Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
282/20.1T8OAZ-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MENDES COELHO
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
NOMEAÇÃO DE PATRONO
INTERRUPÇÃO DO PRAZO EM CURSO
INÍCIO DO PRAZO
CONSTITUIÇÃO DE MANDATÁRIO
Nº do Documento: RP20210607282/20.1T8OAZ-C.P1
Data do Acordão: 06/07/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Prevendo-se no nº5 do art. 24º da Lei 34/2004 o início do prazo interrompido a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação ou a partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono, é de concluir, em conjugação com a previsão do nº4 daquele mesmo artigo, que do regime de interrupção de prazo ali previsto não resulta qualquer condição para tal interrupção se tornar efectiva;
II – Assim, produzindo-se o efeito da interrupção no momento do facto interruptivo e não estando a mesma sujeita à condição de o acto ser praticado através do patrono nomeado, não se vê fundamento legal para impedir a parte da prática do acto através de mandatário por si constituído e aproveitando aquela interrupção.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº282/20.1T8OAZ-C.P1
(Comarca de Aveiro – Juízo de Execução de Oliveira de Azeméis – Juiz 2)

Relator: António Mendes Coelho
1º Adjunto: Joaquim Moura
2º Adjunto: Ana Paula Amorim

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I Relatório

No âmbito de execução sob a forma ordinária movida por B… a C…, D… e E…, que corre termos sob o nº282/20.1T8OAZ no Juízo de Execução de Oliveira de Azeméis, ocorreu o seguinte circunstancialismo pertinente para a análise do recurso:
a) – o executado C… e a executada D… foram citados para os termos da execução em 11/2/2020, tendo o aviso de recepção da carta registada que para tal lhe foi enviada sido assinado pelo próprio C… e o aviso de recepção da carta que para tal foi enviada à executada D… sido assinado por terceira pessoa que não esta;
b) – por requerimentos entrados nos autos a 18/2/2020 mas enviados por correio registado a 17/2/2020, cada um de tais executados veio comunicar que deduziu pedido de apoio judiciário nas modalidades de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, nomeação e pagamento da compensação de patrono e atribuição de agente de execução e requereu a suspensão do prazo em curso para dedução de oposição por embargos até ser proferida decisão final sobre tal pedido;
c) – por requerimento junto aos autos a 25/5/2020, aqueles executados vieram requerer a junção aos autos de procuração forense por si passada aos advogados Dr. F… e Dra. G…;
d) – por oficio de 8/6/2020 foi comunicado pela Ordem dos Advogados aos autos que, por referência ao pedido de apoio judiciário formulado pela executada D…, tinha sido nomeado patrono a esta o Sr. Dr. H…;
e) – naquela mesma data de 8/6/2020, os executados C… e D… apresentaram petição inicial subscrita por um dos advogados constituídos, na qual deduziram oposição por embargos e oposição à penhora;
f) – por despacho proferido nos autos de oposição à execução em 15/6/2020, constante de fls. 8 dos presentes autos, ponderando-se a possibilidade de indeferimento liminar daquela peça por extemporaneidade da mesma (na consideração de a mesma estar subscrita por mandatário constituído quando a interrupção do prazo para deduzir oposição de que beneficiaram os executados só ocorreu em vista da nomeação de patrono), ordenou-se a notificação dos embargantes para exercerem o seu direito ao contraditório;
g) – os embargantes, por requerimento de 24/6/2020, constante de fls. 9 e 10 dos presentes autos, pronunciaram-se no sentido de a sua oposição ser considerada tempestiva;
h) – por oficio entrado nos autos de execução em 25/9/2020, pelos serviços da Segurança Social foi comunicado o deferimento – por despacho de 21/9/2020 e nesta mesma data comunicado ao requerente – do apoio judiciário pedido pelo executado C…, o qual lhe foi concedido nas modalidades de pagamento faseado da taxa de justiça e demais encargos com o processo, nomeação e pagamento faseado da compensação de patrono e atribuição de agente de execução; e por ofício de 21/9/2020, enviado para aqueles mesmos autos, a Ordem dos Advogados comunicou que tinha sido nomeado patrono a tal executado o Sr. Dr. H…;
