Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
17359/17.3T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EUGÉNIA CUNHA
Descritores: INTERMEDIÁRIO FINANCEIRO
VIOLAÇÃO DO DEVER DE INFORMAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
Nº do Documento: RP2022092617359/17.3T8PRT.P1
Data do Acordão: 09/26/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Baseando-se o pedido de reapreciação da prova em elementos de características subjetivas - como a prova testemunhal e declarações de parte - o tribunal de 2.ª instância só deve alterar a decisão da matéria de facto relativamente a matéria incorporada em registos fonográficos quando se convença, com base em elementos lógicos ou objetivos, que houve erro na 1.ª instância;
II - Bem decidida a matéria de facto e dependendo a reapreciação da matéria de direito do recurso da procedência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, prejudicado fica o seu conhecimento (nº2, do artigo 608º, ex vi da parte final, do nº2, do art. 663º, e, ainda, do nº6, deste artigo, ambos do CPC), bem se tendo concluído pela responsabilidade contratual do banco, intermediário financeiro, pelos danos por ele causados ao Autor, decorrentes da violação ilícita e culposa (com negligência grosseira) do dever de o informar.
III - E nunca pode deixar de se considerar estabelecido o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, do cliente/investidor, nas situações em que este logre fazer a prova de que a prestação da devida informação o levaria a não tomar a decisão de investir, o caso.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: 50

Apelação nº 17359/17.3T8PRT.P1
Processo da 5ª secção do Tribunal da Relação do Porto (3ª Secção cível)
Tribunal de origem do recurso: Juízo Central Cível do Porto - Juiz 6

Relatora: Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha
1º Adjunto: Maria Fernanda Fernandes de Almeida
2º Adjunto: Teresa Fonseca

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto

Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC):
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I. RELATÓRIO

Recorrente: Banco 1..., S. A
Recorrido: AA

AA intentou contra Banco 1..., S. A. ação declarativa de condenação, com forma de processo comum, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a importância de €50.000,00 (Cinquenta mil euros), de capital, acrescida dos juros desde a data do não ocorrido resgate, vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento, à taxa supletiva dos juros comerciais em vigor, e a quantia de €7.500,00 (sete mil e quinhentos euros) pelos danos morais por si sofridos, igualmente acrescida de juros moratórios desde a citação até efetivo pagamento.
Subsidiariamente, para o caso de assim se não entender, pede que seja declarado nulo e de nenhum efeito o contrato de adesão em que o R. invoque para ter aplicado os €50.000,00 que o A. lhe entregou, em obrigações subordinadas ..., por violação do dever de informação, com as legais consequências, a que acresce o pagamento de juros moratórios devidos sobre o capital desde a data da citação até ao efetivo e total pagamento, com as legais consequências.
Alega, para tanto e em síntese, que foi apresentada ao A. uma aplicação financeira como sendo em tudo igual a um depósito a prazo, mas com muito melhor rentabilidade e com o capital 100% assegurado, mas que o seu dinheiro foi aplicado em Obrigações Subordinadas, quando lhe foi dito que as obrigações eram um empréstimo, funcionando em termos práticos como um depósito a prazo sem as formalidades deste, e que jamais teria aceite investir nesta aplicação se soubesse que corria risco de ficar sem o seu dinheiro, que não tinha capital 100% garantido e que a aplicação não revestia características semelhantes às de um depósito a prazo.
Contestou a Ré defendendo-se por impugnação, ao negar factos invocados pelo Autor e ao referir que funcionário da ré prestou ao autor os esclarecimentos e informações do produto, e por exceção, ao invocar a prescrição, porquanto não havendo dolo, ou culpa grave do Banco Réu, sempre será aplicável o prescrito no art. 324º, do Código dos Valores Mobiliários, que estatui que “a responsabilidade do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo nessa qualidade prescreve em dois anos”.
Respondeu o A. pugnando como na petição inicial.
No despacho saneador, foi relegado o conhecimento da exceção da prescrição para decisão final.
Procedeu-se à audiência final, com a observância das formalidades legais.
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Foi proferida sentença com a seguinte parte dispositiva:
a) Julga-se parcialmente procedente a presente acção intentada pelo A., AA e condena-se a R., Banco 1..., S. A., a pagar àquele o montante de €50.000,00 (cinquenta mil euros), acrescido de juros de mora cíveis, contados desde a data em que devia ter ocorrido o resgate do produto até efectivo e integral pagamento.
b) Julga-se improcedente o remanescente do pedido e dele se absolve a R..
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Custas por A e R. na proporção do vencimento e decaimento”.
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Apresentou o Banco Réu recurso de apelação, pugnando por que seja alterada a decisão sobre a matéria de facto e revogada a decisão recorrida, absolvendo-se o Recorrente do pedido deduzido pelo Autor, com base nas seguintes
CONCLUSÕES:
I. O Banco Recorrente não pode concordar com a matéria de facto dada como provada descrita nos pontos 10, 27, 28 e 36, devendo estes factos passar a ter a seguinte redacção:
10) Foi explicado ao A. que o produto em causa se tratavam de obrigações subordinadas, sendo explicado que, em caso de incumprimento do seu pagamento, o subscritor receberia depois de todos os credores à excepção dos accionistas.
27) Foi explicado que a entidade emissora desta aplicação financeira era a S..., empresa que era dona do Banco.
28) Não provado.
36) Não provado.
II.A modificação da matéria de facto impõe-se pelo depoimento da testemunha BB (ficheiro 20220110143035_14992833_2871443) nos trechos acima indicados, conjugados com a análise dos documentos: nota informativa do produto, nota interna sobre o produto e argumentário de venda do produto.
III. Entende o Banco Recorrente não ter sido prestada qualquer garantia do banco relativamente ao reembolso do produto em causa.
IV. Ora caindo esta prestação de garantia, cairá também a responsabilidade do Banco Recorrente.
V. A putativa desconformidade entre o comportamento exigido ao Réu e o seu comportamento verificado teria que ver com a circunstância do funcionário do Banco Réu ter assegurado aos Autores (conforme ele próprio estava convencido) que a aplicação financeira era um produto sem risco e com capital garantido, não transmitindo a característica da subordinação ou a possibilidade de insolvência da emitente, configura a prestação de uma informação falsa.
VI. Porém, tal realidade não configura qualquer violação do dever de informação por prestação de informação falsa.
VII. O único risco que percebemos existir na emissão obrigacionista em causa é exactamente o relativo ao cumprimento da obrigação de reembolso.
VIII. Este risco corresponde ao incumprimento da prestação principal da entidade emitente! Ou seja, corresponde ao chamado RISCO GERAL DE INCUMPRIMENTO!
IX. A possibilidade deste incumprimento não corresponde a qualquer especial risco inerente ao modo de funcionamento endógeno do instrumento financeiro... antes corresponde ao normal e universal risco comum a todos, repete-se... a todos, os contratos!
X. Do incumprimento da obrigação de reembolso da entidade emitente, em 2014, não podemos, sem mais, retirar que esse o risco dessa eventualidade fosse relevante – sequer concebível, à excepção de ser uma mera hipótese académica -, em 2008!
XI.A S... era titular de 100% do capital social do Banco-R., exercendo, por isso o domínio total sobre este.
XII. O risco associado ao reembolso das Obrigações correspondia, então ao risco de solvabilidade da S....
XIII. E sendo esta totalmente dominante do Banco-R., então este risco de solvência, corresponderia, grosso modo, ao risco de solvabilidade do próprio Banco!
XIV. A segurança da subscrição de Obrigações emitidas pela S... seria correspondente à segurança de um Depósito a Prazo no Banco 2....
XV. O risco Banco 2... ou risco S..., da perspectiva da insolvência era também equivalente!
XVI. A única diferença consistiu no facto do Banco ter sido resgatado através da sua nacionalização, numa decisão puramente política e alicerçada num regime aprovado propositadamente para atender a essa situação e não em qualquer quadro legal previamente estabelecido.
XVII. A menção do dito risco praticamente inexistente, como de resto do capital garantido, não pode senão ser entendida no contexto da atribuição de uma segurança acima da média ao produto, de confiança no normal cumprimento de todas as obrigações da emitente, sustentada em factos e juízo objectivamente razoáveis e previsíveis.
XVIII. A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação…
XIX.A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do titulo e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido!
XX.A este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses – www.todoscontam.pt! descreve as características de produtos financeiros, entre os quais as Obrigações, e explica a garantia de capital, exactamente nos termos que vimos de expor.
XXI. Ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá afirmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave!
XXII. O Banco limitou-se a informar esta característica do produto, não sendo sua obrigações assegurar-se de que o cliente compreendeu a afirmação.
XXIII. A interpretação das menções “sem risco” ou de “capital garantido” não é susceptível de ser feita apenas com recurso à impressão do destinatário, nos termos do previsto no artº 236º do CCiv. uma vez que esta disposição aplica-se, apenas e só, às declarações negociais.
XXIV. A comercialização por intermediário financeiro de produto com a indicação de que o mesmo tem “capital garantido” não implica a corresponsabilização do referido intermediário pelo prejuízo decorrente da falta de reembolso por parte da entidade emitente.
XXV. O dever de informação ao cliente, não se trata de um direito absoluto do cliente à prestação de informações exactas, mas apenas de um dever de esforço sério de recolha de informações o mais fiáveis possível pelo banco.
XXVI. O grau de exactidão em relação às informações será variável, consoante o tipo de informação em causa.
XXVII. No caso dos presentes autos, ficou demonstrado, e foi assumido pelos Autores, que era do seu interesse e vontade investir em produtos de com boa rentabilidade e de elevada segurança.
XXVIII. Apesar de os autores não serem investidores com especiais conhecimentos técnicos na área financeira o risco do produto em causa nos presentes autos era, pelas razões já várias vezes repetidas, baixo uma vez que nada fazia antever qualquer dificuldade futura do emitente.
XXIX. Assim, não pode o Banco Recorrente senão concluir que foram salvaguardados os legítimos interesses do cliente.
XXX. Resultou demonstrado que os funcionários, mais concretamente o funcionário que o colocou, sempre acreditaram - até praticamente ao momento do incumprimento - que se tratava de produto seguro e se preocupavam com os interesses dos clientes.
XXXI. Dispunha sobre esta matéria o artigo 304º do CdVM no sentido de que os intermediários financeiros estão obrigados a orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado, devendo conformar a sua actividade aos ditames da boa-fé, agindo de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.
XXXII. E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o art. 312º nº 1 alínea a) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”.
XXXIII. Tal redacção refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução.
XXXIV. Tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si!
XXXV.A informação quanto ao risco dos instrumentos financeiros propriamente dito apenas veio a ser exigida prestar aos intermediários financeiros com o D.L. 357-A/2007 de 31/10, que aditou o art. 312º-E nº 1, passando a obrigar o intermediário financeiro a informar o cliente sobre os riscos do Tipo de instrumento financeiro em causa.
XXXVI. O legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, afirmou claramente o que se devia entender por risco do tipo do instrumento financeiro em causa nas quatro alíneas do nº 2 do art. 312º-E.
XXXVII. São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação, mesmo na actual redacção do CdVM.
XXXVIII. A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento.
XXXIX. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo.
XL. O investimento em causa foi feito em Obrigações não estando sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do titulo (de “capital garantido”), acrescido da respectiva rentabilidade.
XLI. Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso, pois que nunca resultaria do mecanismo interno do instrumento em causa!
XLII. A informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito SE E SÓ SE tais riscos de facto existirem!
XLIII. Em lado algum da lei resulta estar o intermediário financeiro obrigado a analisar ou avaliar a robustez financeira do emitente na actividade de intermediação financeira de recepção e transmissão de ordens.
XLIV. E também em lado nenhum da lei resulta a obrigação de prevenir o investidor acerca das hipóteses de incumprimento das obrigações assumidas pelo emitente do instrumento financeiro ou até da probabilidade de insolvência do mesmo!
XLV. Esse hipotético incumprimento tem que ver com as qualidades ou circunstâncias do emitente (ou obrigado) do instrumento financeiro e não com o tipo do instrumento financeiro, conforme referido no art. 312º-E nº 1 do CdVM, que é expressão que aponta claramente para uma objectivização do risco em função do próprio instrumento de investimento e não para uma subjectivação em função do emitente!
XLVI. O artigo 312º, alínea e) do CdVM refere-se apenas aos riscos da actividade dos serviços de intermediação financeira. Os deveres de transparência, lealdade e defesa dos interesses do investidor que sobre o intermediário financeiro impendem, obrigam apenas à informação sobre os riscos endógenos ao mecanismo de funcionamento do concreto instrumento financeiro, não abrangendo o risco geral de incumprimento das obrigações. Neste sentido não estava o intermediário financeiro obrigado a informar especificamente sobre o risco de insolvência da entidade emitente de determinado produto.
XLVII. Do elenco de factos provados não resultam factos provados suficientes que permitam estabelecer uma ligação entre a qualidade (ou falta dela) da informação fornecida aos AA. e o acto de subscrição.
XLVIII. A nossa lei consagra essa perfeita autonomia de cada um dos pressupostos ou requisitos da responsabilidade civil, apresentando-os e regulando-os de forma perfeitamente estanque.
XLIX. No que toca à causalidade não conseguimos sequer vislumbrar como passar da presunção de culpa – juízo de censura ético-jurídico sobre o agente do ilícito, e expressamente prevista na lei – à causalidade – nexo factual de associação de causa-efeito, como se de uma inevitabilidade se tratasse!
L. Do texto do art. 799º nº 1 do C.C. não resulta qualquer presunção de causalidade.
LI.E, de resto, nos termos do disposto no artº 344º do Código Civil, a inversão de ónus depende de presunção, ou outra previsão, expressa da lei!
LII. Se em abstracto, e de jure condendo até se pode, porventura e em tese, perceber esta interpretação para uma obrigação principal de um contrato – tendo por critério o interesse contratual posiSvo do credor -, não se justifica já quando estão em causa prestações acessórias do mesmo contrato.
LIII. Analisado o fim principal pretendido pelo contrato aqui em apreço – contrato de execução da actividade de intermediação financeira, de recepção e transmissão de ordens por conta de outrem -, parece-nos evidente que o mesmo se circunscreve à recepção e retransmissão de ordens de clientes – no caso os AA. É este o único conteúdo tipico e essencial do contrato e que é, portanto, susceptivel de o caracterizar.
LIV. Não é por um dever de prestar ser mais ou menos relevante para qualquer parte, ou até para o comércio jurídico em geral, que será quantificável como prestação principal ou prestação acessória de um contrato. Releva outrossim se o papel de uma tal prestação na economia do contrato se revela como o núcleo upico ou não do acordo contratual entre as partes.
LV. A única prestação principal neste contrato será a de recepção e transmissão de ordens do cliente.
LVI. Sendo uma obrigação acessória, a prestação de informação não estaria nunca, nem no entender do Prof. Menezes Cordeiro, ao abrigo da proclamada presunção de causalidade.
LVII. Estamos perante uma situação em que e configuram dois contratos distintos e autónomos entre si: por um lado, (i) um contrato de execução de intermediação financeira, e por outro, (ii) a contratação de um empréstimo obrigacionista do cliente a entidade terceira ao primeiro contrato!
LVIII. Neste caso, estaremos perante uma falta de resultado no âmbito da emissão obrigacionista e não do contrato de execução de intermediação financeira.
LIX.O contrato de intermediação financeira foi já cumprido no acto de subscrição, tendo-se esgotado nesse momento.
LX. É esta uma óbvia dificuldade: como pode a falta do resultado normativamente prefigurado de um contrato desencadear uma presunção de ilicitude, culpa e causalidade no âmbito de um outro contrato?
LXI.O juízo de verificação de causalidade mecânica, aritmética ou hipotética tem inevitavelmente de se fundar em factos concretos que permitam avaliar da referida probabilidade, e não apenas em juízos abstratos ou meras impressões do julgador!
LXII.A causalidade resume-se a uma avaliação de um dano hipotético apenas em casos em que esse dano não seja efectivo, como é o caso do citado dano da perda da chance! Em todos os restantes casos, o juízo deverá ser feito, não numa perspectiva probabilidade, mas sim de adequação entre uma causa e um efeito.
LXIII. No âmbito da responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem!
LXIV.O nexo causal sujeito a prova será necessariamente entre um concreto ilícito - uma concreta omissão ou falta de explicação de uma determinada informação - e um concreto dano (que não hipotético)!
LXV. Não basta afirmar-se genericamente que eles não foram informados do risco de insolvência ou da falta de liquidez das obrigações e que é essa causa do seu dano!
LXVI. Num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou.
LXVII. Num segundo momento é necessário provar que aquele concreto negócio produziu um dano.
LXVIII. E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objectiva ao tempo da lesão.
LXIX. E nada disto foi feito!
LXX. A origem do dano dos Recorrentes reside na incapacidade da S... em solver as suas obrigações, circunstância a que o Banco Recorrido é alheio!
LXXI. Conforme dispõe o art. 595º nº 1 alínea b) do Código Civil, a assunção de dívida pode verificar-se por contrato entre o novo devedor e o credor, com ou sem consentimento do antigo devedor. Acrescenta depois o n.º 2 que “em qualquer dos casos a transmissão só exonera o antigo devedor havendo declaração expressa do credor; de contrário, o antigo devedor responde solidariamente com o novo obrigado.”
LXXII. A assunção da dívida pode ser liberatória nos casos previstos na primeira parte do n.º 2 do art. 595º do CC. Isto é, dependendo de declaração expressa do credor, o devedor originário pode ficar dela exonerado, pela assunção da dívida por novo devedor. Ou então, como acontece na maioria dos casos, ser uma assunção cumulativa da dívida, em que devedor originário e novo devedor se obrigam simultaneamente, sendo ambos solidariamente responsáveis perante o credor.
