Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1929/11.6TBAMT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RODRIGUES PIRES
Descritores: EXECUÇÃO
VENDA POR NEGOCIAÇÃO PARTICULAR
VALOR MÍNIMO
VENDA POR PREÇO INFERIOR AO VALOR MÍNIMO
Nº do Documento: RP202002111929/11.6TBAMT.P1
Data do Acordão: 02/11/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Na venda por negociação particular os bens podem ser vendidos por preço inferior ao anteriormente anunciado como mínimo, caso exista acordo dos interessados nesse sentido.
II - Não havendo acordo das partes, a venda por negociação particular por preço inferior ao acima referido poderá concretizar-se mediante autorização judicial, se se entender que esta corresponde aos interesses das partes envolvidas, no que se têm de ponderar, designadamente, a duração do processo, o período de tempo já decorrido com a realização da venda, a evolução da conjuntura económica, as potencialidades da venda do bem, o interesse manifestado pelo mercado, a desvalorização sofrida e a sofrer, os valores de mercado da zona e outros elementos relevantes para ajuizar acerca da aceitação da oferta.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 1929/11.6 TBAMT.P1
Comarca do Porto Este – Juízo Local Cível de Amarante
Apelação
Recorrente: B…
Recorrida: “C…, Lda.”
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e José Igreja Matos

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO
No âmbito dos presentes autos de ação de divisão de coisa comum em que é requerente “C…, Lda.” e requeridos D… e B… foi efetuada em 19.11.2014 conferência de interessados, na qual se determinou o prosseguimento dos autos para realização da venda dos imóveis, uma vez que não foi possível o acordo na sua adjudicação.
Anteriormente, em novembro de 2013, realizara-se perícia aos imóveis, tendo a E… sido avaliada em 122.370,00€ e o prédio rústico “F…” em 19.800,00€.
Por despacho de 20.2.2015 a “G…, SA” foi nomeada para proceder à venda dos prédios pelo melhor preço obtido, no prazo de 3 meses. As partes foram ainda notificadas para indicarem o valor mínimo de cada imóvel.
Os requeridos pronunciaram-se no sentido de que esse valor, numa primeira fase, deverá ser o da avaliação constante dos autos.
A requerente, a fls. 155, indicou como valores mínimos da venda para a E… 500.000,00€ e para o “F…” 40.000,00€.
Em 11.3.2015 foi proferido o seguinte despacho:
“Os valores mínimos de venda serão os indicados a fls. 155, sem prejuízo de serem consultadas as partes a propósito de cada proposta angariada.
Notifique, incluindo a EV.”
Depois de vicissitudes várias em relação à venda dos imóveis, em 3.10.2018 a Mmª Juíza “a quo” proferiu o seguinte despacho que aqui se transcreve parcialmente:
“(…)
Pela última vez, concedo 30 dias para formulação das melhores propostas, necessariamente, através da Encarregada de Venda já nomeada, findo o que, se ordenará a venda pelo preço mais alto obtido, sendo que nesta angariação de melhores propostas, os interessados que quiserem cobrir as propostas com recurso a terceiros, só o poderão fazer por intermédio da EV.
Notifique.
(…)”
Em 24.5.2019 a requerida B…, ora recorrente, apresentou o seguinte requerimento:
“(…) vem, mui respeitosamente, tendo sido notificada do teor do requerimento junto aos autos pela Encarregada da Venda, informar o seguinte:
Relativamente às propostas apresentadas para as seguintes verbas:
- Artigo 1º alínea a) - U225 … AMT, conhecido por H… Melhor Proposta: 5.500€; Proponente: D. I…,
- Artigo 1º alínea a) - U227 … AMT, conhecido por J… Melhor Proposta: 3.700€; Proponente: D. Q…,
- Artigo 1º alínea a) - U480 … AMT, conhecido por K… Melhor Proposta: 29.100€; Proponente: D. Q…,
- Artigo 1º alínea d) - R1151 … AMT, conhecido por L… Melhor Proposta: 25.000€; Proponente: D. I…,
- Artigo 1º alínea e) - R963 … AMT, conhecido por M… Melhor Proposta: 20.100€; Proponente: D. Q…,
a Requerida nada tem a opor à aceitação das mesmas, quer porque preenchem todos os requisitos formais, quer porque os valores oferecidos são consentâneos com os valores dos bens.
Relativamente à proposta apresentada para a verba: Artigo 1º alínea c) - U223/R924 … AMT, Prédio Misto conhecido por E…
Melhor Proposta: 200.000€; Proponente: N…, Limitada,
reitera a Requerida o seu entendimento no sentido de que a mesma não deverá ser aceite dado que o valor oferecido/obtido - €200.000,00 – se revela manifestamente inferior ao valor real e actual do imóvel e ao valor que havia sido fixado nos autos, situação essa que poderá ser facilmente comprovada junto de outras imobiliárias que laboram, quer na região, quer a nível nacional, e que podem comprovar a actual existência de vontade de investimento, nomeadamente de capital estrangeiros, em imóveis similares.