i) – Naqueles autos de oposição à execução, em 27/9/2020, foi proferido despacho com a seguinte fundamentação e decisão (transcreve-se):

“Vieram os embargantes exercer o seu direito ao contraditório, defendendo que lhes assiste o direito de beneficiar da interrupção do prazo prevista n.º 4 do art. 24º da Lei de Apoio Judiciário, prevista para a nomeação de patrono, no caso de pretenderem constituir mandatário. Posição esta com a qual não concordamos, por violação do princípio da igualdade em relação à parte contrária. Logo, temos seguido a posição da jurisprudência plasmada, por exemplo, no Ac. da Relação de Lisboa de 17.02.2008, in www.dgsi.pt, onde se sumariou que:
1ª – O beneficiário do apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono, que veja quebrada a relação de confiança com o patrono oficioso, goza dafaculdade de requerer a substituição do causídico nomeado por outro, o que não impede de continuar a beneficiar do apoio judiciário na modalidade concedida, interrompendo-se o prazo para a prática do acto processual na acção em curso até à nomeação do novo patrono.
2ª – Também, nada impede que, tendo sido deferido o pedido de apoio judiciário, na aludida modalidade, o beneficiário possa constituir mandatário judicial, podendo este subscrever o aludido articulado.
3ª – Porém, se, depois de nomeado patrono oficioso, o mandatário constituído vier juntar procuração forense aos autos, cessa de imediato o apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono e pagamento dos seus honorários, que lhe havia sido concedido, deixando igualmente de lhe aproveitar a interrupção do prazo concedida. (...)
5ª – Admitir a interrupção do prazo a favor do requerente do apoio judiciário, mesmo depois de vir a constituir mandatário judicial, constituiria uma ostensiva violação do princípio da igualdade, consagrado constitucionalmente, bem como na lei processual, porquanto estar-se-ia a admitir que qualquer cidadão que, no decurso de uma acção requeresse apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono e, a posteriori, constituísse mandatário judicial nos autos, teria um prazo acrescido de exercício do seu direito em relação aos demais cidadãos que, desde o início da acção, constituíssem mandatário judicial.
No mesmo sentido, veja-se ainda o Acórdão da Relação de Coimbra de 25-06.2019, relator Jaime Carlos Ferreira, disponível no mesmo site, onde se sumariou o seguinte:
I - Resulta do artº 16º, nº 1, al. b) da Lei nº 34/2004, de 29/07, na sua redação decorrente da Lei nº 47/2007, de 28/08 (que republicou aquela lei), que o apoio judiciário compreende, entre outras, ‘a modalidade de nomeação e pagamento da compensação de patrono’, apoio esse que é suscitado ou requerido pelo interessado no mesmo – artº 22º da citada lei -, daí resultando que ‘... quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de uma ação judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso nessa ação se interrompe com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o referido procedimento administrativo, prazo esse interrompido que se inicía a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação’ – artº 24º, nºs 1, 4 e 5, al. a) da citada lei.
II - O referido regime de apoio judiciário, na modalidade de nomeação e pagamento da compensação de patrono, assenta nas normas referidas, das quais resulta que todas elas estão redigidas e direcionadas para a efetiva nomeação administrativa de um patrono oficioso, a quem caberá, na sequência da sua nomeação pela sua Ordem, dar andamento ao que processualmente cumprir ser observado, tendo em conta designadamente os prazos legais aplicáveis ao caso.
III - O referido regime de interrupção de prazo processual apenas colhe efeitos dentro do referido regime de apoio judiciário, como um todo, não se podendo entender, assim se nos afigura, que tal regime possa ser desvirtuado ou usado de forma a dele apenas se colher o benefício da referida interrupção de prazo processual, para, dessa forma, o beneficiário do apoio poder contestar ou articular fora dos prazos processuais convencionais aplicáveis, mediante representante forense que não é o que lhe foi nomeado pela Ordem dos Advogados.