LXXIII. Um dos indícios que pode apontar para a assunção cumulativa da dívida é o facto de, aquando da declaração do novo devedor, tanto o credor quanto o declarante terem conhecimento de que o devedor principal não estava em condições de pagar, uma vez que não se verifica a característica essencial da fiança, traduzida na esperança de que o devedor principal pagará ao fiador sub-rogado.
LXXIV. Não estaria certamente na mente do Banco Recorrente prescindir do direito de ficar sub-rogado nos direitos do credor, por qualquer pagamento que porventura fizesse em prol do emitente do papel comercial, se tivesse assumido a dívida deste.
LXXV. Essa assunção de dívida alheia como se fosse própria, não era inócua nas contas do Banco Réu
LXXVI. Não se vislumbra que o Recorrente pudesse ter qualquer interesse real, directo e objectivo próprio no cumprimento dessa obrigação pois, apesar de integrar o mesmo grupo, a aportação de capitais à S... em nada beneficiava o Réu Banco, sendo antes e apenas útil à cadeia hierárquica societária que estava a montante daquela.
LXXVII. Tratando-se de uma fiança, estaria a mesma sujeita à mesma forma exigida para a obrigação principal, nos termos do art. 628º do C.C.
LXXVIII.A garantia a, para ser válida, teria necessariamente que constar do documento de subscrição.
LXXIX. Não constando, mais não resta do que concluir que a mesma é NULA, nos termos do art. 220º do C.C.
LXXX. Os subscritores de valores mobiliários estão numa situação de paridade entre si, não sendo possível a emissão dos mesmos com características ou garantias diferentes, sob pena de traição da identidade da figura e violação do princípio par conditio creditorum ou princípio da igualdade dos credores.
LXXXI. Se o Banco Recorrente tivesse prestado qualquer garantia, ela não poderia ser privativa dos AA., mas teria isso sim que se estender à generalidade dos subscritores e, por isso, estar contida na nota informativa do papel comercial, figurando o aqui Recorrente como garante do reembolso, o que, tal qual resulta da nota informativa junta aos autos a fls., não sucedeu!
LXXXII. A declaração de uma garantia deve ser especifica e expressamente emitida, não sendo consentânea com declarações vagas e de sentido dúbio…
LXXXIII. Uma declaração negocial corresponde a uma vontade de uma parte em se vincular negocialmente de acordo com o teor dos termos da mesma.
LXXXIV. Claramente uma declaração negocial não resulta apenas da impressão do declaratário e do valor que lhe possa dar. Resulta antes de mais da vontade do declarante em se vincular negocialmente, o que não vislumbramos no caso!
LXXXV. Não foi feita a prova de que a declaração em causa - capital garantido - não fosse mais do que uma mera caracterização do produto - que até era!
LXXXVI. Falta, em suma, a prova de que o Banco, ou o seu funcionário em seu nome, se queria vincular a uma obrigação jurídica.
LXXXVII. Não havendo declaração negocial, bem ou mal emitida, não pode haver obrigação jurídica - seja ela qualquer for - de fonte contratual, pelo que não pode, em qualquer circunstância, entender-se que o Banco assumiu uma obrigação de reembolso ou que a afiançou
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Apresentou o autor contra-alegações a pugnar por que seja mantida a decisão recorrida dado bem ter sido considerada provada a matéria impugnada em face da prova produzida, designadamente do depoimento do Autor, e bem terem sido subsumidos os factos às normas jurídicas aplicáveis, concluindo, ainda, “Atendendo a que a matéria de facto respeitante a este pedido subsidiário – nº 41 da petição inicial – não se encontra expressamente contemplada nem nos factos provados nem nos não provados, constituindo assim uma omissão de pronúncia por parte do Tribunal a quo, desde já se invoca que deverá esta matéria de facto ser considerada provada, o que se invoca com fundamento no depoimento da testemunha BB, que declarou expressamente que “não havia qualquer negociação com o cliente no que toca às condições de contratação do produto, taxa de remuneração, prazo, montante mínimo e resgate antes do prazo de maturidade”, depoimento este corroborado nas declarações departe prestadas pelo A., pelo que deverá esta matéria ser adicionada aos factos provados”.
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Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.
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II. FUNDAMENTOS
- OBJETO DO RECURSO
Apontemos as questões objeto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Assim, as questões a decidir são as seguintes:
1. Da reapreciação da decisão da matéria de facto:
1.1. Da verificação do erro na apreciação da prova e da ampliação requerida pelo apelado;
2. Da reapreciação da decisão de mérito:
2.1. Da responsabilidade do intermediário financeiro por violação ilícita e culposa, com culpa grave, do dever de informar, causadora dos danos.
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II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
1. FACTOS PROVADOS
São os seguintes os factos considerados provados, com relevância, para a decisão (transcrição):
1) O A. foi cliente do extinto Banco 2... – ..., instituição bancária na qual era titular da conta de depósitos à ordem com o nº ..., na agência de Porto ....
2) Conta esta da qual constava como primeiro titular o seu pai – AA – e segundo titular, o ora A., CC.
3) Era funcionário da supra-referida agência do ex-Banco 2... o Sr. BB, seu gestor de conta, e pessoa com quem o A. contactava no tratamento de qualquer assunto com o banco, e em quem o A. depositava total confiança como profissional bancário.
4) Este supra-referido funcionário do extinto Banco 2..., em data que o A. não consegue apurar mas seguramente antes de 29 de Abril de 2008, falou com o ora A. dizendo-lhe que o banco tinha um produto financeiro muito bom, com alta taxa de rentabilidade e totalmente seguro para que o A. aplicasse o dinheiro que detinha à ordem na sua conta.
5) Pelo que o A. se deslocou à agência Porto ..., onde se encontrava sedeada a sua conta para falar com o seu gestor de conta, tal como este tinha solicitado, para lhe apresentar – segundo explicou - uma aplicação financeira em tudo igual a um depósito a prazo, mas com muito melhor rentabilidade, e, ademais, rentabilidade assegurada, com o capital 100% assegurado.
6) O referido funcionário além de lhe garantir que a aplicação era segura, sem nenhum risco de perda de capital também o informou que era uma aplicação de longo prazo, mais precisamente de 10 anos.
7) E aconselhou a sua subscrição referindo que, naquela altura, era a melhor forma de rentabilizar sem risco o dinheiro do A. disponível naquele momento.
8) O prazo de 10 anos não era impeditivo para o A. fazer tal aplicação desde que o capital fosse garantido no fim do prazo.
9) O A. detinha outros depósitos a prazo que poderiam cobrir eventuais necessidades inesperadas.
10) Em momento algum foi dito ao A. que a aplicação que estava a autorizar para a aplicação do seu dinheiro consistia em Obrigações Subordinadas, e muito menos o que significava tal realidade.
11) Foi-lhe dito que as obrigações eram um empréstimo, funcionando em termos práticos como um depósito a prazo, mas sem ter as formalidades de um depósito a prazo.
12) O referido empregado da sobredita agência do ex-Banco 2... garantiu assim ao A. que o produto em causa era em tudo semelhante a um depósito a prazo a dez anos, com resgate só no fim desse período, com capital 100% garantido, ou seja, sem qualquer risco de perda deste, com rentabilidade garantida, com uma taxa de juro bruta de 4,5% ao ano, até ao 10º semestre e depois disso indexada à Euribor a 6 meses mais, 1,75%.
13) Atenta a rentabilidade que lhe foi à altura garantida ser maior do que a de um vulgar depósito a prazo, a garantia dada de se tratar de uma aplicação com o capital 100% garantido, tudo isto acrescido ainda à confiança pessoal e profissional que depositava no sobredito empregado bem como na própria instituição bancária Banco 2... o A. anuiu em aplicar a quantia de €50.000,00 que detinha na sua sobredita conta à ordem para esta aplicação.
14) Assim em 28-04-2008 o A. solicitou a subscrição, no Banco 2... e por intervenção do seu sobredito funcionário, de €50.000,00 do produto designado de “...” tendo nessa altura assinado uma denominada “Comunicação de Cliente” que lhe foi exibida com vista à formalização da operação, conforme DOC. 1 junto com a p.i..
15) Mais tarde, em data não precisa, foi-lhe solicitado pelo funcionário já supra-referido, Sr. BB, a aposição de nova assinatura em nova “Comunicação de Cliente”, conforme DOC. 2 junto com a p.i.
16) O primeiro titular da referida conta era o pai do A., AA, sendo o A. o segundo titular, por razões meramente informáticas da escolha do banco, a titularidade das aplicações, extratos e correspondência era atribuída ao primeiro titular.
17) Atendendo a que foi o A. quem solicitou a sobredita aplicação foi pelo banco à altura solicitado ao A. e a seu pai uma série de assinaturas em documentos – “Comunicação de Cliente” – por forma a formalizar a titularidade da aplicação em nome do ora A. conforme DOC. 3 junto com a p.i...
18) Todavia, a verdade é que o A. não assinou, nem lhe foi dado a assinar nenhum Boletim de Subscrição, ou Boletim de Adesão nem qualquer folheto ou prospecto informativo sobre o produto que lhe foi apresentado e que veio a adquirir.
19) O período de subscrição das ditas obrigações decorreu para o Banco 2... entre os dias 11 e 22 de Outubro de 2004.
20) A subscrição posterior à data legalmente permitida pelo banco, supra referida, só era possível por endosso ou transmissão proveniente de quem já fosse obrigacionista.
21) O A. teria que ter aceitado tal endosso ou transmissão por parte do obrigacionista que “vendeu” ou cedeu/transmitiu as sobreditas obrigações, constando apenas do documento 1 (comunicação de cliente) “Efectuar a subscrição (endosso) no montante de €50.000,00 (cinquenta mil euros) do produto ...”.
22) Ao A. não foi explicado como e em que termos seria concretizada a tal “subscrição/endosso” tendo este ficado convencido que estava apenas a assinar, tal como lhe foi transmitido, a autorização para a formalização de uma aplicação.
23) O A. estava convencido que o seu dinheiro estava totalmente seguro, numa aplicação em tudo idêntica a um depósito a prazo e essa convicção foi reforçada uma vez que ia recebendo pontualmente os juros correspondentes à sobredita aplicação.
24) O A. não tem nenhum tipo de conhecimento técnico sobre aplicações financeiras, ou sobre produtos financeiros de risco do género de obrigações subordinadas.
25) Não lhe foi dado a ler ou a assinar antes de adquirir estas obrigações qualquer ficha informativa com as características essenciais desta aplicação/produto, mormente, onde constasse a explicação que se tratava de um investimento cujo retorno do capital não era garantido - tendo-lhe sido aliás sido afirmado o contrário pelo sobredito gestor de conta – bem como as rentabilidades, condições e prazos de resgate, possibilidade ou impossibilidade de transmissão a terceiros destas obrigações, e todas as demais características deste produto, mormente que em caso de insolvência da “entidade emissora”, apenas se pode verificar reembolso do capital sempre após os demais credores por dívida não subordinada, ou seja após a integral satisfação dos direitos dos credores principais, só sendo pago antes dos accionistas.
26) Não lhe foi assim previamente fornecido qualquer prospecto que apresentasse a informação detalhada sobre a emissão destas Obrigações, e, nomeadamente, os riscos associados a este “investimento”.
27) Não lhe foi dito nem explicado à altura que a entidade emissora desta aplicação financeira era a S... (e não o próprio Banco 2...) entidade esta que era totalmente desconhecida do A. e da qual nunca tinha sequer ouvido falar.
28) Se o sobredito funcionário bancário tivesse explicado ao A. que a aplicação “...” constituía um produto de risco, nomeadamente que não tinha o capital 100% garantido jamais este teria aceitado colocar nele as suas poupanças.
29) Foi distribuído pelo Banco 2... uma Nota Interna aos funcionários bancários, para uso exclusivo destes, onde consta na sua página 8 um “argumentário” que consistia na enunciação resumida das “razões” que deveriam ser “explicadas” aos clientes com a finalidade de melhor os convencer a aplicar o seu dinheiro nas obrigações “...”, conforme doc. 4 junto com a p.i..
30) Nele pode ler-se, entre o mais, que se trata de um produto de “capital garantido” e com “elevadas taxas de remuneração”, com “pagamento de juros periódico” e “taxa indexada, garantindo sempre condições acima do mercado”.
31) O Sr. Dr. DD, que foi diretor do Banco 2... entre os anos de 2005 até Novembro de 2008 e, seguidamente, administrador do Banco 2... (nomeado pela Banco 3..., de Novembro de 2008 a Abril de 2012), é autor de um e-mail interno (ou seja endereçado a quadros do Banco 2...), no qual apela ao recrutamento de clientes para este produto, e onde consta, entre o mais, o seguinte:
«Relembro que a S1..., é a maior acionista da S2... SGPS (31%) que, por sua vez detém 100%, do Banco 2..., ou seja, na prática estamos a “vender” o equivalente a um DP, com uma excelente taxa (...). Quando o cliente efectua um DP no Banco 2... está a comprar “risco” Banco 2.... Não vejo diferenças», conforme DOC. 5 junto com a p.i..
32) As ações representativas do capital social do Banco 2... – .... (Banco 2...) foram objeto de nacionalização, por força e nos termos do artigo 2º da Lei nº 62-A/2008, de 11 de novembro (Regime Jurídico da Apropriação Pública por Via de Nacionalização)
33) Os juros decorrentes da aludida aplicação foram pagos até 08.05.2015, o que sempre foi contribuindo e reforçando a convicção do A. que o seu capital investido sempre iria acabar por lhe ser entregue.
34) Estando o A. igualmente convicto que a entidade que desembolsava o dinheiro para pagamento dos juros era o próprio Banco 2... e, mais tarde, o Banco 1..., e não a S..., mais tarde G..., - entidades estas para si desconhecidas - convicção esta que manteve durante anos.
35) Todavia, não obstante o convencimento de que o seu dinheiro estava seguro o A. quando começou a ouvir que haveria problemas com o banco, através das notícias da comunicação social, manifestou a sua preocupação perante o ex-Banco 2..., actual Banco 1....
36) E por diversas vezes com o mesmo intuito falou com o seu gestor de conta Sr. BB que sempre lhe disse para não se preocupar que o seu dinheiro estava sempre garantido pelo banco.
37) Todavia, nem o ex-Banco 2..., atual Banco 1..., nem a G... iniciaram ou despoletaram qualquer procedimento em vista a que o A. pudesse reaver o seu dinheiro até à presente data.
38) No dia 30 de Março de 2012, foi assinado o contrato de compra e venda do Banco 2..., entre o Estado Português e o banco Banco 1...., na qual a Instituição de crédito aqui R. resultou assim da fusão ocorrida em 7 de Dezembro de 2012, por incorporação do Banco 1..., S. A. no ...., assumindo a designação social do primeiro e a personalidade jurídica do segundo.
39) Com a nacionalização do Banco 2... a S... SGPS S.A., anterior proprietária do Banco 2..., transformou-se no Grupo G... SGPS S.A., tratando-se todavia de uma mera alteração nominal da anterior entidade, a qual se manteve a mesma mas com o seu nome alterado para este último.
40) Por sua vez a sociedade G... SGPS S.A., sucessora da S2... SGPS S.A., foi declarada insolvente por sentença judicial datada de 29-06-2016.
41) O A. ficou preocupado com a possibilidade de não recuperar o dinheiro investido.
42) O A. subscreveu Unidades de Participação no Fundo de Investimento Imobiliário I... ou mesmo Obrigações de ....
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2. FACTOS NÃO PROVADOS
a) Os funcionários do Banco 2... – atual Banco 1... - que procederam à comercialização desta aplicação financeira – nomeadamente o Sr. BB - receberam instruções concretas e específicas dos seus superiores hierárquicos para serem “agressivos” no processo de venda desta aplicação, em ordem a obterem para o banco significativas captações de poupanças por parte dos particulares.
b) Para assim lograrem cumprir objetivos ambiciosos – pessoais, de agência, de banco e de grupo - no que concerne à venda massiva desta aplicação aos clientes do Banco 2... – atual Banco 1... - sobretudo àqueles que tinham depósitos a prazo com o respetivo vencimento prestes a ocorrer como sucedeu no caso do A.
c) Tenha sido utilizado o “Argumentário” referido em este que foi o utilizado pelo sobredito funcionário bancário para lograr convencer o aqui A..
d) Os funcionários da rede de balcões do Banco 2... repetiam junto dos seus clientes, - como o Sr. funcionário EE o fez com o aqui A. -, que se tratava de um produto que representava um investimento seguro e, por isso, o próprio Banco 2... assegurava o reembolso do capital investido e o pagamento dos juros.
e) O A. desconhecesse o que são obrigações, acções ou o que quer que seja de ativos financeiros que não sejam simples depósitos a prazo ou à ordem.
f) Esta situação tenha provocado ao A. uma enorme ansiedade e angústia que lhe rouba o direito ao descanso, vivendo em constante ansiedade.
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II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1. Da reapreciação da decisão da matéria de facto:
1.1. Da verificação do erro na apreciação da prova e da ampliação requerida pelo apelado.

Impugnada a decisão da matéria de facto, verifica-se que o impugnante observou os ónus legalmente impostos em sede de impugnação da decisão da matéria de facto, que vêm enunciados nos arts 639º e 640º, os quais constituem requisitos habilitadores a que o tribunal ad quem possa conhecer da impugnação e decidi-la.
