação apensa aos autos (quanto ao ano de 2017); e 48 dos presentes autos e 8, 9, 11, 13, 15, 16, 18, 20, 21, 24 e 26 da capa apensa, no que se refere ao ano de 2018.
[..]
No tocante à matéria de facto controvertida que não foi considerada provada, o convencimento do tribunal assentou, para além do que ficou já dito, na ausência de prova produzida em julgamento passível de a demonstrar, salientando-se em particular, quanto ao alegado pagamento ao A. do subsídio de férias do ano de 2010, que a única referência que existe em relação a esse pagamento nos recibos de vencimento, encontra-se manuscrita à margem do recibo de vencimento constante de fls. 229 da capa apensa, sem que se saiba quem a fez e quando a fez, pelo que embora tal recibo se encontre assinado pelo A., não reveste força probatória bastante para demonstrar o pagamento do subsídio de férias».
Recorrendo às alegações para se compreender a fundamentação que usa para justificar a pretendida alteração, sustenta, no essencial, o seguinte:
- O subsídio de férias de 2009, que apenas se vencia no dia 1 de Janeiro de 2010, foi pago em conjunto com parte subsídio de férias de 2010 e o vencimento de Agosto de 2010, do seguinte modo:
a) Transferência do montante para a conta do Autor com o nº...50 em 8/9/2010, do montante de 405,35 euros e transferência em 17/08/2010, para a mesma conta do Autor do montante de 576,50 euros, o que perfaz um total de 981,86 euros, que corresponde a 1/12 do subsídio de férias de 2009, 8/12 do subsídio de férias de 2010, que perfaz um total de 382,25 euros, e ainda ao vencimento do mês de Agosto de 2010, do montante 599,60 euros;
b) Os restantes 4/12 do subsídio de férias de 2010 foi pago ao Autor por cheque bancário do Banco com o nº …….. do montante de 830,09 euros, em conjunto com o vencimento do mês de dezembro de 2010, assim discriminado: subsídio de férias (4/12) do montante líquido de 178,00 euros; vencimento do mês de dezembro de 2010 do montante ilíquido de 600,00 euros; e, subsídio alimentação de 96,80 euros.
ii) O subsídio de Natal do ano de 2014, também foi pago ao Autor, mormente do recibo subscrito pelo Autor, atestando o seu recebimento, e foi concretizando do seguinte modo [docs. 6 e 7]:
a) Com a entrega do valor em numerário do montante de 250,00 euros em 5/02/2015;
b) Com a entrega de um valor em numerário do montante de 200,00 euros e, 15/02/2015; e
c) Uma transferência bancária para a conta bancaria do Autor com o nº ....., do montante de 117,00 euros, em 21/04/2015 através da Banco 2.
- O Subsídio férias de 2014 só foi pago em 22/12/2014, por transferência bancaria para a conta do Autor com o nº....., do montante de 567,00 euros, conforme consta das cópias do recibo assinado pelo Autor e da transferência bancária.
- O pagamento do subsídio de férias de 2018 foi feito parcialmente, apenas 400,00 euros, por transferência bancaria para a conta do Autor com o nº......
Como se deixou assinalado, nas conclusões recurso relativas à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, deve constar especificado o sentido e termos da alteração pretendida. No caso tal consta da conclusão 16, dizendo a recorrente que a matéria de facto dada como provada terá de ser acrescida dos ditos “pagamentos do subsídio de férias de 2009, do subsídio de férias e Natal de 2010, do subsídio de Natal de 2014 e parte do subsídio de férias de 2018 (400,00 euros)”.
Como bem se vê, no que concerne aos valores que foram pagos a recorrente apenas concretiza que a parte alegadamente paga do subsídio de férias de 2021 foi no valor de €400,00. Para além disso, em relação a qualquer um desses alegados pagamentos falta também a concretização de quando foram pagos. Dito do outro modo, a recorrente pretende que se adite uma conclusão, nomeadamente, a de que pagou ao autor subsídio de férias de 2009, subsídio de férias e Natal de 2010, subsídio de Natal de 2014 e parte do subsídio de férias de 2018 (400,00 euros).
Sobre o direito a subsídio de Natal e a retribuição do período de férias e subsídio, regem, respectivamente, os artigos 263.º, e 264.º do CT, estabelecendo como se determinam os valores das prestações devidas a esse título, quando é devido o pagamento pontual das mesmas, desde quando são devidos e quando há lugar a pagamentos proporcionais.
