Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1060/15.5T8PVZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDO SAMÕES
Descritores: DÍVIDA LIQUIDÁVEL EM PRESTAÇÕES
PRESTAÇÕES VENCIDAS E NÃO PAGAS
JUROS REMUNERATÓRIOS
Nº do Documento: RP201511101060/15.5T8PVZ.P1
Data do Acordão: 11/10/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A doutrina do acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 7/09 continua válida e em vigor.
II - A possibilidade de as partes poderem, no âmbito da sua liberdade contratual, convencionar regime diverso do definido pelo art.º 781.º do Código Civil já havia sido ressalvada na fundamentação do mesmo acórdão.
III - Porém, essa ressalva foi só nesse sentido e não que as partes poderiam incluir no valor das prestações os juros remuneratórios quanto às prestações vencidas não pagas.
IV - Os juros remuneratórios, exprimindo o rendimento financeiro do capital mutuado, não podem ser incluídos nas prestações do capital cujo vencimento é antecipado pelo credor, por incumprimento do mutuário consumidor, mas apenas nas prestações vencidas.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1060/15.5T8PVZ.P1
Do Tribunal da Comarca do Porto – Póvoa de Varzim - Instância Local - Secção Cível - J3, onde deu entrada em 29/7/2015.

Relator: Fernando Samões
1.º Adjunto: Dr. Vieira e Cunha
2.º Adjunto: Dr.ª Maria Eiró
*
Acordam no Tribunal da Relação do Porto - 2.ª Secção:

I. Relatório

B…, com sede na Avenida…, Lisboa, intentou a presente acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato contra C…residente no Bairro…, Póvoa de Varzim, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de 7.023,44 €, acrescida de 792,24 € de juros vencidos até 29/7/2015 e de 31,99 € de imposto de selo sobre os juros vencidos e os juros que se vencerem sobre a quantia de 7.023,44 €, à taxa anual de 14,6%, desde 30/7/2015 até integral pagamento, bem como o imposto de selo que, à taxa de 4%, sobre estes juros recair, e, ainda, no pagamento das custas, procuradoria e mais legal.
Para tanto, alegou, em resumo, que, no exercício da sua actividade comercial, em 7/1/2014, concedeu à ré um crédito para aquisição de um veículo automóvel, sob a forma de mútuo, pelo qual emprestou a esta a quantia de 5.479,65€, com juros à taxa inicial de 10,888%, indexada à Euribor a 90 dias, e que ela se obrigou a restituir em 84 prestações, mensais e sucessivas, no valor de 95,97 €, com vencimento, a primeira em 10/2/2014 e as seguintes no dia 10 dos meses subsequentes, posteriormente alterado para 85 prestações e novamente para 84, com vencimento no dia 20 de cada mês; que acordaram como indemnização, a título de cláusula penal, a taxa anual de 14,6% sobre o montante em dívida, para o caso de mora, e que, na falta de pagamento de três ou mais prestações sucessivas, o mutuante poderia considerar vencidas as restantes prestações, com juros e demais encargos; a ré não pagou a 9.ª prestação, vencida em 20/10/2014, bem como não pagou a 10.ª e a 13.ª e seguintes, o que o levou a comunicar-lhe a perda do benefício do prazo e a resolver o contrato, ficando em dívida a quantia pedida.

A ré não contestou, apesar de pessoalmente citada.
Não obstante, não foi conferida força executiva à petição por se ter entendido que a parte do pedido referente aos juros remuneratórios contidos nas prestações cujo vencimento antecipado foi provocado pelo autor era manifestamente improcedente.
Foi, então, lavrada sentença que conheceu do mérito e decidiu:
Pelo exposto e ao abrigo das disposições legais enunciadas, julga-se a presente acção parcialmente procedente, por provada e, em consequência, condena-se a Ré a pagar ao Autor a quantia de €5.042,46 (cinco mil e quarenta e dois euros e quarenta e seis cêntimos) e ainda os juros de mora vencidos – desde a data de vencimento das prestações números 9 (nove), 10 (dez), 13 (treze), 14 (catorze), 15 (quinze), 16 (dezasseis) e 17 (dezassete) e desde 9.7.2015 sobre a quantia de €4.370,67 (quatro mil trezentos e setenta euros e sessenta e sete cêntimos), que corresponde às prestações números 18 (dezoito) a 84 (oitenta e quatro), e vincendos, à taxa anual de 14,600%, até integral pagamento, bem como o imposto de selo que à taxa de 4% sobre estes juros recair.
Do demais peticionado, vai a Ré absolvida.

