Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | PAULA LEAL DE CARVALHO | ||
Descritores: | DECLARAÇÕES DE PARTE AMPLIAÇÃO DE FACTOS PELA RELAÇÃO VIOLAÇÃO DE REGRAS DE SEGURANÇA | ||
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Nº do Documento: | RP20231009164/18.7T8PNF.P2 | ||
Data do Acordão: | 10/09/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | RECURSO PRINCIPAL IMPROCEDENTE; RECURSO SUBORFINADO PARCIALMENTE PROCEDENTE; ALTERADA A SENTENÇA | ||
Indicações Eventuais: | 4ª SECÇÃO (SOCIAL) | ||
Área Temática: | . | ||
Legislação Nacional: | ART.º 72º DO CPT ART.º 18º DA LAT | ||
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Sumário: | I - As declarações de parte são um meio de prova válido, estando sujeitos, tal como a prova testemunhal, à livre apreciação e convicção do julgador, tudo se reconduzindo à avaliação e ponderação que haja de ser feita. II - A ampliação a que se reporta o art. 662º, nº 2, al. c), do CPC tem como campo de aplicação factos que tenham sido alegados pelas partes, mas que não tenha sido levados à decisão da matéria de facto, enquanto que o art. 72º do CPT se reporta a factos não alegados. III - O aditamento, pela Relação, de factos não alegados ao abrigo do disposto no art. 72º do CPT está circunscrito aos factos instrumentais e complementares a que se reporta o art. 5º, nº 2, als. a) e b), do CPC, mas não já aos factos essenciais stricto sensu ou principais, a que se reporta o art. 5º, nº 1, do CPC/2013, cujo aditamento cabe apenas à 1ª instância com prévia observância do nº 2 do citado art. 72º. IV - Nos termos do art. 18º da Lei 98/2009, para que o acidente recaía sob a sua alçada é necessário que: a) sobre a entidade empregadora recaia o dever de observar determinada(s) norma (s) ou regra(s) de segurança, que a(s) não haja observado e que essa inobservância lhe seja imputável; b) entre essa conduta omissiva e o acidente ocorra um nexo de causalidade adequada, na sua formulação negativa, nos termos do qual apenas se exige que o facto não tenha sido, de todo em todo, indiferente para a produção do dano, dentro dos juízos de previsibilidade que decorrem das regras da experiência comum, não sendo indispensável, para que haja causa adequada, que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano, não sendo a responsabilidade afastada na hipótese de concorrência de causas. V - No caso e em síntese, tendo sido solicitado à A. ajuda a esticar um rolo de felpo que estava a ser laminado numa máquina de laminar felpo, a qual não se encontrava protegida com painel de segurança que impedisse o acesso das mãos à sua parte perigosa e, tendo ela, com vista à limpeza de óleo que escorria, mas sem que essa limpeza lhe tivesse sido determinada, colocado a mão direita no interior de tal máquina (e de onde resultou que a mão tivesse sido colhida pela lâmina e a amputação parcial de três dedos), violou a Ré empregadora norma de segurança que impunha a existência de tal proteção, verificando-se o nexo de causalidade entre essa violação e o acidente e não sendo este, nem a responsabilidade da Ré pela ocorrência do mesmo, excluídos pelo mencionado comportamento da A., ainda que para ele tenha concorrido. VI - E, também, face à violação, pela Ré empregadora da mencionada regra de segurança causal do acidente, não se encontra este descaracterizado seja por via da al. a), seja por via da al. b), ambas do nº 1 do art. 14º da Lei 98/2009. VII - O conceito de acidente de trabalho e a responsabilidade infortunística do empregador assenta na teoria do risco de autoridade e não na teoria do risco profissional, pelo que, no caso, à responsabilidade da Ré empregadora não obsta, em síntese, o facto de a A. não exercer as funções de operadora da mencionada máquina, nem de a mencionada limpeza não lhe ter sido determinada. VIII - A descaracterização do acidente como acidente de trabalho a que se reporta a al. a) do nº 1 do citado art. 14º depende, também, da intensidade da culpa e gravidade do comportamento, não bastando um comportamento meramente imprudente ou irrefletido. IX - Para a descaracterização do acidente como acidente de trabalho a que se reporta a al. b) do nº 1 do citado art. 14º exige-se que ele provenha de negligência grosseira do sinistrado. X - Tendo a A., a título de indemnização por danos não patrimoniais decorrentes da amputação parcial dos dedos polegar, indicador e médio da mão direita, reclamado o pagamento da quantia de €100.00,00, vindo a 1ª instância a qualificar como danos patrimoniais parte dos danos alegados e condenado a Ré empregadora no pagamento das quantias de €35.000,00 e de €30.000,00 pelos danos que qualificou, respetivamente, como danos patrimoniais e não patrimoniais e tendo ainda em conta a matéria de facto provada, e de onde, em síntese, decorre que os danos, mormente a nível funcional, não se provaram em toda a extensão que haviam sido alegados, afigura-se-nos adequada a mencionada indemnização de €30.000,00 pelos danos não patrimoniais. XI - O fornecimento de próteses incluem-se nas prestações, em espécie, que, nos termos dos arts. arts. 23º, al. a), e 25º, nº 1, al. g), são devidas ao sinistrado e que se mostrem necessárias e adequadas ao restabelecimento da sua capacidade de ganho e à sua recuperação para a vida ativa, recuperação esta que transcende o aspeto meramente funcional, de capacidade de trabalho e/ou realização de tarefas, mas também a recuperação emocional e psíquica e/ou uma melhor adaptação, a esse nível, à nova situação. XII - Ainda que tenha sido dado como não provado que a A. necessita de uma prótese para o desempenho de tarefas e que, a mesma, poderia dificultar a execução de determinadas tarefas, tal não exclui o direito ao fornecimento de próteses amovíveis e/ou que melhor se adequem à sua utilização quando a A. assim o entender, se assim o entender e de acordo com as suas necessidades. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 164/18.7T8PNF.P2 Relator – Paula Leal de Carvalho (R 1351) Adjuntos: Rui Penha Germana Ferreira Lopes Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório AA intentou a presente ação especial emergente de acidente de trabalho, contra A..., Lda., e B..., S.A., todos nos autos identificados, alegando, em síntese, que sofreu um acidente de trabalho, no dia 24 de Abril de 2017, cerca das 09h00, o qual consistiu num corte da mão direita, pela lâmina de máquina em funcionamento, de que lhe resultou a amputação de três dos seus cinco dedos - polegar, indicador e médio - e traumatismo dessa mesma mão. O acidente deveu-se à violação das regras de segurança e saúde no trabalho, por parte da ré empregadora. Terminou, pedindo: “deve a presente acção ser julgada procedente por provada e, em consequência, serem as Rés condenadas a pagar à A.: 1. a 1ª Ré (empregadora): a) o preço e a colocação da prótese funcional dos três dedos - polegar, indicador e médio - da mão direita; b) a pensão anual e vitalícia, obrigatoriamente remível, que vier a ser fixada após realização da perícia por junta médica, agravada nos termos do disposto no art. 18º, nºs 1 e 4, alíneas b) e c) da RRRAT; c) subsídio por situação de elevada incapacidade permanente para o trabalho habitual, que vier a ser fixado após realização da perícia por junta médica, nos termos do disposto no art. 67º da RRRAT; d) indemnização pelos relevantíssimos danos não patrimoniais, na quantia de € 100.000 (cem mil euros); e) a título de pagamento das despesas de deslocação a Tribunal, a quantia de € 10,00; f) juros de mora sobre as quantias em dívida, desde os respetivos vencimentos até integral pagamento Subsidiariamente, 2) a 2ª Ré (Seguradora): a) o preço e a colocação da prótese funcional dos três dedos - polegar, indicador e médio - da mão direita; b) a pensão anual e vitalícia, obrigatoriamente remível, que vier a ser fixada após realização da perícia por junta médica, normal nos termos do disposto no art. 48º, nºs 2 e 3, alíneas b) e c) da RRRAT; c) subsídio por situação de elevada incapacidade permanente para o trabalho habitual, que vier a ser fixado após realização da perícia por junta médica, nos termos do disposto no art. 67º da RRRAT; d) a título de pagamento das despesas de deslocação a Tribunal, a quantia de € 10,00; e) juros de mora sobre as quantias em dívida, desde os respetivos vencimentos até integral pagamento.” Citada, a Ré empregadora contestou, alegando, em resumo, que a Autora foi admitida ao serviço da Ré, a 1 de Outubro de 2016, através de contrato de trabalho a termo certo, para o exercício da actividade profissional com a categoria de Aprendiz de Revistadora; revistava a qualidade quer do produto em curso, quer do produto final, procedendo, nomeadamente, à sua medição e à verificação da sua cor; circulava por vários pontos das instalações da Ré, acompanhando o processo produtivo dos artigos; no exercício das suas funções, a Autora não operava nenhuma máquina da Ré, nem nunca a Ré lhe deu quaisquer ordens ou indicações nesse sentido, nem se verificou a violação de regras de segurança. Terminou, concluindo: “deve: A) A presente ação ser julgada improcedente, por não provada e, em consequência, ser a Ré absolvida de todos os pedidos; B) Ser a Autora condenada a pagar à Ré uma indemnização correspondente ao reembolso das despesas a que a má-fé da Autora tenha obrigado, incluindo os honorários dos mandatários ou técnicos, e condenada em multa, como litigante de má-fé, nos termos do arts. 542.º e 543.º do Código de Processo Civil”. Citada, a Ré Seguradora contestou, alegando a inobservância das regras de segurança por parte da entidade patronal, e concluindo: “deve a presente acção ser julgada em conformidade com a prova a produzir”. A autora respondeu, terminando como na petição inicial. No despacho saneador, foram fixados os factos assentes, elaborada a base instrutória e ordenado o desdobramento do processo para fixação da incapacidade da autora. A Ré Empregadora reclamou do despacho saneador, dizendo: “4. O facto alegado pela Ré no art.º 7.º da contestação é um facto relevante para a decisão da causa, porquanto, além das funções que a Autora exercia como Revistadora e de quem operava e fazia a manutenção da máquina onde o acidente ocorreu, factos que constam já da base instrutória, deverá, igualmente, ser objeto de prova que a Autora não operava nenhuma máquina da Ré e que a Ré não lhe deu quaisquer ordens ou indicações para que exercesse, também, essas funções. 5. Desse modo, deverá ser acrescentado um novo quesito à base instrutória, que se sugere após o quesito 4, com o seguinte teor: “No exercício das suas funções, a Autora não operava nenhuma máquina da Ré, nem nunca a Ré lhe deu quaisquer ordens ou indicações nesse sentido?” 6. O facto alegado pela Ré no art.º 54.º da contestação é, também, um facto relevante para a decisão da causa, nomeadamente, para a eventual avaliação dos danos não patrimoniais alegados pela Autora. 7. Desse modo, deverá ser acrescentado um novo quesito à base instrutória, com o seguinte teor: “A Ré sempre se mostrou disponível para que a Autora continuasse ao seu serviço como revistadora ou até para outras funções, para as quais ela se sentisse à vontade”? 8. Relativamente ao quesito 23, por manifesto lapso, não foi incluído nesse quesito a parte final do art.º 20.º da contestação, a saber, “as medir e ver se tinham defeito”, pelo que se requer a sua retificação.”. A Mma Juiz despachou: “Deferido”. Realizado o julgamento, a Mma Juiz proferiu sentença, decidindo nos seguintes termos: “(J)ulga-se a presente acção procedente por provada e, em consequência, decide-se: 1 – Condenar a Ré “A..., Limitada” a pagar à autora AA: 1.1 – O capital de remição da pensão anual e vitalícia no montante de € 2.367,53, devida a partir de 11/1/2018, acrescido de juros de mora, à taxa de 4% ao ano, até efectivo e integral pagamento; 1.2. – A quantia de € 10,00 a título de despesas de deslocações a este tribunal, acrescida de juros de mora à taxa de 4% ao ano desde 13-11-2018 e até integral pagamento; 1.3 – A quantia de € 35.000 (trinta e cinco mil euros), acrescido de juros de mora contados à taxa legal supletiva de 4 % ao ano (Portaria nº 291/2003, de 08 de Abril, em vigor desde 01 de Maio de 2003), contados desde 8/1/2019; 1.4 – A quantia de € 30.000 (trinta mil euros), acrescida de juros de mora contados à taxa legal supletiva de 4 % ao ano (Portaria nº 291/2003, de 08 de Abril, em vigor desde 01 de Maio de 2003), até efectivo e integral pagamento 2 – Condenar a Ré “B..., SA” solidariamente com a R “A..., Limitada”, e sem prejuízo do direito de regresso da R Seguradora sobre a R entidade patronal, a pagar à autora o capital de remissão da pensão anual e vitalícia até ao montante de € 1.657,27, devida a partir de 11/1/ 2018, acrescido de juros de mora, à taxa de 4% ao ano, até efectivo e integral pagamento e das despesas de deslocação referidas em 1.2). 3 – Absolve-se as RR do que ademais é peticionado. Fixo o valor da acção em € 104.770,30. Custas pela A e pelas RR na proporção do respectivo decaimento.” A Ré Empregadora recorreu (recurso principal) e, a A., recorreu subordinadamente. Aos 14.02.2022, foi por esta Relação proferido Acórdão que decidiu nos seguintes termos: “Atento o exposto, acórdão os Juízes que compõem esta Secção Social: 1. - Anular a sentença recorrida, nos termos do artigo 662.