Na presente acção o Autor demanda a Ré reclamando o pagamento de créditos laborais, entre os quais se contam os subsídios de férias e de Natal dos anos de 2009, 2010, 2011, 2012 e 2014, alegando que a aquela não lhe pagou o valor global ilíquido de € 5.291,66. Reclama, ainda juros de mora vencidos.
Para se concluir que a Ré procedeu ao “pagamentos do subsídio de férias de 2009, do subsídio de férias e Natal de 2010, do subsídio de Natal de 2014 e parte do subsídio de férias de 2018”, que é questão de direito, é preciso previamente saber, no plano dos factos, quanto e quando foi pago relativamente a cada uma daquelas prestações.
Conforme é entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, mormente do Supremo Tribunal de Justiça, as conclusões apenas podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos que tenham sido alegados, sobre os quais tenha recaído prova que suporte o sentido dessas alegações, sendo esse juízo conclusivo formulado a jusante, na sentença, onde cabe fazer a apreciação crítica da matéria de facto provada. Dito de outro modo, só os factos materiais são susceptíveis de prova e, como tal, podem considerar-se provados. As conclusões, envolvam elas juízos valorativos ou um juízo jurídico, devem decorrer dos factos provados, não podendo elas mesmas serem objecto de prova [cfr. Acórdão de 23.9.2009, Proc. n.º 238/06.7TTBGR.S1, Bravo Serra; e, mais recentemente, reiterando igual entendimento jurisprudencial: de 19.4.2012, Proc.º 30/08.4TTLSB.L1.S1, Pinto Hespanhol; de 23/05/2012, proc.º 240/10.4TTLMG.P1.S1, Sampaio Gomes; de 29/04/2015, Proc .º 306/12.6TTCVL.C1.S1, Fernandes da Silva; de 14/01/2015, Proc.º 488/11.4TTVFR.P1.S1, Fernandes da Silva; 14/01/2015, Proc.º 497/12.6TTVRL.P1.S1, Pinto Hespanhol; todos disponíveis em http://www.dgsi.pt/jstj].
Segundo elucida Anselmo de Castro “são factos não só os acontecimentos externos, como os internos ou psíquicos, e tanto os factos reais, como os simplesmente hipotéticos”, depois acrescentando que “só, (…), acontecimentos ou factos concretos no sentido indicado podem constituir objecto da especificação e questionário (isto é, matéria de facto assente e factos controvertidos), o que importa não poderem aí figurar nos termos gerais e abstractos com que os descreve a norma legal, porque tanto envolveria já conterem a valoração jurídica própria do juízo de direito ou da aplicação deste” [Direito Processual Civil Declaratório, Almedina, Coimbra, vol. III, 1982, p. 268/269].
Em linha com esse entendimento, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-03-2014, afirma-se que “Só acontecimentos ou factos concretos podem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão, sendo, embora, de equiparar aos factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, verificado que esteja um requisito: não integrar o conceito o próprio objeto do processo ou, mais rigorosa e latamente, não constituir a sua verificação, sentido, conteúdo ou limites objeto de disputa das partes” [Proc.º n.º 590/12.5TTLRA.C1.S1, Conselheiro Mário Belo Morgado, disponível em www.dgsi.pt].
No recente Acórdão do STJ de 14 de Julho de 2021, citando-se Helena Cabrita [A Fundamentação de Facto e de Direito da Decisão Cível, Coimbra Editora, Coimbra, 2015, pp. 106-107], afirma-se que “[o]s factos conclusivos são aqueles que encerram um juízo ou conclusão, contendo desde logo em si mesmos a decisão da própria causa ou, visto de outro modo, se tais factos fossem considerados provados ou não provados toda a acção seria resolvida (em termos de procedência ou improcedência) com base nessa única resposta” [Proc.º 19035/17.8T8PRT.P1.S1. Conselheiro Júlio Gomes, disponível em www.dgsi.pt].
Assim, as afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que, sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado [Ac. STJ de 28-01-2016, Proc. nº 1715/12.6TTPRT.P1.S1, António Leones Dantas, www.dgsi.pt.].