Por outro lado, da proposta junta aos autos, não resulta a identificação de quem a apresentou e, mais importante, não resulta que a mesma tenha sido apresentada por quem tem, efectivamente, poder de representação da sociedade N…, Limitada.
Acresce que é agora feito um pedido no sentido da aquisição ser feita não em nome da empresa signatária da proposta, mas sim em nome pessoal, sem que sequer seja possível identificar quem, bem como a que título, apresentou a proposta.
Assim, a Requerida opõe-se à aceitação da proposta, quer porque manifestamente desfasada do valor real do bem, quer por preterição dos requisitos formais previstos para a sua apresentação.
Relativamente à proposta apresentada para a verba: Artigo 1º alínea f) - R887 … AMT, conhecido por F…
Melhor Proposta: 5.720€; Proponente: O…, Limitada, NIPC……......, com sede na Rua …, …. …. Amarante,
reitera a Requerida o seu entendimento no sentido de que a mesma não deverá ser aceite dado que o valor oferecido/obtido - €5.720,00 – se revela manifestamente inferior ao valor real e actual do bem imóvel e ao valor que havia sido fixado nos autos.
Por outro lado, da proposta junta aos autos, não resulta confirmação de que a mesma tenha sido apresentada por quem tem, efectivamente, poder de representação da sociedade O…, Limitada.
Assim, a Requerida opõe-se à aceitação da proposta, quer porque manifestamente desfasada do valor real do bem, quer por preterição dos requisitos formais previstos para a sua apresentação.
Termos em que, mui respeitosamente, se requer a V.ª Ex.ª se ordenar que a Sra. Encarregada de Venda prossiga com as diligências tendentes à obtenção de melhores ofertas.”
Em 27.5.2019, a interessada “C…, Lda.”, notificada das propostas angariadas pela Encarregada da Venda, apresentou o seguinte requerimento:
“1. Por douto despacho de 11.3.2015, foi determinado que “ os valores mínimos da venda serão os indicados a fls. 155, sem prejuízo de serem consultadas as partes a próposito de cada proposta angariada……”
2. Despacho este que foi devidamente notificado à Encarregada da venda.
3. Por douto despacho de 3.10.2018 foi ordenado “concedo 30 dias para a formulação das melhores propostas, necessariamente, através da encarregada da venda já nomeada, findo o que se ordenará a venda pelo preço mais alto obtido, sendo que nesta angariação de melhores propostas, os interessados que quiserem cobrir as propostas com recurso a terceiros, só o poderão fazer por intermédio da EV.
4. Despacho este também devidamente notificado à E.V.
5. As melhores propostas obtidas, apenas foram notificadas à aqui interessada, por intermédio do Tribunal, através de notificação elaborada em 13.5.2019.
6. Quando deveria ter sido a E.V. a dar conhecimento aos interessados das melhores propostas, conforme o ordenado, garantindo por essa forma, conforme os termos constantes e conjugados dos doutos despachos de 11.3.2015 de 3.10.2018, que qualquer dos interessados por um lado tivesse conhecimento das propostas então obtidas e por outro lado as pudesse cobrir,
7. Tais omissões constituem nulidades nos termos do art. 195 do Código do Processo Civil pois influem na decisão da causa.
8. A não ser assim entendido, mas por forma a garantir o exercício pleno do contraditório e da igualdade das partes, (art 3 e 4) do Código Processo Civil,
9. E porque a proposta que agora se apresenta é de valor superior à apresentada, resultando em beneficio de todas as partes,
10. Requer a V. Exa a admissão da seguinte proposta de compra que a aqui interessada C…, Lda. apresenta;
Para a verba constante do artº 1 alinea C) da p.i, prédio misto U223/R924 … Amarante, Prédio Misto conhecido por E…, compra pelo valor de Duzentos e dez mil euros (euros 210.000,00).”
Em 29.5.2019, a interessada I… apresentou o seguinte requerimento:
“O Encarregado de Venda veio apresentar as propostas para aquisição das os imoveis identificados no artigo 1º alienas a), c), d) e) e f), identificados o valor das propostas e os proponentes.
Quanto aos imóveis do artigo 1º alienas a), d) e e), a Ré aceita as mesmas, dado que os valores propostos estão aproximados aos valores de mercado dos bens, atento o estado dos mesmos, bem como se encontram devidamente identificadas os Proponentes.
Relativamente aos imoveis identificados no artigo 1º aliena c) e f), não concorda com as propostas apresentadas, isto porque, primeiro os valores propostos são muito inferiores aos valores de mercado e por outro não estão devidamente identificados os Proponentes.
Assim, quanto ao valor das propostas tanto o imóvel identificado pelo artigo 1º alínea c) como o da alínea f), denominadas como E… e F…, respetivamente, as mesmas se situam muito abaixo tanto do valor de base como do valor real do mercado.