º, n.º 2, alínea c), do CPC, devendo o Tribunal da 1.ª instância: (i) diligenciar pela completa e cabal justificação da resposta negativa dada ao quesito 16), nos termos supra referidos; (ii) consignar na matéria de facto qual a mão activa da autora; (iii) esclarecer o teor dos pontos 65), 66), 73) e 74) dos factos dados como provados, nos termos supra expostos, sem prejuízo do acerto necessário nos pontos 61) a 74) dos factos dados como provados, dado o conceito genérico e vago das expressões “mais dificuldade”, “maior dificuldade”, e de modo a evitar eventuais contradições. E proferir nova decisão, de facto e de direito, em conformidade, relativa à matéria da alínea vi) dos factos não provados e aos pontos da decisão de facto com ela conexionados. Custas pela parte vencida a final.” Aos 04.04.2022 foi proferido acórdão julgando improcedentes o pedido de reforma e arguição de nulidade daquele outro acórdão, então suscitadas pela Ré Empregadora. Baixados os autos à 1ª instância, foram, por esta, determinados esclarecimentos a prestar pela junta médica e, uma vez prestados, foi proferido despacho (aos 12.09.2022) em síntese determinando a notificação das partes no sentido de alegaram por escrito (caso dispensem as alegações orais em julgamento) e/ou mais que tiverem por conveniente, na sequência do que apenas a Ré Empregadora apresentou alegações escritas. Foi, após, proferida sentença que julgou a ação “procedente por provada e, em consequência, decide-se: 1 – Condenar a Ré “A..., LIMITADA” a pagar à autora AA: 1.1 – O capital de remição da pensão anual e vitalícia no montante de € 2.367,53, devida a partir de 11/1/ 2018, acrescido de juros de mora, à taxa de 4% ao ano, até efectivo e integral pagamento; 1.2. – A quantia de € 10,00 a título de despesas de deslocações a este tribunal, acrescida de juros de mora à taxa de 4% ao ano desde 13-11-2018 e até integral pagamento; 1.3 – A quantia de € 35.000 (trinta e cinco mil euros), acrescido de juros de mora contados à taxa legal supletiva de 4 % ao ano (Portaria nº 291/2003, de 08 de Abril, em vigor desde 01 de Maio de 2003), contados desde 8/1/2019; 1.4 – A quantia de € 30.000 (trinta mil euros), acrescida de juros de mora contados à taxa legal supletiva de 4 % ao ano (Portaria nº 291/2003, de 08 de Abril, em vigor desde 01 de Maio de 2003), até efectivo e integral pagamento 2 – Condenar a Ré “B..., SA” solidariamente com a R “A..., LIMITADA”, e sem prejuízo do direito de regresso da R Seguradora sobre a R entidade patronal, a pagar à autora o capital de remissão da pensão anual e vitalícia até ao montante de € 1.657,27, devida a partir de 11/1/ 2018, acrescido de juros de mora, à taxa de 4% ao ano, até efectivo e integral pagamento e das despesas de deslocação referidas em 1.2). Fixo o valor da acção em € 104.770,30. Custas pela A e pelas RR na proporção do respectivo decaimento.” Inconformada, a Ré Empregadora veio recorrer, tendo formulado as seguintes conclusões: ……………………………… ……………………………… ……………………………… Nestes termos, e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, assim: 1) Deve ser alterada a matéria de facto relativamente aos pontos 8, 11, 12, 14, 15 e 24 (factos provados) e relativamente às alíneas i) a v) e devem ser aditados quatro novos factos; 2) Deve ser ordenada a renovação da prova pericial ou a produção de nova pericial; 3) Deve ser considerado improcedente o pedido da Autora quanto ao agravamento da responsabilidade da Empregadora, aqui Recorrente, por violação das regras de segurança, nos termos do art.º 18.º da NLAT; Sem prescindir, 4) Deve o acidente de trabalho ser descaraterizado, nos termos do art.º 14.º, n.º 1, alíneas a) e b) da NLAT. Mais deve ser atribuído efeito suspensivo ao presente recurso de apelação, requerendo a Recorrente a prestação de caução por meio de depósito na Banco 1..., aproveitando-se, para esse efeito, se assim for consentido, a caução que foi prestada pela Ré a 18.06.2021 e que ainda se encontra à ordem deste Tribunal no valor de € 118.022,37 (arts. 83.º, n.º 2 e 4 e 5 do CPT).” A A/Recorrida contra-alegou e interpôs recurso subordinado, tendo formulado as seguintes conclusões: ……………………………… ……………………………… ……………………………… Nestes termos: a) Deve ser negado provimento ao recurso interposto pela Recorrente, mantendo-se inalterada a Douta Sentença aqui em crise; b) Deve ser dada procedência ao recurso subordinado interposto, com todas as legais consequências,” A Ré Empregadora contra-alegou no recurso subordinado, tendo formulado as seguintes conclusões: ……………………………… ……………………………… ……………………………… Nestes termos, e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao recurso independente apresentado pela Ré e deve improceder o recurso subordinado apresentado pela Autora.” Tendo o então Exmº Desembargador relator (Domingos Morais) deixado de exercer funções nesta Relação por virtude de promoção ao STJ, foi o processo distribuído à ora relatora. O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido do não provimento do recurso, ao qual apenas a Recorrente empregadora respondeu, dele discordando. O recurso principal, interposto pela Ré empregadora, foi admitido no efeito fixado pela 1ª instância (suspensivo), quanto ao recurso subordinado, interposto pela A., deve ao mesmo ser fixado efeito devolutivo (e não suspensivo, como então admitido pela 1ª instância). Colheram-se os vistos legais (tendo sido sorteado novo 2º adjunto dada a jubilação do anterior, Desembargador Jerónimo Freitas). *** II. Decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instânciaÉ a seguinte a decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância: “Com interesse para a decisão da causa resultaram provados os seguintes factos: 1) A Autora foi admitida ao serviço da Ré, a 1 de Outubro de 2016, através de contrato de trabalho a termo certo, para o exercício da actividade profissional com a categoria de Aprendiz de Revistadora. 2) À Autora competia, assim, verificar os artigos têxteis, assinalando os possíveis defeitos que tivessem, podendo efectuar a contagem e registo das peças. 3) No exercício das suas funções, a Autora revistava a qualidade quer do produto em curso, quer do produto final, procedendo, nomeadamente, à sua medição e à verificação da sua cor. 4) A Autora circulava por vários pontos das instalações da Ré, acompanhando o processo produtivo dos artigos. 5) No dia 24 de Abril de 2017, cerca das 09H00, a A. encontrava-se a trabalhar, sob as ordens, direcção e fiscalização da 1ª Ré, sua entidade empregadora, nas instalações desta, sitas na Rua ..., em ..., Felgueiras, desempenhando tarefas e funções correspondentes à categoria profissional de revistadeira. 6) O colega de trabalho da A., Sr. BB, pediu-lhe para o ajudar a esticar um rolo de felpo, que estava a ser laminado numa máquina de laminar felpo, ao que a A acedeu. 7) O Sr. BB dirigiu-se à parte de trás da aludida máquina, zona onde existia acoplado um carrinho metálico destinado a receber o rolo de felpo, depois de laminado. 8) A A., no momento referido em 7), tendo verificado que a referida máquina estava a derramar óleo e para de evitar que o rolo de felpo que estava a ser laminado viesse a ser sujo com aquele óleo, tentou limpá-lo servindo-se de um farrapo que se encontrava pousado nas proximidades da máquina, para esse efeito. 9) Utilizou então a sua mão direita que, nessa altura, foi apanhada e atingida pela lâmina da máquina em funcionamento. 10) A A sofeu amputação de três dos seus dedos - polegar, indicador e médio – da mão direita, e traumatismo dessa mesma mão. 11) Noutras ocasiões a A. viu o operador da máquina usar um farrapo para limpar óleo em excesso que se encontrasse no rolo. 12) A máquina de laminar felpo na qual a A. sofreu o acidente, não tinha aposto, aquando do referido em 5), o utensílio/acessório de protecção que visava impedir o contacto das mãos com as partes móveis do equipamento mecânico, designadamente, com a lâmina, que exerce a sua acção de corte e fica em contínuo movimento enquanto a máquina está ligada, mecanismo esse que um é painel frontal em material acrílico e que se destina a proteger o compartimento dos rolos de laminar. 13) O painel frontal que protege o compartimento dos rolos de laminar havia sido fornecido pelo vendedor da máquina e dela era parte integrante. 14) A 1ª Ré (empregadora) sabia que a máquina estava a trabalhar nas condições referidas em 12). 15) Se a máquina tivesse aposta, nesse momento, o utensílio/acessório de protecção impeditivo do contacto físico entre as mãos e a lâmina da máquina, o acidente não teria ocorrido. 16) A máquina onde ocorreu o sinistro é um equipamento combinado de laminagem e revista de tecido, da marca LAFER, modelo ..., com o n.º de série ..., construído em 2013. 17) A máquina opera da seguinte forma: a. o produto inicial sai da plataforma frontal, puxado pelo tensor de entrada, dando-se, assim, início ao percurso do tecido dentro da máquina; b. o tecido é conduzido por uns cilindros oscilantes, passa por debaixo da plataforma do operador, para depois ser sujeito ao processo de laminagem e revista, através de rolos e escovas; c. o produto final sai na traseira da máquina. 18) A máquina dispõe de avisos e sinalética para uma operação segura, nomeadamente: i. A subir para a plataforma do operador existe o aviso de perigo de tropeçamento. ii No painel frontal de protecção e nos próprios rolos de laminar, existem vários sinais de segurança, para o caso de ser necessário proceder à manutenção da máquina ou manusear aquelas específicas partes, concretamente, no painel frontal, existe o sinal de uso obrigatório de luva vaqueta, o aviso de perigo de esmagamento e o de perigo de esmagamento ou corte, e na parte interior da máquina, existe o aviso de perigo de esmagamento, o de perigo de esmagamento ou corte, o sinal de uso obrigatório de luva vaqueta e o sinal de uso de óculos de segurança obrigatório. iii Na parte traseira, encontra-se, igualmente, o aviso de perigo de esmagamento ou corte e o sinal de uso obrigatório de luva vaqueta, para o para o caso de ser necessário proceder à manutenção da máquina ou manusear aquela específica parte. 19) Esta máquina é certificada, conforme com a Diretiva Máquinas 2006/42/CE, com a Diretiva Baixa Tensão 2006/95/CE e com a Diretiva Compatibilidade Eletromagnética 2004/108/CE e com outras normas harmonizadas (cfr. o Documento n.º 2). 20) O trabalhador operador da máquina, tanto à altura do acidente, como presentemente, é o Sr. BB. 21) E a R A..., Limitada incumbiu sua manutenção ao operador da máquina, aos técnicos de manutenção da Ré, no caso, o Sr. CC e o Sr. DD e aos técnicos da marca Lafer, consoante o nível de intervenção necessário. 22) A Ré é sujeita, anualmente, à auditoria SMETA 2 pilares, uma auditoria feita por uma entidade externa, a C... – Unipessoal, Lda., que, entre outros pontos, monitoriza o cumprimento, pela Ré, das regras de higiene e segurança. 23) Nem na auditoria anual SMETA anterior ao acidente, de 08.06.2016, nem na posterior, de 06.06.2017, foi detectada qualquer anomalia relacionada com a máquina aqui em questão (aliás, no item “Saúde e Segurança” do plano de acção correctiva, foi só detetada uma única anomalia, na auditoria de 2016, que foi devidamente corrigida). 24) A manutenção e a limpeza da máquina não devem ser feitas com ela em funcionamento, por causa dos riscos associados a esse comportamento perigoso. 25) A Autora actuou do modo descrito em 8), apesar da maquina ter apostos os sinais referidos em 18). 26) A A. nasceu a .../.../1987. 27) À data, a A. auferia a retribuição base mensal de € 569,00, recebida 14 vezes no ano (569 x 14), acrescida do valor mensal de € 51,70, a título de subsídio de alimentação, recebido 11 vezes no ano (51,70 x 11), o que perfaz a retribuição, anual e ilíquida, de € 8.534,70 (oito mil quinhentos e trinta e quatro euros e setenta cêntimos). 28) À data do acidente e no que à A. concerne, a 1ª Ré (empregadora) tinha a responsabilidade infortunística emergente de acidente de trabalho transferida para a 2ª Ré (Seguradora), nos termos de contrato de seguro titulado pela apólice nº .... 29) A Autora que decidiu cessar o seu contrato de trabalho, por denúncia, datada de 29 de agosto de 2018. 30) A A sofreu as seguintes lesões e sequelas: I) Queixas: “Manipulação e preensão: limitações na manipulação/preensão;” “Fenómenos dolorosos: dores – sensação de “picadelas” no dedo indicador;” “Outras queixas a nível funcional: sente a mão sempre fria;” “Vida profissional ou de formação: limitação na utilização de um aquecedor; não reassumiu as funções de revistadeira nunca porque meteu baixa”. i. Lesões e/ou sequelas relacionáveis com o evento: “Membro superior direito: ausência da falange distal do polegar, com coto bem almofadado; ausência das duas falanges distais do indicador, com coto bem almofadado; ausência da falange distal do dedo médio e metade da segunda falange com coto bem almofadado; neuroma na face externa do 3º dedo e na interna do 2º dedo; faz pinça de bola, faz pinça pulpo digital, pinça tridigital; não faz latero-lateral”. 