Inconformado com o segmento da decisão em que decaiu, o autor interpôs recurso de apelação para este Tribunal e apresentou a sua alegação com a seguinte, única e sintética, conclusão:
“Em conclusão, portanto, a sentença recorrida fez errada interpretação e aplicação da matéria de facto constante dos autos, tendo violado o disposto no artigo 20º do Decreto-Lei 133/2009, face ao que expressamente acordado foi pelas partes na alínea b) do artigo 8º das Condições Gerais do contrato dos autos, pelo que o presente recurso deve ser julgado procedente e provado e, em consequência, a sentença recorrida ser revogada e substituída por acórdão que julgue a acção totalmente procedente e provada, desta forma se fazendo correcta e exacta interpretação e aplicação da lei à matéria de facto provada nos autos, desta forma se fazendo, portanto J U S T I Ç A”.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, regime de subida e efeito que foram mantidos por este Tribunal.

Tudo visto, cumpre apreciar e decidir o mérito do presente recurso.
Sabido que o seu objecto e âmbito estão delimitados pelas conclusões do recorrente, não podendo este Tribunal de 2.ª instância conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excepcionais que aqui não relevam, e tendo presente que se apreciam questões e não razões, a única questão que importa dirimir consiste em saber se são devidos os juros remuneratórios (e respectivo imposto de selo) das prestações correspondentes a períodos que não tinham decorrido e que se venceram antecipadamente por falta de pagamento e em virtude do accionamento da respectiva cláusula pelo mutuante.