Apesar dos ditos imóveis terem estado à venda, por negociação particular que pressupõe a consulta direta do mercado mediante a procura de propostas que possam corresponder a uma correta interceção do binómio económica da lei da oferta e da procura, no nosso entender, tal não aconteceu.
Isto porque, como se pode verificar na apresentação das propostas os Proponentes são pessoas da mesma zona e com conhecimento direto dos imoveis, tendo plena perceção da capacidade dos mesmos, e nesse sentido foram apresentadas propostas com baixos valores.
Em adição, os imóveis situam-se numa zona denominada P…, como rentabilidade para a vinha, com procura tanto para essa atividade como para fins de turismo/hotelaria bem como o mercado imobiliário encontra-se novamente em nova fase de expansão. Existindo também uma evolução da conjuntura económica, as potencialidades de venda dos bens e o interesse manifestado pelo mercado, que só agora é que tem vindo a ter conhecimento.
Quanto à formalização das propostas, os proponentes são pessoas coletivas, e as propostas apresentadas foram subscritas por pessoas que não estão identificadas com poderes para o ato, pelo que as mesmas não devem ser aceitas.
Acresce que, quanto à proposta do imóvel do artº 1 alínea c), E…, vem o Encarregado de venda, informar que essa proposta poderia ser apresentada em nome pessoal, quando também não identifica o dito proponente, e nessa medida também não poderá ser aceite, por um lado falta de identificação e por outro é uma outra pessoa que não o dito proponente.
Entendemos que V. Exa deverá emitir um juízo equitativo de ponderação sobre o equilíbrio, entre os valores de mercado ou mesmo de avaliação e os valores propostos, requerendo a V. Exa que deverá mandar colocar os referidos 2 imóveis novamente à venda, através da plataforma e-leiloes, a fim de o leque de proponentes ser extensível a Portugal e não ficar delimitado em …, Amarante.”
Em 3.6.2019 a interessada I… apresentou o seguinte requerimento:
“(…)
Conforme requerimento apresentado pela aqui Ré, quanto ao valor dos bens aliena c) e f), a posição do Requerente C…, Lda ao apresentar uma nova proposta de valor do bem E…, só comprova que, na verdade, as propostas apresentadas têm valores inferiores ao valor de mercado, daí ser apetecível ao Requerente o dito imóvel.
Pelo que, os bens denominados E… e F… deverão ser colocados novamente à venda, através da plataforma e-leiloes, a fim de o leque de proponentes ser extensível a Portugal e não ficar delimitado em …, Amarante, resultando um benefício de todas as partes.”
Em 12.6.2019 a interessada B… apresentou o seguinte requerimento:
“(…) vem, mui respeitosamente, no seguimento do requerimento junto aos autos, sob a referência n.º 32555386, pela Requerente C…, LDA, manifestar novamente o seu entendimento que as propostas apesentadas, quer a de €200.000,00, quer a de €210.000,00, são manifestamente inferiores ao valor real e actual do imóvel e ao valor que havia sido fixado nos autos.
Assim, relativamente às verbas correspondentes ao Artigo 1º alínea c) e Artigo 1º alínea f), requer-se a V.ª Ex.ª se digne nomear, como Encarregada de Venda, outra imobiliária que labore, quer na região, quer a nível nacional, ou submetidas as mesmas na plataforma e-leiloes, potenciando assim que, com maior facilidade, seja atraído capital, nomeadamente estrangeiro, para investimento.”
Depois, com a data de 11.7.2019, foi proferido o seguinte despacho judicial:
“Neste processo que já se arrasta há longos anos com prejuízo para as partes e para o valor de mercado e conservação dos imóveis, já foi decidido, com trânsito em julgado, que a venda será feita imediatamente, pela EV, pela melhor proposta obtida, vinda ela de onde venha (das partes ou de terceiros), pela que nada mais cumpre discretear sobre este tema, não se consentindo que se aguarde ad eternum pela obtenção de melhor proposta, tanto mais que é do conhecimento notório que o mercado imobiliário atingiu o seu máximo apogeu.
Por outras palavras, mais directas, se as partes não concordem com o valor, apresentem outro, em 10 dias, à EV.
Fora dessa condição, não se consente mais tergiversação sobre as decisões já tomadas e transitadas.
*
Deverá a EV diligenciar pela formalização das vendas no mais curto prazo possível, marcando as escrituras respectivas e levando em consideração as melhores propostas até hoje avançadas por terceiros, ou, no prazo de 10 dias, pelas partes.”
Inconformada com este despacho, dele interpôs recurso de apelação a requerida B… que finalizou as suas alegações com as seguintes conclusões:
I. Vem o presente recurso interposto do despacho que determinou que a Encarregada de Venda diligencie pela formalização das vendas dos imóveis objecto da acção no mais curto prazo possível, marcando as escrituras respectivas e levando em consideração as melhores propostas até hoje avançadas por terceiros, ou, no prazo de 10 dias, pelas partes.