31) Em consequência deste acidente, advieram para a autora as lesões descritas no auto de exame médico de fls. 27 e seguintes, cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido para todos os efeitos legais, que lhe determinaram, como consequência directa e necessária, uma incapacidade permanente e parcial de 27,74%, sem incapacidade absoluta para o trabalho habitual, desde 10/1/ 2018, data em que lhe foi atribuída alta. 32) Na sequência do acidente descrito, a A. foi imediatamente transportada, por dois colegas de trabalho, ao Hospital ..., em Felgueiras, onde lhe foram prestados os primeiros cuidados médicos, conforme resulta do respectivo processo clínico integral cuja junção de cópia certificada aos autos, desde já, se requer, seja efectuada pelo Hospital ..., sito em Felgueiras, tendo transferida, em ambulância, para o Hospital 1..., em Penafiel. 33) Nessa unidade hospitalar, foram prestados cuidados médicos à A., apresentando esta de forma visível esfacelo e amputação de três dedos - polegar, indicador e médio – da mão direita, e traumatismo dessa mesma mão. 34) Foram-lhe feitas lavagens aos ferimentos sofridos com soro fisiológico. 35) Foram-lhe realizadas várias radiografias. 36) A A. ficou internada no Serviço de Ortopedia do Hospital 1..., para tratamento cirúrgico de amputação traumática de D1, D2 e D3 da mão direita. 37) No Serviço de Ortopedia do Hospital 1..., a A., ainda no mesmo dia do acidente (24/04/2017), foi submetida a intervenção cirúrgica por causa da amputação, e para desarticulação de dedo da mão. 38) Essa intervenção cirúrgica consistiu na regularização das proeminências ósseas e confeção de cotos apropriados, tudo conforme bem resulta do teor do documento que se junta sob o nº 2 e se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais. 39) Vindo a A., em 26 de Abril de 2017, a ter alta hospitalar, para posterior monitorização e tratamento em pós-operatório, nos serviços clínicos da 2 ª Ré (Seguradora). 40) Todavia, mesmo após essa cirurgia, a A. continuava a sentir dores na zona intervencionada da mão direita, ao ponto de não conseguir dormir, mesmo sob efeito de medicação antibiótica e analgésicos. 41) A A. nunca perdeu a consciência do que lhe estava a acontecer, queixando-se com dores. 42) A A. ficou triste e desgostosa. 43) A A. ficou a padecer de perturbação depressiva. 44) A A passou, numa fase inicial, a apresentar episódios de maior ansiedade, insónias frequentes, labilidade emocional marcada, choro fácil, anedonia e humor deprimido. 45) À A. foi necessário ministrar medicação ansiolítica e relaxante, designadamente, o zarelix 225 mg. 46) A A passou a ser seguida no Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental do Hospital 2.... 47) Por indicação e através da 2 ª Ré (Seguradora), a A., em 02 de Maio de 2017, foi pela primeira vez receber tratamento médico à Casa de Saúde ..., onde, após consulta médica, e ao longo de cerca de 9 meses, foi submetida aos subsequentes tratamentos, exames médicos de imagiologia, segunda cirurgia e cuidados médicos variados e regulares. 48) A A. compareceu, quer às consultas médicas das especialidades de ortopedia e psiquiatria, realizadas na Casa de Saúde ..., no âmbito do pós operatório hospitalar, tendo sido observada, entre outros, pelos respectivos clínicos Dr. EE, ortopedista, e Dr. FF, psiquiatra, quer aos curativos e tratamentos de enfermagem às partes intervencionadas, pelo menos, nas seguintes datas: 02/05/2017, 03/05/2017, 05/05/2017, 09/05/2017, 16/05/2017, 19/05/2017, 23/05/2017, 26/05/2017, 02/06/2017, 20/06/2017, 05/07/2017, 11/07/2017, 14/07/2017, 17/07/2017, 19/07/2017, 07/08/2017, 09/08/2017, 16/08/2017, 21/08/2017 e 04/09/2017. 49) Numa dessas consultas médicas, foi também prescrita à A. a realização de Fisioterapia. 50) Com base nessa prescrição médica, a A. compareceu e submeteu-se também aos tratamentos de fisioterapia, realizados na Clínica “D...”, sita na Avª ..., Lojas ..., Ed. ..., em Felgueiras, durante 6 meses, compreendidos nas seguintes datas: 06/06/2017, 07/06/2017, 08/06/2017, 09/06/2017, 12/06/2017, 13/06/2017, 14/06/2017, 15/06/2017, 16/06/2017, 19/06/2017, 21/06/2017, 22/06/2017, 23/06/2017, 26/06/2017, 27/06/2017 28/06/2017, 30/06/2017; 03/07/2017, 04/07/2017, 05/07/2017, 06/07/2017, 07/07/2017, 10/07/2017, 11/07/2017, 12/07/2017, 20/07/2017, 21/07/2017, 24/07/2017, 25/07/2017, 26/07/2017, 27/07/2017, 28/07/2017, 31/07/2017, 01/08/2017, 02/08/2017, 03/08/2017, 04/08/2017, 08/08/2017, 09/08/2017, 10/08/2017, 11/08/2017, 14/08/2017, 16/08/2017, 17/08/2017, 18/08/2017, 22/08/2017, 23/08/2017, 24/08/2017, 25/08/2017, 28/08/2017, 29/08/2017, 30/08/2017, 31/08/2017, 01/09/2017, 04/09/2017, 21/09/2017, 22/09/2017, 25/09/2017, 26/09/2017, 27/09/2017, 28/09/2017, 02/10/2017, 03/10/2017, 04/10/2017, 12/10/2017, 13/10/2017, 16/10/2017, 17/10/2017, 18/10/2017, 19/10/2017, 20/10/2017, 23/10/2017, 24/10/2017, 25/10/2017, 26/10/2017, 27/10/2017, 31/10/2017, 02/11/2017, 03/11/2017, 06/11/2017, 07/11/2017, 08/11/2017, 09/11/2017, 10/11/2017, 13/11/2017, 14/11/2017, 21/11/2017, 22/11/2017, 23/11/2017, 24/11/201 e 27/11/2017. 51) A A. foi sujeita a tratamentos fisiátricos compostos por calores húmidos, ultrassons e massagens à mão direita, demoravam 01H15, e eram dolorosos. 52) A A. sofreu dores no momento do acidente, nos períodos de convalescença e tratamentos a que foi submetida. 53) Em 07 de Setembro de 2017, a A. foi, pela segunda vez, internada, desta feita, no Serviço de Ortopedia da Casa de Saúde ..., no Porto, onde veio a ser submetida, à segunda intervenção cirúrgica. A A. foi sujeita, pelo menos, a duas anestesias gerais. 54) A segunda intervenção cirúrgica consistiu na excisão de neuroma póstraumático. 55) Nesse mesmo dia, a A. teve alta dada pela Casa de Saúde ..., com indicação médica para acompanhamento de toda a situação em consulta, onde continuou a ser seguida no segundo pós-operatório. 56) Após a segunda cirurgia, a A. continuou a comparecer, quer às consultas médicas das especialidades de ortopedia e psiquiatria, realizadas na Casa de Saúde ..., no âmbito do segundo pós operatório, quer aos curativos e tratamentos de enfermagem às partes intervencionadas, pelo menos, nas seguintes datas: 13/09/2017, 20/09/2017, 22/09/2017, 25/09/2017, 11/10/2017, 18/10/2017 30/10/2017, 20/11/2017, 04/12/2017 e 27/12/2017. 57) A A. compareceu a mais de 30 consultas médicas, curativos e tratamentos de enfermagem às partes intervencionadas, realizados na Casa de Saúde ..., no Porto. 58) Compareceu também, a A., a 91 sessões de fisioterapia, realizadas na Clínica “D...”, em Felgueiras. 59) A A. compareceu, igualmente, a 9 sessões de psicoterapia em grupo, com duração aproximada de uma hora cada, realizadas todas as quintas feiras, entre 07 de Junho e 02 de Agosto de 2018, no Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental do Hospital 2.... 60) A A. viveu e continua a viver momentos de angústia e tristeza, a A. vai necessitar, ao longo de toda a sua vida, de consultas médicas, acompanhamento médico, tratamentos e cuidados médicos, fisioterapia, anestesias, cirurgias e internamento, o que lhe continuará a causar dores e sofrimento. 61) A mão activa da autora é a direita. 62) Desde que ocorreu o acidente, a A. perdeu a capacidade para realizar actividades do dia-a-dia que exigem a acção conjunta das duas mãos na medida da IPP atribuída. 63) A A. consegue abrir a porta de casa com a chave com a mão esquerda. 64) A A. consegue tomar banho, lavar o cabelo, fazer a sua higiene pessoal, embora tenha dificuldade em cortar as unhas da mão esquerda. 65) A A. consegue cortar e descascar os alimentos, com mais dificuldade e sem a precisão anterior ao acidente, pois consegue apreender e manipular objectos com dimensão superior a 5 mm de diâmetro. 66) A A. consegue abotoar e desabotoar os botões do vestuário que diariamente usa, com mais dificuldade e sem a precisão anterior ao acidente, pois consegue apreender e manipular objectos com dimensão superior a 5 mm de diâmetro. 67) A A. consegue apertar e desapertar os atacadores do calçado que calça, com mais dificuldade e sem a precisão anterior ao acidente, pois consegue apreender e manipular objectos com dimensão superior a 5 mm de diâmetro. 68) A A. consegue conduzir veículos automóveis. 69) A A. consegue abrir uma garrafa ou uma lata, com mais dificuldade e sem a precisão anterior ao acidente, pois consegue apreender e manipular objectos com dimensão superior a 5 mm de diâmetro. 70) A A. consegue pegar num garrafão de água. 71) A A. consegue pegar num saco de compras. 72) A A. consegue pôr um gancho no cabelo, com mais dificuldade e sem a precisão anterior ao acidente, pois consegue apreender e manipular objectos com dimensão superior a 5 mm de diâmetro. 73) A A. consegue colocar uns brincos nas orelhas, com mais dificuldade e sem a precisão anterior ao acidente, pois consegue apreender e manipular objectos com dimensão superior a 5 mm de diâmetro. 74) A A. consegue apanhar um objecto caído ao chão, com mais dificuldade e sem a precisão anterior ao acidente, sendo a dificuldade maior para apanhar objectos mais pequenos, ou seja inferiores a 5 mm de diâmetro, como, por exemplo, parafusos, pregos e clips. 75) A A. não consegue pegar numa agulha, nem coser uma peça de vestuário. 76) Esporadicamente a A. sente dores ao longo do dia, e mesmo sem realizar qualquer esforço ou movimento brusco, nas mudanças de clima. 77) Antes do acidente, a A. gozava de perfeita saúde e encontrava-se no pleno gozo das suas capacidades físicas e mentais. 78) Era uma jovem mentalmente equilibrada, dinâmica, com alegria de viver. 79) Numa fase inicial perturbavam a A. sentimentos de desgosto, tristeza, constrangimento e revolta pela situação em que ficou, estando, nessa altura, apática e triste. 80) Ficou com cotos no lugar dos referidos dedos, e vestígios cicatriciais visíveis. 81) A A padeceu dores quantificáveis em 5 pontos, sofreu dano estético quantificável em 4 pontos e prejuízo de afirmação pessoal de 2 pontos. 82) Nas deslocações asseguradas por transporte público a este Tribunal e ao Gabinete Médico-Legal do Tâmega, com vista à comparência em diligências judiciais e à realização dos exames que necessitava, a A. despendeu a quantia de € 10,00. 83) A A nasceu em .../.../1987. Para além da factualidade acima elencada e com interesse para a decisão não resultaram provados quaisquer outros factos e, designadamente, não se provou que: i) A Ré A... não fez qualquer alteração à máquina. ii) No dia em que ocorreu o sinistro, o Sr. BB, pediu à Autora, por causa das suas funções de revistadora, para o fazer, relativamente às peças que estavam a iniciar o processo de laminagem e revista, subindo em direcção ao tensor de entrada. iii) O que a Autora fez. iv) Aproveitando a sua presença nessa zona, ao lado do tecido, à esquerda este pediu-lhe, também, o favor de esticar o tecido, que, por vezes, revira a subir. v) A máquina tinha aposto o utensílio/acessório de proteção que impedia o contacto das suas mãos com as partes móveis do equipamento mecânico: o painel frontal, o qual é um dispositivo de segurança que faz parte da própria máquina vi) A A. necessita usar uma prótese funcional dos três dedos - polegar, indicador e médio - da mão direita. vii) A A. ficou a depender de terceiros. viii) A A. não consegue dormir em nenhuma posição que implique a mais leve pressão sobre o seu braço direito. ix) A A tem de dormir sempre numa de duas posições, de barriga para cima, ou voltada para o lado esquerdo, o que dificulta o adormecer, provocando intranquilidade e perturbação no sono da A., privando-a, assim, de ter um sono reparador, tranquilo e descansado, como até à data do acidente sempre teve.” *** III. Objeto do recursoO objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo porém as matérias que sejam de conhecimento oficioso, (arts. 635, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável ex vi do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10, alterado, designadamente, pela Lei 107/2019). Assim, são as seguintes as questões suscitadas: A. Pela Ré Recorrente/Empregadora, no recurso principal: - Impugnação da decisão da matéria de facto [nºs 8, 11, 12, 14, 15 e 24 dos factos provados e als. i) a v) dos factos não provados, aditamento de factos e, no âmbito de tal questão, da renovação da prova pericial ou produção de nova prova pericial]. - Da (não) violação de regras de segurança por parte da Recorrente; - Da descaracterização do acidente como acidente de trabalho. B. Pela A., no recurso subordinado: - Impugnação da decisão da matéria de facto [al. vi) dos factos não provados]; - Montante da indemnização por danos não patrimoniais; - Reconhecimento do direito da A. ao preço e colocação de prótese funcional dos três dedos da mão direita. Desde já aqui se deixa o esclarecimento de que, quando nos reportarmos, sem mais, à LAT, nos estaremos a referir à Lei 98/2009, de 04.09, que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho de doenças profissionais, a aplicável aos autos dada a data do acidente em apreço. *** IV. Fundamentação1. Da impugnação da decisão da matéria de facto – do recurso principal da Ré Empregadora 1.1. Esclarecimentos prévios: A Ré impugna diversos pontos da decisão da matéria de facto, tendo dado cumprimento aos requisitos previstos no art. 640º, nºs 1, als. a), b) e c), 2, al. a), do CPC, pelo que, do ponto de vista formal, face a este preceito, nada