II. Fundamentação

1. De facto

Na sentença impugnada foram dados como provados os seguintes factos:
1. O Autor é uma instituição de crédito.
2. O Autor, no exercício da sua actividade comercial, por acordo escrito, constante de título particular datado de 4 de Janeiro de 2014, junto em fotocópia com a petição inicial e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos, concedeu crédito directo, sob a forma de um contrato de mútuo, tendo assim emprestado a C… a importância de Euros 5.479,65, para esta adquirir um veículo automóvel de marca HYUNDAI, modelo…, com a matrícula ..-..-XL.
3. Nos termos do acordo referido em 2, o Autor emprestou à Ré a dita importância de €5.479,65, com juros à taxa nominal de 10,888% ao ano, indexada à Euribor a 90 dias, devendo a importância do empréstimo, e os juros referidos, bem como a comissão de gestão, o imposto de selo de abertura de crédito e o prémio de seguro vida, serem pagos, nos termos acordados, em 84 prestações, mensais e sucessivas, com vencimento a primeira em 10.2.2104, e as seguintes nos dias 10 dos meses subsequentes, sem prejuízo de o número de prestações poder ser superior ou inferior em função do acréscimo ou decréscimo da taxa de juro inicialmente acordada em função da variação da taxa Euribor (al. b) da cláusula 4ª das condições gerais do contrato).
4. Mais foi acordado que a importância de cada uma das referidas prestações deveria ser paga - conforme ordem irrevogável logo dada pela Ré para o seu Banco - mediante transferências bancárias a efectuar, aquando do vencimento de cada uma das referidas prestações, para a conta bancária, logo indicada pelo ora A.
5. Igualmente foi acordado - Cláusula 7ª, 4 das Condições Gerais[1] - que a falta de pagamento de três ou mais prestações sucessivas na data do respectivo vencimento implicava o vencimento imediato de todas as demais prestações, tendo estas o valor constante do contrato, ou seja, o valor de Euros 95,97 cada.
6. Mais foi acordado entre as partes que, em caso de mora sobre o montante em débito, a título de cláusula penal, acrescia uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual ajustada, ao presente – 10,600% - acrescida de 4 pontos percentuais, ou seja, um juro à taxa anual de 14,600%.
7. Atenta as actualizações da Euribor, a taxa de juro foi alterada para 10.919% no período de 1.1.2014 a 31.03.2014, para 10,855% no período de 1.4.2014 a 30.6.2014, para 10,711% no período de 1.7.2014 a 30.9.2014, para 10,695% no período de 1.10.2014 a 31.12.2014, para 10,641% no período de 1.1.2015 a 31.3.2015 e para 10,600% no período de 1.4.2015 a 30.6.2015.
8. Atentas as actualizações da taxa Euribor, o prazo do contrato foi alargado de 84 para 85 prestações.
9. A Ré, por não poder cumprir o contrato dos autos, solicitou ao Autor que o saldo então em débito fosse pago pela Ré ao Autor pela redução do prazo do reembolso do empréstimo de 85 para 84 prestações mensais e sucessivas, cuja data de vencimento foi alterada para o dia 20 de Março de 2014 e as restantes para os dias 20 dos meses imediatamente subsequentes.
10. Cada uma das referidas prestações deveria ser paga, nos termos acordados, conforme ordem irrevogável logo dada pela Ré, para o seu Banco, mediante transferências bancárias a efectuar, aquando do vencimento de cada uma das referidas prestações, para a conta bancária, sediada em Lisboa, logo indicada pelo ora Autor.
11. A Ré, das prestações referidas, não pagou a 9ª prestação e seguintes, vencida a primeira em 20 de Outubro de 2014, vencendo-se todas no montante cada uma de €95,97 e a última de €17,63, tendo contudo pago as 11ª e 12ª prestações, vencidas aos dias 20 de Dezembro de 2014 e 20 de Janeiro de 2015, conforme carta que o Autor dirigiu à Ré, comunicando-lhe a perda do benefício do prazo contratual, junta como documento 10 e que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.
12. A referida Ré não providenciou às transferências bancárias referidas – que não foram feitas - para pagamento das ditas prestações, nem a Ré, ou quem quer que fosse por ela, as pagou ao Autor.