II. De facto, não obstante a Recorrente ter apresentado requerimentos para serem ordenadas concretas diligências para a promoção da venda a realizar nos presentes autos, o Digníssimo Juiz a quo limitou-se a ordenar a venda imediata, não se pronunciando quanto ao requerido.
III. Pelo exposto, entende a Recorrente, salvo o devido respeito (que é muito), que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre as questões submetidas à sua apreciação, violando a regra constante do n.º 2 do art. 608.º do C.P.C., segundo a qual o Tribunal deve decidir todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação.
IV. Acresce que, para além do Digníssimo Juiz a quo não tomar qualquer posição sobre as diligências requeridas pelas partes, o mesmo também não indica qualquer razão válida para justificar essa abstenção de conhecimento e, do despacho, também não resulta, de qualquer forma (explícita ou implícita), que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da decisão tomada.
V. É, pois, nulo, nos termos da al. d) do n.º 1 do art. 615.º do C.P.C. ex vi n.º 3 do art. 613.º, do mesmo Diploma, a sentença recorrida por existir omissão de pronúncia.
VI. Ou, caso assim não se entenda (o que mera hipótese de raciocínio se concede), sempre será de concluir que o despacho recorrido é nulo nos termos da al. b) do n.º 1 do art. 615.º do C.P.C. ex vi n.º 3 do art. 613.º do C.P.C., porquanto, ainda que se consiga extrair alguma decisão quanto às matérias que deveriam ser apreciadas (o que não se aceita), o despacho não se encontra devidamente fundamentado em violação ao disposto no art. 607.º do C.P.C.).
VII. Sem prescindir, refira-se ainda que a decisão em riste não deverá manter-se por se mostrar violado o disposto nos artigos 18.º e 62.º da Constituição da República Portuguesa (doravante, C.R.P.), artigo 473.º do Código Civil (doravante, C.C.) e artigo 812.º, 816.º, 832.º e 837.º, todos do C.P.C.
VIII. Concretamente quanto às verbas correspondentes ao Artigo 1º alínea c) e Artigo 1º alínea f), os termos da venda fixaram-se nos seguintes termos:
- E… - avaliada em €253.690,00 – valor base fixou-se em €500.000,00;
- F… - avaliada em €19.800,00 - valor base fixou-se em €40.000,00.
IX. As melhores ofertas que a Encarregada de Venda juntou aos autos foram as seguintes:
- E… - €200.000,00; e
- F… - €5.720,00;
X. A Requerente C…, LDA veio, entretanto, apresentar uma proposta para aquisição da E… por €210.000,00.
XI. Os valores oferecidos para aquisição das referidas verbas mostram-se manifestamente inferiores não só aos valores base fixados nos autos, como também ao valor real e actual desses bens, situação essa facilmente constatável junto de outras imobiliárias que laboram, quer na região, quer a nível nacional, e que podem comprovar a actual existência de vontade de investimento, nomeadamente de capital estrangeiro, em imóveis similares.
XII. Acresce que se verifica a preterição dos requisitos formais previstos para apresentação de propostas.
XIII. Apesar da fase de venda por negociação particular já estar em curso há algum tempo, a verdade é que nunca se tentou, ao longo de todo esse período, adoptar outras modalidades ou diligências tendentes a potenciar o valor de vendas dos imóveis de forma a se alcançar os valores base de venda e ir ao encontro do interesse quer da Requerente, quer dos Requeridos.
XIV. Tendo a Requerida, ora Recorrente, sugerido outras soluções e iniciativas concretas que podem ser encetadas, no imediato, para se tentar obter propostas de valor superior.
XV. Ao pugnar pela não aceitação da venda pelos valores oferecidos, não tem a Recorrente qualquer intenção de protelar o processo, acrescentando-lhe ainda mais despesas ou levando a que os imóveis desvalorizem, mas apenas obter resultados mais positivos para todos os interessados.
XVI. Os valores base fixados nos autos não devem ser aplicados de forma intransigente sob pena de protelamento indefinido dos termos da venda, mas tal não significa que se aceite propostas de valor manifestamente inferior ao valor dos bens, sob pena de se permitir a situação de verdadeiros “saldos”, com eventuais aproveitamentos ilegítimos.
XVII. - E, in casu, a venda está a ser autorizada por valores inferiores a menos de metade do valor de avaliação e valor real dos bens, ficando as partes, nessa exacta medida, empobrecidos e ilegalmente expropriadas.
XVIII. À venda judicial não poderão são aplicados os princípios imobiliários aplicáveis ao mercado livre, pelo que os fundamentos apontados no despacho recorrido no sentido de autorizar a venda pela melhor oferta são ilegais e ilegítimos.
XIX. E não pode o Tribunal recorrido fundamentar a sua decisão no decurso do prazo, uma vez que este só pode ser considerado quando se mantém inalteradas as circunstâncias a considerar, situação que no caso em apreço não se verifica, ao que acresce o facto de que as vicissitudes que “atrasaram” o processo – óbito e decisões da Segurança Social - não são imputáveis a qualquer comportamento culposo ou dilatório dos Requeridos, nomeadamente da ora Recorrente.