IV - Se o requerente dessa nomeação, dela fazendo descaso, constitui paralelamente um mandatário voluntário, sendo este quem apresenta a contestação no prazo que caberia, em função da interrupção, ao patrono oficioso, considera-se essa contestação extemporânea, devendo ser mandada desentranhar.” (sublinhado nosso)
“Neste sentido pode ver-se o Ac. desta Relação de Coimbra de 01/10/2013, Proc.º nº 4550/11.5T2AGD.C1, relatado pelo então sr. Desembargador Teles Pereira, disponível em www.dgsi.pt/jtrc, no qual escreveu:
I – A interrupção do prazo para contestar decorrente da apresentação de requerimento de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, prevista no artigo 24º, nº 3 da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, só se torna efectiva como interrupção desse prazo, no caso de ao requerente ser nomeado mandatário, pela apresentação da contestação por esse mandatário;
II – Assim, se os requerentes dessa nomeação, dela fazendo descaso, constituem paralelamente um mandatário voluntário, sendo este quem apresenta a contestação no prazo que caberia, em função da interrupção, ao patrono oficioso, considera-se essa contestação extemporânea, devendo ser mandada desentranhar.
No mesmo sentido veja-se o Ac. da Relação de Évora de 22/10/2015, Proc.º nº 1281/13.5TBTMR-A.E1, igualmente disponível em www.dgsi.pt/jtre, onde se escreve:
A interrupção dos prazos processuais na sequência do pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono assenta e tem como pressuposto a necessidade de obtenção do patrocínio oficioso e visa permitir não só a apreciação desse pedido de nomeação, mas também conceder ao patrono nomeado o tempo necessário ao estudo do caso e à prática do acto respectivo. Ora, se a recorrente, quando requereu a nomeação de patrono e informou desse facto o Tribunal, já tinha, voluntariamente, constituído mandatário, não podia ter formulado tal pedido de nomeação de patrono, por manifesta desnecessidade e por, manifestamente, tal pedido constituir um abuso processual. Nestas circunstâncias não pode o requerente beneficiar do direito à interrupção de um prazo e consequente prolongamento de prazo da contestação, por isso constituir uma fraude à lei, na medida em que o mandatário que subscreveu a contestação fora constituído muito antes de ser formulado o pedido de nomeação de patrono.”. – Acórdãos citados pelo mencionado Acórdão da Relação de Coimbra de 25-06.2019.
Não ignoramos a existência de jurisprudência no sentido defendido pelos embargantes, citada por estes no seu requerimento de 24.06.2020, que, e salvo o devido respeito, não temos seguido em casos semelhantes ao apreço, pois entendemos que o escopo da norma integrada no regime de apoio judiciário – artigo 24º, 4 e 5 a) – não se compadece em beneficiar uma parte com um prazo alargado se esta opta por constituir mandatário, quando lhe foi nomeado patrono oficioso, sendo que a única razão para a interrupção do prazo é precisamente o tempo que o ISS demora a aferir se determinado requerente reúne condições para beneficiar de proteção jurídica para lhe ser nomeado um patrono, pois só, nesta situação, é que se verifica a interrupção do prazo em curso. Adiantou-se ainda no mencionado Acórdão da Relação de Coimbra de 25-06.2019 que o entendimento vertido naquela jurisprudência “não colhe nem pode colher face ao instituto do apoio judiciário e seu regime jurídico, sob pena de este poder apenas ser usado para fins menos retos ou menos próprios”.
No entanto, na data em que foi proferido o despacho de 15.06.2020, não estavam juntos nos autos principais os comprovativos da citação dos executados/embargantes.
Analisados os AR relativos à citação constata-se que os AR foram assinados a 11.02.2020.