2. De direito

É pacífico que estamos perante um contrato de mútuo bancário oneroso, destinado ao consumo, ou melhor, um contrato de crédito ao consumo, sob a forma de mútuo bancário, concedido pelo autor à ré, figurando aquele como mutuante/credor e esta como mutuária/consumidora/devedora, o qual é regulado pelas disposições próprias e pelas normas do Código Comercial e do Código Civil [art.º 4.º, n.º 1, al. c) do DL n.º 133/2009, de 2 de Junho, art.º 3.º do Código Comercial e art.ºs 1142.º e seguintes do Código Civil, com excepção das respeitantes à forma – art.º 1143.º - e aos limites das taxas de juros – art.º 1146.º].
É o que resulta dos factos provados e, como tal, foi qualificado na sentença, com o que se conformaram as partes, pelo que nos dispensamos de tecer mais considerações sobre essa matéria.
Assentes, por confissão e ausência de impugnação, estão também, não só a possibilidade do conhecimento da questão com fundamento na manifesta improcedência, mas também a resolução contratual pelo autor por incumprimento da ré, com o inerente direito à restituição do capital e juros, moratórios vencidos e remuneratórios até à data da resolução, e inerentes encargos.
Em causa, no recurso está apenas o direito aos juros remuneratórios (e respectivos encargos) acordados sobre as prestações que se venceram antecipadamente, ou seja, a partir da 18.ª prestação inclusive.
Quanto a esta questão, tem havido divergência, desde há muito, na jurisprudência, de tal modo que surgiu o acórdão uniformizador n.º 7/09, de 25/3/2009[2], que uniformizou a jurisprudência, de forma quase unânime[3], nos seguintes termos:
No contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redacção conforme ao art.º 781.º do Código Civil não implica a obrigação de pagamento dos juros remuneratórios nelas incorporados”.
Não obstante esse acórdão uniformizador de jurisprudência, porque na respectiva fundamentação se fez constar como premissa nuclear do entendimento ali sufragado, nomeadamente no ponto n.º 10, que “as partes no âmbito da sua liberdade contratual podem convencionar, contudo, regime diferente do que resulta da mera aplicação do princípio definido no art.º 781º do C. Civil”, continua a polémica, com a correspondente divergência na jurisprudência.
Assim, considerando o regime estabelecido no citado art.º 781.º supletivo, podendo ser afastado pelas partes, face ao princípio da liberdade contratual consagrado no art.º 405.º do Código Civil, e mesmo aceitando a doutrina do mencionado acórdão uniformizador, há quem entenda que apenas são de recusar as cláusulas dos contratos que consagrem regime igual àquele, só então deixando de ter aplicação a doutrina de tal acórdão ao respectivo contrato[4].
Porém, outros sustentam que, para além de continuar a vigorar a doutrina do acórdão uniformizador n.º 7/09, após a entrada em vigor do DL n.º 133/2009, de 2/6, não obstante este ter revogado o DL n.º 359/91, de 21/9, no que aqui importa considerar em 1/7/09 [art.ºs 33.º n.º 1, al. a) e 37.º], a ressalva nele efectuada foi só no sentido de as partes poderem, no âmbito da sua liberdade contratual, convencionar regime diverso do estabelecido pelo art.º 781.º do Código Civil e “não que as partes poderiam incluir no valor das prestações os juros de financiamento, entendendo-se, para lá dos moratórios, os remuneratórios quanto às prestações vencidas não pagas”[5].
Outros há que entendem que nada obsta a que não se acate tal doutrina, quando o contrato contenha cláusulas divergentes do que esteve na base do dito acórdão, o que sucede com a cláusula de um contrato de crédito a consumidores que considere vencidas “todas as demais prestações, incluindo nelas os juros remuneratórios, em caso de perda do benefício do prazo”, a qual “corresponde a uma camuflada e desproporcionada cláusula penal e, como tal, proibida e nula”[6].
Finalmente, outros defendem, que se deve aplicar a doutrina do acórdão uniformizador n.º 7/09, que o mesmo já havia esclarecido que as partes não tinham o poder de incluir, no vencimento antecipado, também os juros remuneratórios, que as cláusulas dos contratos de empréstimo que prevêem a possibilidade de o mutuante, perante a falta de pagamento de três ou mais prestações sucessivas, considerar vencidas todas as restantes e incluir nelas os juros remuneratórios nada mais dizem do que já diziam as anteriores cláusulas e que tais cláusulas são proibidas pelo regime das cláusulas contratuais gerais[7].
Que dizer?
Temos como certo que a doutrina do acórdão uniformizador n.º 7/09 continua plenamente válida e em vigor, não obstante a revogação do diploma vigente à data em que foi exarado (o citado DL n.º 359/91 pelo mencionado DL n.º 133/09).