XX. A autorização da venda pelos valores propostos viola claramente o princípio da proporcionalidade, constitucionalmente consagrado no artigo 18º, nº 2 da CRP, na medida em que as partes ficam totalmente desprotegidas perante uma aquisição do seu património por terceiros ou pela parte Requerente e por valores consideravelmente, manifestamente, inferiores ao seu valor real.
XXI. Viola também o disposto no artigo 62.º da C.R.P. e pode conduzir à verificação dos requisitos relativos ao instituto de enriquecimento sem causa previsto no artigo 473.º do C.C.
XXII. Por fim, a decisão recorrida viola também o disposto nos artigos artigo 812.º, 816.º, 832.º e 837.º, todos do C.P.C., ao admitir a venda por valores manifestamente inferiores aos valores fixados para venda e ao não ordenar a realização de outras diligências, nomeadamente através da promoção de um leilão electrónico, modalidade de venda essa que, nos termos do n.º 1 do artigo 837.º do Código Processo Civil, é, actualmente, a preferencial face às suas sobejamente conhecidas vantagens.
XXIII. Não existindo qualquer impedimento, nem violação de caso julgado, para que, alteradas que se encontram as circunstâncias, sejam adoptados outros termos para a venda.
XXIV. Requer, assim, a Apelante que o despacho recorrido seja revogado e, em sua substituição, seja proferido Acórdão que reconheça que devem as diligências de venda prosseguir.
XXV. Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., Meritíssimos Desembargadores, deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se o douto despacho recorrido, e substituindo-se o mesmo por outro que não autorize a venda pelas propostas existentes quanto às verbas Artigo 1º alínea c) e Artigo 1º alínea f) e ordene o prosseguimento das diligências de venda com leilão electrónico ou com nomeação de outra Encarregada de Venda.
Não consta dos autos a apresentação de contra-alegações.
A Mmª Juíza “a quo”, na sequência de decisão nesse sentido do presente relator, pronunciou-se sobre as nulidades invocadas, ao abrigo do art. 617º, nº 5 do Cód. de Proc. Civil, nos seguintes termos:
“Em obediência ao doutamente ordenado pelo Venerando Relator:
Apreciando nos termos do art. 617 n.º 5 do CPC:
Alega a recorrente B… que o despacho recorrido é nulo, por 2 motivos:
- Por falta de fundamentação:
- Por o despacho não ter sido precedido de pronúncia sobre as concretas diligências de venda requeridas.
No que tange ao primeiro argumento, matemática é a conclusão que não assiste réstia de razão à recorrente, a qual tem, naturalmente, toda a nossa compreensão quanto à discordância da fundamentação, mas já não se alcança em que medida, os factos alinhavados pelo Tribunal e que se reconduzem ao retardo da venda, com prejuízo para a conservação dos imóveis e para o seu valor de mercado e a impossibilidade de se aguardar ad eternum pela obtenção de melhor proposta, pelo seu irrealismo e irracionalidade económica, não axializem uma fundamentação válida para se ordenar a venda de imediato.
Quanto ao conspecto de falta de pronúncia quanto às diligências concretamente requeridas para a venda, do compulso dos autos se extrai os seguintes despachos incidentes sobre as suas aspirações:
Ao requerimento da recorrente, de 09/07/2018, o Tribunal consignou em 03/10/2018:
Salvo o devido respeito, a interessada Q… confunde comunhão hereditária com compropriedade, sendo que nesta acção só se cuidará de dividir, não de partilhar, muito menos será possível fixar quinhões hereditários nesta fase.
As quotas de cada proprietário já foram fixadas, percutindo, ¼ para a requerente “C…”, 1/2 para os requeridos herdeiros de D… e marido S… e 1/4 para a requerida B…, estando o processo posicionado irremediavelmente na fase da venda.
Ademais, o raciocínio da interessada está invertido, pois, só depois de divididos os imóveis, quer pela venda a terceiros, quer pela adjudicação aos grupos de comproprietários (o que já foi enjeitado e está coberto pelo trânsito em julgado do decisório da conferência de interessados de fls. 122, realizada no já longínquo dia 19/11/2014), é que poderão ser fixados os quinhões hereditários, obviamente em sede de partilha, processo inteiramente alheio a estes autos e de tramitação autónoma.
Antes dessa partilha, necessariamente posterior á divisão, é que se poderá falar em percentagens.
Nesta fase prodrómica, os requeridos apenas possuem um direito e acção a uma herança, sobre uma quota, respectivamente, ½ e ¼.
Por último, importa não obscurecer que, nos termos do art. 1412 n.º 1 do CC “Nenhum dos comproprietários é obrigado a permanecer na indivisão “e, na projecção prática da tese da interessada, a requerente ficaria manietada, a aguardar um hipotético inventário e suas vicissitudes, o que até se afigura ser contrário ao art. 62 n.º 1 da CRP, pois inutilizaria, na prática, o direito do proprietário à transmissão dos seus imóveis.