Como ambos os executados juntaram, a 17.02.2020, o pedido de proteção jurídica na modalidade de nomeação de patrono, o prazo de 20 dias, para deduzir oposição, interromper-se-ia se tal articulado fosse subscrito pelo patrono nomeado.
Todavia, a oposição foi subscrita por mandatário constituído - sendo um direito que assiste aos executados -, não podendo, porém, beneficiar daquela interrupção do prazo prevista especificamente para a nomeação de patrono.
A executada E… beneficia da dilação de 5 dias por o AR ter sido assinado por terceira pessoa (art. 245º, 1 a) do CPC) e da suspensão dos prazos prevista na Lei 1-A/2020, alterada pela Lei nº. 4-B/2020 de 6 de Abril.
Na verdade, por força da citada na Lei 1-A/2020, alterada pela Lei nº. 4-B/2020 de 6 de Abril, os prazos processuais em processos não urgentes ficaram suspensos até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, nos termos do n.º 1 do artigo 7º da Lei n.º 1-A/2020 de 19 de março, com as alterações dadas pela Lei nº. 4-B/2020 de 6 de Abril, e, relativamente a este dispositivo, os efeitos produzidos pela Lei 1-A/2020 no âmbito da jurisdição civil retroagem ao dia 09/3/2020 (art. 10.º Lei 1-A/2020; art. 37.º DL 10-A/2020) e tal suspensão valeu até à entrada em vigor da Lei 16/2020, de 29.06, ou seja, até 03.06.2020 (art. 7.º, n.º 2, L 1- A/2020).
Tendo em atenção que esta executada foi citada a 11.02.2020, o prazo terminaria a 9 de março, porém, como o prazo foi suspenso precisamente nesse dia, o seu prazo retomou a 03.06.2020, devendo ser cumprido o disposto no artigo 139º do CPC, em relação a esta embargante.
Contudo, o mesmo não sucede com o executado C…, citado a 11.02.2020 - face ao AR por si assinado -, cujo prazo de 20 dias terminou a 03.03.2020 (pois optando por constituir mandatário não poderá beneficiar da interrupção do prazo).
Por conseguinte, a oposição à execução e à penhora deduzida por este executado mostra-se extemporânea.
Note-se que não é aplicável à oposição o disposto no n.º 2 do art. 569º do CPC.
Todavia, e sem embargo do exposto quanto a este executado, invoca o mesmo que não foi notificado da decisão da Segurança Social.
Assim, providencie, antes de mais, a Secção pela junção aos autos da notificação da decisão da SS em relação a este executado C… (oficiando, caso seja necessário, o ISS em conformidade), assim como o cumprimento do art. 139º do CPC em relação à executada-embargante, pois, conforme entendimento seguido, nada impede que opte pela constituição de mandatário, porém, não poderá, a nosso ver, beneficiar da interrupção do prazo previsto para a nomeação de patrono (art. 24º, 4 da Lei de Apoio Judiciário).
Notifique.”
De tal despacho veio o executado/embargante C… interpor recurso, tendo na sequência da respectiva motivação apresentado as seguintes conclusões (que se transcrevem):
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Não foram apresentadas contra-alegações.
Foram dispensados os vistos ao abrigo do art. 657º nº4 do CPC.
Considerando o objecto do recurso, há apenas uma questão a tratar: apurar da tempestividade da petição de embargos apresentada pelo executado/embargante C… em 8/6/2020 e subscrita por mandatário por si constituído.
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II – Fundamentação

Os dados a ter em conta são os acima alinhados no relatório.
Vamos ao tratamento da questão enunciada.
Como se vê do despacho recorrido, decidiu-se ali que a oposição à execução e à penhora deduzida pelo executado C… mostra-se extemporânea, na consideração de que à mesma não pode aproveitar da interrupção do prazo para deduzir oposição prevista no art. 24º nº4 da Lei 34/2004, de 29/7, pois não obstante aquele executado ter deduzido pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono e tal ter comunicado aos autos, tal peça processual mostra-se subscrita por mandatário por si constituído na pendência daquele pedido.
