Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
38/23.0T8PVZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL DOMINGOS FERNANDES
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RP2024031838/23.0T8PVZ.P1
Data do Acordão: 03/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMAÇÃO
Indicações Eventuais: 5.ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Ao estatuir-se no n.º 1 do art.º 498.º do Código Civil, que o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, a lei faz efetivo apelo para um dado intelectivo do titular do direito à indemnização–a tomada de consciência (em sentido amplo abrangendo, nessa medida, a consciência legal) do seu direito, ainda que desconheça a pessoa do responsável e a extensão integral dos danos sofridos.
II - Para que o lesado tenha conhecimento do direito que lhe compete e se inicie o prazo da prescrição, não basta a prática do facto danoso, é necessário que o lesado tenha conhecimento da prática desse facto, que conheça a sua existência enquanto tal, como causador dos danos sofridos, pois só nesse momento é que se torna conhecedor da existência dos factos que integram os pressupostos legais do direito de indemnização fundado na responsabilidade civil extracontratual (facto ilícito, culpa, dano e relação de causalidade entre o facto e o dano), sabendo que dispõe do direito à indemnização pelos danos que sofreu.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 38/23.0T8PVZ.P1-Apelação
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto-Juízo Local Cível da Póvoa de Varzim- J1


Relator: Des. Dr. Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Drª Fátima Andrade  
2º Adjunto Des. Drª. Anabela Mendes Morais



Sumário:
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I - RELATÓRIO

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

AA, residente na Rua .... ..., ..., ... Póvoa de Varzim, veio instaurar o presente processo comum de declaração, contra o Grupo A...–... da Póvoa de Varzim, com sede na Rua ..., Póvoa do Varzim e B... Companhia de Seguros, S.A., sede no Largo ..., Lisboa pedindo a condenação das Rés no pagamento:
a) Das despesas médicas e medicamentosas já efetuadas e a efetuar pela Autora para a sua completa recuperação, cujo montante não é possível apurar-se na presente data, pelo que deverão ser liquidadas em sede de execução de sentença;
b) A título de danos patrimoniais, na quantia de € 260,00 (duzentos e sessenta euros) acrescidas de outras despesas que entretanto se apuraram;
c) A título de lucros cessantes na quantia de € 5.400,00, (cinco mil e quatrocentos euros) correspondente aos valores que a A. deixou de receber por estar impossibilitada de trabalhar;
d) A titulo de danos patrimoniais futuros, computando-se os prejuízos económicos resultantes da sua incapacidade para o trabalho e outras despesas com o auxilio de terceiros que se computam em cerca de €10.000,00 (dez mil euros) ;
e) A titulo de danos não patrimoniais, onde se englobam o dano estético, o quantum doloris e o dano de afirmação pessoal, em valor nunca inferior a €15.00,00 (quinze mil euros) atenta a idade da Autora, as sequelas que permanecerão para o resto da sua vida.
f) da indemnização global no valor nunca inferior a €30.660,00 (trinta mil seiscentos e sessenta euros).
Para o efeito alega em resumo que no dia 13 de fevereiro de 2019, pelas 18 horas, ao dirigiu-se ao Hiper Mercado ... da Póvoa de Varzim, também conhecido por “ ...” conduzida pelo seu marido que estacionou o veículo automóvel no parque de estacionamento do lado nascente do referido Hiper Mercado.
Quando a saía do carro para se dirigir ao interior do Hiper Mercado, colocou o pé num buraco, que não estava sinalizado e torceu o pé, tendo sofrido em consequência disso danos patrimoniais e não patrimoniais.
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Citadas, as Rés vieram ambas invocar, além do mais, a exceção da prescrição do direito da Autora.
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Respondeu a Autora à exceção assim deduzida, alegando em resumo que o prazo da prescrição se iniciou em 04/05/2020, data em que foi notificada por carta datada de 25/05/2020–do encerramento dos tratamentos que havia iniciado com a seguradora. Só neste momento, em que as rés informam a autora de que não continuarão os tratamentos que resolveriam a sua questão de saúde é que teve conhecimento do direito que lhe compete.