Termos em que se indefere tudo quanto vem requerido, com suporte nos arts. 62 da CRP, 1405 n.º 1, 1412 n.º 1 e 2024 do CC, prosseguindo a venda a sua legal tramitação.
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Pela última vez, concedo 30 dias para formulação das melhores propostas, necessariamente, através da Encarregada de Venda já nomeada, findo o que, se ordenará a venda pelo preço mais alto obtido, sendo que nesta angariação de melhores propostas, os interessados que quiserem cobrir as propostas com recurso a terceiros, só o poderão fazer por intermédio da EV.
Notifique.
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Por fim, qualquer alteração à fisionomia ou composição dos imóveis, não consentida pelo Tribunal ou que não decorra de imperativos legais, será objecto de participação ao MP, caso tal actuação configure uma desvalorização do seu valor de mercado pela destruição ou apropriação de benfeitorias, sem causa justificativa.”
Ao requerimento com outras sugestões de venda, formulado em 24/05/2019, o Tribunal prolatou o despacho recorrido, em que foram indeferidas as alternativas propostas pela recorrente, datado de 11/07/2019.
Termos em que se indeferem as nulidades arguidas, por não terem a menor correspondência no processado.
Notifique e, oportunamente, remeta de novo ao VTRP.”
Cumpre então apreciar e decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram.
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As questões a decidir são as seguintes:
I – Apurar se a decisão recorrida enferma das nulidades de omissão de pronúncia e de falta de fundamentação [art. 615º, nº 1, als. b) e d) do Cód. de Proc. Civil];
IIApurar se as diligências de venda, no que concerne às verbas correspondentes às alíneas c) e f), deverão prosseguir com leilão electrónico ou nomeação de outra encarregada da venda.
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Os elementos factuais e processuais relevantes para o conhecimento do presente recurso são os que constam do antecedente relatório.
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Passemos à apreciação jurídica.
I – A recorrente B… veio, na primeira parte das suas alegações, arguir a nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia, uma vez que a Mmª Juíza “a quo não se pronunciou sobre questões colocadas à sua apreciação no tocante à realização de diligências requeridas pelas partes [prosseguimento de diligências com vista à obtenção de melhores ofertas; venda em leilão electrónico; nomeação de nova encarregada da venda] e também por falta de fundamentação.
No art. 615º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil estatui-se que a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão [al. b)] e também quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar [al. d)].
O disposto neste art. 615º é aplicável aos despachos com as necessárias adaptações [art. 613º, nº 3 do Cód. de Proc. Civil].
Vejamos primeiramente a nulidade de falta de fundamentação, transcrevendo aqui de novo o despacho recorrido:
“Neste processo que já se arrasta há longos anos com prejuízo para as partes e para o valor de mercado e conservação dos imóveis, já foi decidido, com trânsito em julgado, que a venda será feita imediatamente, pela EV, pela melhor proposta obtida, vinda ela de onde venha (das partes ou de terceiros), pela que nada mais cumpre discretear sobre este tema, não se consentindo que se aguarde ad eternum pela obtenção de melhor proposta, tanto mais que é do conhecimento notório que o mercado imobiliário atingiu o seu máximo apogeu.
Por outras palavras, mais directas, se as partes não concordem com o valor, apresentem outro, em 10 dias, à EV.
Fora dessa condição, não se consente mais tergiversação sobre as decisões já tomadas e transitadas.
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Deverá a EV diligenciar pela formalização das vendas no mais curto prazo possível, marcando as escrituras respectivas e levando em consideração as melhores propostas até hoje avançadas por terceiros, ou, no prazo de 10 dias, pelas partes.”
O dever de fundamentação decorre dos princípios consagrados nos arts. 205º, nº 1 da Constituição da República («as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei») e 154º, nº 1 do Novo Cód. do Proc. Civil («as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas») e compreende-se essa exigência, uma vez que as partes, com vista a apurar do acerto ou desacerto de uma decisão e a decidir da sua eventual impugnação, precisam de conhecer a sua base fáctico-jurídica.
Contudo, conforme ensinam Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora (in “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1984, pág. 669) “para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa reportar só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito”.
Por seu turno, escreve Alberto dos Reis (in “Código do Processo Civil Anotado”, vol. V, Coimbra Editora, 1984, pág. 140): “Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.”
Ou seja, apenas a falta absoluta de fundamentação conduz à verificação da nulidade prevista no art. 615º, nº 1, al. b) do Cód. de Proc. Civil.
Ora, o despacho recorrido, mesmo que breve e sucinto, encontra-se fundamentado, conforme resulta do seu conteúdo. É o arrastamento do processo há longos anos, com prejuízo para as partes e para o valor de mercado e conservação dos imóveis, que justifica a decisão da Mmª Juíza “a quo” de determinar a sua venda de imediato pela melhor proposta obtida, com formalização dessas vendas no mais curto prazo possível.