Este diploma destinou-se a proceder à transposição para a ordem jurídica interna da Directiva n.º 2008/48/CE, de 23/4, na sequência da alteração das Directivas anteriormente transpostas pelo revogado DL n.º 359/91, mantendo a mesma definição de “contrato de crédito” [cfr. art.º 2.º, n.º 1, al. a) e art.º 4.º, n.º 1, al. c), da lei revogada e da actual, respectivamente], distinguindo-se por o actual reforçar o direito dos consumidores, instituindo, no que importa agora considerar, um regime mais favorável que o definido no art.º 781.º do Código Civil no caso de não cumprimento do contrato de crédito pelo consumidor.
O quadro legal em que o referido acórdão foi tirado assentou neste artigo que dispunha, e continua a dispor, que “Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas” e no citado DL n.º 359/91 que, regulando o contrato de crédito ao consumo, veio, entretanto, a ser revogado pelo DL n.º 133/09, de 2/6.
Pretendendo o legislador instituir, com este último diploma, um regime mais favorável ao consumidor e mantendo a mesma definição de contrato de crédito, não faz sentido, com o devido respeito, sustentar posição que onera esse mesmo consumidor.
A possibilidade de as partes poderem, no âmbito da sua liberdade contratual, convencionar regime diverso do definido pelo art.º 781.º do Código Civil já havia sido ressalvada na fundamentação do mesmo acórdão uniformizador.
Porém, essa ressalva foi só nesse sentido e não que as partes poderiam incluir no valor das prestações os juros remuneratórios quanto às prestações vencidas não pagas.
Continuando idêntico, no fundamental, o quadro legal em que assentou o referido acórdão uniformizador, mantém-se actual a sua doutrina.
E são conhecidas as razões em que a mesma se fundamenta, sendo ocioso repeti-las aqui, mas que podem sintetizar-se dizendo que, vencida a obrigação de capital, deixa de haver lugar a remuneração pela indisponibilidade do mesmo capital.
É sabido que o acórdão uniformizador de jurisprudência a que vimos aludindo (tal como os demais) não é, ao contrário dos antigos assentos, estrita e rigorosamente vinculativo, antes representando jurisprudência qualificada.
No entanto, não pode deixar de enfatizar-se a sua componente mais vinculativa para as instâncias, atenta a qualificação que merece tal jurisprudência, tanto mais que aquele acórdão foi amplamente maioritário ou mesmo uniforme, por forma a evitar-se a incerteza e a flutuação, sem que isso imponha critérios de tal modo rígidos que coarctem a liberdade de aplicação e interpretação da lei.
O STJ já voltou a aplicar a doutrina do mesmo acórdão uniformizador, embora antes da publicação do mencionado DL n.º 133/2009, no acórdão de 14/5/2009, processo n.º 218/09.OYFLSB[8], concluindo que “Os juros remuneratórios, que exprimem o rendimento financeiro do capital mutuado, não podem ser incluídos nas prestações do capital cujo vencimento é antecipado, mas apenas nas prestações vencidas, ou seja, o vencimento imediato de qualquer prestação não implica o pagamento daqueles juros nela incorporados”.
A entrada em vigor do referido DL n.º 133/2009 em nada alterou os termos da questão, na medida em que, na sua lógica de protecção do consumidor, veio estabelecer regras mais favoráveis no caso de não cumprimento do contrato de crédito por este, dispondo no art.º 20.º:
“1. Em caso de incumprimento do contrato de crédito pelo consumidor, o credor só pode invocar a perda do benefício do prazo ou a resolução do contrato se, cumulativamente, ocorrerem as circunstâncias seguintes:
a) A falta de pagamento de duas prestações sucessivas que exceda 10% do montante total do crédito;
b) Ter o credor, sem sucesso, concedido ao consumidor um prazo suplementar mínimo de 15 dias para proceder ao pagamento das prestações em atraso, acrescidas da eventual indemnização devida, com a expressa advertência dos efeitos da perda do benefício do prazo ou da resolução do contrato.
2. A resolução do contrato de crédito pelo credor não obsta a que este possa exigir o pagamento de eventual sanção contratual ou a indemnização, nos termos gerais.”
Não estão em causa o incumprimento, a perda de benefício do prazo, a resolução, nem o vencimento das prestações não pagas, que foram verificados na sentença recorrida.
Por isso, com o devido respeito, não tem cabimento, aqui, a invocação e citação, com transcrição de parte do sumário, do acórdão da RL de 21/5/2015, proferido no processo n.º 1160/14.9TJLSB.L1, feitas pelo recorrente nas alegações de recurso, por se reportar à perda do benefício do prazo e à resolução, muito embora comece por afirmar a validade da mesma cláusula[9].