Com efeito, apresentou alegações, observando o ónus de alegar e de formular conclusões, consagrado no nº 1, do referido artigo, e deu cumprimento aos ónus impostos pelo artigo 640.º, nº 1, als. a), b) e c), pois que faz referência aos concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados, indica elementos probatórios que conduziriam à alteração daqueles pontos nos termos por ele propugnados e a decisão que, no seu entender, deveria sobre eles ter sido proferida, indicando, ainda, as passagens da gravação em que se funda.
Insurge-se o Réu Apelante contra a decisão da matéria de facto quanto aos pontos 10, 27, 28 e 36, dos factos provados, entendendo dever estes dois últimos ser considerados não provados e os dois primeiros passarem a ter a redação que indica, impondo-se tal alteração pelo depoimento da testemunha BB (ficheiro 20220110143035_14992833_ 2871443) nos trechos acima indicados, conjugados com a análise da nota informativa do produto, da nota interna sobre o produto e do argumentário de venda do produto.
O apelado entende que o Tribunal a quo fundamentou devidamente a resposta à matéria de facto, referindo, de forma crítica, a prova em que se alicerçou, sendo esta análise e conclusão o resultado encontrado segundo o princípio da livre convicção e apreciação da prova, que nesta instância não cabe censurar, não havendo erro de julgamento. A fundamentação exposta na sentença tem um grau de concretização suficiente para que os destinatários possam conhecer, na íntegra, o processo lógico da decisão do julgador, bem como os elementos probatórios a que ele se ateve para concretização de cada ponto de facto, não faltando, também, a enunciação das razões pelas quais determinou a conclusão de terem sido demonstrados, sendo certo que o banco apelante na sua impugnação da decisão de facto não avança com argumentos que evidenciem a existência de um qualquer vicio de raciocínio que ponha em causa o raciocínio lógico que, no processo de formação da sua convicção, o Tribunal formou, pelo que deve a matéria de facto impugnada permanecer inalterada.
Os factos impugnados, provados, têm a seguinte redação:
10) Em momento algum foi dito ao A. que a aplicação que estava a autorizar para a aplicação do seu dinheiro consistia em Obrigações Subordinadas, e muito menos o que significava tal realidade”.
“27) Não lhe foi dito nem explicado à altura que a entidade emissora desta aplicação financeira era a S... (e não o próprio Banco 2...) entidade esta que era totalmente desconhecida do A. e da qual nunca tinha sequer ouvido falar.
28) Se o sobredito funcionário bancário tivesse explicado ao A. que a aplicação “...” constituía um produto de risco, nomeadamente que não tinha o capital 100% garantido jamais este teria aceitado colocar nele as suas poupanças”.
“36) E por diversas vezes com o mesmo intuito falou com o seu gestor de conta Sr. BB que sempre lhe disse para não se preocupar que o seu dinheiro estava sempre garantido pelo banco”.
Pretende o Apelante que aos mesmos seja dada a seguinte redação:
10) Foi explicado ao A. que o produto em causa se tratavam de obrigações subordinadas, sendo explicado que, em caso de incumprimento do seu pagamento, o subscritor receberia depois de todos os credores à excepção dos accionistas;
27) Foi explicado que a entidade emissora desta aplicação financeira era a S..., empresa que era dona do Banco;
28º) e 36º) - não provados”;
Motivou o Tribunal a quo a decisão da matéria de facto, no que releva para a decisão da impugnação, para além de com recurso aos documentos juntos aos autos, na prova testemunhal produzida e nas declarações do Autor nos seguintes termos:
“A testemunha BB, funcionário bancário, tendo estado no balcão das ... cerca de 17 anos, referiu conhecer o A. há mais de 10 anos, o qual era titular de várias contas, sendo a testemunha gestor de conta.
O produto eram obrigações subordinadas, sendo uma cedência de outro cliente.
O cliente não possuía obrigações subordinadas, sendo esta a 1ª vez que subscreveu este tipo de produto.
Explicou ao cliente a essência de um produto deste género, não se recorda se foi explicado se o produto tinha capital garantido nem deu qualquer folheto informativo ao A. sobre o produto.
Nunca teve pressão para vender este produto nem havia objectivos de venda deste produto.
Instado sobre o documento 3 (Nota Interna, fls. 144), reconhece constar do documento 100% do capital investido.
Antes da subscrição deste produto o A. possuía um depósito a prazo, tendo sido substituído pelo facto deste produto oferecer uma remuneração superior.
Os únicos documentos que entregou ao cliente foram os juntos sob os nºs 1, 2 e 3 da p.i..
O produto permitia o endosso.
Até à data da nacionalização do Banco 2... as obrigações estavam a cumprir integralmente o pagamento do juro.
Análise crítica da prova produzida.
Algumas breves notas cabem ser feitas sobre a prova produzida. Relativamente às circunstâncias em que ocorreu a subscrição das Obrigações Subordinadas “...” temos a versão do A., conforme declarações de parte, e da testemunha BB.
Esta testemunha, conforme depoimento inicial ainda começou a declarar que tinha explicado o tipo de produto que estava a vender ao A. e suas características, no entanto, quando confrontada de seguida com os documentos 1, 2, 3, começou a titubear, a ter dúvidas e poucas certezas sobre as conversas tidas com o A., reconhecendo que não se recordava concretamente sobre aquilo que efectivamente tinha dito ao A..
Certo é que reconheceu não ter entregue qualquer prospecto sobre o tipo de produto que o A. estava a subscrever e que o A. apenas tinha assinado os documentos 1 e 2, intitulados comunicação de cliente.
Conjugando o facto da versão da aludida testemunha ter sido pouco consistente, em oposição com as declarações de parte do A., bem como sopesando ainda os documentos 1, 2 e 3 da p.i, o Tribunal considerou que a versão do A. era credível e, nessa medida, plasmou-se na matéria de facto a essencialidade da versão do A..
A propósito, atente-se que os docs. 1, 2, 3, a única coisa que transmitem é o referido em 21) dos factos provados “(comunicação de cliente) “Efectuar a subscrição (endosso) no montante de €50.000,00 (cinquenta mil euros) do produto ...”.
Veja-se ainda que versão do A. encontra apoio ainda em documentos internos da emitidos pelo Banco 2..., como resulta dos documentos 4 e 5 e referido em 29) a 31) dos factos provados se refere tratar-se de um produto de “capital garantido” e com “elevadas taxas de remuneração”, com “pagamento de juros periódico” e “taxa indexada, garantindo sempre condições acima do mercado”.
«Relembro que a S1..., é a maior acionista da S2... SGPS (31%) que, por sua vez detém 100%, do Banco 2..., ou seja, na prática estamos a “vender” o equivalente a um DP, com uma excelente taxa (...). Quando o cliente efectua um DP no Banco 2... está a comprar “risco” Banco 2.... Não vejo diferenças»
Acresce ainda como resulta do documento 6 da CMVM “Proposta de Deliberação” onde é aludido as queixas de clientes do Banco 2... pelo facto de ser atribuído ao produto a característica de capital garantido.
Veja-se que para além do extracto bancário (doc.1 da contestação) nenhum outro documento foi trazido aos autos pela R. a infirmar a versão do A., mais concretamente a entrega de qualquer prospecto sobre o produto subscrito, bem como o conhecimento do A. de tal tipo de produto.
Em suma, pelo acima expresso o Tribunal considerou que a versão do A., na sua essencialidade tinha consistência para a dar por provada” (negrito nosso).
O âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, deve conter-se dentro dos seguintes parâmetros:
a)- o Tribunal da Relação só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo Recorrente;
b)- sobre essa matéria de facto impugnada, o Tribunal da Relação tem que realizar um novo julgamento;
c)- nesse novo julgamento o Tribunal da Relação forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes).
Dentro destas balizas, o Tribunal da Relação, assumindo-se como um verdadeiro Tribunal de Substituição, que é, está habilitado a proceder à reavaliação da matéria de facto especificamente impugnada pelo Recorrente, pelo que, neste âmbito, a sua atuação é praticamente idêntica à do Tribunal de 1ª Instância, apenas ficando aquém quanto a fatores de imediação e de oralidade.
Na verdade, este controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode deitar por terra a livre apreciação da prova, feita pelo julgador em 1ª Instância, construída dialeticamente e na importante base da imediação e da oralidade.
A garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova[1] (consagrado no artigo 607.º, nº 5 do CPC) que está atribuído ao tribunal da 1ª instância, sendo que, na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também, elementos que escapam à gravação vídeo ou áudio e, em grande medida, na valoração de um depoimento pesam elementos que só a imediação e a oralidade trazem.
Com efeito, no vigente sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objeto do julgamento, com base apenas no juízo adquirido no processo. O que é essencial é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade da convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado[2].A lei determina expressamente a exigência de objetivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (artigo 607.º, nº 4).
O princípio da livre apreciação de provas situa-se na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade e concentração: é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que, através delas, se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas de experiência aplicáveis[3]
E na reapreciação dos meios de prova, o Tribunal de segunda instância procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção - desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria - com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância. Impõe-se-lhe, assim, que analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação (seja ela a testemunhal seja, também, a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser, também, fundamentada).
Ao Tribunal da Relação competirá apurar da razoabilidade da convicção formada pelo julgador, face aos elementos que lhe são facultados.
Porém, norteando-se pelos princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e regendo-se o julgamento humano por padrões de probabilidade, nunca de certeza absoluta, o uso dos poderes de alteração da decisão sobre a matéria de facto, proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, pelo Tribunal da Relação deve restringir-se aos casos de desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados[4], devendo ser usado, apenas, quando seja possível, com a necessária certeza e segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
Assim, só deve ser efetuada alteração da matéria de facto pelo Tribunal da Relação quando este Tribunal, depois de proceder à audição efetiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam para direção diversa e impõem uma outra conclusão, que não aquela a que chegou o Tribunal de 1ª Instância.
Na apreciação dos depoimentos, no seu valor ou na sua credibilidade, é de ter presente que a apreciação dessa prova na Relação envolve “risco de valoração” de grau mais elevado que na primeira instância, em que há imediação, concentração e oralidade, permitindo contacto direto com as partes e as testemunhas, o que não acontece neste tribunal. E os depoimentos não são só palavras; a comunicação estabelece-se também por outras formas que permitem informação decisiva para a valoração da prova produzida e apreciada segundo as regras da experiência comum e que, no entanto, se trata de elementos que são intraduzíveis numa gravação.
Por estas razões, está em melhor situação o julgador de primeira instância para apreciar os depoimentos prestados uma vez que o foram perante si, pela possibilidade de apreensão de elementos que não transparecem na gravação dos depoimentos.
Em suma, o Tribunal da Relação só deve alterar a matéria de facto se formar a convicção segura da ocorrência de erro na apreciação dos factos impugnados.
E o julgamento da matéria de facto é o resultado da ponderação de toda a prova produzida. Cada elemento de prova tem de ser ponderado por si, mas, também, em relação/articulação com os demais. O depoimento de cada testemunha tem de ser conjugado com os das outras testemunhas e todos eles com os demais elementos de prova, designadamente a documental.
Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjetivas – como declarações de parte e prova testemunhal -, a respetiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e o tribunal de 2.ª instância só deve alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando, efetivamente, se convença, com base em elementos lógicos ou objetivos e com uma margem de segurança elevada, que houve erro na 1.ª instância.
Em caso de dúvida, deve, aquele Tribunal, manter o decidido em 1ª Instância, onde os princípios da imediação e oralidade assumem o seu máximo esplendor, dos quais podem resultar elementos decisivos na formação da convicção do julgador, que não passam para a gravação.
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Tendo presentes os mencionados princípios orientadores, vejamos se assiste razão ao Apelante, nesta parte do recurso que tem por objeto a impugnação da matéria de facto nos termos por ele pretendidos.
Revisitada a prova e visto o despacho que fundamentou a decisão da matéria de facto, ficou-nos a convicção de que, in casu, não existe qualquer erro de julgamento, ao invés a matéria de facto foi livremente e bem decidida.
Cada elemento de prova de livre apreciação, designadamente depoimentos de testemunhas, não podem ser considerados de modo estanque e individualizado. Há que proceder a uma análise crítica, conjunta e conjugada dos aludidos elementos probatórios, para que se forme uma convicção coerente e segura. Fazendo essa análise crítica, conjunta e conjugada de toda a prova produzida, e com base nas regras de experiência comum, não pode este Tribunal, com segurança, divergir do juízo probatório do Tribunal a quo.
Efetuou este Tribunal a análise crítica da prova e não há elementos probatórios produzidos no processo que imponham decisão diversa – como exige o artigo 662.º, n.º 1, do mesmo diploma, para que o Tribunal da Relação possa alterar a decisão da matéria de facto.
O Tribunal Recorrido decidiu de uma forma acertada quando considerou a referida factualidade, de acordo com a livre convicção que formou de toda a prova produzida.
Com efeito, bem mereceu credibilidade o depoimento do Autor, que tudo explicou de modo credível e convincente, por forma a, objetivamente, permitir dar as respostas em causa aos factos impugnados, e, ao invés, o depoimento da testemunha BB revelou-se lacónico e inseguro, bem manifestando o mesmo já se não recordar dos factos e do que concretamente informou o Autor, bem sabendo, contudo, nenhum documento lhe ter entregue, nada tendo sido facultado ao Autor a informar sobre o produto. Aliás, mostrou-se o mesmo muito inseguro, com dúvidas sobre a aplicação em causa, bem mostrando, por isso, não reunir, sequer, condições para informar o Autor, pois que ele mesmo desconhecia as características do produto em causa, nunca lhe tendo sido facultada qualquer formação para o efeito.
Ficou, pois, também este Tribunal convencido, pelo depoimento do Autor, conjugado, até, com vimos, com o que a testemunha BB referiu, que em momento algum foi dito ao A. que a aplicação que estava a autorizar para a aplicação do seu dinheiro consistia em Obrigações Subordinadas, e que nunca lhe foi explicado o que tal significava, sequer que a entidade emissora desta aplicação financeira fosse a S....
Mais ficou este Tribunal convencido de o gestor de conta, Sr. BB, ter transmitido ao Autor que o seu dinheiro estava garantido pelo banco e de que se o sobredito funcionário bancário tivesse explicado ao A. as concretas características do produto, que a aplicação “...” constituía um produto de risco, nomeadamente que não tinha o capital 100% garantido, jamais este teria aceitado colocar nele as suas poupanças.
Assim, tendo-se procedido a nova análise da prova, ponderando, de uma forma conjunta e conjugada e com base em regras de experiência comum, os meios de prova produzidos, que não foram validamente contraditados por quaisquer outros meios de prova, pode este Tribunal concluir que o juízo fáctico efetuado pelo Tribunal de 1ª Instância, no que concerne a esta matéria de facto, se mostra conforme com a prova, de livre apreciação, produzida, não se vislumbrando qualquer razão para proceder à alteração do ali decidido, que se mantém, na íntegra.
Na verdade, e não obstante as críticas que são dirigidas pelo Recorrente, não se vislumbra, à luz dos meios de prova invocados qualquer contradição ou erro ao nível da apreciação ou valoração da prova produzida – sujeita à livre convicção do julgador –, à luz das regras da experiência, da lógica ou da ciência.
Ao invés, a convicção do julgador tem, a nosso ver, apoio nos ditos meios de prova produzidos, sendo, portanto, de manter a factualidade tal como decidido pelo tribunal recorrido.
Não resultando os pretensos erros de julgamento, antes convicção livre e adequadamente formada pelo julgador (ante a prova prestada perante si e, por isso, com oralidade e imediação), tem de se concluir pela improcedência da apelação, nesta parte.
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Assim, sendo de manter a decisão da matéria de facto, tal conduzirá, como veremos, a que outra não possa ser a decisão de mérito, e, ficando prejudicado o conhecimento do pedido subsidiário, inútil se mostra a ampliação da matéria de facto apresentada, apenas, para prevenir a hipótese de decaimento, nenhuma utilidade existindo em adicionar a matéria em causa aos factos provados.
Com efeito, não deverá haver lugar à reapreciação da matéria de facto quando os factos concretos objeto da impugnação não forem suscetíveis de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, terem relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual inconsequente e inútil, o que contraria os princípios da celeridade, da economia processual e da proibição da prática de atos inúteis, princípios com expressa consagração nos arts. artigos 2.º, n.º 1, 6º, n.º 1 e 130º, todos do Código de Processo Civil[5].
Tem sido esse, também, o entendimento constante do STJ, como resulta, por exemplo, do ac. 23/01/2020 (Relator: Tomé Gomes), in dgsi.pt que concluiu que: “Quando a apreciação da impugnação deduzida contra a decisão de facto da 1.ª instância seja, de todo, irrelevante para a solução jurídica do pleito, ainda que a tal impugnação satisfaça os requisitos formais prescritos no artigo 640.º, n.º 1, do CPC, não se justifica que a Relação tome conhecimento dela, à luz do disposto no artigo 608.º, n.º 2, do CPC” ”[6].
Assim, e em face da inutilidade da impugnação, no restante, não nos pronunciaremos sobre a mesma.
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2. Da reapreciação da decisão de mérito:
2.1. Da responsabilidade do intermediário financeiro por violação do dever de informar.

Subscreveu o Autor um produto de investimento financeiro, em 28-04-2008, no valor de €50.000,00, designado de “...” e apresentou-se a invocar que tal aplicação financeira e subsequente prejuízo apenas tiveram lugar pelo facto da R., falsamente, ter assegurado que a mesma era em tudo igual a um depósito a prazo, mas com muito melhor rentabilidade, e com o capital 100% assegurado.