obstaria à reapreciação. Não obstante, importa referir o seguinte: Nos termos do art. 662º, nº 1, do CPC, “1. A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”, sendo de esclarecer que, conforme entendemos, a reapreciação da decisão da matéria de facto não está circunscrita à verificação de erros ostensivos, manifestos ou clamorosamente evidentes, antes cumprindo à Relação proceder à reapreciação da matéria impugnada com base nos meios de prova produzidos, formando a sua própria convicção, entendimento que, de resto, corresponde ao que tem vindo a ser adotado pelo STJ conforme se extrai, designadamente, dos Acórdãos de 11.11.2020, Proc. 28813/17.7T8LSB.L1.S1, in www.dgsi.pt, de 11.02.2016, 907/13.5TBPTG.E1.S1, e de 15.09.2010, Proc. 241/05.4TTSNT.P1.S1, todos em www.dgsi.pt. Ou seja, tendo em conta o nº 1 do citado art. 662º, para a reapreciação da decisão da matéria de facto com base em meios de prova sujeitos à livre apreciação do julgador [excetuando, pois, os casos em que os factos se devam ter como plenamente provados por acordo, por prova documental com tal força probatória ou por confissão reduzida a escrito – cfr. art. 607º, nº 4, do CPC], necessário é que a Relação disponha de todos os meios de prova que foram produzidos em 1ª instância, mormente, quanto a prova pessoal que tenha sido gravada, que disponha da gravação da mesma em termos que permitam a sua necessária audibilidade e compreensão. No caso, procedeu-se à audição integral dos depoimentos prestados: pela A. [em declarações de parte] e pelas testemunhas indicadas pela Recorrente e pela decisão da matéria de facto a que se reportam os pontos impugnados: GG [conferente, trabalhador da Ré Recorrente], CC [afinador, trabalhador da Ré Recorrente], BB [trabalhador da Ré Recorrente e o operador da máquina onde a A. sofreu o acidente], HH [trabalhador da Ré Recorrente, mestre de tecelagem, que trabalha noutras instalações da Ré empregadora, mas que se deslocou à fábrica onde a A. sofreu o acidente após o mesmo], II [trabalhador da empresa representante da máquina onde a A. sofreu o acidente] e JJ [trabalhador da Ré Recorrente, Diretor de Produção]. E procedeu-se também à audição integral dos esclarecimentos prestados na audiência de julgamento pelos Srs. peritos que efetuaram a perícia à máquina onde a A. se acidentou e a que se reporta o respetivo relatório junto aos autos [KK, perito indicado pelo Tribunal, LL, perito indicado pela Autora e MM, perito indicado pela Ré/Recorrente]. Procedeu-se também à visualização das fotografias juntas aos autos (com a contestação da Ré empregadora, bem como pela Ré Seguradora por requerimento de 06.07.2020 e as juntas com o relatório pericial) e, bem assim, do vídeo junto com o relatório pericial. Da audição da gravação dos esclarecimentos prestados pelos três referidos peritos constata-se que a mesma, designadamente no que se reporta aos esclarecimentos que terão prestado, apresenta deficiências que não permitem, quase na sua totalidade, a audibilidade e compreensão dos esclarecimentos, apenas se entendendo, aqui e ali, algumas palavras soltas e parte de algumas respostas, mas não já a continuidade dessas respostas e, bem assim, outros esclarecimentos que terão prestado [adiante voltaremos aos esclarecimentos prestados]. Também o depoimento da testemunha II apresenta deficiências que não permitem, na sua grande parte, a audibilidade e compreensão do que referiu, apenas se entendendo, aqui e ali, algumas palavras soltas e parte de algumas respostas, mas não já a continuidade dessas respostas e, bem assim, outras respostas que deu. Dispõe o art. 155º, nºs 3 e 4 do CPC que “3. A gravação deve ser disponibilizada às partes, no prazo de dois dias a contar do respetivo ato. 4. A falta ou deficiência da gravação deve ser invocada, no prazo de 10 dias a contar do momento em que a gravação é disponibilizada.” A falta ou deficiência da gravação consubstancia nulidade processual que deve, no prazo referido, ser invocada, sob pena de sanação da mesma (arts. 195º e 199º do CPC), sendo que, no caso, não foi invocada. Não obstante, entendemos não ser de proceder à rejeição da impugnação. Com efeito, e pese embora grande parte da argumentação da Ré/Recorrente assente na perícia efetuada à máquina e que, segundo ela, não deve ser considerada, apelando também e para o efeito, aos esclarecimentos prestados pelos peritos em audiência de julgamento, designadamente pelo perito por si indicado (NN), à impugnação e reapreciação, pelo menos em alguns pontos, tais esclarecimentos não relevam e, quanto àqueles em que poderiam relevar, assenta a impugnação e reapreciação também em vários outros meios de prova, designadamente na prova pessoal (declarações da A. e das testemunhas), fotografias juntas aos autos e vídeo que acompanhou o mencionado relatório (para além de que, ainda que com base em partes de esclarecimentos percetíveis, se entendeu, no essencial, a posição dos peritos nesses esclarecimentos), fotografias e vídeo que se visualizaram, e, também, em regras da lógica e da experiência e senso comuns, conforme tudo adiante melhor se dirá, tendo-se embora presente a maior limitação dos poderes desta Relação na reapreciação da prova do que aquela de que dispôs a 1ª instância. E o mesmo se diga quanto ao depoimento da testemunha II. Importa também e desde já dizer, tendo em conta que a decisão da matéria de facto, designadamente a ora impugnada, assentou, em parte, nas declarações de parte prestadas pela A., que é atualmente adquirido que as declarações de parte são um meio de prova válido, estando sujeitos, tal como a prova testemunhal, à livre apreciação e convicção do julgador, bem podendo a prova assentar em tais declarações, tudo se reconduzindo à avaliação e ponderação que haja de ser feita, tendo presente, naturalmente, o menor distanciamento que a parte tem em relação ao objeto do litígio dado o seu interesse no desfecho da causa, menor distanciamento esse que, de resto e não raras vezes acontece, também se pode verificar em relação à prova testemunhal (cfr., designadamente, Acórdãos da RP de 13.03.2017, Proc. nº 407/15.9T8AVR.P1[1], de 06.04.2017, Proc. nº 2367/15.7T8MTS.P1[2] e de 07.11.2016[3], todos em www.dgsi.pt). 1.2. Na fundamentação da decisão da matéria de facto, a Mmª Juiz referiu o seguinte: “Motivação: O Tribunal formou a sua convicção com base nos documentos juntos aos autos, na prova testemunhal produzida em sede de audiência e na prova pericial, do modo que seguidamente se descreve. A factualidade ínsita nas alíneas 1) a 4) dos factos provados foi confirmada em audiência pelas declarações da sinistrada e pelas testemunhas trabalhadores da R A... e colegas de trabalho da A. O vertido em 5) a 7), 26) a 29) corresponde à que fora já considerada assente no despacho saneador, porquanto estava provada por documento e/ou acordo das partes. Quanto ao à forma como ocorreu o acidente, tarefas que a A levava a cabo antes e após o acidente, o que levou a A a aproximar-se da máquina, e facto de a máquina não estar munida do painel frontal, razões pelas quais a sinistrada terá aproximado a mão da lâmina, e as tarefas que o operador habitual da máquina fazia antes do acidente – pontos 8) a 17), 20), 21), 24) a 25) da factualidade prova e i) a v) da factualidade não provada -, teve-se em conta as declarações da A, que o confirmou, relatando o que fazia, como fazia, como não estava colocado o painel frontal e a razão porque isso sucedia – declarações estas conjugadas com as conclusões vertidas pelos senhores peritos no relatório pericial, que foi unânime (pese embora em sede de esclarecimentos o Exmo Sr Perito da R Patronal tenha dito que não atentou bem quando subscreveu o relatório, entendendo agora que poderia uma pessoa delgada introduzir uma mão por baixo do painel frontal da máquina com a mesma em funcionamento). Na verdade, a A afirmou que, desde a semana anterior, que a máquina em questão não tinha aposto o painel frontal – visível nas fotografias juntas aos autos com a pi, bem como nas fotografias do relatório pericial e às que a ele foram anexas e ainda ao vídeo junto na mesma ocasião pelos Exmos Senhores peritos – e justificou que tal sucedida por estarem a trabalhar um tecido de felpo com configuração não uniforme e irregular e que para o repararem, conferindo um melhor acabamento, o passavam naquela máquina de laminar, mas que, precisamente por o tecido ter essa irregularidade, era necessário puxar o tecido na máquina á frente da zona onde deveria esta o painel, esticando-o, para o que eram necessárias duas pessoas (uma de cada lado do tecido), e que foi essa a razão pela qual o operador da máquina, BB, a chamou nesse dia (sendo certo que em dias anteriores outras pessoas já tinham estado a ajudar o BB, entre as quais se contavam o Dr. EE e o Sr. GG). Referiu que, a dada altura, o BB foi atrás da máquina para ajustar o caimento do produto acabado num carrinho (por reporte ao local onde a sinistrada se encontrava, junto ao painel frontal) e que a sinistrada viu óleo no rolo em excesso que ameaçava sujar o tecido que estavam a produzir. Por isso, pegou num trapo que o BB ali tinha próximo e tentou limpar o óleo. Explicou que o trapo foi agarrado pelo rolo, e que a sua mão foi junto com o trapo, assim acabando cortada. Apesar das testemunhas trabalhadores da R A... afirmaram todas ter visto a protecção da máquina ali aposta à data do acidente, não nos mereceram credibilidade, tendo prestado depoimentos desconformes com as regras de experiência comum e ditames do normal acontecer, considerando as conclusões a que chegaram os senhores peritos, no sentido de ser impossível que uma pessoa por muito magra que fosse conseguisse introduzir um braço por baixo do painel frontal da máquina, com a mesma em funcionamento, e assim atingir os rolos que têm as lâminas, pelo que seria impossível o acidente ter ocorrido, de acordo com a versão relatada por estas testemunhas trabalhadores da R A... e que com a mesma têm uma especial relação que pode justificar a forma como as testemunhas depuseram. Na verdade, GG (conferente que também trabalha para a R) explicou que prestou assistência à A após o sinistro e que viu a protecção da máquina no dia do acidente. Por seu turno, CC (afinador de máquinas, que dá assistência a todas as máquinas da R A...), que socorreu a A, a levou ao hospital e fez a reparação da máquina após o acidente, explicando o funcionamento da máquina. Referiu que a máquina não funciona sem ter o painel frontal aposto, porque tem um sistema de segurança que não permite que a máquina assim opere mas acabando por referir que a máquina tinha o painel aposto quando regressou á fábrica. Também BB – operador habitual da máquina em questão – que referiu ter chamado a A para que o ajudasse na extremidade da máquina oposta àquela onde estava o painel frontal, para que esticasse o tecido, e assim permitir que este entrasse mais bem esticado na máquina, e que referiu que a máquina tinha o painel frontal colocado, apenas se tendo ausentado uns segundos para ir à parte de trás da máquina ajeitar o produto final desta num carrinho (depoimento neste particular coincidente com o da A), e que logo ouviu os gritos da A tendo acorrido em seu socorro. Referiu que nunca viu a máquina a trabalhar sem a protecção frontal, que a máquina nem sequer funcionava sem ter o painel frontal aposto e que só o retirava para a limpar com um compressor (sendo que a A também afirmou saber que o BB limpava a máquina com o compressor). Afirmou igualmente que quando a máquina tinha óleo no rolo, usava um farrapo para o limpar. Por isso, a única explicação que encontrou para o acidente foi a A ter levantado a tampa e introduzido o braço. Também HH (mestre de tecelagem que é responsável pela manutenção das máquinas da R A...) afirmou que a máquina tinha a tampa fechada quando a viu e que nunca soube de a máquina ser operada sem painel frontal. JJ, economista e director de produção da R A..., referiu que ainda não estava na fábrica aquando do acidente – o que a A também afirmou – e que referiu que a máquina nunca laborou sem ter o painel frontal aposto e que o acrílico abre ligeiramente do lado esquerdo, o que seria suficiente para passar o braço da A. II, engenheiro mecânico, que trabalha para a empresa que vendeu a máquina em questão à R A... – máquina esta que já tinha tido um primeiro dono que a usou muito pouco tempo (cerca de 30 h) -, também explicou o sistema de funcionamento e de segurança da máquina, dizendo nunca ter visto sinais de a máquina ter sido adulterada, embora tenha admitido que a máquina poderia ter sido adulterada sem que isso deixasse vestígios. Explicou que se o painel frontal for forçado poderá ficar com uma pequena abertura, embora não conseguisse explicar as dimensões dessa abertura, nem se isso seria suficiente para deixar passar um braço. OO, director comercial da R A..., também referiu nunca ter visto nem ter conhecimento que a máquina algum dia tivesse trabalhado sem ter o painel frontal aposto, afirmando ainda ter visitado a A uma vez no hospital e esta lhe ter dito que pedia desculpa. Todavia, julgamos que esta hipótese colocada pelas testemunhas trabalhadores da R era impossível de se verificar, como bem resulta do relatório os Exmos Senhores Peritos e