A controvérsia reside, exclusivamente, na interpretação da cláusula 8.ª, al. b) das condições gerais[10] do contrato de mútuo celebrado entre o autor e a ré (com o n.º 1038472), nos termos da qual “Em caso de não pagamento de três ou mais prestações sucessivas, o B… Mais poderá considerar vencidas todas as restantes prestações, incluindo nelas os juros remuneratórios e demais encargos incorporados no montante de cada prestação mencionada nas condições específicas, como expressamente fica acordado…”, que o autor/recorrente sustenta ter cabimento ao abrigo do citado art.º 20.º.
A questão assim suscitada é, precisamente, a mesma que foi decidida pelo acórdão uniformizador n.º 7/09, pois a questão ali enunciada também consistiu em “resolver como interpretar a dita cláusula[11], no sentido de saber se o vencimento imediato das prestações por pagar, devem ou não incluir os juros remuneratórios convencionados, previamente calculados pelo mutuante e nelas incorporadas ou apenas a dívida do capital”.
De nada serve invocar, agora, convenção diferente do disposto no art.º 781.º do Código Civil, porquanto ali também já haviam sido convencionados juros remuneratórios.
Portanto, acatando a doutrina expressa no aludido acórdão uniformizador, entendemos que não são devidos os pretendidos juros remuneratórios (e inerentes encargos) referentes às prestações cujo vencimento foi antecipado na sequência do incumprimento da ré consumidora.
O citado art.º 20.º não permite a extrapolação que o apelante faz e o acórdão da RG de 21/5/2015, já referido, cuja citação e transcrição parcial aquele também faz, ainda que douto, não tem a virtualidade de sustentar a condenação nos aludidos juros.
Acresce que o artigo anterior, epigrafado de “reembolso antecipado”, reforçando a protecção do consumidor, visado pelo diploma em que se inserem, confere ao consumidor o direito de efectuar o reembolso, total ou parcial, do capital mutuado “com correspondente redução do custo total do crédito, por via da redução dos juros e dos encargos do período remanescente do contrato” (n.º 1), atribuindo ao credor apenas “uma compensação, justa e objectivamente justificada, pelos custos directamente relacionados com o reembolso antecipado, desde que tal ocorra num período em que a taxa nominal aplicável seja fixa” (n.º 3), e traduzindo-se esta compensação “no pagamento, pelo consumidor, de uma comissão de reembolso antecipado que não pode exceder 0,5 % do montante do capital reembolsado antecipadamente, se o período decorrido entre o reembolso antecipado e a data estipulada para o termo do contrato de crédito for superior a um ano, não podendo aquela comissão ser superior a 0,25 % do montante do crédito reembolsado antecipadamente, se o mencionado período for inferior ou igual a um ano” (n.º 4).
“Ora, numa interpretação sistemática e coerente do diploma, não se compreenderia que fossem usados critérios tão diversos e com consequências tão desequilibradas entre si, entre o regime do reembolso antecipado do capital mutuado por parte do mutuário, e o regime da perda do benefício do prazo ou da resolução do contrato, estes por incumprimento contratual do mutuário.
Na verdade, estabelecendo art.º 19º do diploma, uma compensação perfeitamente equilibrada para o caso do reembolso, por parte do mutuário, da totalidade ou de parte do capital mutuado (0,5% do capital reembolsado no caso de falta um ano ou menos para o termo do contrato, e de 0,25% desse capital, se o prazo superior, desde a taxa nominal aplicável seja fixa), não se compreenderia que no caso de incumprimento do mutuário, com a consequente perda do benefício do prazo de que resulta o vencimento imediato das prestações vincendas, as sanções fossem de tal forma violentas e desproporcionadas que obrigassem o mutuário a pagar juros remuneratórios sobre as prestações vincendas, remunerando assim um capital a que já não tem direito (vide neste sentido Acórdão do TRL de 07/02/2013, proferido no Proc. n.º 10/11.2TBAGH.L1-2, e jurisprudência e doutrina aí citadas)” [12].
Assim sendo, a primeira parte da referida cláusula [8.ª, al. b), das condições gerais], invocada pelo recorrente, não tem suporte no art.º 20.º do citado DL n.º 133/2009, pelo que não se mostra violado.
Deste modo, improcede a única questão suscitada na apelação.
Não há que apreciar outras questões, nomeadamente a da nulidade da mesma cláusula, com o fundamento verificado na sentença, por não constarem das conclusões, aliás única, a qual delimita o âmbito e o objecto do recurso interposto (cfr. art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do actual CPC) e encontrar-se prejudicada pela decisão da questão suscitada.
Nestes termos, sem mais considerações, nada mais resta senão julgar improcedente a apelação e manter a sentença recorrida, embora com fundamentos não totalmente coincidentes.