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Conclusos os autos a Srª juiz do processo exarou despacho saneador sentença concluindo pela verificação da excepção da prescrição invocada pelas Rés absolvendo-as do pedido contra elas formulado.
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Não se conformando com o assim decidido veio o Autor interpor o presente recurso concluindo as suas alegações pela forma seguinte:
1. O presente recurso tem por objeto o despacho saneador sentença que conclui pela procedência da exceção perentória de prescrição do direito em relação às rés, absolvendo-as do pedido.
2. A recorrente entende que há uma série de factos que determinam e impõem a alteração da decisão da procedência da exceção perentória da prescrição pois, houve manifesto erro na apreciação da prova e erro de apreciação jurídica da mesma.
3. Ao partir de premissa errada, o douto tribunal a quo no parágrafo 11º da secção – Da prescrição do direito da autora, molda o seu raciocínio logico jurídico, por esta convicção errónea, de que, o momento em que se inicia contagem do prazo de três anos estabelecido no art. 498º, nº 1 do CC, se inicia na data do próprio acidente!
4. Ora atentando o teor do nº 1 do art. 498º do Código Civil, verifica-se que o mesmo não estabelece um evento objetivo como início de contagem do prazo de prescrição, até porque estamos perante uma prescrição de curto prazo que merece uma tutela mais apertada e subjetiva do conhecimento e verificação dos pressupostos de preenchimento da responsabilidade civil.
5. Se, a contagem do prazo do direito se iniciasse a partir da data do acidente–facto jurídico objetivo–o legislador não determinava que o prazo se conta a partir do conhecimento do direito que lhe compete (ao lesado) e isto por duas ordens de razão, a primeira, porque estamos no âmbito de um prazo prescricional curto e por isso menos protetor do lesado e depois, porque o próprio legislador remeteu o inicio da contagem do prazo para um facto subjetivo–o momento em que teve conhecimento e não a produção do evento.
6. O prazo para a prescrição começa a correr não do momento e que o direito foi violado, mas daquele em que se podia exercer a sua tutela.
7. A possibilidade de exercício do direito relevante para determinar o momento, a partir do qual, começa a correr a prescrição é a possibilidade legal e não a mera possibilidade de facto.
8. Ou seja, o legislador intencionalmente não fixou como momento relevante para o início do prazo de contagem dos três anos de prescrição, a possibilidade de facto – o momento do acidente; mas sim a possibilidade legal, quando se concretiza o dano, que pode ou não ser no momento do acidente.
9. Na verdade, quando a Autora caiu, a primeira Ré assumiu a responsabilidade e disponibilizou-se para reparar os danos, pelo que a A. naquela data–13/02/2019–não se tinham verificado os pressupostos da responsabilidade civil, pois apesar de se ter verificado um evento potencialmente gerador de responsabilidade civil, ainda não havia o dano. Até porque, a Autora podia ficar curada, sem necessidade de qualquer tratamento e sem que se verificassem os pressupostos legais que permitem o lesado recorrer ao instituto da responsabilidade civil.
10. Na responsabilidade civil extracontratual o início do prazo da prescrição não se conta da data do facto ilícito, mas da data do conhecimento do dano quando este se revela ou é conhecido depois do período de tratamento e internamento hospitalar do mesmo lesado.
11. Neste sentido, atente-se ao Acórdão da Relação do Porto de 22.11.2001, proferido no proc. nº 0121155, Relator, Des. Luís Antas Barros, publicado no site www.dgsi.pt : a. “para efeitos de prescrição do direito de indemnização (in casu, perda de águas de rega), só após se constatar que as águas eram irrecuperáveis, depois de verificada a falta de reintegração de um direito componente do de propriedade invocado, é que se deve considerar que os "lesados" tiveram conhecimento de tal direito e só então se inicia o respetivo prazo prescricional.