Significando isto, que quando tal não tenha sido observado pelo tribunal a quo e este se tenha pronunciado sobre afirmações conclusivas, deve tal pronúncia ter-se por não escrita. E, pela mesma ordem de razões, que deve ser desconsiderado um facto controvertido cuja enunciação se revele conclusiva, desde que o mesmo se reconduza ao thema decidendum”, não podendo esquecer-se que o juiz só pode servir-se dos factos alegados pelas partes e que “Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir (..)” [art.º 5.º 1 do CPC]. Mas não só, pois por decorrência lógica, significa igualmente que o Tribunal de recurso não pode considerar provados factos conclusivos.
Por conseguinte, a matéria que a recorrente pretende ver provada, para além de formulada em termos conclusivos, designadamente, envolvendo uma conclusão jurídica, reconduz-se ao thema decidendum e, logo, a sua pretensão não pode ser acolhida.
Refira-se, ainda, que não cabe ao tribunal de Recurso, antes lhe estando vedado, estruturar uma eventual resposta alternativa.
Concluindo, improcede a impugnação da decisão sobre a matéria de facto deduzida pela recorrente Ré.
II.3.2 Avançando para a impugnação da decisão sobre a matéria de facto deduzida pelo autor, insurge-se este em razão do Tribunal a quo ter considerado provado no ponto 16, que “A pedido do A., a R. forneceu-lhe materiais no valor global de €1.700,00 (IVA incluído), fornecimentos esses titulados por duas facturas, uma com data de 14/08/2018, no valor de € 300,00; e outra com data de 18/05/2018, no valor de €1.400,00”.
Pretende que seja eliminado tal facto.
Na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, sobre o ponto 16 dos factos provados, o Tribunal a quo pronunciou-se como segue:
-«[..]
Relativamente à demais matéria de facto considerada provada, a convicção do tribunal baseou-se:
[..]
N.º 16: Nas facturas constantes, em cópia, a fls. 49 e 50 dos autos, conjugadas com os orçamentos juntos ao processo já em sede de audiência de julgamento, a fls. 272 a 278 e com as declarações de parte prestadas pelo legal representante da R., BB, que disse que se tratam de fornecimentos de caixilharia feitos e entregues pela empresa ao A., a pedido deste, para o A. aplicar em trabalhos que por conta própria desempenhava, com autorização da R.. Esclarecendo que o valor orçamentado é superior ao facturado porque efectuou descontos ao A. em ambas as facturas.
[..]».
Defende o recorrente que prova produzida nos autos não habilita o Tribunal a quo a considerar como provada a matéria do ponto 16 dos factos provados. As facturas juntas com os articulados foram atempadamente impugnadas pelo autor, ora recorrente, o mesmo sucedendo com o orçamento oferecido em julgamento com a oposição do autor, acrescendo que a admissão do documento, no caso sub judice, é claramente ilegal, face ao disposto no artigo 425.º, n.os 1, 2 e 3 do Cód. Processo Civil: “o Tribunal deveria ter recusado a junção do orçamento em audiência, considerando que a ré não alegou, nem demonstrou que estivesse impedida da junção de tal documento, com o articulado de defesa, contestação”.
Mais defende que a Ré não alegou factos susceptíveis de confirmar o fornecimento dos materiais e as declarações do gerente da entidade empregadora não oferecem credibilidade bastante, sem apoio de outra prova, designadamente, a prova testemunhal de que prescindiu.
Contrapõe a recorrida Ré que nenhuma irregularidade decorre da decisão de admitir os documentos relativos aos orçamentos, como decorre do artigo 423º, nº3 do Código Processo Civil, devendo improceder a impugnação.
Comecemos por resolver a questão relativa à admissão dos documentos – orçamentos - na audiência de julgamento.
Os documentos em causa foram apresentados e admitidos na audiência de julgamento, na sessão realizada em 2 de Junho de 2021. A audiência prosseguiu a 21-06-2021 e a sentença foi proferida em 29 -06-2021.
Nos termos do disposto no art.º 79.º A, n.º2, al. d), do CPT, do despacho de admissão de algum meio de prova cabe recurso de apelação autónomo.
Por outro lado, conforme decorre do estabelecido no n. º 2, do art.º 80.º do mesmo diploma, nos casos previstos n.º2 do artigo 79.º-A “o prazo para a interposição de recurso é de 15 dias”.