Sumariando, em jeito de síntese final:
1. A doutrina do acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 7/09 continua válida e em vigor.
2. A possibilidade de as partes poderem, no âmbito da sua liberdade contratual, convencionar regime diverso do definido pelo art.º 781.º do Código Civil já havia sido ressalvada na fundamentação do mesmo acórdão.
3. Porém, essa ressalva foi só nesse sentido e não que as partes poderiam incluir no valor das prestações os juros remuneratórios quanto às prestações vencidas não pagas.
4. Os juros remuneratórios, exprimindo o rendimento financeiro do capital mutuado, não podem ser incluídos nas prestações do capital cujo vencimento é antecipado pelo credor, por incumprimento do mutuário consumidor, mas apenas nas prestações vencidas.

III. Decisão

Por tudo o exposto, julga-se a apelação improcedente e confirma-se a sentença recorrida.
*
Custas pelo apelante.
*
Porto, 10 de Novembro de 2015
Fernando Samões
Vieira e Cunha
Maria Eiró
______________
[1] Eliminada esta referência, porquanto as condições gerais insertas no doc. 2, referido no art.º 4.º da petição inicial, onde foi alegada a factualidade dada como provada, não contêm a cláusula 7.ª, 4, mas a cláusula 7.ª, epigrafada de “cumprimento antecipado”, com as alíneas a), b) e c), sendo que a que se reporta à mora é a cláusula 8.ª, com cinco alíneas, prevendo a alínea b) a possibilidade de o mutuante, em caso de não pagamento de três ou mais prestações, considerar vencidas todas as restantes. As consequências da falta de pagamento estão também referidas no doc. n.º 1, cujas cópias constituem as págs. 6 v.º a 7 v.º sob o n.º 7.4, mas que respeita a uma “ficha de informação normalizada” “pré-contratual.”
[2] Proferido no processo n.º 08A1992 e publicado no DR, 1.ª série, n.º 86, de 5/5/2009, págs. 2530-2538; CJ -STJ, Ano XVII, Tomo I/2009, págs.13-18 v.º e em www.dgsi.pt.
[3] Com uma declaração de voto do Ex.mo Conselheiro Salvador da Costa apenas sobre a redacção da súmula, mas não quanto aos fundamentos e sentido fixados.
[4] Cfr. acórdãos da RL de 4/7/2013, processo n.º 1916/12.7TBPDL.L1-2; da RG de 15/10/2013, processo n.º 3258/11.6TBVCT.G1 e de 14/11/2013, processo n.º 46/12.6TCGMR.G1 e da RP de 9/6/2015, processo n.º 2118/12.8TBPNF.P1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[5] Neste sentido, o acórdão da RC de 29/5/2012, proferido no processo n.º 2715/11.9TBACB.C1, disponível em www.dgsi.pt.
[6] Cfr. acórdão da RE de 13/2/2014, processo n.º 1665/11.3TBCTX.E1, disponível no mesmo sítio da internet.
[7] Cfr., neste sentido, os acórdãos da RL de 7/2/2013, processo n.º 10/11.2TBAGH.L1-2 e da RE de 12/2/2015, processo n.º 341/13.7TBVV.E1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
[8] Disponível em www.dgsi.pt.
[9] Disponível em www.dgsi.pt, segundo o qual “É válida a cláusula expressa na alínea b) da Cláusula 7ª das Condições Gerais do contrato celebrado entre recorrente e recorrido, ou seja de que o não pagamento de três ou mais prestações sucessivas, independentemente do montante total que elas representem em relação ao crédito concedido, feita que seja a comunicação a que alude a alínea b) do nº 1 do referido artigo 20º do D-L 133/2009, de 2 de Junho, implica a perda do beneficio de prazo e a resolução do contrato”.
[10] E não cláusula 7.ª, 4, como refere a sentença, por não existir o n.º 4 e a al. b), também ali referida, se reportar a outra matéria, o que se terá devido a mero lapso, devido a transcrições e utilização de textos de acórdãos.
[11] Idêntica à do contrato aqui em causa.
[12] In acórdão da RE de 12/2/2015.