Bem considerou o Tribunal a quo ao decidir a matéria de facto nos termos que acabamos de expor e dependendo o pedido de alteração do decidido na sentença proferida nos autos, no que à interpretação e aplicação do direito respeita, do prévio sucesso da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, não tendo a apelante logrado levar a bom porto a impugnação da matéria de facto, ficando, assim, esta inalterada, fica, necessariamente, prejudicado o seu conhecimento, o que aqui se declara, nos termos do nº2, do art. 608º, aplicável ex vi parte final, do nº2, do art. 663º e do nº 6, deste artigo.
Reapreciemos, contudo, a decisão de mérito.
Fazendo-o, constata-se que bem decidiu o Tribunal a quo ao julgar improcede a exceção da prescrição e ao julgar procedente o pedido principal, na parte em que assim decidiu, por violação do dever de informação do intermediário financeiro, que prestou informações falsas, sendo que bem resultou demonstrado que se a Ré tivesse explicado ao A. que a aplicação em causa constituía um produto de risco, nomeadamente que não tinha o capital 100% garantido, jamais este teria aceite colocar nele as suas poupanças.
Bem decidiu o Tribunal a quo, considerando o estatuído no nº 2, do art. 324º, do Código dos Valores Mobiliários, que consagra “2 - Salvo dolo ou culpa grave, a responsabilidade do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo nessa qualidade prescreve decorridos dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respetivos termos”, dele resultando que o regime regra da prescrição é de 2 anos e só em caso de dolo ou culpa grave será de afastar tal prazo de prescrição e que:
Na formulação do juízo concreto sobre o grau de culpa, terá de ser considerado o perfil do investidor, as características dos produtos financeiros subscritos e o conhecimento de que dispunha ou não dispunha o intermediário ao tempo da pré-negociação.” vide ac. do STJ, de 17/12/2019, Processo 5838/16.4T8LSB.L1.S1, Relator: Graça Amaral, in www.dgsi.pt
A propósito, dispõe o artº 304º, nº 3, do CMVM “Na medida do necessário para o cumprimento dos seus deveres na prestação do serviço, o intermediário financeiro deve informar-se junto do cliente sobre os seus conhecimentos e experiência no que respeita ao tipo específico de instrumento financeiro ou serviço oferecido ou procurado, bem como, se aplicável, sobre a situação financeira e os objetivos de investimento do cliente.”
Compulsada a matéria de facto provada da mesma resulta que:
- O funcionário além de lhe garantir que a aplicação era segura, sem nenhum risco de perda de capital também o informou que era uma aplicação de longo prazo, mais precisamente de 10 anos.
- E aconselhou a sua subscrição referindo que, naquela altura, era a melhor forma de rentabilizar sem risco o dinheiro do A. disponível naquele momento.
- Em momento algum foi dito ao A. que a aplicação que estava a autorizar para a aplicação do seu dinheiro consistia em Obrigações Subordinadas, e muito menos o que significava tal realidade.
- Foi-lhe dito que as obrigações eram um empréstimo, funcionando em termos práticos como um depósito a prazo, mas sem ter as formalidades de um depósito a prazo.
- Não lhe foi previamente fornecido qualquer prospeto que apresentasse a informação detalhada sobre a emissão destas Obrigações, e, nomeadamente, os riscos associados a este “investimento”.
- Não lhe foi dito nem explicado à altura que a entidade emissora desta aplicação financeira era a S... (e não o próprio Banco 2...) entidade esta que era totalmente desconhecida do A. e da qual nunca tinha sequer ouvido falar.
- Se o sobredito funcionário bancário tivesse explicado ao A. que a aplicação “...” constituía um produto de risco, nomeadamente que não tinha o capital 100% garantido jamais este teria aceitado colocar nele as suas poupanças.
- O A. não tem nenhum tipo de conhecimento técnico sobre aplicações financeiras, ou sobre produtos financeiros de risco, desconhecendo o que são obrigações, ações ou o que quer que seja de ativos financeiros que não sejam simples depósitos a prazo ou à ordem.
De tal matéria decorre que houve um comportamento senão doloso, pelo menos de negligência grosseira pelo funcionário ao não explicar e esclarecer em que consistia o produto, ao não entregar qualquer prospecto explicativo sobre o produto em que o A. estava a investir os €50.000,00, tanto mais que o cliente não possuía conhecimentos sobre o que eram acções subordinadas, fazendo inculcar a ideia no A. que o produto era semelhante a um depósito a prazo.
Pelo exposto, ter-se-á de concluir que houve uma actuação grosseira por banda da R. e, nessa medida, não é aplicável o prazo de 2 anos de prescrição previsto no artº 324º, nº 2, do CMVM.
Assim, entende-se que é aplicável o prazo de prescrição de 20 anos correspondente à responsabilidade civil contratual prevista no artº 309º, do CC., vide neste sentido Acórdão do STJ de 17-03-2016, Processo n.º 70/13.1TBSEI.C1.S1, in www.dgsi.pt(negrito nosso);
e bem julgou parcialmente procedente a ação, prejudicado ficando o pedido subsidiário, considerando face aos factos provados, cuja decisão da matéria de facto se manteve, que:
“A operação bancária verificada entre o autor e a R. caracteriza-se por actividade de intermediação financeira, conforme se dispõe nos artigos 289º nº 1, 290º nº 1 alª b) e 293º nº 1 alª a), todos do Código dos Valores Mobiliários.
Com efeito, a R., apesar de ser uma instituição de crédito actuou como intermediário financeiro ao comercializar €50.000,00 do produto designado de “...” no seu balcão.
Sobre a responsabilidade civil, à data dos factos, estatuía o artº 304.º-A
Responsabilidade civil
1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.
2 - A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.
No presente caso, pelas razões já acima expendidas quanto à prescrição, nem é necessário recorrer à presunção de culpa, porquanto houve culpa efectiva da R. na contratação e subscrição do produto pelo A.
Atente-se, desde logo, que nem sequer estamos no âmbito de uma subscrição inicial do produto mas sim de uma subscrição ocorrida em 28-04-2008, na sequência de uma transmissão/endosso, de um produto cujo período de subscrição decorreu para o Banco 2... entre os dias 11 e 22 de Outubro de 2004.
Acresce que não foi fornecido ao qualquer prospecto nem explicado ao A. em que consistia o produto, tendo-se inculcado a ideia ao cliente de que o produto era semelhante a um depósito a prazo.
A propósito veja-se que ao A. apenas lhe foi dado a assinar uma denominada “Comunicação de Cliente” que lhe foi exibida com vista à formalização da operação.
Mais tarde, em data não precisa, foi-lhe solicitado pelo funcionário já supra-referido, Sr. BB, a aposição de nova assinatura em nova “Comunicação de Cliente”, conforme DOC. 2 junto com a p.i.
Ora, dos aludidos doc 1 e 2 nenhuma informação resulta sobre o tipo de produto subscrito e suas características.
Do exposto decorre que a actuação e responsabilidade da R. decorre da violação dos deveres de informação, previstos nos artº 312º e ss do CMVM. À data dos factos dispunha o Artigo 312º
Deveres de informação
1 - O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes:
e) Aos riscos especiais envolvidos nas operações a realizar;
2 - A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.
“O cumprimento dos deveres de informação que impendem sobre o intermediário financeiro é, porém, de geometria variável. Quer isto significar que a intensidade dos deveres de informação varia em função do tipo contratual em causa e do concreto perfil do cliente.
Assim, o critério em função do qual se afere o cumprimento dos deveres que recaem sobre o intermediário financeiro há-de ser o seguinte: quanto menor o conhecimento e experiência do cliente em relação ao objecto do seu investimento maior será a sua necessidade de informação.
Em todo o caso, o dever de prestação de informação que recai sobre o intermediário financeiro não dispensa - em absoluto – o investidor de adoptar um comportamento diligente, visando o seu total esclarecimento”, vide ac. do STJ de 19.12.2018, processo 1479/16.4T8LRA.C2.S1, Relator Ilídio Sacarrão Martins, in www.dgsi.pt
No presente caso por todo o já exposto ficou claro a violação do dever de informação pela R., quer não esclarecendo o A. sobre o tipo de produto que se encontrava a subscrever quer induzindo-o a subscrever o produto, dizendo que era um produto em tudo semelhante a um depósito a prazo, com capital garantido.
Resulta, assim, que na celebração do contrato de subscrição das obrigações subordinadas a R. violou os deveres de informação, tendo ainda havido violação das regras de boa-fé.
Estatui o artigo 227º do Código Civil que “Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte”.
Nos termos do artigo 798º do CC, o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor. No presente caso, pelas razões já expressas houve violação dos deveres de informação e das regras de boa-fé por parte da Ré, pelo que se terá de concluir que a R. actuou com culpa.
Tendo actuado com culpa está a R. obrigada a prestar/devolver o capital de €50.000,00 subscrito pelo A., nos termos dos artº 798º, do CC e 304-A, nº 1, do CMVM.”, acrescido dos juros fixados.
Neste conspecto, não pode deixar de se concluir pela responsabilidade da Ré pelos danos que com a sua atuação causou ao Autor.
Vejamos.
Decidimos já no Ac. desta Relação do Porto de 8/9/2020, proc. 2054/18.4T8PVZ.P1, em que a ora relatora foi adjunta, Relatora: Fátima Andrade,
2- A intermediação financeira está sujeita aos deveres previstos nos artigos 304º e seguintes do CVM.
3- Estabelecida uma relação contratual obrigacional entre A. e R. no âmbito da atividade de intermediação financeira a que o banco R. se dedica, faz parte da prestação contratual deste último um especial dever de informação que e quando não observado ou observado de forma defeituosa implica o correspondente incumprimento ou cumprimento defeituoso dessa mesma prestação.
4- Apurada uma efetiva violação culposa (culpa que aliás se presumiria) dos deveres contratuais de informação do R. na sua relação de intermediário financeiro estabelecida com o A., constitui-se este intermediário nos termos do artigo 314º do CVM na obrigação de indemnizar aquele pelos prejuízos sofridos com a violação daqueles deveres.
5- Do disposto no artigo 324º nº 2 do CVM resulta que o prazo de prescrição da obrigação de indemnizar do intermediário financeiro de dois anos ali previsto só é aplicável no caso de culpa leve ou levíssima”.
Aí, “tendo presente a redação dada ao Código de Valores Mobiliários (CVM) pelo DL 66/2004 de 24/03 e a redação dada ao RGICSF aprovado pelo DL 298/92 de 31/12 em vigor à data da prática dos factos; bem como o Regulamento CMVM n.º 12/2000 (com a redação dada pelos Regulamentos 32/2000, 2/2003, 10/2003 e 17/2002)”, se fundamenta:
“O produto adquirido pelo autor, obrigações S..., é na verdade um valor mobiliário [vide artigo 1º al. b) do CVM] - em causa a emissão de títulos obrigacionistas com vista ao financiamento da entidade emitente, pessoa jurídica diferente do banco que intermediou nos seus balcões a sua venda.
E faz parte da atividade bancária operações por conta da clientela sobre valores mobiliários, bem como a consultoria, guarda, administração e gestão de carteiras de valores mobiliários [vide artigo 4º nº 1 als. e) e h) do RGICSF – DL 298/92 de 31/12 e artigo 293º do CVM].
Os serviços e atividades de investimento em valores mobiliários são atividades de intermediação financeira, entre os quais se incluem a receção, transmissão e execução de ordens por conta de outrem – vide artigos 289º nº 1 al. a) e b) e 290º nº 1 als. a) e b) do CVM.
A intermediação financeira está sujeita aos deveres previstos nos artigos 304º e seguintes do CVM.
Tal qual alegado e provado pelo autor, a aquisição do valor mobiliário em causa fez-se na agência do banco R. portanto no âmbito da atividade de intermediação financeira deste e através de um seu funcionário, o qual assim atuou enquanto colaborador do banco R. (vide pontos 1.3 a 1.7 e 1.12 dos factos provados). Nessa medida respondendo o intermediário financeiro pelos atos daqueles que utiliza para a prática da sua atividade (vide artigo 800º do CC e 304º e 305º do CdVM).
Do artigo 304º do CVM extraem-se os deveres gerais de conduta a que os intermediários financeiros em instrumentos financeiros (definidos estes intermediários no artigo 293º do CVM) estão sujeitos:
1- Proteção dos legítimos interesses dos seus clientes (304º nº 1 e 321º) relativamente aos investidores não qualificados, mesmo em detrimento dos seus próprios interesses quando se verifique um conflito de interesses, conforme resulta do disposto nos artigos 309º, 310º e 347º do CVM;
2- Proteção da eficiência do mercado – vide artigos 304º nº 1, 305º e 310 e 311º;
3- Observância dos ditames da boa-fé na relação com todos os intervenientes no mercado (de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência) (304º nº 2), em causa estando em especial a observância dos deveres de informação aos clientes a que se reportam os artigos 312º e 7º do mesmo CVM.
Note-se a consagração do dever de prestar todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, exigindo portanto uma atuação ativa da parte do intermediário financeiro, não dependente das questões que a este sejam colocadas pelo cliente, sem prejuízo do dever de esclarecimento adicional que este possa solicitar.
Como mencionado no Ac. TRL de 07/02/2019, nº de processo 906/17.8T8LSB.L1-2 e citando A. Barreto Menezes Cordeiro in Manual de Direito dos Valores Mobiliários, 2016, Almedina os intermediários financeiros estão “naturalmente, sujeitos a deveres de informação passivos, devendo, consequentemente, esclarecer todas as questões que lhes sejam suscitadas, mas é no campo dos deveres ativos que o dever de informação assume maior relevância real: os intermediários financeiros devem prestar, em relação a todos os serviços que ofereçam e independentemente de lhes ser solicitado, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada (…)”.
Informação completa, verdadeira, atual, clara objetiva e lícita, aferida em função do meio utilizado para a sua transmissão (vide 7º nºs 1 e 3).
4- Prévia informação sobre os conhecimentos e experiência do cliente relativamente ao tipo específico de instrumento financeiro ou serviço oferecido ou procurado e se aplicável (304º nº 3).
Este dever de prévia informação sobre os conhecimentos e experiência do cliente reforçado posteriormente com as alterações introduzidas em 2007 [vide artigos 314º e 314ºA (se a prestação de serviços se enquadrar no âmbito da gestão de carteiras ou de consultoria para investimento), 314ºB e 314ºC] deriva igualmente da exigência de adequação da informação a prestar ao grau de conhecimento e de experiência do cliente (vide artigo 312º nº 2 do CVM).
*
O objetivo do legislador foi o de garantir/exigir do intermediário financeiro uma atuação protetora dos seus clientes, sustentada nas prévias informações obtidas juntas dos mesmos por forma a e no cumprimento do seu dever de informação – que será tanto mais exigente quanto menor for o conhecimento e experiência do cliente conforme decorre do n.º 2 do artigo 312º - poder evitar lesões àqueles que pretendem investir num mercado onde lhes faltam conhecimentos específicos.
Presumindo-se a culpa do intermediário financeiro quando o dano seja causado no âmbito das relações contratuais ou pré-contratuais e em qualquer circunstância quando seja originado pela violação dos deveres de informação – artigo 314 nº 1 do CVM.
Deveres de informação que visam permitir ao cliente uma decisão consciente perante os riscos próprios do mercado de valores mobiliários sem eliminar, é certo, esse mesmo risco, tal como afirmado por Sofia Nascimento Rodrigues in “A Proteção dos Investidores em Valores Mobiliários”, Almedina, Coimbra, 2001, p. 34 [citada no estudo de Felipe Canabarro Teixeira intitulado “Os deveres de informação dos Intermediários Financeiros em relação a seus clientes e sua responsabilidade civil” in Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários n.º 31 de dezembro de 2008 in http://www.cmvm.pt que aqui foi em parte seguido para elencar os deveres gerais e específicos de conduta do intermediário financeiro].
Temos portanto estabelecida uma relação contratual obrigacional entre A. e R. no âmbito da atividade de intermediação financeira a que o banco R. se dedica, fazendo parte da prestação contratual deste último um especial dever de informação que e quando não observado ou observado de forma defeituosa implica o correspondente incumprimento ou cumprimento defeituoso dessa mesma prestação.[7]
Assim enquadrado o regime aplicável à relação contratual estabelecida entre as partes, cumpre perante a factualidade apurada analisar se o tribunal a quo incorreu em erro na subsunção jurídica.
Tal como resulta dos factos provados o A. era cliente do Banco 2... à data de 2004 e no decurso e ao abrigo de tal relação foi o mesmo abordado por um funcionário do banco réu dizendo-lhe que tinha um aplicação idêntica a um depósito a prazo, com capital garantido pelo “Banco 2...” e rentabilidade assegurada (fp 1.3).
Nunca os funcionários do banco R. leram ou explicaram ao autor em que consistia adquirir obrigações “...” e quais as suas implicações (fp 1.18); tendo o A. vindo a assinar o documento denominado “... Boletim de Subscrição” com data de 25/10/2004 e junto a fls. 85, sem que o teor de tal documento pelo A. assinado e preenchido pelo funcionário do banco R. lhe tivesse sido lido e explicado (vide fp. 1.20 e 1.21).
O dinheiro do autor no montante de € 50.000,00 viria assim a ser colocado numa obrigação “S... (…)” sem que o autor soubesse em concreto em que consistia tal produto, desconhecendo inclusive quem era a “S...” (f.p. 1.6). Estando convicto de estar a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura, num produto com risco exclusivamente do banco (f.p. 1.8).
Ainda e caso o autor tivesse percebido que com a assinatura do “Boletim de Subscrição” que lhe foi apresentado pelos funcionários do banco réu estava a subscrever um produto em que o capital não era garantido pelo Banco 2... não o teria assinado (f.p. 1.9).