Inexiste assim a nulidade de falta de fundamentação.
Prosseguindo, há que apreciar agora a nulidade de omissão de pronúncia, a qual prevista no art. 615º, nº 1, al. d) se mostra diretamente relacionada com o comando que se contém no art. 608º, nº 2 do Cód. do Proc. Civil, onde se preceitua que «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.»
“Resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação” não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito, as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido: por um lado, através da prova, foi feita a triagem entre as soluções que deixaram de poder ser consideradas e aquelas a que a discussão jurídica ficou reduzida; por outro lado, o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas (…) e, uma vez motivadamente tomada determinada orientação, as restantes que as partes hajam defendido não têm de ser separadamente analisadas.
Há, assim, que distinguir entre “questões”, por um lado, e “razões” ou “argumentos”, por outro, de tal modo que só a falta de apreciação das primeiras (“questões”) integra a nulidade aqui em apreciação e não a simples falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões.”[1]
No presente caso, a recorrente sustenta que no despacho recorrido não houve pronúncia sobre o requerido no sentido da venda ser efetuada através de leilão electrónico ou através de uma outra encarregada de venda, o que consubstanciaria omissão de pronúncia.
Sucede, porém, que a argumentação que está expendida no despacho vai, de modo claro, no sentido do indeferimento de toda e qualquer diligência que estivesse requerida pelos interessados e que implicasse o protelamento da venda, a qual se determina seja feita de imediato.
Aliás, a Mmª Juíza “a quo” alude, inclusive, a anterior despacho, já transitado, que havia decidido em sentido idêntico, querendo referir-se ao que foi proferido em 3.10.2018, onde se concedera um prazo de 30 dias para formulação de melhores propostas, findo o qual se determinará a venda pelo preço mais alto obtido.
Isto é, da leitura do despacho recorrido, o que se alcança é que a decisão de se proceder à venda dos imóveis de imediato, com concessão prévia de um prazo de 10 dias às partes para apresentarem novas propostas, significa que diligências requeridas pela ora recorrente que possam acarretar o retardamento da venda (nomeação de outra encarregada de venda; leilão eletrónico) foram objeto de implícito indeferimento.
Como tal, inexiste também a nulidade de omissão de pronúncia.
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II – Há agora que apurar se a decisão que determinou a imediata realização da venda dos imóveis, através da respetiva encarregada da venda, após transcurso do prazo de 10 dias para as partes apresentarem novos valores, com o consequente indeferimento do prosseguimento de diligências que envolveriam leilão eletrónico ou nomeação de outra encarregada de venda, conforme pretendido pela ora recorrente, se mostra acertado.
Cabe então referir que os presentes autos correspondem a uma ação de divisão de coisa comum, em que efetuada, no dia 19.11.2014, a conferência de interessados a que se refere o art. 929º do atual Cód. de Proc. Civil, não foi possível na mesma acordo na adjudicação dos imóveis, pelo que se ordenou o seu prosseguimento para a realização da respetiva venda.
Havendo lugar à venda de bens, esta é feita pelas normas estabelecidas para o processo de execução [art. 549º, nº 2 do Cód. de Proc. Civil].
Assim, por despacho de 20.2.2015 foi a “G…, SA” nomeada para proceder à venda dos prédios pelo melhor preço obtido no prazo de 3 meses, e por posterior despacho de 11.3.2015 como valores mínimos da venda foram considerados os de 500.000,00€ para a E… e de 40.000,00€ para o “F…”.
Daqui se alcança que os presentes autos se encontram há aproximadamente cinco anos em fase de venda a ser efetuada através de negociação particular [art. 811, nº 1, al. d) do Cód. de Proc. Civil], sem que esta se tenha concretizado.
As propostas para a aquisição da E… e do prédio rústico denominado “F…” quedaram-se em valores bastante inferiores aos que no despacho datado de 11.3.2015 foram considerados como valores mínimos de venda, tendo-se situado em 200.000,00€ no primeiro caso[2] e em 5.720,00€ no segundo caso.
A regra é que só devem ser aceites propostas de valor inferior ao valor base dos bens a vender, caso todos os interessados nisso acordem [art. 812º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil], ou seja que haja uma conciliação de interesses nesse sentido, o que relativamente aos dois bens imóveis aqui em causa não se verifica.
Porém, mesmo que esse acordo não exista, como aqui sucede, a venda do bem por preço inferior também será possível mediante prévia autorização judicial. Conforme escreve Lebre de Freitas[3], a propósito do processo executivo, mas transponível para o caso dos autos: “se o valor base não for atingido, só por acordo de todos os interessados ou autorização judicial será possível a venda por preço inferior. Embora a lei nada diga, releva do poder jurisdicional a decisão de dispor do bem penhorado, pertença do executado e garantia dos credores, mediante a obtenção de um preço inferior àquele que, de acordo com o resultado das diligências efectuadas pelo agente de execução corresponde ao valor do mercado do bem; nem faria sentido que, quando o agente da execução é encarregado da venda (…) lhe coubesse baixar o valor base dos bens, com fundamento na dificuldade em o atingir. O juiz conserva, pois, o poder (…) de autorizar a venda por preço inferior ao valor base.”