Resulta do exposto, que discordando o autor daquela decisão que admitiu os orçamentos, então deveria ter oportunamente interposto recurso autónomo, ou seja, naquele prazo de 15 dias, que se iniciou no dia 3 de Junho e atingiu o termo a 17 de Junho.
Acontece que o autor não recorreu dessa decisão e, logo, a mesma transitou em julgado, passando a ser inquestionável, o que vale por dizer, como parece bem claro, que não pode servir de fundamento à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, tenha o Tribunal a quo tenha decidido, ou não, com acerto.
Para além desse argumento sem validade, o recorrente vem apenas defender que “a Ré não alegou factos susceptíveis de confirmar o fornecimento dos materiais e as declarações do gerente da entidade empregadora não oferecem credibilidade bastante, sem apoio de outra prova, designadamente, a prova testemunhal de que prescindiu”, ou seja, pretende pôr em causa a correcção do juízo de livre convicção formado pelo julgador ao valorizar aqueles meios de prova.
Como regra, o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto (art.º 607.º n.º 5, CPC). Pode dizer-se ser pacificamente entendido, quer pela doutrina quer pela jurisprudência, que a livre apreciação da prova não consente que o julgador forme a sua convicção arbitrariamente, antes lhe impondo um processo de valoração racional, dirigido à formação de um prudente juízo crítico global, o qual deve assentar na ponderação conjugada dos diversos meios de prova, aferidos segundo regras da experiência, atendendo aos princípios de racionalidade lógica e considerando as circunstâncias do caso.
O resultado desse processo deve ter respaldo na prova produzida e tal deve decorrer, em termos suficientemente claros e objectivos, da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto.
Esse resultado não pressupõe uma certeza absoluta, que seria praticamente inatingível na demanda pela reconstituição de uma determinada realidade passada, objectivo da produção e julgamento da prova. Como elucidam Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, para que um facto se considere provado é necessário que, à luz de critérios de razoabilidade, se crie no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto. A prova “assenta na certeza subjectiva da realidade do facto, ou seja, no (alto) grau de probabilidade de verificação do facto, suficiente para as necessidades práticas da vida” [Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1985, p. 436].
Essa certeza subjectiva, com alto grau de probabilidade, há-de resultar da conjugação de todos os meios de prova produzidos sobre um mesmo facto, ponderando-se a coerência que exista num determinado sentido e aferindo-se esse resultado convergente em termos de razoabilidade e lógica. Se pelo contrário, existir insuficiência, contradicção ou incoerência entre os meios de prova produzidos, ou mesmo se o sentido da prova produzida se apresentar como irrazoável ou ilógico, então haverá uma dúvida séria e incontornável quanto à probabilidade dos factos em causa serem certos, obstando a que se considere o facto provado.
Se o recorrente entende que o Tribunal a quo valorou indevidamente aqueles meios de prova, por não merecerem credibilidade, tendo por isso errado na formação da sua livre convicção, não lhe basta esgrimir a sua própria convicção para procurar descredibilizar os meios de prova que foram valorados pelo julgador, antes lhe cumprido evidenciar as razões que revelam o erro, seja por ter decidido ao arrepio das regras da experiência, ou por contrariar princípios de racionalidade lógica, ou por ter descurado quaisquer circunstâncias com influência relevante naquele processo de valoração da prova.
Ora, tal decorre das alegações. Em contraponto, a fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, nomeadamente, no que a esta matéria concerne, é clara, suficiente e coerente na indicação dos meios de prova que foram valorados conjugadamente, não se verificando qualquer evidência de erro de lógico nem tendo conduzido a um resultado irrazoável, aferido à luz das regras da experiência.
Não vimos, pois, que haja o mínimo de fundamento para sustentar a pretensão do recorrente autor, fazendo prevalecer a sua convicção sobre ao do Tribunal a quo,.
Concluindo, improcede a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

II.4 MOTIVAÇÃO DE DIREITO
II.4.1 Recurso da Ré
A recorrente R. discorda da sentença por alegado erro de julgamento na aplicação do direito aos factos, pretendendo a sua alteração, mas partindo do pressuposto de ver alterada a matéria de facto no sentido que veio defender. Assim decorre claramente da conclusão 17, onde se lê: “Por essa razão, a douta sentença terá de ser alterada, reduzindo-se a decisão condenatória daqueles valores, bem como dos juros moratórios, pela mesma razão”.