resulta claro do vídeo por estes junto aos autos: é preciso fazer muita força no painel para que este se deforme ligeiramente. Mais, a deformidade que se consegue provocar no painel não permite que se coloque um braço por baixo dele e que com isso se atinjam os rolos da máquina. Estamos convencidos que seria na prática impossível à A abrir o painel frontal sem acionar o mecanismo de segurança da máquina, isto em escassos segundos e para fazer uma tarefa impulsiva – limpar o rolo da máquina: seria necessário a A fazer uma força desmesurada (que nos parece que a A não tem, atenta a sua compleição) apenas na pega do lado esquerdo – estando de frente para a máquina – e tentar introduzir o braço direito pela fresta que conseguisse atingir pela deformação do painel – sendo de notar que o Sr Perito do Tribunal o tentou fazer e apenas conseguiu introduzir uma régua por baixo do painel -, tudo em escassos segundos (que foi o tempo da ausência do Sr. BB). O que é bem perceptível no vídeo junto aos autos pelos Exmos Senhores Peritos. Nem se pretenda dizer que o comportamento do painel seria outro se o Sr. Perito que o tentou forçar pegasse só na pega do seu lado esquerdo: na realidade a A é destra e naturalmente seria aí que tinham mais força, pelo que não faz sentido que tentasse abrir o painel com a mão esquerda e tentasse enfiar a mão direita por baixo, para atingir a extremidade do rolo no lado esquerdo da máquina. Há que convir que a tese das testemunhas trabalhadores da R A..., e as declarações do sr Perito da R A... nos esclarecimentos que prestou, se afigura impossível e absolutamente desconforme com regras de experiência comum. Já o relato sincero, credível e até – surpreendentemente – isento, é claramente confirmado pelas conclusões dos Exmos Senhores Peritos, pelos esclarecimentos dos Senhores Peritos do Tribunal e da A prestados em audiência e o próprio vídeo por estes junto aos autos: a A afirmou que a máquina estaria a trabalhar sem a protecção frontal, sendo certo que é evidente que isso poderia suceder, desde que a máquina fosse adulterada – como explicaram os Srs Peritos -, o que não seria difícil de fazer pela R A..., tanto mais que até dispunha de mecânicos. Por outro lado todos os Senhores Peritos afirmaram nas declarações que prestaram que na máquina em questão, quando há corte de energia (por exemplo por serem accionados os mecanismos de segurança), a lâmina para em poucos segundos, pelo que o acidente não se poderia ter ficado a dever ao facto do cilindro com a lâmina estar em movimento, por força de inércia, após o sistema de segurança ter sido accionado. Já PP, administrador da correctora de seguros que trabalha com a R A..., relatou que foi às instalações da R para ajudar a fazer a participação para a seguradora e que a máquina tinha o painel frontal colocado, mas levantado, pelo que não tinha conhecimento como estaria o painel quando se deu o sinistro. O referido em 18), 19) foi verificado pelos Senhores Peritos, como consta do relatório pericial, e é visível nas fotos da máquina juntas aos autos – com a contestação da R Seguradora e com o relatório pericial – e no vídeo que os Srs Peritos fizeram e juntam aos autos juntamente com o relatório pericial, sendo que também as testemunhas…. O confirmaram. O descrito em 22) a 23) foi confirmado pelos documentos juntos aos autos pela R A... com a sua contestação e foi igualmente confirmado pelas testemunhas…”. 1.3. Quanto ao nº 8 dos factos provados e aditamento de três factos: Do nº 8 dos factos provados, consta que: “8) A A., no momento referido em 7), tendo verificado que a referida máquina estava a derramar óleo e para de evitar que o rolo de felpo que estava a ser laminado viesse a ser sujo com aquele óleo, tentou limá-lo servindo-se de um farrapo que se encontrava pousado nas proximidades da máquina, para esse efeito.” Pretende a Recorrente que seja dado como não provado ou, pelo menos, que passe a ter a seguinte redação: “8) A A., no momento referido em 7), pensando que a referida máquina estava a derramar óleo, do lado esquerdo, e pensando que era necessário evitar que o rolo de felpo que estava a ser laminado ficasse sujo, tentou limpá-lo servindo-se de um farrapo que se encontrava pousado nas proximidades da máquina, para esse efeito.” Sustenta a impugnação nos depoimentos da A. [de acordo com o qual ninguém lhe deu instruções para limpar o óleo, tendo-o feito por sua iniciativa] e nos depoimentos das testemunhas CC, GG e BB, este o operador da máquina. Pretende ainda Recorrente o aditamento à matéria de facto provada dos seguintes factos: - “Consegue-se ver o trabalho que a máquina executa através da sua proteção frontal, por esta ser transparente”, para o que refere estar relacionado com os quesitos 8 e 9, com o art. 10 da contestação e resultar da documental (em particular, dos documentos n.º 4, 6, 7, 9, juntos com a contestação), do vídeo junto com o relatório pericial e dos depoimentos das testemunhas GG e BB. - “O sinistro ocorreu no lado esquerdo da máquina” por, no âmbito do quesito 8, resultar do dos depoimentos da Autora e da testemunha CC. - “Ninguém deu instruções para a Autora limpar óleo no interior da máquina”, referindo que, “ainda no âmbito do tema da prova do quesito n.º 8, e tendo, também, em conta o quesito n.º 30 da base instrutória, o alegado nos artigos 37.º é 38.º da contestação é o depoimento da Autora (cfr. o intervalo de 57:33 a 1:00:44), acima transcrito” Quanto ao nº 8: Na audiência de julgamento, a perguntas da Mma. Juiz, a Autora declarou: “No momento em que o colega (BB) foi à parte detrás da máquina, no local onde eu estava, na frente da máquina, na ponta da lâmina, da abertura, tinha um bocado de óleo que escorria, próximo da roldana de laminar… e o que eu fiz nesse momento foi pegar num farrapo, um felpo, um pedaço de felpo que estava do meu lado, e eu peguei nesse pedaço de felpo, que estava lá para esse efeito, e aproximei-me e tentei limpar aquela parte… o óleo que estava a escorrer. O objectivo era que o óleo não caísse no tecido, no felpo, para que não estragasse a peça. E eu fiz isso… então, o farrapo tinha uma ponta solta… nesse momento, aquilo foi tudo muito rápido. O que aconteceu naquele preciso momento. Tinha uma ponta solta e a ponta solta foi caçada, foi pegada pela roldada e com a força, com a pressão… levou-me os dedos. P. Cair óleo nessa parte da máquina já tem acontecido mais vezes? R. Sim. P. E o que costumavam fazer as pessoas? R. O que eles costumavam fazer foi exactamente o que eu fiz.”. A testemunha CC, aos costumes disse “ser afinador de máquinas, trabalhar para a ré há cerca de 12 anos, e conhecer a sinistrada porque trabalhavam no mesmo edifício” e a perguntas da Mma Juiz, declarou: “P. Acontece alguma vez haver óleo naquela zona da máquina? R. Acontece. A máquina tem que ter óleo. P. Sim, mas, de haver óleo que possa cair sobre os tecidos ou isso… R. É. Existe …, por isso é que o BB de vez em quando tem de parar e limpar.”. A testemunha GG, aos costumes disse “ser conferente, trabalhar para a A..., Lda., desde 2016, com funções de cargas e descargas e, ter trabalhado no mesmo edifício que a sinistrada”, e a perguntas da Mma Juiz, declarou: “P. E já aconteceu ficar óleo nos rolos da máquina? R. Sim, lá nessa zona, tem uma plataforma que tem gordura. Mas suponho que seja óleo, porque o colega também, pontualmente, coloca óleo na máquina. Sairá por algum sítio e deve ser nessa zona que… P. Mas, e se houver óleo em risco de sujar a obra. O que é que fazem? Sabe o que é que acontece? R. Não, não tenho essa preocupação.”. A testemunha BB disse “ser laminador, trabalhar para a A..., Lda., há cerca de 4/5 anos e conhecer a sinistrada por terem sido colegas de trabalho”, e a perguntas da mandatária da recorrente declarou: “P. Mas tu também disseste que, antes de ires à parte de trás, quando aconteceu o acidente, estavas de frente para a máquina e a puxar o tecido, não é? R. Sim. P. Tu viste se estava a cair óleo? Reparaste nisso? R. Por acaso, não tinha reparado.”. E referiu ainda a mencionada testemunha que, na sexta-feira anterior (o acidente correu na segunda feira de manhã, cerca das 9h00) tinha estado a fazer a limpeza semanal da máquina e que lhe tinha posto óleo, que quando se põe óleo “ganhava algum óleo, mas na zona da mesa, na parte de ferro”, que tem que se por óleo dos lados da lamina e “por isso ganha algum excesso”. Em síntese: não só não deve ser desconsiderado o depoimento de parte da Autora, como pretende a Recorrente, por se tratar de um meio de prova processual válido, como a versão da Autora sobre o derrame de óleo, na parte da frente da máquina, não foi desmentida por nenhuma das testemunhas indicadas pela Ré Recorrente, que aliás corroboram que era frequente por óleo e que este pode escorrer, e não foi em particular, desmentido que no dia e hora em que o acidente ocorreu tivesse escorrido óleo, sendo que o que ela referiu foi que viu óleo e não apenas que tivesse pensado ter visto. Quanto aos aditamentos: Pretende a Recorrente que sejam adiados os seguintes factos: i) “Consegue-se ver o trabalho que a máquina executa através da sua proteção frontal, por esta ser transparente”; ii) “O sinistro ocorreu no lado esquerdo da máquina”; iii) “Ninguém deu instruções para a Autora limpar óleo no interior da máquina”; Dispõe o art. 5º do referido CPC “1. Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocada. 2. Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz: a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções. 3. (…)”, dispondo o art. 72º do CPT na redação introduzida pela Lei 107/2019, de 09.09, por ser a aplicável, que: “1. Sem prejuízo do disposto no nº 2 do artigo 5º do Código de Processo Civil, se no decurso da produção da prova surgirem factos essenciais que, embora não articulados, o tribunal considere relevantes para a boa decisão da causa, deve o juiz, na medida do necessário para o apuramento da verdade material, ampliar os temas da prova enunciados no despacho mencionado no artigo 596º do Código de Processo Civil ou, não o havendo, tomá-los em consideração na decisão, desde que sobe eles tenha incidido discussão. “2. Se os temas da prova forem ampliados nos termos do número anterior, podem as partes indicar as respetivas provas, respeitando os limites estabelecidos para a prova testemunhal; as provas são requeridas imediatamente ou, em caso de reconhecida impossibilidade, no prazo de cinco dias. (…)”. Sumariamente, os factos podem ser essenciais ou instrumentais. Os factos essenciais são os factos integradores da causa de pedir, constitutivos do direito alegado tendo em atenção as previsões integradores das normas substantivas invocadas ou integradores das exceções perentórias. Os factos essenciais tanto abrangem os factos essenciais stricto sensu ou principais, a que se reporta o art. 5º, nº 1, do CPC/2013 e 72º, nº 1, do CPT, como os complementares, porquanto, sendo estes relevantes à procedência da pretensão, integram-se no conceito amplo de causa de pedir, a estes se reportando o art. 5º, nº 2, al. b), do CPC – cfr. Rui Pinto, in Notas ao Código de Processo Civil, Coimbra Editora, anotação ao art. 5º, págs 19 a 25. Segundo Jorge Augusto Pais do Amaral, in Direito Processual Civil, 13ª edição, Almedina, pág. 305, factos essenciais “São os factos que integram a causa de pedir ou fundamentam as excepções. Por outras palavras, são os factos que concretizam a norma jurídica em que se fundamenta o direito invocado pelo autor ou em que se baseia a defesa do réu. São, em suma, os factos que, se virem a ser provados, são decisivos para que a acção ou a exceção possa ser julgada procedente. Podemos dizer, em síntese, que os factos essenciais ou fundamentais são os que integram a previsão da norma em que se funda a pretensão do autor (ou reconvinte) ou a exceção deduzida pelo réu (ou reconvinte). São, portanto, os factos cuja prova é indispensável para que seja julgada procedente a acção ou a exceção.” Dos factos essenciais (integrando estes os principais e os complementares) se distinguem os factos instrumentais, os quais não integram a causa de pedir, sendo antes “factos indiciários ou presuntivos da causa de pedir. (…) de acordo com o artigo 349º CC “as Presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido”. Assim, os factos instrumentais são factos conhecidos que permitem à parte firmar um facto constitutivo (facto desconhecido). Portanto, são factos meramente probatórios e não integram as normas de procedência, i.e., as previsões normativas dos regimes materiais que suportam o pedido do autor.(…)”, categoria esta que esta a que se reporta o art. 5º, nº 2, al. a), do CPC, estando fora do ónus de alegação” – cfr. Rui Pinto, in Notas ao Código de Processo Civil, Coimbra Editora, anotação ao art. 5º, págs 19 a 25. E, de acordo com Jorge Augusto Pais do Amaral, ob. citada, pág. 305, «Os factos instrumentais destinam-se a realizar a prova indiciária dos factos essenciais, já que através deles se poderá chegar, mediante presunção judicial, à demonstração dos factos essenciais correspondentes – assumindo, pois, em exclusivo, uma função probatória e não uma função de preenchimento e substanciação jurídico-material das pretensões e da defesa. Os factos instrumentais podem ser carreados par ao processo pelo juiz, suprindo deste modo a falta de alegação pelas partes, com vista à justa composição do litígio. Para Anselmo de Castro, factos indiciários, instrumentais ou simples “são factos que não pertencem à norma fundamentadora do direito e em si lhe são indiferentes e que apenas servem para, da sua existência, se concluir pela dos próprios factos fundamentadores do direito ou da exceção – factos constitutivos. Por outras palavras: têm apenas a função possível de factos-base de presunção.”