12. Também, na mesma senda, o aresto do Tribunal da Relação do Porto, no processo nº 5063/18.0T8MTS, de 11/02/2021, considerou que: a. “ I- O prazo de prescrição do direito de indemnização fundado na responsabilidade civil extracontratual inicia-se com o conhecimento pelo lesado do direito que lhe compete (artº. 498.º, n.º 1 do Código Civil).
b. II - O critério estabelecido no artº. 306.º, n.º 1 do Código Civil de que o prazo prescricional começa a correr quando o direito puder ser exercido, tem carácter supletivo e, como tal, não prevalece sobre o regime especial expressamente previsto no mencionado artº. 498.º, nº. 1 do Código Civil, no que concerne ao início da contagem do prazo prescricional.
c. III - Quando se determina que o prazo de prescrição se conta do momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito, quer significar-se que tal prazo é contado a partir da data em que o lesado, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito a indemnização pelos danos que sofreu, e não da consciência da possibilidade legal do ressarcimento.”
13. A recorrente apenas teve conhecimento do seu direito quando, lhe foi comunicada o fim do tratamento, ou seja, quando as Rés a consideraram curada, só nesta data, a data da alta clinica, é que se verificou o conhecimento da Recorrente de que teria direito a lançar mão a ação de responsabilidade civil.
14. O Porf. Vaz Serra, in RLJ 107, pág. 296 em anotação ao Acórdão do STJ de 27.11.1973, segundo o qual também, “ o prazo de prescrição a que se refere o nº 1 do art. 498.º do CC, conta-se a partir do conhecimento pelo titular do respetivo direito, dos pressupostos que condicionam a responsabilidade e não da consciência da possibilidade legal do ressarcimento, refere que não se afigura suficiente o conhecimento de tais pressupostos, sendo ainda preciso que o lesado tenha conhecimento do direito que lhe compete, como expressamente diz a lei: se ele conhece a verificação dos pressupostos da responsabilidade do lesante, mas não sabe que tem direito a indemnização, não começa a correr o prazo de prescrição curto prazo.”
15. E ainda, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Relator, o Conselheiro Abrantes Geraldes, de 23.06.2016 in www.jusnet.pt.; “ Em conformidade, esse conhecimento reporta-se não só á consciência da possibilidade legal de formulação do pedido de condenação, nem á comprovação da ilicitude da atuação, mas ao conhecimento da generalidade de pressupostos de facto do direito de indemnização.”
16. Ou seja, a especialidade das prescrições trianuais reside na adoção do esquema subjetivo, pois, elas só começam a correr com o conhecimento, pelo credor, do seu direito ou, pelo menos, de certos elementos essenciais do seu direito.
17. Quando a Recorrente caiu no parque de estacionamento do ... na Póvoa de Varzim, acionou o respetivo seguro com o intuito de se tratar, de voltar ao statu quo ante e não de ser ressarcida pelos danos causados pelo acidente de que foi vitima.
18. Não estavam ainda verificados os pressupostos da responsabilidade cívil, não havia dano, que apenas se concretizou, quando a recorrente teve conhecimento do seu direito de indemnização – que ocorreu em 04 de maio de 2020.
19. Foi nesta data que se verificaram os pressupostos de conhecimento previstos no nº 1 do art. 489.º do Código Civil e não como erroneamente considerou o douto Tribunal a quo, na data do acidente!
20. Mal andou o Tribunal recorrido ao considerar procedente a exceção da prescrição e declarar prescrito o direito da recorrente, estribando-se no erro de contagem de prazo, violando o art. 306.º e nº 1 do art. 498.º ambos do Código Civil.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Corridos os vistos legais cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do C.P.Civil.
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No seguimento desta orientação é apenas uma a questão que importa apreciar e decidir:
a)- saber se ocorreu, ou não, o prazo prescricional do direito indemnizatório exercido pelo Autor na presente acção.