Daí que, tendo improcedido a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, necessariamente improcede a alteração da decisão na aplicação do direito aos factos provados e, logo, sucumbe o recurso.

II.4.2 Recurso do Autor
O recorrente autor discorda da sentença por alegado erro na aplicação do direito, em razão do o Tribunal a quo por ter operado ao desconto/compensação do montante das facturas referidas no ponto 16, bem assim por não ter condenado a Ré em litigância de má-fé.
Quanto à primeira questão, defende, em primeira linha, que “a alteração daquele segmento da matéria de facto impede que o montante das facturas seja subtraído aos créditos salariais devidos ao A., ora recorrente, procedendo a condenação pelo montante de 6.700,03€ (seis mil e setecentos euros e três cêntimos)”.
Como a impugnação da decisão sobre a matéria de facto improcedeu, esse fundamento não tem sustento e, logo, por esta via não há razões para alterar a sentença quanto a esta questão.
Em segunda linha, defende o recorrente que “o desconto/compensação apurado na douta sentença do Tribunal a quo carece de fundamento legal; [..] a compensação constitui matéria de excepção peremptória que não foi alegada pela ré, na sua defesa e o Tribunal, por força do disposto nos artigos 573.º, 576.º e 579.º do Cód. Proc. Civil, não pode conhecer daquela excepção oficiosamente”.
Na fundamentação da sentença, quanto a esta parte lê-se o seguinte:
«[..]
Em relação ao ano de 2018, no tocante a salários e subsídios de alimentação, provou-se que a R. processou nos recibos de vencimento do A. um total líquido de €6.450,97, (conforme discriminado no n.º 14 dos factos provados), mas apenas lhe pagou o total líquido de €5.548,02, conforme discriminado no n.º 15 dos factos provados. Sendo como tal devida a A. a respectiva diferença, no valor líquido de €902,95.
Alega a R. que efectuou fornecimentos ao A., a pedido deste, de materiais diversos por si produzidos, que por instruções do A., entraram nos acertos de contas salariais, em Maio e Agosto de 2018.
Como é pacífico na doutrina e jurisprudência, na vigência do contrato de trabalho, o direito ao salário por parte do trabalhador é irrenunciável, face à relação de subordinação jurídica para com o empregador, tratando-se de um direito de existência e exercício necessário e absoluto1.
O art. 129º n.º 1, al. d) do Cód. do Trabalho, consagrando o princípio da irredutibilidade da retribuição, proíbe o empregador de “Diminuir a retribuição, salvo nos casos previstos neste Código ou em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho”.
E em consonância com esse princípio e proibição, o art. 279º n.º 1 do mesmo código estabelece que na pendência do contrato de trabalho, o empregador não pode fazer descontos ou deduções no montante da retribuição, salvo os casos taxativamente previstos no n.º 2, a saber: a) Desconto a favor do Estado, da segurança social ou outra entidade, ordenado por lei, decisão judicial transitada em julgado ou auto de conciliação, quando o empregador tenha sido notificado da decisão ou do auto; b) Indemnização devida pelo trabalhador ao empregador, liquidada por decisão judicial transitada em julgado ou auto de conciliação; c) Sanção pecuniária a que se refere a alínea c) do n.º 1 do artigo 328.º; d) Amortização de capital ou pagamento de juros de empréstimo concedido pelo empregador ao trabalhador; e) Preço de refeições no local de trabalho, de utilização de telefone, de fornecimento de géneros, de combustíveis ou materiais, quando solicitados pelo trabalhador, ou outra despesa efectuada pelo empregador por conta do trabalhador com o acordo deste; f) Abono ou adiantamento por conta da retribuição.
Provou-se que a pedido do A., a R. forneceu-lhe materiais no valor global de € 1.700,00, fornecimentos esses titulados por duas facturas, uma com data de 14/08/2018, no valor de € 300,00; e outra com data de 18/05/2018, no valor de €1.400,00.
Tais fornecimentos são enquadráveis na al. e) do art. 279º n.º 2 do Cód. do Trabalho, pelo que os €1.700,00 serão abatidos aos créditos do A..
[…]».
Importa começar por assinalar que o recorrente põe em causa, exclusivamente, uma questão processual, ou seja, se “o Tribunal, por força do disposto nos artigos 573.º, 576.º e 579.º do Cód. Proc. Civil, não pode conhecer daquela excepção oficiosamente”.