Analisemos.
Aquele executado foi citado para os termos da execução em 11/2/2020 e em 17/2/2020 enviou por correio para aqueles autos requerimento a dar conta de que tinha deduzido pedido de apoio judiciário nas modalidades de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, nomeação e pagamento da compensação de patrono e atribuição de agente de execução, tendo nele requerido a suspensão do prazo em curso para dedução de oposição por embargos até ser proferida decisão final sobre tal pedido [alíneas a) e b) supra].
Tal pedido de apoio judiciário só veio a ter decisão em 21/9/2020, a qual foi a de o mesmo ter vindo a ser concedido nas modalidades de pagamento faseado da taxa de justiça e demais encargos com o processo, nomeação e pagamento faseado da compensação de patrono e atribuição de agente de execução [alínea h) supra].
Entretanto, a 25/5/2020, tal executado, em conjunto com a executada D…, vieram requerer a junção aos autos de procuração a mandatários forenses por si constituídos e, em 8/6/2020, apresentaram petição inicial subscrita por um dos advogados constituídos na qual deduziram oposição por embargos e oposição à penhora.
Na decisão recorrida, considerando-se, como já se disse, que por ter constituído mandatário aquele executado não pode aproveitar da interrupção do prazo para deduzir oposição, entendeu-se que o prazo de 20 dias para deduzir oposição (art. 728º nº1 do CPC) contado desde a citação (a 11/2/2020) tinha terminado a 3/3/2020 (refira-se porém, embora sem relevo para a questão posta no recurso, que tal contagem enferma de lapso, pois tendo em conta que naquele ano de 2020 o mês de Fevereiro teve 29 dias, o último dia daqueles 20 dias correspondeu ao dia 2/3).
Cumpre pois apreciar e decidir se ao executado em causa, representado por advogado por si constituído mas que tinha pedido e a quem acabou por ser deferido o apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, assiste o direito de beneficiar da interrupção do prazo para deduzir oposição à execução nos termos previstos naquele art. 24º nº4 da Lei 34/2004.
Dispõe este nº4 que “Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo”.
Dispõe por sua vez o nº5 daquele mesmo artigo que “O prazo interrompido por aplicação do disposto no número anterior inicia-se, conforme os casos: a) A partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação; b) A partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono.” [anote-se aqui que pelo Acórdão do Tribunal Constitucional nº461/2016, de 14/7/2016, publicado na II série do DR de 13710/2016, se julgou inconstitucional a interpretação normativa extraída daquela alínea a) “com o sentido de que o prazo interrompido por aplicação do nº4 do mesmo artigo se inicia com a notificação ao patrono nomeado da sua designação, quando o requerente do apoio judiciário desconheça essa nomeação, por dela ainda não ter sido notificado”].
A jurisprudência tem-se dividido sobre a questão enunciada, como bem se dá conta no recente Acórdão desta mesma Relação de 8/10/2020 (proc. nº1217/19.0T8STS-A.P1; rel. Francisca Mota Vieira).
Alguns arestos defendem que a aludida interrupção do prazo só se torna efectiva como interrupção do prazo, no caso de ao requerente ser nomeado patrono, com a apresentação do respectivo articulado por este último [é o caso, por exemplo: do acórdão da Relação de Lisboa de 17/12/2008 (proc. nº9829/2008-6; rel. Granja da Fonseca), referido na decisão recorrida como sendo de 17/2; do acórdão desta Relação do Porto de 13/9/2011 (proc. nº5665/09.5TBVNG.P1; rel. António Martins); dos acórdãos da Relação de Coimbra de 1/10/2013 (proc. 4550/11.5T2AGD.C1; rel. Teles Pereira) e 25/6/2019 (proc. nº156/18.6T8NZR-A.C1; rel. Jaime Carlos Ferreira), ambos também referidos na decisão recorrida – todos disponíveis em www.dgsi.pt].