A autorização da venda por um preço inferior ao que foi anunciado, a ser ponderada de forma casuística, deve ter em conta, designadamente, o período de tempo já decorrido com a realização da venda, a forma como a conjuntura económica evolui, as qualidades do bem e consequentes potencialidades da sua venda, o interesse manifestado pelo mercado, a eventual desvalorização sofrida, valores de mercado na zona, e quaisquer outros elementos que devam ser levados em conta para um bom juízo acerca da possível aceitação das ofertas havidas.[4]

Deste modo, na venda de bens imóveis por negociação particular é possível transacioná-los por preço inferior ao valor mínimo anteriormente anunciado para venda, embora nos casos em que não haja acordo entre todos os interessados seja necessária autorização judicial para o efeito. Essa autorização justificar-se-á face ao tempo decorrido e às dificuldades encontradas para achar interessado, podendo o tribunal concluir que o valor de venda autorizado era, afinal, o valor de mercado do imóvel.
Acresce que na venda de imóvel por negociação particular não existe qualquer preceito que obrigue à venda por um valor mínimo como acontece na modalidade de venda mediante propostas em carta fechada. Com efeito, a lei apenas fixa um valor base para a venda na modalidade de propostas em carta fechada, no art. 816º, nº 2 do Cód. de Proc. Civil, mas tal valor já não será aplicável quando se está no âmbito da venda por negociação particular.[5]
Assim, não havendo acordo entre os vários interessados com vista à realização dessa venda por preço inferior ao valor considerado como mínimo, a mesma só poderá ser autorizada pelo juiz, se se entender que corresponde aos interesses das partes envolvidas, no que se têm de ponderar, conforme já se expôs, designadamente, a duração do processo, o período de tempo já decorrido com a realização da venda, a evolução da conjuntura económica, as potencialidades da venda do bem, o interesse manifestado pelo mercado, a desvalorização sofrida e a sofrer, valores de mercado da zona e outros elementos relevantes para ajuizar acerca da aceitação da oferta.
Ora, nesta ponderação, terá que se realçar que, no caso dos autos, estamos perante ação iniciada em 2011 e que se encontra em fase de venda há aproximadamente cinco anos.
O protelamento da acção por um período temporal tão grande, quando se pretende uma justiça eficaz e célere, é, tal como se refere no despacho recorrido, prejudicial para as partes, para o valor de mercado e para a conservação dos imóveis, razão pela qual a Mmª Juíza “a quo” optou – e a nosso ver acertadamente – por determinar a sua imediata venda com referência às melhores propostas obtidas.
Aliás, cabe destacar que a melhor proposta feita relativamente à E…, que ascendeu a 210.000,00€, se mostra até bem superior ao valor que para esse imóvel se apurou na perícia realizada - 122.370,00€.
Neste contexto, nada justifica que, conforme pretende a recorrente, prossigam as diligências de venda, com a realização de leilão electrónico ou a nomeação de uma outra encarregada de venda, o que significaria um ainda maior, e indesejável, protelamento da acção.
Por outro lado, também não se vislumbra que a autorização da venda dos bens imóveis aqui em causa pelos valores propostos possa constituir violação do princípio da proporcionalidade ou do direito de propriedade privada consagrado no art. 62º da Constituição da República.[6]
Impõe-se, por conseguinte, a improcedência do recurso interposto e a confirmação do despacho recorrido.
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Sumário (da responsabilidade do relator – art. 663º, nº 7 do Cód. de Proc. Civil):
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DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este tribunal em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela interessada B… e, em consequência, confirma-se o despacho recorrido.
Custas a cargo da recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.

Porto, 11.2.2020
Rodrigues Pires
Márcia Portela
José Igreja Matos
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[1] Cfr. Lebre de Freitas e outros, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 2ª ed., pág. 680; Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, reimpressão, 1984, págs. 54 e 143.
[2] Entretanto, na sequência do despacho recorrido, para a E… surgiu uma melhor proposta no valor de 210.000,00€.
[3] Com Armindo Ribeiro Mendes, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 3.º, Coimbra Editora, 2003, págs. 601 e 602.
[4] Cfr. Ac. Rel. Porto de 24.9.2015, proc. 1951/12.5TBVNG.P1, relator Fernando Baptista, disponível in www.dgsi.pt.
[5] Cfr. Ac. Rel. Guimarães de 7.3.2019, proc. 6461/13.0TBBRG-C.G1, relatora Eugénia Cunha, disponível in www.dgsi.pt.
[6] Tal como também não se nos afigura que a situação descrita seja suscetível de conduzir à verificação dos requisitos do enriquecimento sem causa previsto no art. 473º do Cód. Civil.