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
O tribunal recorrido deu como assentes os seguintes factos:
1. A autora intentou a presente ação em 06 de janeiro de 2023.
2. A autora alegou na petição inicial que “No dia 13 de fevereiro de 2019, pelas 18 horas, a Autora dirigiu-se ao HiperMercado ... da Póvoa de Varzim, também conhecido por “...” conduzida pelo seu marido que estacionou o veículo automóvel no parque de estacionamento do lado nascente do referido Hiper Mercado”.
3. A autora alegou na petição inicial que “Quando a Autora saiu do carro para se dirigir ao interior do HiperMercado, colocou o pé num buraco, que não estava sinalizado e torceu o pé”.
4. A 1ª ré foi citada em 13 de janeiro de 2023.
5. A 2ª ré foi citada em 11 de janeiro de 2023.
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III. O DIREITO
         Como supra se referiu é apenas uma a questão que importa apreciar e decidir:
a)- saber se ocorreu, ou não, o prazo prescricional do direito indemnizatório exercido pelo Autor na presente acção.

O tribunal propendeu, como emerge da respectiva decisão, para o entendimento de que, efectivamente, se verificava a prescrição do referido direito indemnizatório.
Deste entendimento dissente a Autora recorrente.
Vejamos, então, de que lado está a razão.
Antes de mais, importa começar por dizer que o instituto da prescrição tem o seu fundamento, como decorre dos ensinamentos do Mestre Manuel A. Domingues de Andrade[1], “na negligência do titular do direito em exercitá-lo durante o período de tempo indicado na lei. Negligência que faz presumir ter ele querido renunciar ao direito, ou pelo menos o torna (o titular) indigno de proteção jurídica (dormientibus non succurrit jus )”.
Já para António Menezes Cordeiro, são dois os fundamentos do instituto da prescrição:-fundamento atinente ao devedor, e de ordem geral. Quanto ao primeiro “a prescrição visa, essencialmente, relevá-lo de prova” e, quanto ao segundo ele “ (…) relevaria de razões atinentes à paz jurídica e à segurança”.[2]
Definindo-a, diz o Mestre João de Castro Mentes[3], que “a prescrição é a atribuição a uma pessoa, em face da qual correu um decurso de tempo de inacção dum seu credor, ou de posse do bem, do direito de invocar a seu favor esse decurso para considerar extinta a dívida ou transformada a posse em propriedade”.
Isto dito dito, na primeira, segunda, terceira e quarta conclusões o Autor recorrente sustenta que o pedido de indemnização formulado na presente acção tem subjacente a prática de factos que consubstanciam o ilícito criminal da falsificação de documentos, acrescentando que o artigo 498.º, n.º 3 do Código Civil prevê que, nesse caso, o prazo de prescrição aplicável seria o previsto para o referido ilícito criminal que, afirma, seria de 10 anos.
Dúvidas não existem, nem isso vem questionado no recurso, que tal como a acção vem estruturada na petição inicial o seu fundamento radica da responsabilidade extracontratual ou por factos ilícitos (artigos 483.º e ss. do CCivil)
E, por assim ser, estatuiu nº 1 do artigo 498.º do referido diploma legal que “o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso”.
Resulta deste inciso que o prazo de prescrição, se conta desde o início, em que o lesado tomou conhecimento dos factos integradores do seu direito, ainda que possa não conhecer a pessoa responsável e extensão integral dos seus danos.
A justificação para esse encurtamento do prazo de prescrição encontra-se na própria natureza das acções judiciais destinadas a obter a condenação dos responsáveis pelo facto ilícito na satisfação do direito à indemnização dos lesados, uma vez que estas acções estão dependentes, sobretudo, da produção de prova testemunhal, que, com o decorrer do tempo, vai perdendo a sua credibilidade.[4]
O legislador pretendeu, assim, aproximar o mais possível a data da instauração da acção judicial de responsabilidade civil extracontratual do momento em que se verificam todos os pressupostos desta forma de responsabilidade civil.
Neste sentido e como refere o Professor Antunes Varela[5], o prazo é contado desde o “momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito, ou seja, a partir da data em que ele, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito à indemnização pelos danos que sofreu”.