Outros arestos defendem não existir fundamento legal para que aquela interrupção não aproveite ao requerente de nomeação de patrono que entretanto tenha constituído mandatário, quando a peça processual seja apresentada por este, considerando para tal que do regime de interrupção de prazo decorrente daquele preceito não resulta qualquer condição para a mesma se tornar efectiva [é o caso, por exemplo: dos acórdãos desta Relação do Porto de 15/11/2011 (proc. nº222/10.6TBVRL.P1; rel. João Proença), de 30/1/2014 (proc. 5346/12.2TBMTS.P1; rel. Judite Pires), de 14/12/2017 (proc. nº4502/16.9T8LOU-A.P1; rel. Judite Pires) e de 8/10/2020 acima já referido; do acórdão da Relação de Guimarães de 22/9/2016 (proc. nº1428/12.9TBBCL-D.G1; rel. António Sobrinho); e do acórdão da Relação de Évora de 5/12/2019 (proc. nº399/19.5T8SLV-A.E1; rel. Joaquim Matos) – todos também disponíveis em www.dgsi.pt].
Perfilhamos claramente esta segunda orientação.
Efectivamente, como se diz no acórdão desta Relação de 15/11/2011 supra mencionado, e aqui acompanhamos, “(…) o texto do mencionado n.º 4 do artº 24º da Lei 34/2004 consagra a interrupção, tout court, do prazo em curso, e não uma interrupção sob condição resolutiva de o acto ser praticado através do patrono nomeado. O efeito da interrupção produz-se no momento do facto interruptivo, independentemente de ocorrências posteriores. A tese da interrupção sob condição resolutiva ofende a confiança dos sujeitos processuais, introduzindo uma preclusão processual que o legislador não consagrou de modo especificado na lei e, como não, não poderiam contar com ela.”.
Na mesma exacta linha de raciocínio, diz-se no acórdão desta mesma Relação de 30/1/2014, que também já supra se mencionou:
Não admitir a prática de acto processual através de mandatário judicial quando o prazo para o efeito foi declarado interrompido, sem qualquer condição, não tendo sido proferida entretanto decisão de sentido contrário, nem existindo norma que impeça a prática do acto naquelas circunstâncias, traduzir-se-ia [...] numa ofensa à confiança dos sujeitos processuais.
Por isso, afigura-se-nos que o texto legal aponta que a intenção legislativa foi manter, sem restrições, o benefício decorrente da interrupção do prazo para a prática de acto processual em curso, enquanto perdurar essa interrupção.
Isto é, na falta de norma expressa a afastar a possibilidade desse benefício abranger quem venha a praticar o acto através de advogado constituído, deve admitir-se que a parte possa praticar o acto nessas circunstâncias”.
Diz-se ainda no acórdão desta Relação de 14/12/2017 (cuja relatora é a mesma do de 30/1/2014), sempre na referida linha de raciocínio:
Admitindo o n.º 5 do artigo 24.º da Lei n.º 34/2004 o início do prazo interrompido a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação ou a partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono, não se vê fundamento para impedir a parte da prática do acto no decurso da interrupção do respectivo prazo só pelo facto de o fazer por meio de mandatário judicial.
Se indeferido o pedido de nomeação de patrono a parte beneficia de novo prazo para a prática do acto, que, em caso de patrocínio obrigatório, terá de fazer através de advogado que constitua, qual a razão para lhe ser vedado esse direito antes de verificado esse pressuposto, tanto mais que lhe assiste o direito de, a qualquer momento, escolher advogado para o representar?
E não se diga, como sustenta o acórdão da Relação de Lisboa de 17.12.2008 [referido supra e perfilhado na decisão recorrida] que “…admitir essa interrupção seria pugnar ostensivamente pela violação do princípio da igualdade, consagrado constitucionalmente, bem como na lei processual civil, porquanto seria admitir que qualquer cidadão que, no decurso de uma acção requeresse apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono e, a posteriori, constituísse mandatário nos autos, teria um prazo acrescido de exercício do seu direito em relação aos demais cidadãos que, desde o início da acção, constituíssem mandatário”, pois a violação do princípio da igualdade só ocorre quando se comparam realidades iguais, e não, como no caso, se confrontam realidades distintas.