[4] Segundo Castro Mendes, factos instrumentais são os que interessam indirectamente à solução do pleito por servirem para demonstrar a verdade ou falsidade dos factos pertinentes.[5] Os factos instrumentais servem para prova dos factos essenciais e só estes últimos podem preencher, no caso concreto, a previsão da norma jurídica. Sobre os factos instrumentais possui o juiz poderes inquisitórios que lhe advêm do disposto no art.º 5º, nº 2. (…)». O primeiro dos mencionados factos cujo aditamento a Recorrente pretende [i) “Consegue-se ver o trabalho que a máquina executa através da sua proteção frontal, por esta ser transparente”], tem natureza instrumental à convicção quer de que a A. não poderia ter visto o óleo, mas apenas pensar que o viu, uma vez que o operador BB não o viu quando, face a tal facto, o poderia ter visto, quer de que o painel frontal de segurança poderia estar colocado uma vez que essa colocação não impediria a A. de ter visto o óleo [se a impedisse de ver, a conclusão seria a de que o painel não estaria colocado pois que a A. não veria, como viu, o óleo], pelo que, processualmente, não se nos afigura que o art. 72º impedisse a consignação de tal facto. O que se nos afigura é que ele é, mesmo na perspetiva da defesa da tese da Recorrente, inócuo. Com efeito, mesmo que tal facto fosse dado dado como provado, daí não se pode concluir que o painel estaria colocado aquando do acidente. Aliás, o facto que a Recorrente pretende aditar reporta-se, de forma genérica, “ao trabalho que a máquina executa”, o que é irrelevante. Uma coisa é o trabalho que a máquina executa, outra é a possibilidade de ver ou não o óleo. E o que está em questão é se haveria óleo e se a A. o viu. Por outro lado, uma coisa é o painel não impedir que se veja o óleo, outra é se o painel estava ou não colocado e/ou fechado. E das declarações de BB, de que não viu óleo, também não se pode concluir que ele não existisse, uma vez que, mesmo que se pudesse ver, não significa que aquele tivesse necessariamente que o ver. À decisão da matéria de facto apenas deverão ser levados factos que, ainda que instrumentais, possam ter relevância à decisão do litígio, não já quando sejam inócuos ou irrelevantes. A pretensão da Recorrente consubstancia, pois, uma inutilidade, sendo que o CPC proíbe a prática de atos inúteis (art. 130º). De todo o modo, sempre se diga que a possibilidade de ver o óleo através do painel, pese embora este seja transparente, poderá depender da quantidade do óleo e do estado de limpeza da máquina [decorre dos depoimentos da A. e de BB, bem como aliás das regras da experiência e senso comuns, que, tendo em conta o tecido (felpo) e os borbotos que tem e que a máquina se destina a tirar, que tal deixa pó], não se podendo concluir, muito menos necessariamente e/ou com segurança, que a proteção permitisse ver o óleo. Como referiu a testemunha BB “às vezes fica um bocado baço, com o pó, passava com o pano” e que “se via à mesma, mas não tinha tanta perspetiva de ver a lâmina”. Improcede, pois, o pretendido aditamento de tal facto. Quanto ao segundo dos mencionados factos [“ii) O sinistro ocorreu no lado esquerdo da máquina”] é ele complementar, reportando-se a melhor concretização do local, da máquina, onde ocorreu o sinistro e resultou da discussão em audiência de julgamento, designadamente das declarações da A. (que referiu “nesse momento, no local onde eu estava essa parte, na ponta da abertura, próximo da roldana da lâmina, tinha um bocado de óleo, peguei num farrapo que estava lá para esse efeito e tentei limpar a parte em que o óleo estava a escorrer para que a peça não se estragasse e fui pega pela roldana e apanhou-me os dedos”), para além de que o óleo que a mesma viu era colocado na extremidade do lado esquerdo como referiu a testemunha CC, que disse que a máquina tem que ter óleo e que é colocado “junto do lado esquerdo, é numa ponta” e, diga-se ainda, resulta das fotografias juntas aos autos pela Ré Seguradora, onde se encontra assinalado o local onde a mão da A. foi colhida. Assim, adita-se à matéria de facto provada o nº 9-A (por uma questão de melhor sistematização), com o seguinte teor: 9-A. O sinistro ocorreu no lado esquerdo da máquina. Quanto ao terceiro facto cujo aditamento é pretendido [iii) “Ninguém deu instruções para a Autora limpar óleo no interior da máquina”] ele apenas poderia relevar para a (eventual) desresponsabilização da Recorrente (na medida em que não teria dado instruções à A. para fazer o que fez) e que, assim, se nada mais tivesse sido alegado, consubstanciaria facto essencial/principal, cuja apreciação estaria, nos termos do art. 5º, nº 1, e 72º, do CPT, excluída por esta Relação, apenas cabendo à 1ª instância o aditamento com observância do nº 2 do citado art. 72º. Não obstante, nos arts. 37 e 38 da contestação a Ré Empregadora alegou que “37. Como a Autora bem sabe, a Ré nunca lhe pediu que operasse a máquina, nem que fizesse a sua manutenção, 38. Nem o Sr. BB lhe disse para operar a máquina ou tratar da sua manutenção”. Ainda que, em tais artigos estejam formulados de forma mais ampla ou genérica, o facto ora em causa não deixa de estar neles contido, consubstanciando uma melhor concretização do alegado. E, assim sendo, processualmente, nada obsta ao seu conhecimento, tanto mais que do art. 662º, nº 2, al. c), do CPC, decorre a possibilidade de ampliação de factos que se possam mostrar relevantes, preceito que, como entendemos, se reporta a factos alegados, mas que não tenha sido levados à decisão da matéria de facto [o art. 72º do CPT reporta-se a factos não alegados]. Ora, do depoimento da A. decorre que ninguém, incluindo o operador BB, lhe deu instruções para limpar óleo no interior da máquina, o que também foi referido por este. Assim, adita-se à matéria de facto provada o nº 84, com o seguinte teor: 84. Ninguém deu instruções para a Autora limpar óleo no interior da máquina. 1.4. Quanto ao nº 11 dos factos provados, dele consta que: “11) Noutras ocasiões a A. viu o operador da máquina usar um farrapo para limpar óleo em excesso que se encontrasse no rolo”. Alega que tal ponto corresponde à matéria dos quesitos 8 e 28 [ «8. O modo como a A. tentou proceder à limpeza do óleo que a máquina derramava, foi o mesmo que a A. viu, noutras ocasiões, ser feito pelo seu colega de trabalho que habitualmente operava a máquina?» e «28. A manutenção e a limpeza da máquina não são feitas com ela em funcionamento, por causa dos riscos associados a esse comportamento perigoso, pelo que a Autora não viu isso a ser feito pelo operador da máquina?»], pretendendo que seja dado como provado que “O modo como a A. tentou proceder à limpeza do óleo que esta julgava que a máquina estava a derramar, não foi o mesmo que a A. viu, noutras ocasiões, ser feito pelo seu colega de trabalho, que habitualmente operava a máquina, já que este desligava a máquina” ou, pelo menos, que «11) Noutras ocasiões a A. viu o operador da máquina usar um farrapo para limpar óleo em excesso que se encontrasse no rolo, mas, quando este fazia esta limpeza, desligava, antes, a máquina». Sustenta a impugnação nos depoimentos das testemunhas BB, GG e CC, bem como nas regras da experiência comum. BB afirmou que, quando limpava o óleo, o fazia com a máquina desligada, mas referiu igualmente que era quando fazia a limpeza semanal da máquina que retirava o óleo. CC referiu acontecer existir óleo na máquina que pode cair no tecido que tem que ser limpo, para o que o operador tem que parar a máquina e levantar a proteção e que por isso é que o “BB tem de parar para limpar” e GG que nunca tinha limpado a máquina com o farrapo. Do referido por GG não se retira que o operador BB não tivesse limpo o óleo com a máquina ligada e, do depoimento de CC o que, no essencial, decorre é o procedimento que deveria ser seguido, não já que aquele não o pudesse ter feito do modo descrito pela A. como tendo visto fazer. Do depoimento da testemunha BB parece retirar-se que o mesmo apenas limparia o óleo aquando da limpeza geral da máquina e, naturalmente, nestas ocasiões tal era feito com a máquina desligada. No entanto, não deixa de ser estranho que, fora dessa limpeza geral, não tivessem surgido situações pontuais de necessidade de uma limpeza mais “rápida” ou de imediato do óleo e que, em tal caso, sempre aguardasse pela limpeza “geral” (habitualmente à 6ª feira) para, só então, limpar o óleo, depoimento que não se nos afigura suficientemente convincente no sentido de contrariar o da A., de que viu limpar o óleo do modo que descreveu, com a máquina ligada, e, consequentemente, acrescentar à matéria de facto provada que o viu fazer com a máquina desligada. Assim, e nesta parte, improcede a impugnação. 1.5. Quanto ao nº 12 dos factos provados, al. v) dos factos não provados e do aditamento de um facto: Do nº 12 dos factos provados consta que: “12) A máquina de laminar felpo na qual a A. sofreu o acidente, não tinha aposto, aquando do referido em 5), o utensílio/acessório de protecção que visava impedir o contacto das mãos com as partes móveis do equipamento mecânico, designadamente, com a lâmina, que exerce a sua acção de corte e fica em contínuo movimento enquanto a máquina está ligada, mecanismo esse que um é painel frontal em material acrílico e que se destina a proteger o compartimento dos rolos de laminar” e, Da al. v) dos factos não provados consta que: «A máquina tinha aposto o utensílio/acessório de proteção que impedia o contacto das suas mãos com as partes móveis do equipamento mecânico: o painel frontal, o qual é um dispositivo de segurança que faz parte da própria máquina». Pretende a Recorrente que o nº 12 dos factos provados seja dado como não provado e que a al. v) dos factos não provados seja dado como provado. A sustentar a impugnação alega, em síntese, que: a 1ª instância fundou as respostas no depoimento da A. e no relatório pericial; não obstante, o relatório pericial “não é merecedor de ser avaliado” pois que: conforme resulta das fotografias e do vídeo anexo ao relatório pericial e dos esclarecimentos prestados em julgamento pelos Srs. peritos (que concretiza), estes não tentaram abrir o painel frontal do lado onde ocorreu o acidente, este do lado esquerdo, assim como o exercício que fizeram com a régua não foi feito do lado esquerdo (o perito da A. referiu ter sido feito, o perito da Empregadora referiu que não e o do Tribunal, começando por dizer que sim, disse depois que não se recordava e, mais adiante, que agarrou na pega do lado direito); era necessário que tal tivesse sido feito uma vez que da visualização do vídeo se verifica que o “painel assume uma deformação com maior amplitude (porque o travão se encontra do lado direito)”, resultando do vídeo que o painel frontal abre com folga suficiente para, pela referida abertura, se meter uma mão; as fotografias e o vídeo foram tiradas/efetuadas só do lado direito, sendo, sem suporte naqueles, falsa a afirmação de que o fizeram também do lado esquerdo; e, por tal razão, pediu reiterou a Recorrente o pedido de inspeção judicial que já havia sido formulado em sede de contestação, o que foi contudo indeferido pelo Tribunal; no vídeo, o perito nomeado pelo tribunal tenta abrir o painel frontal pelo lado direito e consegue-o fazer, o que contradiz o que afirmaram em julgamento e as respostas dadas no relatório pericial no sentido de ser impossível abrir o painel frontal e penetrar qualquer objeto dentro da máquina, mesmo fazendo força, sendo também visível que o lado direito do painel abre menos do que do lado esquerdo; o perito da A. não se mostrou imparcial, afirmando que a máquina tinha sido adulterada e ao afirmar que «O que a Sra. Dra. devia perguntar era por que é que o painel não estava colocado, porque é que as normas de segurança não estavam a ser cumpridas»; tanto o perito do tribunal, como o da A. afirmaram que o painel do lado direito e do lado esquerdo não se comportam da mesma forma, o que está em contradição com o que se visiona no vídeo; a decisão de não abrirem o painel do lado esquerdo impossibilitou que a fosse produzida prova relevante para a Recorrente; reclamou a Recorrente do relatório pericial, suscitando deficiências e obscuridades (aos 09.11.2020). Mais invoca os depoimentos das testemunhas GG, BB, HH, II. Quanto ao aditamento mencionado, alega que “43. Por estar relacionado com o quesitado neste ponto é com a prova que, a esse propósito, foi produzida, no caso, testemunhal (cfr., em particular, o depoimento da testemunha II, nos intervalos 32:26 a 32:53 é 34:09 a 34:20), e pericial (especificamente, o vídeo junto com o relatório pericial), deve ser aditado aos factos provados o seguinte: “O painel frontal de proteção da máquina deforma, com maior amplitude, do lado esquerdo, que foi o lado onde ocorreu o acidente.” O nº 12 dos factos provados e a al. v) dos não provados consubstancia o fulcro da questão em apreço nos autos: saber se, aquando do acidente em causa, a máquina tinha, ou não, colocado o painel frontal em acrílico (que passaremos a designar de painel de segurança ou apenas painel) que visava impedir o contacto, designadamente, com a lâmina. Na versão da A. não estaria colocado. Na versão da Ré estaria colocado, tendo sido a A. quem, do lado esquerdo do painel, forçou a sua abertura por forma a introduzir o braço (direito) e chegar ao óleo que pretenderia limpar. Desde já diremos que estamos, no essencial, de acordo com a fundamentação aduzida pela 1ª instância na sentença a propósito de tal questão. A corroborar o nº 12 temos o depoimento da A., de acordo com o qual tal painel não estava colocado, o que já sucedia desde 4ª ou 5ª feira anteriores, bem como o relatório pericial que, diga-se, foi subscrito pelos três peritos, sem qualquer declaração de discordância, designadamente por parte do perito NN, este o indicado pela Ré/Recorrente [apenas no julgamento é que veio tomar uma posição divergente], mas adiante retomaremos esta questão. De tal relatório consta que: - Quanto ao quesito 15) da peritagem – “A máquina dispõe de um painel frontal que protege o compartimento dos rolos de laminar?” -, os peritos responderam: “R: No dia da peritagem a máquina encontrava-se com o painel frontal que em normal funcionamento é impossível ser aberto e transposto por um qualquer objeto, conforme foi comprovado através da tentativa de abertura do painel frontal e de introdução de uma régua com 5 milímetros de espessura e 30 centímetros de comprimento, conforme figura junta.”