Através da assinatura do “Boletim de Subscrição” o A. deu uma ordem de subscrição do produto referido em 1.6 dos FP, o que o banco executou no âmbito da relação estabelecida com o A. enquanto intermediário financeiro. Nessa qualidade respondendo pela violação dos deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, tal como resulta do disposto nos artigos 314º e 324º do CVM (à contrario).
A incorreta informação prestada quanto à garantia do capital pelo Banco 2... e a omissão de informação quanto ao produto subscrito – natureza e garantias - nos termos acima referidos pelo Banco intermediário financeiro ao seu cliente aqui A. foram causa da subscrição efetuada que de outro modo não teria tido lugar conforme apurado. E desta subscrição resultou no património do A. o prejuízo correspondente ao não reembolso do capital investido – vide 1. 19 dos factos provados.
A ilicitude da conduta do banco R. resulta precisamente da violação das obrigações que sobre si impendiam a nível dos deveres pré-contratuais e contratuais de informação, com o consequente incumprimento desta mesma obrigação.
Dispõe o supra citado artigo 314: “1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.
2 - A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.”.
O banco R. (através dos seus funcionários) violou grosseiramente os seus deveres de informação porquanto não só omitiu informações que estava obrigado a prestar, como prestou outras informações incorretas sobre o produto subscrito.
Esta atuação apurada não é conforme aos deveres de proteção dos interesses do investidor a que o banco enquanto intermediário financeiro estava obrigado, violando-a diretamente a propósito não só das indicadas caraterísticas do produto subscrito, como da informada garantia de reembolso do capital através do banco e foi causal do prejuízo sofrido já que foi base da decisão de subscrição do produto.
De referir ainda ter ficado provado que os funcionários do banco réu sabiam que o autor não possuía qualificações ou formação técnica que lhe permitissem à data conhecer os concretos riscos inerentes aos diversos produtos financeiros a não ser que lhos explicassem (f.p. 1.5).
Note-se que a censura exercida sobre a conduta do banco R. enquanto intermediário financeiro tem de acordo com a factualidade provada subjacente a sua (através dos seus funcionários) violação dos deveres de informação e o consequente desrespeito do dever de proteção do investidor.
No contexto acima analisado, apurada uma efetiva violação culposa (culpa que aliás se presumiria) dos deveres contratuais de informação do R. na sua relação de intermediário financeiro estabelecida com o A., justifica-se ao abrigo do disposto no artigo 314º do CVM a conclusão de que o mesmo está obrigado a indemnizar o A. pelos prejuízos sofridos com o incumprimento destes deveres[8].
A violação dos deveres em causa funda-se na errada informação (sobre o reembolso) e caraterísticas do produto subscrito e na omissão de informação sobre o produto em si.
De referir ainda que a atuação do banco R. nos termos apurados igualmente integra a violação dos deveres previstos no diploma que aprovou o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (DL 298/92 de 31/12 na redação em vigor à data dos factos). Diploma este que regula o processo de estabelecimento e o exercício da atividade das instituições de crédito e das sociedades financeiras, visando entre outros fins o de estabelecer um “conjunto de regras de conduta que devem guiar a atuação das instituições de crédito, seus administradores e empregados nas relações com os clientes”, definindo não só deveres gerais da conduta a observar pelas instituições de crédito e seus representantes, como também normas específicas de conduta, designadamente as relacionadas com o segredo profissional, defesa da concorrência e publicidade, fazendo assentar a “atuação das instituições de crédito e outras empresas financeiras em princípios de ética profissional e regras que protejam de forma eficaz a posição do «consumidor» de serviços financeiros” (cfr. preâmbulo do DL em análise).
Entre as regras específicas de conduta, enquadram-se as disposições legais invocadas pelo A. das quais se destacam:
- Artigo 73.º sob a epígrafe “Competência técnica”: “As instituições de crédito devem assegurar, em todas as atividades que exerçam, elevados níveis de competência técnica, dotando a sua organização empresarial com os meios materiais e humanos necessários para realizar condições apropriadas de qualidade e eficiência.”
- Artigo 74.º sob a epígrafe “Relações com os clientes”: “Nas relações com os clientes os administradores e os empregados das instituições de crédito devem proceder, com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados.”
- Artigo 76º sob a epígrafe “Critério de diligência”: Os membros dos órgãos de administração das instituições de crédito, bem como as pessoas que nelas exerçam cargos de direção, gerência, chefia ou similares, devem proceder nas suas funções com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, de acordo com o princípio da repartição de riscos e da segurança das aplicações, tendo em conta o interesse dos depositantes, dos investidores e dos demais credores”.
A violação destes normativos e não obstante alguma controvérsia doutrinal sobre a sua natureza, constituem a nosso ver verdadeiras obrigações cuja violação é também geradora de responsabilidade contratual [vide sobre esta matéria Ac. STJ de 19.04.2012, relator SILVA GONÇALVES, e AC STJ de 19.05.2010, relator FONSECA RAMOS, ambos in http://www.dgsi.pt/jstj].
O A. peticionou danos patrimoniais – correspondentes ao valor do capital investido - € 50.000,00 não reembolsados. Os quais estão demonstrados. Pelo que o R. está obrigado a pagar tal como decidido pelo tribunal a quo este valor, acrescido de juros de mora desde 28/10/2014 e até efetivo e integral pagamento (Portaria n.° 291/2003, de 8/4 e artigos 805°. n° 2 al. a), 806°, n.°s 1 e 2, e 559°, n° 1. do Código Civil)”.

Do mesmo modo, no Acórdão desta Relação do Porto de 7/10/2019, proc. 2788/18.3T8PNF.P1, em que a ora relatora teve intervenção como adjunta, Relator: Pedro Alexandre Damião e Cunha, se entendeu, o que aqui se reafirma:
“II - O art. 324º, nº 2, do Código dos Valores Mobiliários consagra um prazo de prescrição de dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos, salvo dolo ou culpa grave.
III – O motivo desta solução reside na intenção legislativa de suavizar o rigoroso regime de responsabilidade civil conferido ao intermediário financeiro nas suas relações perante o cliente, rejeitando assim que persista por muito tempo a insegurança jurídica (para o intermediário lesante) inerente à imputação dos danos;
IV- Actua com culpa grave, para o efeito de não aplicabilidade do prazo de prescrição de dois anos, o Banco que utiliza informação enganosa ou oculta informação, com o intuito de obter a anuência do cliente a determinados produtos de risco que este nunca subscreveria se tivesse conhecimento de todas as características do produto, nomeadamente se soubesse que nem sequer o capital investido era garantido por ele próprio”,
manifestamente, também, o caso dos presentes autos.
Aí se fundamenta, dando conta, com detalhe, da orientação da jurisprudência dos Tribunais Superiores, em resposta às questões, também colocadas nos presentes autos, da responsabilidade do Réu pelos danos sofridos pelo Autor decorrentes da outorga do contrato de Subscrição de Obrigações Subordinadas ...:
“… o Banco Réu prestou uma informação falsa – de que se tratava de um produto similar a um depósito a prazo e de que ele próprio garantia o reembolso do capital investido –, informação falsa essa que foi absolutamente determinante para que o Autor subscrevesse o produto financeiro promovido pelos seus funcionários (…), confiante na referida natureza do seu investimento (e na informação prestada por aqueles, em quem confiava).
Como se refere no ac. da RP de 2.3.2015 (relator: Carlos Gil), disponível em dgsi.pt – numa situação fáctica semelhante à que aqui foi considerada provada – “… no caso em apreço, como resulta da factualidade provada, o recorrente prestou ao recorrido informação falsa relativa à garantia de reembolso por si do capital investido pelo recorrido (veja-se o ponto 3.2.1.11 dos fundamentos de facto deste acórdão). Esta conduta do recorrente é violadora das exigências da boa fé e da lealdade devidas ao recorrido, seu cliente e, dado o conteúdo da informação falsa transmitida, é razoável pensar que a mesma terá tido um peso significativo na decisão do recorrido de subscrever o produto financeiro cujo reembolso pensava estar garantido pelo recorrente”.
É esse justamente o sentido da decisão recorrida.(…) o Tribunal Recorrido considerou que, em primeira linha, estavam verificados os pressupostos de afirmação da Responsabilidade contratual por ter entendido que:
“… o Réu prestou ao Autor informação falsa relativa à garantia de reembolso por si do capital investido. Esta conduta do Réu é violadora das exigências da boa fé e da lealdade devidas ao Autor, seu cliente e, dado o conteúdo da informação falsa transmitida, é razoável pensar que a mesma terá tido um peso significativo na decisão daquele de subscrever o produto financeiro cujo reembolso pensava estar garantido pelo Réu. (…)
Temos, pois, que o banco Réu assumiu perante o Autor aquando da aquisição do produto financeiro, o compromisso da garantia do capital que havia sido investido.
Trata-se, neste caso, de um compromisso contratual em que o banco réu assume perante o Autor o pagamento do capital investido na aludida aquisição dos activos financeiros e nessa medida verifica-se uma situação de responsabilidade contratual que o banco réu não pode deixar de assumir e com as consequências decorrentes do art. 798 do C. Civil.
Donde e relativamente à responsabilidade pelo reembolso do capital investido na aplicação financeira em causa do banco réu, na qualidade de intermediário financeiro, a mesma só existe, no caso em apreço, porque o banco réu assumiu, segundo o que vem provado, proceder ao pagamento do valor nominal dos títulos em causa, o que consubstancia um compromisso contratual, ao qual não pode fugir, como acima já se referiu. (sublinhados nossos)
Sobre a distribuição do risco nos contratos de intermediação financeira, cfr. Carneiro da Frada, Revista da Ordem dos Advogados, ano 69º, vol. III/IV, págs. 656 e segs., em artigo intitulado “Crise financeira mundial e alteração das circunstâncias: contratos de depósito vs. contratos de gestão de carteiras”, sendo que na situação decidenda a constituição da obrigação contratual de reembolso por parte do Réu se traduz na “assunção contratual do risco” referente à devolução do capital (ob. cit., pág. 665).
No caso dos autos, o banco réu, na qualidade de intermediário financeiro em que aqui operou, não podia deixar de pautar o seu comportamento contratual em nome do relacionamento de confiança existente si e o Autor pelo princípio da boa fé (cfr. art. 762 nº2 do C. Civil). A responsabilidade do banco Réu pelo reembolso do capital investido existe, pois, porque o banco réu se comprometeu perante o Autor a que se tratava de uma aplicação de activos financeiros, mediante a aquisição de um produto com garantia por si do montante do capital investido, proposta que recebeu o acolhimento do Autor, por se tratar de um produto comercializado pelo Banco 2..., parece não haver dúvidas que nestas circunstâncias negociais o Autor pode reclamar do banco réu o reembolso do capital investido.
Estamos, aqui no domínio da responsabilidade contratual feito em nome do relacionamento anterior de clientela existente entre o Autor e o banco Réu e nessa perspectiva o banco réu tem que assumir contratualmente o reembolso do capital investido (cfr. art. 798 e segs. do C. Civil).
Embora a comercialização de produto financeiro com informação de ter capital garantido responsabilize em primeira linha a entidade emitente do produto, não significa que essa responsabilidade não se estenda também ao intermediário financeiro, nomeadamente se no relacionamento contratual com o investidor (cliente) assumir também o pagamento do valor nominal dos títulos financeiros adquiridos, conforme aconteceu no caso em apreço (…)”.
*
Ora, compulsado o Recurso apresentado, a verdade é que, além de ter impugnado a factualidade que contendia justamente com a assunção contratual desta responsabilidade, o Recorrente não chega a apresentar qualquer fundamento jurídico que possa pôr em causa este fundamento principal da sua condenação.
Com efeito, conforme decorre da exposição que antecede, o Recorrente dirige toda a sua argumentação para a não verificação do pressuposto da ilicitude no âmbito da responsabilidade extracontratual, alegando, nomeadamente, que nunca poderia considerar-se que, no caso concreto, tivesse violado os seus deveres de informação quanto ao produto financeiro subscrito pelo Autor, atentas as regras legais vigentes na altura.
É certo que, em termos teóricos, o faz com alguma pertinência, manifestando ter conhecimento da Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que, em casos factualmente divergentes daquele que aqui nos preocupa, tem assinalado as invocadas características dos deveres de informação aqui em jogo[9].
No entanto, como se referiu, tais considerações não chegam a pôr em causa o principal fundamento da sua condenação, ou seja, o ilícito contratual correspondente ao incumprimento da obrigação de reembolso por si assumida perante o Autor, seu cliente.
De qualquer forma, importa dizer que, quanto aos deveres de informação que aqui se impõem a um Intermediário Financeiro (ao Banco Réu), torna-se necessário ter em atenção, tal como salienta o próprio Recorrente, o regime especificamente previsto no Código dos Valores Mobiliários (CVM).
Releva, particularmente, o disposto nas seguintes normas:
- Artigo 7º (Qualidade da informação)
“1. A informação respeitante a instrumentos financeiros, a formas organizadas de negociação, às actividades de intermediação financeira, à liquidação e à compensação de operações, a ofertas públicas de valores mobiliários e a emitentes deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita. (…)
- Artigo 312º (Deveres de informação)
“1. O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada (…)
2. A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente (…)”.
- Artigo 312º-E (Informação relativa aos instrumentos financeiros)
1. O intermediário financeiro deve informar os investidores da natureza e dos riscos dos instrumentos financeiros, explicitando, com um grau suficiente de pormenorização, a natureza e os riscos do tipo de instrumento financeiro em causa.
(…)
Como decorre da citada (em nota) Jurisprudência (e dos apontamentos doutrinais constantes da sentença recorrida e ainda das peças processuais das partes) a temática dos deveres de informação do intermediário financeiro e das consequências do seu incumprimento tem sido objecto de múltiplas publicações doutrinais que têm contribuído para o debate geral sobre uma matéria que, nos últimos anos, ganhou significativa importância jurídica (bem como visibilidade social) mercê dos múltiplos conflitos que têm chegado aos tribunais[10].
Independentemente das construções teóricas potencialmente convocáveis para a delimitação do âmbito dos deveres de informação, só ao nível do caso concreto, com base na factualidade provada, se poderá concluir se um intermediário financeiro forneceu toda a informação que lhe era possível e exigível fornecer, face ao perfil do cliente e às suas necessidades informacionais (como se extrai do art. 312º do CVM).
Assim se justifica que em certos casos respeitantes ao cumprimento dos deveres de informação, em contratos de intermediação financeira, se conclua pela não responsabilização do intermediário e noutros casos se conclua de modo diverso.
A factualidade do caso concreto demonstra que o comportamento do Recorrente esteve, inequivocamente, longe de preencher os critérios ético-normativos decorrentes das normas do CVM supra referidas, nomeadamente, ao ter prestado informação falsa sobre a natureza do produto financeiro cuja subscrição promoveu junto do Autor (produto financeiro similar a um depósito a prazo) e o âmbito da obrigação de reembolso do capital aplicado, convencendo o Autor, seu cliente, de que essa obrigação era também assumida pelo Banco Réu.
. Na verdade, como se encontra provado, o Réu informou o Autor de que o produto financeiro, que este acabou por subscrever, não comportava qualquer risco, era equivalente a um depósito a prazo e melhor remunerado, o que bem sabia não corresponder à verdade.
Conclui-se, assim, que a decisão recorrida entendeu, de forma correcta, que o Banco Réu não cumpriu - principalmente com este fundamento - os deveres de informação que legalmente lhe eram impostos.
Entremos agora na questão de saber se tal factualidade poderá, como entendeu o Tribunal Recorrido, implicar que o Banco Réu seja responsabilizado a título de Responsabilidade contratual (arts. 798º e ss. do CC) ou extracontratual (arts. 483º e ss. do CC).
A responsabilidade civil do intermediário financeiro convoca, especificamente, as seguintes normas do CVM:
- Art.304º (Princípios)
“1. Os intermediários financeiros devem orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.
2. Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.
(…)
- Art.304º-A (Responsabilidade civil)
1. Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.
2. A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação”.
Dado que estas normas do CVM não dispõem expressamente sobre todos os requisitos de responsabilização civil, impõe-se a convocação das normas gerais sobre responsabilidade contratual (art.798º do CC) e/ou extracontratual (art.483º do CC), bem como as regras comuns a estas duas variantes da responsabilidade civil sobre obrigação de indemnizar (arts. 563º e ss).
Como já referimos, na decisão recorrida entendeu-se responsabilizar civilmente o Banco Reu seguindo-se, em primeira linha, a via da responsabilidade contratual.
Esta é uma das vias teoricamente possíveis, a par da responsabilidade extracontratual, para se concluir pela existência de uma obrigação de indemnizar. E poderá mesmo acontecer que, em certos casos, se verifiquem, simultaneamente, os requisitos das duas modalidades de responsabilidade civil.
Como afirmava o Prof. Antunes Varela: “Apesar da nítida distinção conceitual existente entre as duas variantes da responsabilidade civil (uma, assente na violação de deveres gerais de abstenção, omissão ou não ingerência, correspondentes aos direitos absolutos; a outra, resultante do não cumprimento, lato sensu, dos deveres relativos próprios das obrigações, incluindo os deveres assessórios de conduta, ainda que impostos por lei, no seio da complexa relação obrigacional), a verdade é que elas não constituem, sobretudo na vida prática, compartimentos estanques. Pode mesmo dizer-se que, sob vários aspectos, responsabilidade contratual e extracontratual funcionam como verdadeiros vasos comunicantes.
Por um lado, elas podem nascer do mesmo facto e transitar-se facilmente do domínio de uma para a esfera normativa própria da outra (…)[11]”.
E acrescentou ainda: “(…) é bem possível que o mesmo facto envolva para o agente (ou o omitente), simultaneamente, responsabilidade contratual (por violação de uma obrigação) e responsabilidade extracontratual (por infringir ao mesmo tempo um dever geral de abstenção ou o direito absoluto correspondente (…)”[12].