A assistir razão ao recorrente, o que estará em causa é uma nulidade da sentença, por excesso de pronúncia, que ocorre quando o juiz “conheça de questões de que não podia tomar conhecimento” [art.º 615.º n.º1, al. d), do CPC], e não um erro de julgamento.
Norma que se prende com o disposto no art.º 608.º n.º 2, do mesmo diploma, onde se estabelece que “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
A recorrente não a arguiu expressamente, como seria correcto tê-lo feito, mas o fundamento que usa reconduz-se a uma alegada nulidade da sentença e não a um erro de julgamento. Não obstante, podendo o recurso ter como fundamento essa alegada nulidade [art.º 615.º n.º4], não há impedimento a dela se conheça.
Vejamos se lhe assiste razão.
A Ré na contestação alegou o seguinte:
-«4. A Ré apenas tem em divida para com o Autor o subsídio de férias e férias relativo ao ano de 2017, que lhe deveriam ter sido pagas quando fosse de férias em 2018, o que ainda não ocorreu, e, admite pagar os percentuais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal relativos ao ano de 2018, em que entrou de baixa médica.
5. Aliás, para que não restem dúvidas sobre o que refere, a Ré junta aos autos comprovativos dos pagamentos feitos ao Autor durante a totalidade da relação laboral entre ambos, ou seja, entre dezembro de 2009 e setembro de 2018.
6. Bem como dos fornecimentos feitos ao Autor de materiais diversos produzidos pela Ré, a seu pedido, que entraram, por instruções daquele, nos acertos de contas salariais, em maio e agosto de 2018.
7. Neste momento a Ré apenas deve ao Autor a quantia de 1422,65€ (mil quatrocentos e vinte e dois euros e sessenta e cinco cêntimos), que, só não foram liquidados porquanto o Autor entretanto entrou em baixa médica por doença natural e não voltou ao local de trabalho».
Concluiu, pedindo a “absolvição do pedido formulado pelo autor” e requereu “Seja indicado à Ré NIB ou IBAN atual do Autor onde deve ser depositado o crédito que ele detém sobre a empresa de 1422,65€, dada a sua ausência desde Setembro de 2018 da empresa, e desconhecer-se a sua atual identificação bancária».
Na sequência da apresentação da contestação, tal como mencionado no artigo 5.º, a R. veio juntar uma pasta organizada com 239 documentos.
Notificado da contestação e da junção dos documentos, o Autor apresentou resposta, na qual para além de concluir pedindo a condenação da Ré como litigante de má-fé, alegou que “a Ré recorre a inventados fornecimentos de mercadorias, comercializadas pela Ré” e impugnou os documentos.
Nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 1 do Código de Processo Civil “Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas”. Além dos factos articulados pelas partes, o juiz pode ainda considerar os factos instrumentais e os que são complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, nos termos do disposto no n.º 2 desse mesmo artigo.
Por seu turno, as normas invocadas pelo recorrente, estabelecem o seguinte:
- art.º 573.º n.º1: “ Toda a defesa deve ser deduzida na contestação, excetuados os incidentes que a lei mande deduzir em separado”.
- Artigo 576.º [Exceções dilatórias e perentórias – Noção]
1- As exceções são dilatórias ou perentórias.
2 - As exceções dilatórias obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar à absolvição da instância ou à remessa do processo para outro tribunal.
3 - As exceções perentórias importam a absolvição total ou parcial do pedido e consistem na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor.
- Artigo 579.º [Conhecimento de exceções perentórias]
O tribunal conhece oficiosamente das exceções perentórias cuja invocação a lei não torne dependente da vontade do interessado.
Da contestação da Ré retira-se que esta deduziu defesa por excepção, alegando ter procedido ao pagamento das retribuições reclamadas, excepto aquelas que no artigo 4.º reconhece estarem em dívida e que aceitou pagar, quer através da entrega dos valores devidos, quer por via de “fornecimentos feitos ao Autor de materiais diversos produzidos pela Ré, a seu pedido, que entraram, por instruções daquele, nos acertos de contas salariais, em maio e agosto de 2018”.
A Ré não faz referência ao artigo 279.º do CT, mas a sua alegação reconduz-se à previsão daquele normativo, alegando ter procedido a “acertos de contas salariais, em maio e agosto de 2018”, ou seja, ao desconto/compensação dos valores desses “fornecimentos feitos ao Autor de materiais diversos produzidos pela Ré” e “por instruções daquele”.