. - Quanto ao quesito 18), alínea v) – “se a abertura inferior do mencionado painel frontal, de molde a permitir a passagem do braço de uma pessoa do sexo feminino e com compleição física delgada de forma a tocar nos rolos de laminagem e com a máquina em funcionamento, faria acionar o sistema de emergência da máquina, impedindo o funcionamento do sistema de laminagem da máquina? -, os peritos responderam: “Foi tentado introduzir uma régua e ela não passou conforme vídeo junto ao relatório. A proteção é impossível ser aberta com a máquina em funcionamento e mesmo forçado a tentativa de abertura é impossível a passagem de um braço de uma pessoa do sexo feminino e com compleição física delgada de forma a tocar nos rolos de laminagem e mesmo uma régua de 5 milímetros de espessura foi impossível introduzir dentro da máquina e caso existisse a abertura forçada da proteção frontal o sistema de segurança atuava e instantaneamente a corrente elétrica se desligava e os sinais sonoros atuavam a indicar a anomalia e a máquina tinha de ser posta a funcionar novamente ligando a corrente elétrica.”. - E à alínea vi) – “se seria necessário fazer muita força para provocar uma abertura no painel frontal da máquina como referido em v), ou se, pelo contrário, levantar a tampa do painel frontal com a máquina em funcionamento, seria fácil para uma pessoa do sexo feminino e com compleição física delgada?” -, responderam: “Mesmo com a força de 2 peritos, que experimentaram introduzir uma régua, a título de exemplo, não foi conseguido introduzir a régua de pequena dimensão dentro da máquina. É impossível mesmo forçando a máquina quando esta está a funcionar conforme as normas e procedimentos de construção e seguindo todas as regras de segurança no trabalho ser introduzido um objeto mesmo um de pequenas dimensões.”. - Por sua vez, ao quesito 1) formulado pela autora – “1. A máquina dispõe ou não, de alguma célula eléctrica ou outro mecanismo/sistema de segurança que, caso não seja adulterado, corta o fornecimento de energia e faz parar a máquina, se o painel frontal de proteção, estando fechado e impedindo o acesso aos rolos de laminar, vier a ser aberto de modo forçado?” -, os peritos responderam: “Nesta máquina, no momento da peritagem existiam mecanismos/sistemas de segurança, pois quando se tentou abrir o painel frontal de proteção, foi accionado o alarme, a corrente eléctrica deixou de ser fornecida à máquina. Um alarme luminoso e sonoro foi accionado. Para repor a máquina novamente em funcionamento, foi necessário desligar completamente a máquina e reiniciar o processo de arranque. No dia da peritagem, a máquina dispunha de todos os mecanismos para evitar o acidente. Assim, podemos apontar duas situações, para o acidente ter ocorrido: 1. Má manutenção do equipamento; 2. Alteração das condições de segurança do equipamento.” De tal relatório resulta, pois, que o painel não estaria colocado, não sendo à A. possível abri-lo e introduzir o braço. A este relatório já voltaremos. As testemunhas GG, CC e HH não presenciaram o acidente, só dele tendo tido conhecimento após a sua ocorrência. GG referiu, em síntese, não saber como ocorreu o acidente, que não se recorda de ter perguntado ao operador BB como o mesmo ocorreu, que nunca viu a máquina a trabalhar sem a proteção, mas que também não está lá diariamente, crê que, aquando do acidente, a tivesse mas não sabe se estaria “aberta, fechada ou entreaberta”, e não sabe como é que a A. teria colocado a mão dentro da máquina; foi junto à máquina após a sua ocorrência, não tendo “memória” de a proteção não estar colocada, mas que só se lembra do cilindro estar danificado, “o acrílico de vidro estar fechado, aberto ou entreaberto, não tenho memória de como é que estava após o acidente”; “não tiraram conclusão nenhuma de como a A. chegou à lâmina, ainda hoje não percebemos”. CC referiu que não assistiu ao acidente, que se apercebeu pelos gritos da A., que a socorreu tendo-a transportado ao hospital, mas que não conversou nem com ela, nem com o BB, sobre o modo como o mesmo ocorreu, que “não sei de nada, não sei como é que foi”, não sabe o que a A. estava lá a fazer e não sabe se o painel frontal estava ou não colocado e, mais adiante no depoimento, que, quando foi ver os estragos na máquina, esta tinha o painel colocado para baixo, que o levantou; que a máquina tem uma pega e que do lado direito tem um fecho de segurança; se estiver desligada abre, se estiver ligada, não e que sem o painel a maquina não funciona, dando uma “emergência”, um sinal sonoro; que nunca viu a máquina sem o painel; se se forçar a parte de baixo do painel, ele cede alguns cm, mas não sabe quantos, nem se cabe, ou não, um braço. Ou seja, as mencionadas testemunhas não presenciaram o acidente e, quanto à colocação do painel, pese embora hajam referido não terem visto a máquina funcionar sem o mesmo, o certo que, no que se reporta ao acidente em concreto, já não foram tão “perentórias” no sentido de que o painel estaria colocado, remetendo-se à resposta de não saberem. HH não estava nas instalações da fábrica aquando do acidente, não o tendo, também, presenciado, tendo chegado cerca de meia hora, uma hora, após o mesmo e que a A. já lá não estava. Referiu que a máquina não pode funcionar sem a proteção, que a proteção aberta dá um alarme, que, quando chegou, a proteção estava colocada. E, à pergunta sobre se, “colocando uma chave no dispositivo vermelho”, ela não funcionaria, embora respondendo que nunca viu alguém fazer isso e que isso não era feito, começou por dizer, também, “isso já não sei, nunca experimentei”. Mais disse não saber como ocorreu o acidente e que não falou com a A., nem com o BB sobre o acidente. Não sabe, pois, a testemunha como ocorreu o acidente, nem qual a situação do painel frontal da máquina aquando do mesmo. Quanto a II (trabalhador da empresa que comercializa a máquina), pese embora as grandes deficiências da gravação, é possível conclui que o mesmo de nada sabia quanto ao acidente em concreto, o qual também não presenciou. Dos excertos transcritos pela Recorrente nada resulta, de concreto, que se mostre relevante. Em contrapartida, e apesar de tais deficiências, percebe-se, tal como referido pela Mmª Juiz, na fundamentação da decisão da matéria de facto, que a máquina poderia ser adulterada sem deixar vestígios e que se o painel frontal for forçado pode ficar com uma pequena abertura, mas não sabe as dimensões e se isso seria suficiente para deixar passar um braço. Por sua vez, BB, operador da máquina, referiu que esta se encontrava com o painel frontal colocado, que cerca de 3 minutos após ter ido à parte de trás da máquina ouviu “um estrondo” e os berros da A., tendo então visto a A. no passadiço, com o painel quase aberto e a lâmina toda partida, não sabendo como se deu o acidente; mais respondeu não saber se, puxando um bocado do painel, a máquina se desliga; que apenas tira a proteção frontal para fazer a limpeza, uma ou duas vezes por semana, com ela desligada; sem tal proteção (com ela ligada) “dá um apito”. Quanto ao depoimento de JJ, diretor de produção da Ré empregadora, ainda que não invocado no recurso, diga-se que não estava o mesmo na fábrica aquando da ocorrência do acidente, tendo referido que a máquina nunca laborou sem ter o painel frontal aposto e que o acrílico abre ligeiramente do lado esquerdo, o que seria suficiente para passar o braço da A., atribuindo a ocorrência do acidente a este facto. Relativamente aos depoimentos das mencionadas testemunhas (GG, CC, BB e HH) não podemos aqui deixar de consignar a alguma estranheza que nos causa as declarações de que não falaram, entre si sobre o modo como ocorreu o acidente e que não soubessem, a esse respeito, mais do que aquilo que disseram. Ocorreu um acidente grave, porém, dado o modo e o que depuseram, quase pareceria tratar-se de algo normal ou, pelo menos, corriqueiro ou de menor gravidade. E também é de salientar que, a ser como dizem as testemunhas, seria suposto que, se a A. tivesse forçado a abertura do painel de segurança, tal teria desencadeado um alarme sonoro, “de emergência”, sendo que, não obstante, nenhumas das testemunhas que se encontravam na fábrica, referiu terem sido alertadas por qualquer sinal sonoro, mas sim pelos gritos da A., o que não é consentâneo com a ocorrência do acidente nos moldes pretendidos pela Recorrente. No que concerne à perícia, e sua avaliação, há que salientar que o respetivo relatório foi subscrito pelos três peritos, sem reservas, incluindo pois o indicado pela Ré/Empregadora. O que acontece é que este, entretanto, nos esclarecimentos prestados na audiência de julgamento, veio dizer que não foi tentado levantar o painel do lado esquerdo, que este tem uma folga maior do que do lado direito e que permitiria fazer passar o braço. Visualizaram-se as fotografias e vídeo juntos ao relatório pericial (bem como as fotografias juntas pela Ré empregadora com a contestação e pela Ré Seguradora) e, na verdade, deles (fotografias e vídeo juntos ao relatório pericial) constata-se que a tentativa de abertura do painel se verificou pegando no puxador do lado direito (não se vê pegarem no puxador do lado esquerdo) e, bem assim que, o espaço da abertura é ligeiramente maior do lado esquerdo do que do lado direito (ficando este, no canto inferior direito, preso). Não obstante, e mesmo admitindo que não foi tentado abrir o painel pegando no puxador do lado esquerdo (uma vez que tal não aparece nas fotografias e no vídeo), tal não inviabiliza a convicção de que não era possível à A. a manobra de abrir/forçar o painel de segurança e de meter o braço. Com efeito, decorre do relatório que o painel de segurança em causa, basculante, tem 3,0 metros de largura e 0,70 metros de altura, ou seja de dimensão grande, tal como se vê também nas fotografias e no vídeo (também a testemunha GG referiu a dimensão de 2 a 3 metros). Mais decorre que o mesmo é uma peça única, tendo, ao centro (parte inferior) duas pegas, uma à direita e, a alguma, mas curta, distância, outra à esquerda. Do mencionado vídeo verifica-se que é necessária bastante força para “forçar” a abertura, o que, aliás, está de acordo com as regras da experiência comum, dada a dimensão do painel e o tratar-se de um meio de segurança que de pouco valeria se essa abertura fosse simples, força que, segundo a A. e a fundamentação da decisão da matéria de facto, esta não teria dada a sua compleição física. Resulta também do mencionado vídeo que, se se deixar de o segurar pelo puxador, o mesmo, que é basculante, se fecha. E não se nos afigura significativo que os peritos hajam “forçado” a abertura apenas através do puxador do lado direito e não já do lado esquerdo, sendo que a distância entre ambos os puxadores é pequena e que de modo algum se nos afigura que envolveria a necessidade de menor força ou, pelo menos, menor força de forma significativa. E também a diferença de abertura que se vê no vídeo é reduzida, muito menos sendo de tal modo que permitisse passar um braço. E, como se disse, os puxadores estão a reduzida distância um do outro, sendo o painel uma peça única. Acresce o seguinte: sendo a A. dextra, mais normal seria que, se porventura tivesse forçado o painel, o tivesse feito pegando no puxador com a mão direita, o que, contudo, não permitiria, então, introduzir essa mão. Mas se tivesse porventura agarrado o puxador com a mão esquerda, teria então que manter o painel aberto com essa mão esquerda (o que requer força e não decorre da prova produzida a existência de qualquer concreto objeto que tivesse sido