Nas suas alegações de recurso, o Recorrente defende que no apuramento dos requisitos da responsabilidade do Réu, contrariamente à presunção de culpa que sobre ele recai (art. 799º do CC), não se pode afirmar a existência de presunções de ilicitude ou de causalidade.
Mas a verdade é que no caso concreto não se torna necessário apelar à existência dessa construção doutrinal (das presunções), pois que decorre da factualidade dada como provada que o Autor logrou provar o preenchimento dos factos subjacentes ao pressuposto da ilicitude – como já vimos - e a existência de um nexo causal entre esse facto ilícito e os danos produzidos na esfera jurídica do Autor - como iremos ver.
Nessa medida, a matéria de facto que se deu como provada subjacente ao preenchimento destes requisitos assentou exclusivamente na observância das regras gerais em matéria probatória, previstas no art. 342º do CC, não sendo necessário recorrer a qualquer presunção de ilicitude ou causalidade que aqui não carece de ser aplicada[13].
Julgamos, de qualquer forma, que, em princípio, a única presunção que expressamente se prevê neste domínio é a presunção de culpa do intermediário financeiro, prevista no art. 304º-A, nº 2 do CVM, presunção esta que, como resulta da matéria de facto provada, o Réu não conseguiu ilidir.
Quanto aos demais pressupostos, quer se siga a variante da responsabilidade contratual quer da extracontratual, no caso concreto, como já se referiu, nenhuma necessidade existe de se defender (discutíveis) presunções de ilicitude ou de causalidade, pois da factualidade provada resulta, inequivocamente, que estes requisitos se encontram expressamente demonstrados.
Senão vejamos.
Quanto ao pressuposto da ilicitude:
- Como já referimos, caso se siga a variante da responsabilidade contratual, entendendo-se que os deveres de informação integram o núcleo essencial do programa debitório do Banco Réu, tendo-se concluído que este teve um comportamento inequivocamente contrário ao que lhe era imposto pelo art. 312º do CVM, não cumprindo os deveres a que estava vinculado nos termos expostos, dúvidas não restam de que o seu comportamento foi ilícito em termos contratuais. Acresce que o Réu não demonstrou a existência de qualquer razão que justificasse tal incumprimento contratual, e que consequentemente pudesse excluir a ilicitude.
A este propósito, importa ter presente o ensinamento do Prof. Antunes Varela: “A ilicitude resulta, no domínio da responsabilidade contratual, da relação de desconformidade entre a conduta devida (a prestação debitória) e o comportamento observado”[14].
Ora, no caso concreto, como resulta da factualidade provada, o Banco Réu prestou ao Autor a já referida informação falsa relativa à natureza do produto financeiro que promoveu junto do Autor e à garantia de reembolso por si do capital investido por este investido, pelo que resulta inequívoco que esta conduta do Recorrente, como bem se referiu na decisão recorrida, é violadora das exigências da boa fé e da lealdade devidas ao Autor, seu cliente e, dado o conteúdo da informação falsa transmitida, não será difícil concluir que tal conduta foi absolutamente determinante para que o Autor tivesse subscrito o produto financeiro promovido pelos funcionários do Banco Réu do Balcão ....
Nesta conformidade, surge como uma evidência a possibilidade de afirmação da prática de um ilícito contratual por parte do Recorrente no caso concreto.
Tem sido esse, aliás, o sentido das decisões do Supremo Tribunal de Justiça quando teve que se pronunciar sobre situações fácticas idênticas às do presente caso (acórdãos disponíveis em Dgsi.pt)[15]:
Mais aí se menciona “não se pode deixar de referir a possibilidade de ainda se poder enquadrar a situação dos autos no âmbito de um ilícito pré-contratual[16] – como aliás decorre de alguns dos Acórdãos do STJ já citados.
Na verdade, os deveres de informação que impendiam sobre o Banco Réu podem colher ainda fundamento no art. 227º do CC, que estabelece que quem negoceia com outrem para a conclusão de um contrato deve, nomeadamente nos preliminares, proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte. Está aqui em causa precisamente o sancionamento (responsabilidade pré-contratual) da violação dos deveres secundários de informação, de esclarecimento e de lealdade, que é suposto serem observados numa relação preparatória de um negócio jurídico – podendo, assim, no caso concreto, também por esta via considerar-se preenchido o pressuposto da ilicitude[17].
*
Quanto ao requisito do dano:
Não tendo havido restituição dos 50.000 Euros (cinquenta mil euros), correspondentes ao valor das Obrigações subscritas, na data em que, segundo o regime dessas obrigações, tal devia ter acontecido, e mostrando-se que a entidade que as devia restituir está impossibilitada de efectuar essa restituição, tornando improvável o recebimento do montante entregue, materializou-se inequivocamente na esfera jurídica patrimonial do Autor um dano de 50.000 Euros.
Quanto à causalidade:
Da matéria de facto provada, resulta claramente demonstrado que o Autor nunca teria subscrito as Obrigações ..., se o Réu tivesse cumprido os seus deveres de informação, esclarecendo-o sobre as características daquele produto ou não prestando as informações falsas que determinaram essa subscrição.
O comportamento do Réu (na primeira hipótese, omissivo) deu, assim, causa aos danos que o Autor veio a sofrer. E trata-se de um comportamento que, pela sua natureza, se pode considerar adequado à produção do tipo de dano que o Autor provou ter sofrido, pois o risco de perda do capital investido nas aludidas Obrigações era um risco próprio dessa espécie de produto. O Banco Réu tinha a obrigação de conhecer esse risco, mas não informou o Autor de que ele podia verificar-se, tendo inclusivamente garantido que o mesmo não ocorreria porque ele próprio garantia o reembolso do capital investido no produto financeiro que promoveu junto do Autor.
Como ensinava o Prof. Antunes Varela: “Desde que o devedor ou o lesante praticou um facto ilícito, e este actuou como condição de certo dano, (…) se justifica que o prejuízo (embora devido a caso furtuito ou, em certos termos, à conduta de terceiro) recaia, em princípio, não sobre o titular do interesse atingido, mas sobre quem, agindo ilicitamente, criou a condição do dano”[18].
Acresce que entre os propósitos das normas do CVM já citadas, que impõem ao intermediário financeiro o cumprimento dos deveres de informar e esclarecer os seus clientes, estão certamente preocupações legislativas de que estes não venham a sofrer danos ou, no mínimo, que sejam livres (porque informados) de decidir quais os riscos que querem correr.
Dúvidas não restam, pois, de que no caso concreto se encontra preenchida a previsão normativa do art. 563º do CC.
Verificados os pressupostos da responsabilidade civil, emerge para o Réu a obrigação de indemnizar o Autor pelos danos sofridos, como resulta dos artigos 562º e 566º do CC.
Com efeito, existindo ilicitude, culpa e dano, consubstanciado este na não recuperação do valor investido, que, afinal, não foi garantido pelo Banco Réu (nem seria, dada a natureza do produto), bem como nexo de causalidade entre a actuação culposa e inadimplente deste, tem que se considerar que estão preenchidos os requisitos da obrigação de indemnizar nos termos do art. 483º, nº 1, do CC; cfr. arts. 798º e ss. do CC.
Como se decidiu no Acórdão do STJ de 17.3.2016[19]: “Pese embora a comercialização de produto financeiro com informação de ter capital garantido responsabilize em primeira linha a entidade emitente do produto, não significa que essa responsabilidade não se estenda também ao intermediário financeiro, se no relacionamento contratual que desenvolve com o cliente, assumir em nome desse relacionamento contratual também o reembolso do capital investido.”
O Banco é, pois, responsável pelas obrigações assumidas competindo-lhe reembolsar o capital investido € 50.000,00 (cinquenta mil euros) nos exactos termos em que o Tribunal Recorrido o condenou”.

No mesmo sentido de não poder o intermediário financeiro deixar de responder pelos danos que causou com a violação do dever de informação, seja por falta de informação seja pela prestação de informações falsas, se vem orientando a Jurisprudência deste Tribunal, tendo a ora 1ª Adjunta, Fernanda Almeida, intervindo como Relatora no Ac. de 15/11/2018, proc. 5780/17.1T8PRT.P1, onde se entendeu:
I - O dever de informação imposto aos bancos e intermediários financeiros encontra-se exaustivamente conformado, podendo considerar-se um dever de conduta secundário de prestação e não um simples dever acessório, ainda que funcionalizado à prestação principal.
II - A aquisição de instrumentos mobiliários, como obrigações ou bonds, valores mobiliários representativos de direitos de crédito, previstos no art. 1.º b) do CVM, constitui um modo de financiamento empresarial que exige cabal e claro esclarecimento ao cliente que os adquire.
III - Na responsabilidade contratual do intermediário financeiro (e do banco) perante o cliente, a ilicitude resulta da desconformidade do comportamento do intermediário com as obrigações que sobre si impendem, mormente a de informação, presumindo-se a culpa (art. 799.º CC …), a qual pode ser dolosa ou negligente, distinção relevante para efeitos do prazo de prescrição (art. 324.º, n.º 2 CVM). O critério de aferição da culpa contratual, nestes casos, não é o do simples bonus parter familias (art. 487.º, n.º2, ex vi 799.º, n.º 2 CC), mas o do diligentissimus pater familias ou da culpa profissional (n.º 2 do art. 304.º CVM).
IV - O pressuposto do dano resulta do art. 152.º CVM que alude à indemnização pelo interesse contratual positivo.
V - Ainda que a formulação do art. 563.º do Código Civil pareça apontar para a teoria da causalidade adequada, não é possível individualizar um critério único e válido para aferir o nexo causal em todas as hipóteses de responsabilidade civil.
VI - Viola de forma grave os especiais padrões de diligência com que a lei o onera o gestor de conta bancária que assevera ao cliente que uma Obrigação é um produto em tudo igual a um depósito bancário, afirmando-lhe que capital e juros estariam disponíveis quando aquele o entendesse, bastando solicitar à agência com uma antecedência de três dias, o que não corresponde à realidade”.

Aí se analisa e se conclui pela verificação dos requisitos da responsabilidade civil contratual do banco:
“é para a teoria da causalidade adequada que parece apontar a formulação do art. 563.º do Código Civil[39]. Todavia, o estabelecimento do nexo causal não tem de cingir-se aos parâmetros estreitos desta teoria e, não obstante ser essa a solução que parece decorrer da letra da lei (“provavelmente não teria sofrido”), a verdade é que não estão afastadas outras formulações.
Após criticar a teoria da causalidade adequada, Menezes Cordeiro[40] refere-se à teoria do escopo da norma violada (também conhecida por teoria da relatividade aquiliana) como sendo o meio idóneo de resolução de casos de fronteira[41].
Esta teoria funda-se no pressuposto de que não é possível individualizar um critério único e válido para aferir o nexo causal em todas as hipóteses de responsabilidade civil, propondo que o intérprete atenda à função da norma violada, para verificar se o evento danoso recai no seu âmbito de proteção. De modo que, quando o ilícito consiste na violação de regra imposta com o escopo de evitar a criação de um risco irrazoável, a responsabilidade estende-se somente aos eventos danosos que sejam resultado do risco em consideração do qual a conduta é proibida[42].
Assim, para Menezes Cordeiro[43], no campo da responsabilidade civil, “tudo quanto tenha a ver com omissões, com normas de proteção e com deveres do tráfego tem um enquadramento causal fácil, à luz do escopo das normas em presença”[44].
Também Menezes Leitão[45] defende a teoria do escopo da norma violada, referindo, por exemplo: “Já a teoria do escopo da norma violada defende, pelo contrário, que para o estabelecimento do nexo de causalidade é apenas necessário averiguar se os danos que resultaram do facto correspondem à frustração das utilidades que a norma visava conferir ao sujeito através do direito subjetivo ou da norma de proteção. Assim, a questão da determinação do nexo de causalidade acaba por se reconduzir a um problema de interpretação do conteúdo e fim específico da norma que serviu de base à imputação dos danos (…). Efetivamente a obrigação de reparar os danos causados constitui uma consequência jurídica de uma norma relativa à imputação de danos, o que implica que a averiguação do nexo de causalidade apenas se possa fazer a partir da determinação do fim específico e do âmbito de proteção da norma que determina essa consequência jurídica”.
Por outro lado, mesmo a causalidade adequada não afasta a causalidade mediata ou indireta, ocorrendo esta quando o facto não produz o dano, mas desencadeia ou proporciona outro facto que leva à verificação daquele[46].
Modernamente, em sede de responsabilidade civil médica, por exemplo, fala-se em dano injusto, no sentido proposto pelo art. 24.º da Convenção de Oviedo: A pessoa que tenha sofrido um dano injustificado resultante de uma intervenção tem direito a uma reparação equitativa nas condições e de acordo com as modalidades previstas na lei.[47]
Colocado o nexo causal deste jeito, logo se verifica que existe um nexo causal entre a perda verificada – não reembolso – e o não cumprimento do dever de informação.
Mesmo que se considere que o lesado terá de fazer prova de que não teria efectuado a operação, caso tivesse tido cabal conhecimento da natureza do produto em causa – o que se não aceita, posto que o que está em causa é a livre formação da vontade de negociar e essa foi definitivamente afetada[48] - no caso vertente provou-se que em face das informações assim das, pois de outra forma não o teria aceitado” (ponto 5.º da factualidade provada).
Do quadro exposto, resulta in casu demonstrada a responsabilidade civil contratual por ato do funcionário, gerente do balcão onde o autor era cliente (art. 800.º CC), posto que a subscrição de obrigações D… pelo autor foi feita sem informação cabal e objectiva sobre a natureza e características do produto financeiro em causa. Sequer o rendimento anunciado se não demonstrou, nem era mesmo exorbitante a tal ponto que fizesse criar no cliente a ideia de que só poderia estar perante algo distinto de um depósito bancário[49].
Nessa base, e tendo em conta a teoria da diferença prevista no art. 566.º CC, é de manter a sentença quando alija sobre o R. a responsabilidade pelos danos verificados no património do autor.
Desde logo não foi entregue ao A. qualquer documentação, mormente o prospecto que a lei dos valores mobiliários postula para salvaguarda dos interesses dos consumidores deste tipo de produtos financeiros, o que é suficiente para vislumbrar o incumprimento de normas (todas as relativas à informação) que visam aquela salvaguarda (cfr. 2.ª parte do n.º 1 do art. 483.º CC).
Depois, mesmo sem documentação escrita – impensável no caso de investimento em valores mobiliários – ainda se lançou mão de uma comunicação supostamente informativa de teor e alcance altamente discutível. Afirmar-se que o investimento que se faz tem garantia de capital e juros, associado à ideia também transmitida, de se tratar de um produto em tudo idêntico a um depósito a prazo, não é uma simples referência à mecânica de funcionamento do investimento.
E isto, tanto de um ponto de vista objectivo, como subjectivo.
Objetivamente, porque investir em obrigações, bonds, não é uma operação financeira tão habitual que qualquer cliente bancário esteja em posição de, a priori, decifrar o que está envolvido na expressão obrigações. Mesmo um jurista não versado em direito comercial terá nítida dificuldade em vislumbrar de imediato todo o regime complexo das Obrigações e as diversas cambiantes que envolve. Será demasiado redutor e alheio à realidade da vida pensar que uma Obrigação é um produto financeiro simples.
Subjetivamente, porque o autor não faz da actividade de investimento mobiliário a sua prática profissional, sendo, por isso, um consumidor financeiro. Qualquer consumidor ou investidor não profissional, colocado na mesma situação do autor – sobretudo quando se sabe que o grau de diligência informativa que cabe ao operador bancário e ao intermediário financeiro assume graus elevadíssimos -, associaria a alusão a capital garantido à ausência de risco de perda que sempre existe quando se lida com produtos mobiliários. Explicar que o cliente emprestava dinheiro para que uma terceira empresa, por si desconhecida, o utilizasse para seu financiamento, não é o mesmo que asseverar que “era um produto em tudo igual a um depósito”. Uma coisa é aforrar em depósito e outra, diferente, é financiar terceira pessoa cuja identidade e saúde financeira se ignora. Certo que também os bancos correm risco de insolvência, mas, ainda assim, não se trata do mesmo risco envolvido na aquisição de valores mobiliários. O risco é distinto: num caso aforra-se, noutro, empresta-se dinheiro.
Sequer foi dito ao A. que o empréstimo obrigacionista só poderia ser reembolsado 10 ano depois, tendo-se ainda demonstrado que capital e juros seriam desmobilizados, i.é, estariam disponíveis “quando este o entendesse, bastando solicitar à agência com uma antecedência de três dias”, não lhe sendo dito que a maturidade ocorreria apenas em 10 anos.
Não se vê como afirmar ser indefensável que os clientes acreditassem que o risco seria exactamente o mesmo de um depósito a prazo (p. 29 do segundo Parecer junto com as alegações de recurso.)
Como qualquer outro valor mobiliário, este produto está sujeito a risco o que é incompatível com a argumentação de que é um produto de “capital garantido”, mesmo que daí não se extraia estar o banco a prestar caução.
A omissão da informação quanto à natureza e característica do produto financeiro enquanto fundamento do ilícito a que se liga causalmente o dano, como vimos, dispensa a alegação de que o banco garantiu ou assumiu qualquer responsabilidade em vez do emitente ou na falta deste, de modo que é despiciendo aludir a questões de igualdade ou desigualdade de credores.