Essa clara intenção do legislador de aproximar a data da instauração da acção da data em que o lesado tomou conhecimento da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil é também notória na pouca relevância que é dada ao conhecimento da total extensão dos danos e da identidade do autor da lesão para o início da contagem do prazo prescricional.
De acordo com a letra da lei, o prazo de prescrição conta-se “da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete”, mesmo que desconheça a pessoa responsável ou a extensão integral dos danos.
De resto e a propósito da extensão integral dos danos, o Professor Vaz Serra[6], sustenta que se deve distinguir entre “o dano que se vai produzindo no tempo (ao lesado é causado um dano cujos efeitos se prolongam por um tempo mais ou menos longo) e pode ser desde já calculado” e o dano novo que acresce ao dano primitivo, isto é, o dano que não era previsível que viesse a surgir como decorrência do já existente. Assim que o lesado tivesse conhecimento deste dano novo, correria um outro prazo de prescrição”.
A jurisprudência dominante de que constitui exemplo, entre muitos outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18 de Abril de 2002[7], tem seguido o entendimento de que “(…) o lesado tem conhecimento do direito que invoca-para o efeito do início da contagem do prazo de prescrição-quando se mostra detentor dos elementos que integram a responsabilidade civil, ou melhor, “o início da contagem do prazo especial de três anos não está dependente do conhecimento jurídico, pelo lesado, do respectivo direito, antes supondo, apenas, que o lesado conheça os factos constitutivos desse direito, isto é, saiba que o ato foi praticado ou omitido por alguém-saiba ou não do seu carácter ilícito-e dessa prática ou omissão resultaram para si danos”.
Portanto, o início da contagem do prazo de prescrição depende, unicamente, do conhecimento empírico da verificação de um facto ilícito culposo causador de danos, e não de um conhecimento jurídico, o que obrigaria todos os cidadãos a ser juristas, ou de um reconhecimento judicial, que só iria atrasar, indefinidamente, o início da contagem do prazo de prescrição.
Evidentemente que se o lesado não tiver conhecimento do seu direito à indemnização não poderá, na prática, exercê-lo.    
Assim sendo, há que considerar que a lei faz efetivo apelo para um dado intelectivo do titular do direito à indemnização–a tomada de consciência (em sentido amplo abrangendo, nessa medida, a consciência legal) do seu direito.[8]
Portanto, o prazo de prescrição fixado no art.º 498.º, n.º 1, do CCivil, ao contar-se da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, poderá não coincidir necessariamente, neste caso concreto, com o momento do acidente de que a apelante foi vítima.
Isto dito, no caso presente, a apelante, na petição inicial, alegou, sob este conspecto, o seguinte:
“1. No dia 13 de fevereiro de 2019, pelas 18 horas, a Autora dirigiu-se ao Hiper Mercado ... da Póvoa de Varzim, também conhecido por “...” conduzida pelo seu marido que estacionou o veículo automóvel no parque de estacionamento do lado nascente do referido Hiper Mercado.
2. Quando a Autora saiu do carro para se dirigir ao interior do Hiper Mercado, colocou o pé num buraco, que não estava sinalizado e torceu o pé, conforme foto que se anexa como Doc. 1.
3. De imediato, desequilibrou-se, deu um grito com as dores lancinantes que sentiu pelo corpo acima e caiu batendo com o joelho e mão direita no chão de asfalto.
4. Como consequência direta da queda abrupta, a Autora além de torcer o tornozelo, também esfacelou o joelho e punho direito, bem como a mão direita.
5. A Autora não se conseguiu mais segurar em pé, nem se aguentava de dores, pelo que foi chamada o 112 que a transportou para o Hospital da Póvoa de Varzim.
(…)
7. A Autora sofreu um traumatismo em inversão do tornozelo e pé direito, joelho direito e mão direita, conforme se pode verificar pelo teor das fotos que se anexam como Doc. 3, 4 e 5”.