É certo que nessa alegação a Ré não concretizou quais os valores desses fornecimentos, como seria tecnicamente adequado para cabal e rigorosa alegação dos factos essenciais em que baseia a excepção invocada. Porém, acompanhando-se o entendimento afirmado pelo STJ em acórdão de 07-11-2019 [Proc.º 414/16.7T8VIS.C1.S1, Conselheiro Abrantes Geraldes, disponível em www.dgsi.pt], transponível para a caso, isto é, para a contestação, “[I] A remissão para o teor de documentos juntos com a petição inicial pode servir para complementar a alegação de factos que sustentam o pedido”.
Nessa consideração, essa falta deve entender-se suprida pela remissão para os documentos que juntou, na medida em que possibilitou à parte contrária perceber o que estava em causa e exercer o contraditório, bem como habilitou o Tribunal a apreciar a causa e considerar provado que “A pedido do A., a R. forneceu-lhe materiais no valor global de €1.700,00 (IVA incluído), fornecimentos esses titulados por duas facturas, uma com data de 14/08/2018, no valor de €300,00; e outra com data de 18/05/2018, no valor de €1.400,00”.
Por conseguinte, contrariamente ao que defende o recorrente, o Tribunal a quo conheceu bem dessa questão, sem dúvida suscitada com suficiência necessária pela Ré, não existindo qualquer nulidade da sentença.
Assim, nesta parte improcede igualmente o recurso.
Por último, discorda o recorrente autor da sentença por não ter condenado a Ré em litigância de má-fé.
Alega que os factos provados consubstanciam uma conduta dolosa e de negligência grave por parte da ré/recorrida, que negou a existência dos créditos reclamados e deduziu pretensão para a qual não tinha fundamento, com o objectivo de prejudicar a acção da justiça. Pretende que se revogue a sentença nessa parte, condenando-se a Ré como litigante de má-fé, em multa a fixar pelo prudente arbítrio do Tribunal e indemnização ao recorrente, em conformidade com o pedido formulado.
Respondeu a Ré que, nada haverá a alterar quanto à decisão. Se houvesse, o que a Ré não reclama porque entendeu a posição tomada na sentença quanto a esta matéria, sempre teria que ser o Autor a ser condenado como litigante de má-fé.
Sobre esta questão, na fundamentação da sentença consta o seguinte:
«[..]
Dispõe o art. 542º n.º 1 do Cód. de Processo Civil, que “Tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir”.
Sendo que, de acordo com o n.º 2 do mesmo artigo, na parte que para o caso releva, “Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão”.
Não se vê fundamento bastante, à luz do transcrito normativo, para condenar qualquer uma das partes como litigante de má-fé, pelo seu comportamento processual no âmbito dos presentes autos, não se mostrando comprovado que, com dolo ou negligência grave, tenham agido de forma subsumível a qualquer uma das transcritas alíneas do n.º 2 do preceito legal em referência.
Frisando-se, no que concerne ao A., que o atraso e a forma faseada, irregular e confusa como a R. procedia ao pagamento da retribuição e ao processamento dos respectivos recibos de vencimento, suscitam legítimas dúvidas sobre o que é que foi na realidade pago e a que título, não podendo, nessa perspectiva, censurar-se a actuação do A., ao instaurar a presente acção, tendo em vista o recebimento de aquilo que entendia estar em dívida».
A Constituição da República Portuguesa, no seu art.º 20.º, assegura a todos o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.
Na esteira desse princípio constitucional do acesso à justiça, o art.º 2.º do CPC, vem garantir que “A protecção jurídica através dos tribunais implica o direito a obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie com a força de caso julgado, a pretensão regularmente deduzida em juízo (..)” [n.º1], bem assim que “A todo o direito, excepto quando a lei determine o contrário, corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-la coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da acção”.
O exercício destes direitos não é isento de deveres, nomeadamente no que respeita à conduta processual das partes. Para os assegurar o Estado coloca os seus órgãos jurisdicionais à disposição de quem quer que se arrogue um direito, mas o direito a propor a acção, bem assim o correspondente direito de defesa por parte de quem é demandado, devem exercer-se dentro de determinados limites circunscritos por deveres de conduta.