Sendo verdade que o intermediário financeiro não está obrigado a informar o consumidor sobre a insolvência do emitente das obrigações, também é um facto que está obrigado a explicar qual o produto que o cliente está a adquirir. Se o risco de incumprimento é um risco geral de todas as obrigações, há obrigações que comportam risco maior do que outras. É o caso das que se ligam a valores mobiliários e, por isso, as rodeou o legislador de garantias especiais de acesso e direito a informação cabal, objetiva e clara, onerando os intermediários financeiros com um elevadíssimo dever de diligência (culpa profissional ou do diligentissimus pater familias).
Mais uma vez, o que se censura ao intermediário financeiro não é não informar o consumidor de uma eventual (então não cogitável) e remota hipótese de insolvência do emitente, mas sim não explicitar o que estava em causa quando se subscreviam obrigações. Isto, mesmo que o cliente recebesse em casa um extracto periódico onde apareciam escritas as obrigações em causa. A obrigação de informação que foi obnubilada é anterior a isso. Não foi explicado ao cliente que receberia periodicamente de alguém, que não o banco, cupões relativos ao capital investido. Não foi explicado o período de maturidade do produto. Não lhe foi dito que só poderia resgatar o capital investido, em qualquer altura, apenas mediante a cedência da Obrigação a terceiros.
Ademais, o recebimento do extracto não torna o consumidor não profissional num consumidor profissional que não necessitasse de ser elucidado da natureza do produto em causa, sendo que nada resulta quanto ao cumprimento pelo banco da regra da proporcionalidade inversa: o dever de adequar o serviço ao know-how do cliente. Cabia ao banco o ónus de alegar e demonstrar a suitability, ou seja, a adequação da conduta do funcionário ao perfil deste cliente concreto[50]”.

Nos termos expostos, tendo a decisão da matéria de facto sido mantida, tem, também, a decisão de mérito de o ser, sendo que e como já se considerou:
I- No âmbito do “depósito bancário” estabelece-se uma relação obrigacional complexa, de confiança mútua dominada pelo “intuitus personae”, que impõe à instituição financeira padrões profissionais e éticos elevados, traduzidos em deveres de proteção dos legítimos interesses do cliente, em consonância com os ditames da boa fé (cfr. arts. 227º, n.º 1 e 762º, n.º 2, do C. Civil; e arts. 73º e segs. do D.L. n.º 292/98, de 31.12, que aprovou o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras – RGICSF), mormente, deveres de diligência e cuidado, deveres de alerta, aviso, advertência e prevenção para certos riscos e sua repartição, deveres de informação, deveres de descrição, sigilo ou segredo profissional, cuja inobservância ou violação poderá pôr em causa a “uberrima fides” do cliente e o “intuitus personae” da relação e originar a responsabilidade da instituição financeira imprudente ou não diligente.
II- Um dos deveres por que se concretiza o instituto dito “culpa in contrahendo” é o de informar, o qual será tanto mais intenso e extenso quanto maior for a complexidade do contrato e da realidade, por ele envolvida; assim como quanto mais inexperiente ou ignorante for a contraparte.
III- A responsabilidade do “intermediário financeiro”, aludida no art. 314º, do CVM, trata-se de uma responsabilidade contratual, cujos pressupostos estão definidos pelo artigo 798º do C. Civil; constituindo fonte de tal responsabilidade designadamente a violação do “dever de informação” a que estão obrigados os Bancos”[20],
bem concluiu o Tribunal a quo pelo preenchimento dos requisitos da responsabilidade civil do banco Réu por violação dos referidos deveres que lhe são impostos.
Neste conspecto, no confronto com a factualidade assente e como vimos a decidir em casos similares, verifica-se que o Banco réu não cuidou de cumprir com os apontados deveres a que estava obrigado para com o autor, mormente com o de informação. Antes, falsamente, assegurou, através do seu funcionário BB, estar-se perante um produto de capital garantido e sem risco, bem conhecendo o Banco réu que aquele produto não se adequava ao perfil de investidor (não qualificado ou não profissional) do autor, que não admitiria qualquer tipo de risco na aplicação financeira e que só aceitou efetuá-la convencido de que estava, de acordo com a informação que lhe fora transmitida por aquele funcionário, de se tratar de aplicação de capital garantido e sem qualquer tipo de risco.
Não está a “entender-se que o Banco assumiu uma obrigação de reembolso ou que a afiançou”, mas sim que o banco ao prestar informação falsa e ao omitir informação, sequer informou o Autor de que produto se tratava e suas reais características, incorreu em obrigação de indemnizar, por responsabilidade civil contratual, provada estando a ilicitude, a culpa (grave e efetiva), os danos e o nexo de causalidade entre a atuação do banco Réu e os danos.
Com efeito, desconsiderou o Banco réu o perfil de cliente do autor, que bem conhecia, agindo com culpa grave e se não fosse a deficiente e, mesmo, falsa, e a incompleta informação prestada pelo mesmo, o autor não teria aceite proceder à aplicação financeira em causa, sendo, pois, a conduta do Banco Réu causadora, ela mesma, dos danos em causa (art. 563º, do C. Civil), sendo a causa adequada dos mesmos.
Na verdade, bem resultou provado que se o sobredito funcionário bancário tivesse explicado ao A. que a aplicação “...” constituía um produto de risco, nomeadamente que não tinha o capital 100% garantido jamais este teria aceitado colocar nele as suas poupanças.
Foi a falta de informação aliada a informação enganosa que determinaram que o A. não tivesse a real perceção do risco, na altura em que adquiriu as obrigações subordinadas, sendo inultrapassável que o A. sequer sabia que de obrigações subordinadas se tratava e em que consistiam, sendo um aforrador sem conhecimentos específicos sobre o mercado de capitais e seus produtos, nunca tendo pretendido investir as suas poupanças numa aplicação financeira de risco, fosse ele de que tipo ou grau fosse, nunca o risco das Obrigações Subordinadas sendo igual ao risco de um depósito a prazo.
Sem a violação do dever de informação o Autor não celebraria o negócio que produziu o dano e que foi a causa adequada do mesmo.
Aguardando-se Uniformização de Jurisprudência nestas matérias, tudo aponta, contudo, para que, pelo menos em situações, como a presente, em que o investidor logre fazer a prova de que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir, não possa deixar de se considerar estabelecido o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir.
Incorreu, assim, o Banco réu em responsabilidade contratual, com a consequente obrigação de indemnizar o Autor pelos danos causados (cfr. art. 798º, 799º e 800º, n.º 1, do C. Civil), já que, ilícita e culposamente (com culpa efetiva e grave), não cuidou de cumprir a sua obrigação contratual, tendo violado deveres de informação a que estava obrigado, correspondendo aquela ao valor integral do capital investido e juros fixados (art. 564º, n.º 1, do C. Civil).
Improcedem, por conseguinte, as conclusões da apelação, não ocorrendo a violação de qualquer dos normativos invocados pelo Banco apelante, devendo, por isso, a decisão recorrida ser mantida.
*
III. DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam, integralmente, a decisão recorrida.
*
Custas pelo Banco apelante, pois que ficou vencido – art. 527º, nº1 e 2, do CPC.

Porto, 26 de setembro de 2022
Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores
Eugénia Cunha
Fernanda Almeida
Teresa Fonseca
______________
[1] Ac. RC de 3 de outubro de 2000 e 3 de junho de 2003, CJ, anos XXV, 4º, pág. 28 e XXVIII 3º, pág. 26
[2] Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pág. 348.
[3] Lebre de Freitas, Código de Processo Civil, vol II, pag.635.
[4] Ac. RP de 19/9/2000, CJ, 2000, 4º, 186 e Apelação Proc. nº 5453/06.3
[5] Vide, neste sentido, ainda, Ac. da RG de 11.09.2015, (relatora: Manuela Fialho), Ac. da RC de 24.04.2012 (relator António Beça Pereira) e AC RP de 7.05.2012 (relatora: Anabela Calafate), todos in dgsi.pt.
[6] Ac. da RP de 22/2/2021, proc. 818/13.4TBPFR-C.P1 (relator: Pedro Damião e Cunha) “Quando a apreciação da impugnação deduzida contra a decisão de facto da 1.ª instância seja, de todo, irrelevante para a solução jurídica do pleito, ainda que a tal impugnação satisfaça os requisitos formais prescritos no artigo 640º, nº 1, do CPC, não se justifica que a Relação tome conhecimento dela, à luz do disposto no artigo 608º, nº 2, do CPC”.
[7] Vide neste sentido Ac. TRP de 15/11/2018, nº de processo 5780/17.1T8PRT.P1 in www.dgsi.pt/jtrp onde se afirmou: “Em regra, os deveres de informação são deveres laterais.
Porém, atentos os contornos particulares dos regimes legais relativos aos bancos e sua intervenção no mercado dos valores mobiliários, a informação surge como um ponto crucial do cumprimento da prestação principal, de tal forma que, não obstante formalmente cumprida pelo banco a prestação principal, a omissão da informação ou a informação deficiente constitui um incumprimento ou um cumprimento defeituoso daquela prestação.”.
No mesmo sentido vide ainda Ac. do STJ de 10/04/2018, nº de processo 753/16.4TBLSB.L1.S1 no qual se entendeu e tal como consta do respetivo sumário:
I. A proteção dos interesses legítimos dos clientes de produtos financeiros implica, em relação a eles, que o intermediário financeiro indague sobre a sua situação financeira e experiência – o princípio know your costumer, ou, know your cliente no que respeita ao tipo específico de instrumento financeiro ou serviço oferecido ou procurado, bem como, se aplicável, sobre a situação financeira e os objetivos de investimento do cliente – nº3 do art. 304º do CVM – devendo observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.
II. O dever de conhecimento do perfil do cliente, sobretudo nos casos de investidores não qualificados, a avaliação não só da sua capacidade de investimento como a de suportar o risco inerente ao produto que pretende adquirir, para se ajuizar se certa transação é adequada ao cliente – suitablity test –, impõe ao intermediário financeiro um rigoroso dever pré-contratual de informação, que não se queda pelo padrão do bom pai de família, mas antes, dada a professionalidade do banco/intermediário financeiro, lhe impõe um grau de diligência mais acentuado, devendo atuar como “diligentissimus pater familias”, não sendo toleráveis procedimentos que possam sequer ser incursos em culpa leve.
III. O dever contratual de agir de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, impostos ao intermediário financeiro, no interesse legítimo dos seus clientes, não é mais, afinal, que o dever de agir de boa-fé, constituindo um dever principal – a prestação propriamente dita no complexo obrigacional a cargo do intermediário financeiro.
IV. A relação contratual obrigacional que se estabelece entre o cliente e o intermediário financeiro, exige deste um elevado padrão de conduta, com lealdade e rigor informativo pré-contratual e contratual: informação completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita, tendo em conta que, entre clientes não qualificados, a avaliação do risco não é tão informada quanto a da contraparte.
V. O não cumprimento dos deveres de informação é sancionado, no quadro da responsabilidade civil contratual – art. 483º, nº1, do Código Civil –, impendendo sobre o intermediário financeiro ou banco, que age nessa veste, presunção de culpa nos termos do art. 799º, nº1, do Código Civil, sendo claro o nº2 do art. 304-A do CVM quando estatui – “A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito das relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado por violação de deveres de informação.”
[8] Vide neste sentido Ac. STJ de 19/03/2019, nº de processo 3922/16.3T8VIS.C2.S1 in jurisprudência.csm.org ECLI:PT:STJ:2019:3922.16.3T8VIS.C2.S1.C9: Ac. STJ de 28/01/2020, nº de processo 2142.16.1T8STR.E1.S1 in jurisprudência.csm.org ECLI:PT:STJ:2020:2142.16.1T8STR.E1.S1; [9] V. entre outros, os recentes acs. do STJ de 5.6.2018 (relator: Sousa Lameira), 6.11.2018 (relator: Cabral Tavares), 8.11.2018 (relator: Abrantes Geraldes), 24.2.2019 (relator: Abrantes Geraldes), 21.2.2019 (relator. Ilídio Sacarrão- com importante voto de vencido de Nuno Pinto Oliveira),14.3.2019 (relator: Maria dos Prazeres Beleza), 28.3.2019 (relator: Maria dos Prazeres Beleza- com importante voto de vencido de Nuno Pinto Oliveira), 30.4.2019 (relator. Maria dos Prazeres Beleza), 9.5.2019 (relator: Maria Rosário Morgado), 6.6.2019 (relator: Maria Rosário Morgado), todos disponíveis em Dgsi.pt.
[10] Sobre o tema, apontam-se, a título exemplificativo: Menezes Cordeiro, in “Responsabilidade bancária, deveres acessórios e nexo de causalidade” (Estudos de Direito Bancário, Vol. I) e Gonçalo Castilho dos Santos, in “A responsabilidade civil do intermediário financeiro perante o cliente”.
[11] In “Das Obrigações Em Geral”, Vol. I, págs.521 e 522.
[12] Obra citada, pág. 522.
[13] V., no entanto, que parte da Jurisprudência do STJ tem admitido essas presunções – destacando-se aqui o voto de vencido de Nuno Pinto de Oliveira já atrás mencionado. Na doutrina, também tem defendido essa posição o Prof. Menezes Cordeiro que refere que a norma do art. 799.º do CC contém uma dupla presunção de ilicitude e de culpa. “Perante a falta de cumprimento, presume-se que: o devedor não cumpriu, violando as normas jurídicas que mandam cumprir – ilicitude; o devedor incorre no correspondente juízo jurídico de censura – culpa” (cf. Menezes Cordeiro, in “Direito Bancário”, págs. 431-432). Na presença de um acordo entre o banqueiro e o seu cliente a “falta do resultado normativamente prefigurado implica presunções de culpa, de ilicitude e de causalidade” (cf. Menezes Cordeiro, in “Direito Bancário”, pág. 432). Assim, numa situação de tipo obrigacional, a mera falta de informação do beneficiário responsabiliza, automaticamente, o obrigado. O responsabilizado só se liberará se lograr provar que, afinal, prestou a informação ou se beneficiou de alguma causa de justificação ou de escusa (cfr. Menezes Cordeiro, pág. 433).
[14] Das Obrigações Em Geral, Vol. I, pág.94.
[15] Citando:
“- Acórdão de 10.1.2013 (relator Tavares de Paiva):
“I - Embora a comercialização de produto financeiro com informação de ter capital garantido responsabilize em primeira linha a entidade emitente do produto, não significa que essa responsabilidade não se estenda também ao intermediário financeiro, se no relacionamento contratual que desenvolve com o cliente, assumir em nome desse relacionamento contratual também o reembolso do capital investido.
II - E provando-se, no caso em apreço, que o gerente do banco em 2001 propôs à autora uma aplicação financeira mediante a aquisição de um produto com garantia do capital investido e que a autora deu a sua anuência à concretização da aplicação, por se tratar de um produto comercializado pelo Private Banking do Banco 2..., SA com capital garantido – informação de capital garantido que veio posteriormente a ser confirmada pela administração do Banco 2..., SA, quando, em Maio de 2008, decidiu honrar os compromissos assumidos pelos banco, através do pagamento do valor nominal dos títulos aos inúmeros clientes afectados, entre os quais a autora – constitui uma realidade negocial que configura da parte do banco um compromisso feito seguramente em nome desse relacionamento contratual existente entre a autora e o banco réu que se desenvolveu ao longo dos anos e nomeadamente durante a vigência dos títulos financeiros adquiridos (2001 a 2008) e, como tal, o banco é responsável pelas obrigações contratuais assumidas, como seja, o reembolso do capital investido nessa aquisição dos identificados activos financeiros.
III - Além desta responsabilidade contratual nos termos descritos existe também responsabilidade extracontratual por parte do banco réu, em consequência da violação dos deveres, não só do exercício da sua actividade de intermediário financeiro, nomeadamente os princípios orientadores consagrados no art. 304 do CVM, como sejam os ditames da boa fé, elevado padrão de diligência, lealdade e transparência, como também da violação dos mais elementares deveres de informação a que aludem os arts. 7.º n.º 1 e 312.º, n.º 1, ambos do CVM, fazendo, assim, incorrer o banco réu na responsabilidade, a que alude o art. 314.º, n.º1, do CVM, sendo certo também que o banco Réu não ilidiu a presunção legal de culpa do n.º2 do citado art. 314.º, constituindo-se por essa via também na obrigação de indemnizar os danos causado à autora”.
- Acórdão de 17.3.2016 (relator: Maria Clara Sottomayor):
“I - Embora a comercialização de produto financeiro com informação de ter capital garantido responsabilize em primeira linha a entidade emitente do produto, não significa que essa responsabilidade não se estenda também ao intermediário financeiro, se no relacionamento contratual que desenvolve com o cliente, assumir em nome desse relacionamento contratual também o reembolso do capital investido.
II - Provando-se que a gerente do Banco em Janeiro de 2008 propôs ao autor uma aplicação financeira mediante a aquisição de um produto (papel comercial emitido pela «....») com garantia do capital investido e que o autor deu a sua anuência à concretização da aplicação, por se tratar de um produto comercializado pelo ... com capital garantido, o Banco é responsável pelas obrigações assumidas no compromisso com o cliente: o reembolso do capital investido e os juros.
III - O art. 324.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários consagra um prazo de prescrição de dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos, salvo dolo ou culpa grave.
IV – O ónus da prova da excepção da prescrição cabe ao réu.
V- Actua com culpa grave, para o efeito de não aplicabilidade do prazo de prescrição de dois anos, o Banco que recorre a técnicas de venda agressivas, mediante a utilização de informação enganosa ou ocultando informação, com o intuito de obter a anuência do cliente a determinados produtos de risco que este nunca subscreveria se tivesse conhecimento de todas as características do produto, nomeadamente se soubesse que nem sequer o capital investido era garantido.”.