Perante esta factualidade, torna-se evidente, que a apelante se encontrava em estado de consciência, após o acidente determinado pelas lesões sofridas com o mesmo (danos), que lhe possibilitava conhecer, logo no dia da sua ocorrência, o direito que pretende fazer valer através da presente ação, ou seja, na data do acidente a apelante adquiriu formalmente, o direito que se propõem exercer, não existindo qualquer impedimento legal à formulação de pedido de indemnização com esse fundamento.
Em sede de resposta à exceção alega a recorrente que o prazo da prescrição se iniciou em 04 de maio de 2020, data em que foi notificada do encerramento dos tratamentos que havia iniciado com a seguradora, alegando que até essa data não tinha conhecimento do direito que lhe assistia.
Todavia, como já supra se referiu e resulta do preceituado do acima transcrito nº 1 do artigo 498.º do CCivil, não é indispensável conhecer a extensão integral do dano e, por assim ser, não se pode fazer coincidir o conhecimento do direito com o conhecimento integral dos danos.
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No caso concreto, de acordo com a versão apresentada pela autora, o acidente ocorreu em 13/02/2019.
Deste modo, se inexistisse qualquer causa de suspensão ou interrupção, a prescrição do direito ocorreria a 13/02/2022, atento o prazo de 3 anos previsto no artigo 498.º, n.º 1 do C. Civil.
Sucede que, os prazos de prescrição estiveram suspensos entre as datas de 09/03/2020 e de 03/06/2020 e novamente entre 22/01/2021 e 05/04/2021, por imposição da Lei n.º 1-A/2020, de 19-03, na sua versão originária e na versão decorrente das alterações operadas pela Lei n.º 4-B/2021, de 01-02, computando num total de 161 dias de suspensão, pelo que a prescrição do direito da autora ocorreu a 25/07/2022.
Deste modo, quando a apelante instaurou a presente a ação, a 06/01/2023, já se mostrava prescrito o seu direito.
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Improcedem, assim, as conclusões 1ª e 20ª formuladas pela Autora recorrente e, com elas, o respectivo recurso.
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IV-DECISÃO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação interposta improcedente por não provada e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
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Custas da apelação pela Autora apelante (artigo 527.º, nº 1 do CPCivil).




Porto, 18/3/2024.
Manuel Domingos Fernandes
Fátima Andrade  
Anabela Mendes Morais  
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[1] In Teoria Geral da Relação Jurídica, Facto Jurídico, em especial Negócio Jurídico, vol. II, Coimbra, 1983, págs. 445 e 446.
[2] In Tratado de Direito Civil, vol. V, 2011 (reimpressão), Almedina, Coimbra, Almedina, 159 e segs.
[3] In Direito Civil, III, 1979, Lições dadas ao ano de 1978-1979, pág. 794.
[4] Nesse sentido, vide Professor Vaz Serra1, in “Prescrição do Direito de Indemnização”, Boletim do Ministério da Justiça n.º 87, junho de 1959, pág. 37: “A razão está em que os elementos da responsabilidade civil, e, sobretudo, o dano, têm, em regra, de ser provados com testemunhas e, passado longo tempo sobre o facto ilícito, pode ser muito difícil apurar devidamente os factos. Convém, pois, que o prazo de prescrição seja curto.” No mesmo sentido, vide, igualmente, Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 10.ª ed., Almedina, Coimbra, 2006, p. 625 e seguintes.
[5] Obra citada pág. 626.
[6] Obra citada pág. 43 e ss.
[7] Processo nº 02B950 in www.dgsi.pt..
[8] Em anotação ao Acórdão do STJ acima citado e contrariando a tese nele defendida Vaz Serra defende que “Para que comece a correr o prazo curto da prescrição, é pois, de exigir o conhecimento pelo lesado, de que é juridicamente fundado o direito à indemnização, dado que “quem não tem esse conhecimento não sabe se pode exigir a indemnização, não se achando, portanto em condições que constituem a razão de ser da prescrição de curto prazo”- RLJ 107, pág. 300.