A Lei de autorização de revisão do Código de Processo Civil (Lei nº 33/95 de 18 de Agosto), consignou a orientação de que “As alterações à lei processual deverão consagrar o dever de cooperação para a descoberta da verdade (..)”.
Dando consecução à lei de autorização legislativa, a revisão do Código de Processo Civil veio a ser introduzida pelo DL 329-A/95, de 12 de Dezembro, em cujo preâmbulo é proclamada a afirmação dos princípios fundamentais estruturantes de todo o processo civil, entre os quais, e de acordo com aquela orientação, consta o princípio cooperação, referindo-se-lhe o legislador como “(..) princípio angular e exponencial do processo civil”.
O princípio da cooperação que aí encontrava consagração no art.º 226.º, consta actualmente no art.º 7.º do CPC, ai se estabelecendo que (n.º1) “Na condução e intervenção no processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio”.
A cooperação que a lei impõe deve ser feita de boa-fé, isto é, com lealdade e lisura de procedimento. Assim resulta do art.º 8.º do CPC (correspondente ao art.º 265.º A, do pretérito CPC), onde se lê “As partes devem agir de boa-fé e observar os deveres resultantes do preceituado no artigo anterior”.
É a violação do dever de boa-fé processual, de forma dolosa ou gravemente negligente, que configura a litigância de má-fé, a que se refere o art.º 542.º do actual CPC (correspondente ao art.º 456.º do pretérito CPC). Como elucida o legislador na exposição de motivos do DL 329-A/95, de 12 de Dezembro, o dever de boa-fé processual surge consagrado como reflexo e corolário do princípio da cooperação, sancionando-se como litigante de má-fé a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave, deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas, altere, por acção ou omissão, a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos adjectivos.
O sancionamento da litigância de má-fé é feito através da condenação em multa e, se a parte contrária o pedir, em indemnização a seu favor (n.º1 do aludido artigo). E, de acordo com a tipificação constante do n.º2, “Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção de justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão”.
Em suma, é a violação do dever geral de probidade, consagrado no art.º 8.º do CPC, enquanto conduta ilícita, praticada de forma dolosa (lide dolosa) ou gravemente negligente (lide temerária), que configura a litigância de má-fé [cfr. Ac. STJ, de 7-10-2004, Processo 04S1002, MARIA LAURA LEONARDO, disponível em http://www.dgsi.pt/jst; e, J.P. Remédio Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, Coimbra Editora, 3.º Edição, pp. 210].
A condenação em litigância de má-fé assenta num juízo de censura incidente sobre um comportamento adoptado pela parte na lide. Mas como também elucida ao STJ em acórdão de 18-02-2015 [Proc.º 1120/11.1TBPFR.P1.S1, Conselheiro Silva Salazar, disponível em www.dgsi.pt] não se basta com a dedução de pretensão ou oposição sem fundamento, ou a afirmação de factos não verificados ou verificados de forma distinta. Exige-se, ainda, que a parte tenha atuado com dolo ou com negligência grave, ou seja, sabendo da falta de fundamento da sua pretensão ou oposição, encontrando-se numa situação em que se lhe impunha que tivesse esse conhecimento.
No caso, é certo que a Ré alegou ter procedido a determinados pagamentos da retribuição sem que tenha logrado provar tê-los efectivamente realizado, mas tal não exclui a possibilidade de que tenham sido efectuados e o problema tenha sido a falta de prova, tanto mais, como refere o Tribunal a quo na fundamentação acima transcrita, em consideração que vale para ambas as partes, que pagava com atraso, de forma faseada, irregular e confusa. Não há, pois, prova que permita concluir que a Ré alegou uma realidade que se provou inexistir e cuja inexistência forçosamente conhecia, como seria necessário para poder afirmar-se que alterou a verdade dos factos a fim de deduzir intencionalmente, ou seja, com dolo, oposição, cuja falta de fundamento não podia deixar de conhecer.
Concluindo, também nesta parte improcede o recurso do recorrente autor.

III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar os recursos do autor e da Ré improcedentes, quer no plano da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, quer na vertente de erro de julgamento na aplicação do direito, confirmando-se a sentença recorrida.

As custas de cada um dos recursos são da responsabilidade dos respectivos recorrentes, atento o decaimento (art.º 527.º CPC).

Porto, 14 de Março de 2021
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Rita Romeira