- Acórdão de 25.10.2018 (relator: Bernardo Domingos):
“I. Num contrato de intermediação financeira recai sobre o intermediário financeiro, o dever contratual de agir de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência. Este dever, imposto ao intermediário financeiro, no interesse legítimo dos seus clientes, não é mais, afinal, que o dever de agir de boa-fé, constituindo um dever principal – a prestação propriamente dita no complexo obrigacional a cargo do intermediário financeiro. II. A relação contratual obrigacional que se estabelece entre o cliente e o intermediário financeiro exige deste um elevado padrão de conduta, com lealdade e rigor informativo pré-contratual e contratual: informação completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita, tendo em conta que, entre clientes não qualificados, a avaliação do risco não é tão informada quanto a da contraparte. III. O não cumprimento dos deveres de informação é sancionado, no quadro da responsabilidade civil contratual – art. 483º, nº1, do Código Civil –, impendendo sobre o intermediário financeiro ou banco, que age nessa veste, presunção de culpa nos termos do art. 799º, nº1, do Código Civil e nº 2 do art. 304-A do CVM. IV. Estando demonstrado que o Réu, na fase pré-contratual, não prestou a exigível e qualificada informação pautada pelo standard da actuação de boa-fé, com o elevado padrão de conduta, não actuando com diligência e transparência de modo a informar, cabalmente, do risco do negócio, não respeitando, nem protegendo o interesse do investidor e que ao invés lhe prestou informação ambígua tendente a convencê-lo da inexistência de risco ou de um risco igual ao de um depósito a prazo do próprio banco, é obvia a ilicitude de tal conduta e grave a culpa, porque deliberada e meticulosamente planeada. V. Os danos relevantes para efeitos de indemnização, quando se reportem a situações que impliquem uma projecção no futuro dos efeitos de determinado comportamento do agente, são determinados em função de um critério de probabilidade, não exigindo a lei a certeza quanto à sua ocorrência. VI. Assim para que haja nexo causal entre a conduta ilícita e culposa da R. traduzida na violação dos deveres de informar, e o dano sofrido pelo cliente, consistente na perda do capital investido, na sequência do erro em que foi induzido, basta que os factos provados permitam formular um juízo de grande probabilidade de que o A. não teria subscrito aquela aplicação financeira, se o dever de informação tivesse sido cumprido nos termos imposto por lei ou seja de forma completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita. VII. Verificados os pressupostos da responsabilidade civil, o intermediário financeiro constitui-se na obrigação de indemnizar o cliente pelo prejuízos sofridos, consistentes no montante do capital investido e respectivos juros moratórios.”
- Acórdão de 10.4.2018 (relator: Fonseca Ramos):
“I. A protecção dos interesses legítimos dos clientes de produtos financeiros implica, em relação a eles, que o intermediário financeiro indague sobre a sua situação financeira e experiência – o princípio know your costumer, ou, know your client no que respeita ao tipo específico de instrumento financeiro ou serviço oferecido ou procurado, bem como, se aplicável, sobre a situação financeira e os objectivos de investimento do cliente – nº 3 do art. 304º do CVM – devendo observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência. II. O dever de conhecimento do perfil do cliente, sobretudo nos casos de investidores não qualificados, a avaliação não só da sua capacidade de investimento como a de suportar o risco inerente ao produto que pretende adquirir, para se ajuizar se certa transacção é adequada ao cliente – suitablity test –, impõe ao intermediário financeiro um rigoroso dever pré-contratual de informação, que não se queda pelo padrão do bom pai de família, mas antes, dada a profissionalidade do banco/intermediário financeiro, lhe impõe um grau de diligência mais acentuado, devendo actuar como “diligentissimus pater familias”, não sendo toleráveis procedimentos que possam sequer ser incursos em culpa leve. III. O dever contratual de agir de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, impostos ao intermediário financeiro, no interesse legítimo dos seus clientes, não é mais, afinal, que o dever de agir de boa fé, constituindo um dever principal – a prestação propriamente dita no complexo obrigacional a cargo do intermediário financeiro. IV. A relação contratual obrigacional que se estabelece entre o cliente e o intermediário financeiro exige deste um elevado padrão de conduta, com lealdade e rigor informativo pré-contratual e contratual: informação completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita, tendo em conta que, entre clientes não qualificados, a avaliação do risco não é tão informada quanto a da contraparte. V. O não cumprimento dos deveres de informação é sancionado, no quadro da responsabilidade civil contratual – art. 483º, nº 1, do Código Civil –, impendendo sobre o intermediário financeiro ou banco, que age nessa veste, presunção de culpa nos termos do art. 799º, nº1, do Código Civil, sendo claro o nº2 do art. 304-A do CVM quando estatui – “A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito das relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado por violação de deveres de informação.” VI. Os factos provados demonstram que o Réu, na fase pré-contratual, não prestou a exigível e qualificada informação pautada pelo standard da actuação de boa fé, com o elevado padrão de conduta, não actuando com diligência e transparência de modo a informar, cabalmente, do risco do negócio, não respeitando, nem protegendo o interesse do investidor, seu cliente há 12 anos, e que, naturalmente confiava, como seria esperável dessa relação de confiança, uma informação que, obviamente, não era a de que a EE pudesse cair na insolvência, mas que não deveria ser a que foi prestada: o retorno do investimento naquele produto financeiro era garantido como se fosse um produto do banco, o que foi razoavelmente entendido, como tão seguro e garantido como um depósito a prazo. VII. Se nos deveres de informação não cabe, por exemplo, o dever de alertar para o risco de insolvência da entidade que coloca o produto financeiro no mercado, sobretudo se as circunstâncias não assinalarem no horizonte esse risco, já nos casos, como é o que nos ocupa, em que o cliente é induzido a investir pelo Banco, que toma a iniciativa de o contactar, o que revela confiança, não mesmo certo é que qualquer reticência de informação já é violadora do padrão de exigência informativa cometida ao intermediário financeiro. VIII. O prazo de prescrição de dois anos, previsto no art. 324º, nº 2, do CVM, só é aplicável nos casos de culpa leve ou levíssima do intermediário financeiro, como resulta da ressalva inicial “salvo dolo ou culpa grave”: sendo a culpa grave, não se aplica aquele prazo bianual, mas o prazo prescricional geral do art. 309º Código Civil.”
- Acórdão de 18.9.2018 (relator: Maria Olinda Garcia):
“I - O cumprimento ou incumprimento dos deveres de informação que o art.312.° do CMVM impõe ao intermediário financeiro, só ao nível do caso concreto pode ser efectivamente determinado, tendo por base o perfil do cliente e as específicas circunstâncias da contratação. II - Concluindo-se que o intermediário financeiro violou ilícita e culposamente os deveres de informação que lhe eram impostos, torna-se responsável pelos prejuízos imputáveis à sua conduta.”
- Acórdão de 18.9.2018 (relator Salreta Pereira):
“I - O réu, na qualidade de intermediário financeiro, violou os deveres de informação a que estava obrigado por força dos arts. 304.º, n.ºs. 2 e 3 do CVM e 77.º, n.º 1, do RGICSF, ao convencer erradamente os autores que o reembolso do capital investido em determinado produto financeiro era garantido, que a aplicação era tão segura como um depósito a prazo e que era melhor remunerada. II - A actuação ilícita e culposa do réu – art. 799.º do CC – foi causal da aplicação do capital dos autores e do dano correspondente à sua perda: (i) os autores eram clientes do banco há mais de 15 anos e têm a 4.ª classe; (ii) os funcionários do réu sabiam que os autores nunca tinham investido em produtos diferentes de depósitos a prazo; (iii) os autores não tinham a intenção de investir; (iv) foram os funcionários do réu que seduziram e convenceram os autores a investir o valor de €50.000 no produto financeiro, iludindo-os quanto à sua natureza e características.”
- Acórdão de 11.12.2018 (relator: Ana Paula Boularot):
“I. Os intermediários financeiros encontram-se sujeitos a um conjunto de princípios gerais atinentes ao exercício e à organização da sua actividade, os quais decorrem directamente do preceituado no artigo 304º do CVM. II. O princípio dos princípios orientadores da actividade de intermediação reside, indubitavelmente no nº 1 daquele normativo ao impor aos intermediários financeiros que orientem a sua actuação no sentido da protecção dos interesses legítimos dos seus clientes. III. Tal princípio mais não é do que a imposição da expressão da Directiva 2004/39/CE de 21 de Abril, da qual decorre uma vinculação dos intermediários financeiros a orientar a sua actividade no sentido de assistir os seus clientes ao nível do seu plano de investimentos, informando-os e alertando-os para os possíveis riscos e chamando-lhes a atenção para eventuais prejuízos que deles possam advir; mais do que meros executantes formais dos serviços disponibilizados e/ou contratados, os intermediários financeiros devem funcionar em relação aos seus clientes/investidores, como verdadeiros garantes e guardiões dos réditos investidos zelando pela sua valorização. IV. Viola tal princípio a entidade bancária que no exercício da intermediação financeira não apresenta ao seu cliente de forma clara, esclarecida e fiel, o produto proposto, não obstante soubesse que este não tinha conhecimentos que lhe permitissem aferir do alcance da aplicação na aquisição das obrigações da PT, em causa, bem sabendo que o Autor não tinha qualquer intenção em investir o seu dinheiro em produtos que implicassem qualquer risco para o capital, sendo certo que lhe foi até assegurado que «o produto em questão era idêntico a um depósito a prazo, por quatro anos, sem qualquer risco de capital ou juros e susceptível de ser movimentado quanto o autor quisesse». V. O Réu/Recorrente, com a sua conduta, desafiou todos os deveres de protecção da integridade pessoal e patrimonial do Autor, tendo-lhe apresentado como realidade, uma situação que à partida sabia que não era aquela (não se tratava de um depósito a prazo, mas sim da aquisição de um produto de risco), o que conduziu, não a uma frustração das expectativas daquele, mas antes, à frustração da sua confiança, porquanto as representações e as disposições efectuadas em função das mesmas, lhe foram indevidamente transmitidas, o que conduz, inexoravelmente à obrigação de reparação, colocando o sujeito na situação em que se encontraria se não tivesse acalentado aquelas expectativas.”
- Acórdão de 7.2.2019 (relator: Rosa Tching):
“I. Os deveres de informação, no âmbito das actividades de intermediação financeira, apresentam-se como um mecanismo fulcral de protecção dos investidores, com especial enfoque nos mais vulneráveis, por forma a criar-lhes um clima de confiança e de segurança na aplicação das suas poupanças e proporcionar-lhes uma decisão consciente. II. O âmbito dos deveres de informação, a que o intermediário financeiro se encontra vinculado, é determinado quer em função da qualidade de informação, que deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita», incluindo, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, nomeadamente as respeitantes a riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar, quer em função do quantum da informação, balizado por uma regra de proporcionalidade inversa entre o grau de extensão e densidade daquele dever por parte do intermediário e o grau de conhecimentos e experiência do cliente/investidor, reportado ao produto financeiro em causa. III. A responsabilidade civil do intermediário financeiro, por violação dos deveres de informação, pressupõe, para além da sua culpa presumida, a prova, por parte do lesado, da ilicitude resultante do incumprimento dos referidos deveres bem como do nexo de causalidade adequada entre esse incumprimento e o dano sofrido pelo investidor. IV. Demonstrado terem os clientes/investidores um perfil conservador e terem os mesmos confiado no banco, intermediário financeiro, para encontrar as aplicações financeiras mais adequadas às suas pretensões de apenas quererem investir através da subscrição de um produto financeiro “sem risco”, que oferecesse uma segurança semelhante a um depósito a prazo, mas que tivesse uma rentabilidade superior à deste, como era do conhecimento do funcionário do banco que lhes vendeu a obrigação subordinada ..., era dever legal do banco informá-los, no momento da aquisição deste produto, acerca das reais características deste produto financeiro. V. As obrigações subordinadas distinguem-se das obrigações clássicas por estarem abrangidas por uma cláusula de subordinação, isto é, no caso de insolvência ou liquidação da entidade emitente, apenas são reembolsadas após os demais credores por dívida não subordinada, tendo prioridade tão só sobre os accionistas, representando, por isso, um maior risco potencial, pois, considerando o facto de, na graduação de créditos, cederem perante os créditos privilegiados e sobre os créditos comuns, facilmente se pode aceitar como certa a inviabilidade de os respectivos subscritores obterem no processo de insolvência o retorno do capital que a emitente se obrigou a realizar e os respectivos juros. VI. Não tendo o banco intermediário, aquando da subscrição da obrigação ..., dado a conhecer aos clientes/investidores as reais características deste produto financeiro, designadamente os maiores riscos envolvidos nesta operação, incluindo o especial risco de não retorno do capital investido em caso de insolvência da entidade emitente, factor que assume especial relevância visto estarmos perante uma obrigação subordinada com reembolso a dez anos e sem possibilidade de reembolso antecipado por iniciativa do subscritor, e tendo, em vez disso, assegurado aos clientes/investidores que a obrigação ... era equivalente a um depósito a prazo, tão segura como este, estando garantido o retorno do capital investido, incorreu o banco em violação dos deveres de informação a que, na sua actividade de intermediação, se encontrava vinculado, não podendo deixar de relevar esta sua actuação ilícita para efeitos de responsabilidade civil contratual.”
- ac. 19.3.2019 (relator: José Rainho):
“I - É dever do intermediário financeiro prestar, quanto aos valores mobiliários que disponibiliza para subscrição junto de clientes, informação completa, verdadeira e objectiva sobre o produto e seus riscos, assim como é seu dever pautar-se de acordo com o vector da boa-fé, nomeadamente em termos de lealdade.
II - Não cumpre esses deveres o intermediário financeiro, Banco, que faz crer ao cliente que o produto financeiro que propunha para subscrição tinha a garantia do próprio Banco, que tinha a mesma garantia de um depósito a prazo e que o Banco garantia o capital investido, quando afinal do que se tratava era de obrigações subordinadas emitidas por terceira entidade, que era a devedora do reembolso do capital e do pagamento dos juros, embora fosse a titular da totalidade do capital social do Banco.
III - Mostrando-se que se o intermediário financeiro tivesse informado o cliente de forma completa, verdadeira e leal este nunca aceitaria subscrever o produto financeiro em causa, e mostrando-se que o reembolso não foi feito na data da respectiva maturidade nem depois, é o intermediário financeiro responsável pelo prejuízo sofrido pelo investidor.
IV - Esse prejuízo corresponde ao montante investido, acrescido de juros de mora.
V - A circunstância de ter sido dito ao cliente que o produto proposto tinha a garantia do próprio Banco ou que tinha a mesma garantia de um depósito a prazo ou ainda que o Banco garantia o capital investido, tudo isto apenas significa, dentro da economia da demais factualidade conhecida, que o Banco prestou informações que não eram exactas ou verdadeiras, e é daqui que deve nascer a sua responsabilização.
VI - A assunção de dívida alheia, seja no figurino da assunção liberatória, seja no figurino da assunção cumulativa ou co-assunção de dívida, só vale como tal se houver aceitação do credor.
VII - Deste modo, mostrando-se que o investidor não representou que estava a adquirir obrigações emitidas por terceiro e que existia um devedor primitivo (a entidade emitente), não faz sentido falar-se numa co-assunção da dívida por parte do Banco, e muito menos numa transmissão da dívida para este”.
- ac. 26.3.2019 (relator: Alexandre Reis), in dgsi.pt
“I - Considerando o âmbito funcional dos deveres de informação (completa, verdadeira, actual, clara e objectiva) que impendem sobre o intermediário financeiro, determinado pelo grau de conhecimentos e experiência do seu cliente – no caso, um investidor conservador e que, afinal, actuou convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação com as características de um depósito a prazo, sendo, portanto, não familiarizado com o produto financeiro (obrigação subordinada) em causa –, não cumpre tais deveres o banco que, naquela qualidade, fez crer a este que o capital que lhe propôs investir no produto poderia ser recuperado com rapidez e, sobretudo, que era garantido pelo próprio banco e como um depósito a prazo.
II - Mostrando-se que o cliente nunca teria adquirido a obrigação referida se o intermediário financeiro o tivesse informado de forma completa e verdadeira, designadamente de que o reembolso do capital investido não era garantido pelo banco, mostra-se preenchida a conditio sine qua non do dano e, por outro lado, em função das circunstâncias conhecidas e cognoscíveis de todo o processo factual e segundo as regras da experiência comum e um critério de verosimilhança e de probabilidade, o facto de este ter violado o bem jurídico tutelado pelo dever de informação a que estava vinculado, não só não se mostra indiferente como foi apto a produzir o não reembolso do capital – a lesão verificada –, independentemente de este ter sido também condicionado pela superveniente insolvência da emitente da obrigação, sendo, pois, razoável impor ao intermediário a responsabilidade por esse resultado”.
[16] V. quanto à natureza da responsabilidade pré-contratual por ex. o Prof. Mota Pinto, in “A responsabilidade pré-negocial pela ruptura das negociações”, Menezes Cordeiro, in “Da boa fé no direito civil”, Vol. I, pág. 585; e Ana Prata, in “Notas sobre responsabilidade pré-contratual”, págs. 198 e ss., defendendo que tem natureza contratual; contra, Prof. Almeida Costa, in “A responsabilidade civil pela ruptura das negociações”, pugnando pela afirmação de que se estará perante uma responsabilidade extracontratual.
[17] V. nesta hipótese o ac. do STJ de 19.3.2019 (relator: José Rainho), in dgsi.pt.
[18] In “Das Obrigações Em Geral”, Vol. I, pág.894.
[19] (Relator: Maria Clara Sottomayor), in www.dgsi.pt.
[20] Ac. RG de 30/5/2018, proc. 348/17.5T8VCT.G2, Relator: António Barroca Penha