Considerar que “…não pode o demandado usar o direito de requerer apoio judiciário apenas como forma de conseguir mais tempo para contestar” [esta referência de texto, conforme nota final aposta na peça, é feita para o acórdão desta Relação de 13/9/2011, também já por nós referenciado antes e no qual se perfilha a primeira orientação que referimos] para, com esse argumento lhe negar o direito de poder contestar através de mandatário constituído aproveitando a interrupção do prazo concedida pelo facto de haver requerido nomeação de patrono, é esquecer que esse objectivo fraudulento sempre poderia ser alcançado do mesmo modo, e a coberto da lei, na hipótese da parte, sem para tal ter fundamento, requerer apoio judiciário naquela modalidade para, através da interrupção do prazo para contestar decorrente de tal pedido, obter uma dilatação do mesmo, face à prerrogativa que a alínea b) do n.º 5 do artigo 24.º da Lei n.º 34/2004 lhe garante” (sublinhado nosso)
Como se afirma a propósito desta última situação no acórdão da Relação do Porto de 15.11.2011, já mencionado, “Nesta hipótese (…), não obstante a superior reprovabilidade de tal conduta, está fora do alcance a imposição de qualquer preclusão processual, que o legislador manifestamente não estabeleceu”.
Aderimos claramente a todos estes argumentos, que, por comodidade e com a devia vénia seguimos e transcrevemos, pois dificilmente diríamos algo mais que o que neles se diz e argumenta no sentido da orientação que perfilhamos.
Não se ignora que, ainda assim, pode acontecer que o requerente do apoio judiciário possa agir com intenção diferente da finalidade para a qual a lei lhe concedeu o benefício da interrupção do prazo, como bem se alerta no acórdão desta Relação de 8/10/2020 que acima se aludiu – todavia, como nesta peça também se refere, “nesses casos, enquanto não estiver expressamente prevista na lei a imposição de qualquer preclusão processual, como sucede actualmente, não pode o julgador retirar consequências não previstas expressamente na lei, sob pena de serem proferidas decisões não previsíveis”.
De resto, no caso vertente, não vemos qualquer indício de tal intenção “fraudulenta”: na verdade, o executado deduziu oposição a 8/6/2020, quando ainda estava pendente de decisão o seu pedido de apoio judiciário, e este só veio a ser decidido, e deferido, em 21/9/2020 [alínea h) supra], sendo que se quisesse prolongar o seu prazo para deduzir oposição bastaria esperar até esta data e assim usufruir de mais uns meses e dias para tal, pois só com ela, quer lhe fosse concedida ou não a nomeação de patrono, terminava a interrupção e começava novo prazo (nº 5 do art. 24º da Lei 34/2004).
Deste modo, tendo em conta que o prazo de 20 dias para dedução de oposição por parte do executado C… se interrompeu em 17/2/2020 (6 dias depois de ter sido citado) e que o mesmo continuava interrompido quando foi por si deduzida, em 8/6/2020 e subscrita pelo mandatário por si entretanto constituído, a oposição à execução, é de concluir, na sequência da orientação que se veio de analisar e perfilhar, que tal oposição é tempestiva.

Como tal, há que julgar procedente o recurso e, revogando a decisão recorrida, considerar tempestiva a oposição à execução e à penhora deduzida pelo Recorrente em 8/6/2020.
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Sumariando o decidido (art. 663 º nº7 do CPC):
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III – Decisão

Por tudo o exposto, acorda-se em julgar procedente o recurso e, revogando-se a decisão recorrida, considera-se tempestiva a oposição à execução e à penhora deduzida pelo ora Recorrente em 8/6/2020.
Sem custas.
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Porto, 7/6/2021
Mendes Coelho
Joaquim Moura
Ana Paula Amorim