utilizado para manter o painel aberto) e passar com o braço direito por baixo do esquerdo para alcançar o lado esquerdo onde estaria o óleo. E, relembre-se, conforme depoimento da A. e da testemunha QQ o óleo era colocado na extremidade esquerda, para além de que decorre da fotografias juntas pela Ré Seguradora que o local onde a mão foi colhida é na extremidade esquerda da peça de tecido. Ora, e tendo em conta a dimensão do painel, não vemos como é que a A., segurando na pega com a mão esquerda, conseguiria chegar ao local, passando o braço direito por baixo do braço esquerdo (que seguraria o puxador esquerdo) e fazer a limpeza do óleo, salientando-se que, como se vê do vídeo, mal se larga a pega, a proteção desce e fecha-se. E acresce que não se vê como, em tão curto espaço de tempo – cerca de 3 minutos, conforme depoimento de BB, entre este ter ido à parte de trás da máquina e os gritos da A. – esta teria procedido a todas essas operações (ver o óleo, pegar no farrapo, abrir o painel, para o que era preciso força, e introduzir o braço, posicioná-lo para a esquerda e ser a mão colhida). A par do referido, decorre da prova testemunhal já referida que a operação de “forçar” a abertura com a máquina ligada desencadearia um sinal sonoro que não foi relatado, aquando do acidente, por nenhuma das testemunhas, assim como resulta do relatório da peritagem que desencadeia para além do sinal sonoro, também um sinal luminoso, que não foi igualmente relatado por nenhuma testemunha. É certo que decorre da prova, bem como do relatório pericial, que a máquina não funciona sem o mencionado painel de segurança, sendo que, na verdade, nenhuma das testemunhas corroborou que o sistema de segurança tivesse sido, efetivamente, adulterado. Mas também nenhuma delas garantiu que o não tivesse sido ou que não o pudesse ser. E do relatório pericial resulta que: “Nesta máquina, no momento da peritagem existiam mecanismos/sistemas de segurança, pois quando se tentou abrir o painel frontal de proteção, foi accionado o alarme, a corrente eléctrica deixou de ser fornecida à máquina. Um alarme luminoso e sonoro foi accionado. Para repor a máquina novamente em funcionamento, foi necessário desligar completamente a máquina e reiniciar o processo de arranque. No dia da peritagem, a máquina dispunha de todos os mecanismos para evitar o acidente. Assim, podemos apontar duas situações, para o acidente ter ocorrido: 1. Má manutenção do equipamento; 2. Alteração das condições de segurança do equipamento.” Não se vê, pois, que não pudessem ter-se verificado, mormente, a segunda das mencionadas situações. Acresce que as declarações de parte são um meio de prova válido, tendo o depoimento da A. quanto à descrição do acidente, designadamente quanto ao modo como ocorreu e à inexistência, aquando do mesmo, do painel acrílico de proteção afigurado-se consistente e convincente, tendo a A. apontado ainda a necessidade de assim ser face à característica irregular da peça de felpo a trabalhar. Diz a Recorrente que, segundo II, este não via vantagem na proteção estar aberta para melhorar o acabamento do tecido. Como se disse acima, a gravação do depoimento desta testemunha apresenta grandes anomalias/deficiências que não permitem a audibilidade em grandes partes do mesmo, o que consubstancia nulidade processual que não foi, atempadamente suscitada pela Recorrente (art. 155º, nºs 3 e 4, do CPC). De todo o modo, a testemunha não trabalhava na Ré empregadora e, do excerto transcrito por esta, não resulta que tivesse ela conhecimento das concretas características da peça de felpo em causa no momento do acidente. Ou seja, e em conclusão, tendo em conta as declarações de parte da A., conjugadas com o relatório pericial, fotografias e vídeo anexo a tal relatório, bem como o demais já referido designadamente quer quanto à suposta dinâmica do acidente na versão da Ré empregadora, que não tem o mínimo de consistência, razoabilidade e lógica, quer quanto à prova testemunhal, afiguram-se-nos corretas as respostas dadas ao nº 12 dos factos provados e al. v) dos factos não provados, assim improcedendo a impugnação. É apenas de deixar esclarecido que não olvidamos que o ónus da prova dos factos de que resulta a responsabilidade da Ré empregadora, concretamente que o painel frontal de segurança não estava colocado aquando do acidente, incumbe à A. e à Ré Seguradora e, bem assim que, nos termos do art. 414º do CPC, a dúvida sobre a realidade de um facto resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita. Tal preceito tem como campo de aplicação as situações em que exista dúvida sobre a verificação, ou não, do facto. Ora, o que ocorre no caso, é que não temos dúvida sobre a realidade do facto pois que, pela conjugação de tudo quanto deixámos referido, entendemos que se fez prova segura, e é nossa convicção, de que o painel frontal de segurança não se encontrava colocado aquando da ocorrência do acidente. 1.5.1. Pretende a Recorrente que seja aditado à matéria de facto provada que: “O painel frontal de proteção da máquina deforma, com maior amplitude, do lado esquerdo, que foi o lado onde ocorreu o acidente.” Tal facto, ainda que fosse dado com o provado, não permite concluir nem que o painel de segurança estaria colocado, nem que a A. introduziu a mão por essa amplitude. Ele, do ponto de vista factual, apenas releva para a conclusão/juízo factual – a retirar em sede de decisão da matéria de facto - de que essa maior “amplitude” permitiria que a A. introduzisse o braço na máquina. É, pois, no pressuposto de que o painel estaria colocado, meramente instrumental à prova do facto de que a A. teria levantado o painel de segurança e introduzido o braço na máquina, este sim o relevante. Todavia, pelas razões já apontadas, temo-lo como não provado, uma vez que o que temos como provado é que o painel de segurança não se encontrava colocado. Mas, diz a Recorrente que, sendo tal facto dado como provado, daí se concluiria no sentido do desconhecimento da dinâmica do acidente (uma vez que sempre seria possível admitir-se a possibilidade de a A. ter introduzido a mão por essa amplitude) e, por consequência, no sentido da impossibilidade de o imputar a violação de norma de segurança. Nesta perspetiva, o facto, segundo a Ré, consubstanciaria facto essencial/principal à tese da defesa uma vez que integrante e determinante da sua não responsabilização nos termos do art. 18º da LAT. Ora, nesta perspetiva, tratar-se-ia não de facto complementar ou instrumental, a que fosse à Relação possível conhecer nos termos dos arts. 72º, nº 1, 1ª parte do CPT e 5º, nº 2, als. a) e b) do CPC, mas sim facto essencial/principal de que esta Relação não poderia conhecer por tal conhecimento estar reservado à 1ª instância nos termos desses art. 72º, nº 2 (envolvendo a necessidade da ampliação aí prevista) e 5º, nº 1. De todo o modo, o mesmo apenas teria (eventual) relevância se se desconhecesse, sem que se tivesse logrado apurar, se o painel de segurança estaria ou não colocado. Ora, não é esse o caso como apreciado e decidido a propósito da impugnação do nº 12 dos factos provados, pois que se apurou, com a necessária segurança e sem margem para que tenhamos dúvidas, que o painel de segurança não estava colocado, pelo que é irrelevante a hipótese de se desconhecer se estaria ou não colocado e, se se estivesse, ele abrir com maior amplitude do lado esquerdo. Ainda que o mesmo fosse dado como provado, a circunstância de o painel frontal de proteção da máquina “deformar”, com maior amplitude, do lado esquerdo, que foi o do acidente, não permite concluir que a proteção se encontrava colocada e que a A. a forçou e meteu o braço por essa “deformação”, nem permite abalar ou suscitar dúvida (contraprova) quanto à convicção de que tal painel não estava colocado aquando da ocorrência do acidente. Improcede, assim, o pretendido aditamento. 1.5.2. Resta acrescentar que a Recorrente requereu, na al. Q) das conclusões e no nº 44 do corpo das alegações que “Q. Pelas dúvidas sérias que acima foram suscitadas relativamente aos depoimentos dos Senhores Peritos e sobre os atos por eles realizado, muito respeitosamente, se requer, ao abrigo do art.º 662.º, n.º 2, alíneas a) e b) do CPC que seja ordenada a renovação da prova pericial ou a produção de nova pericial.” A “perícia à máquina identificada no art.º 13º da bi” foi ordenada pelo Tribunal da 1.ª instância, por despacho de 29.06.2020. O relatório pericial, datado de 23 de outubro de 2020 e junto aos autos no dia 26 seguinte, foi subscrito, por unanimidade, pelos três peritos nomeados pelo Tribunal da 1.ª instância, incluindo pelo perito indicado pela Ré empregadora, diga-se, sem manifestar qualquer reparo. E as respostas constantes desse relatório não apresentam qualquer deficiência, obscuridade ou contradição, razão pela qual não se enquadram no conceito de “dúvidas sérias” ou de “dúvida fundada” previsto nas citadas alíneas a) e b) n.º 2 do artigo 662.º do CPC. E não é, com todo o respeito, a alegada desconformidade no esclarecimento prestado pelo perito indicado pela Ré recorrente, na audiência de julgamento decorridos seis meses da apresentação do relatório da peritagem, que constitui as alegadas “dúvidas sérias” sobre o teor dessa peritagem, repete-se, assinado pelos três peritos, sem qualquer objeção do perito indicado pela Ré recorrente. De todo o modo, pelo que se deixou dito, e admitindo mesmo que os peritos não “testaram” a abertura do painel puxando pelo manípulo esquerdo e que o painel possa apresentar, do lado esquerdo, uma “deformação” ligeiramente maior e que, agora em julgamento, o perito da Ré haja referido que essa maior amplitude permitiria meter a mão, não se nos afigura existir qualquer dúvida séria quanto à posição dos Srs. peritos da A. e do Tribunal, nem quanto ao relatório pericial, a carecer de renovação ou de produção de nova perícia, “amplitude” essas que, por tudo quanto ficou referido, não é minimamente convincente ou, sequer, suscetível de lançar a dúvida, quanto à versão dos factos trazida pela A., de que o painel não se encontrava colocado. E, salvo o devido respeito, não pode a “dúvida” da Recorrente, mas sem razão quanto à verificação dos factos que temos como verificados, servir de pretexto para uma renovação da prova pericial e, muito menos, para uma nova perícia. Aliás, diga-se, quanto ao pedido de nova perícia, que a Ré Empregadora a havia solicitado, a qual foi indeferida pela 1ª instância por despacho de 27.11.2020, no qual foi referido o seguinte: “(…) Regularmente notificada do relatório pericial de fls. 465 e ss junto aos autos, veio a R Patronal dele reclamar. Cumpre apreciar e decidir. Na sua reclamação invoca a R Patronal excesso nas respostas dos senhores peritos. Contudo, tal não é fundamento para reclamação relatório pericial, pelo que inexiste fundamento legal para a pretensão da R Patronal. Por outro lado, os senhores peritos não concluíram que o acidente ocorreu tal como lhes foi descrito pela A, sendo certo que não o poderiam fazer. Apenas refeririam as informações que lhes foram prestadas no local pela A. Referiram ainda os mecanismos de protecção que viram estar a ser usados no momento pelo operador da máquina. Acrescenta-se que o relatório pericial não produz prova quanto às versões do acidente, o que está reservado ao Tribunal. Considerando que não aduzida deficiência, obscuridade ou contradição no relatório pericial, antes sendo patente do requerimento da P Patronal a sua não concordância com as conclusões do relatório pericial, indefere-se a reclamação oferecida. – cfr art.º 485º, n.º 2 CPC. A respeito da determinação da realização de uma segunda perícia a requerimento da parte, diz a Lei que qualquer das partes pode requerer que se proceda a segunda perícia, no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do resultado da primeira, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado (art.º 487º, n.º 1); a segunda perícia tem por objecto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir a eventual inexactidão dos resultados desta (n.ºs 2 e 3, do mesmo preceito). Quando a iniciativa desta segunda perícia é da parte, não lhe basta requerê-la: é-lhe exigido que explicite os pontos em que se manifesta a sua discordância do resultado atingido na primeira, apresentando as razões por que entende que esse resultado devia ser diferente; a realização da segunda perícia, a requerimento das partes, não se configura como discricionária, pressupondo que a parte alegue, de modo fundamentado e concludente as razões dessa discordância. Assim, a parte deverá indicar os pontos de discordância (as inexactidões a corrigir, na terminologia do art.º 487º, n.º 3, in fine) e justificar a possibilidade de uma distinta apreciação técnica, não cabendo ao Tribunal aprofundar o bem (ou mal) fundado da argumentação da parte, embora já possa indeferir o requerimento com fundamento no carácter impertinente ou dilatório da segunda perícia. Compulsado o requerimento da R Patronal em apreciação não se descortinam fundamentos concludentes para a discordância da R Patronal, limitando-se a mesmo a aduzir a existência de versões diversas e o excesso de resposta dos senhores peritos, o que naturalmente será atendido pelo Tribunal na sede própria. Pelo exposto, indefere-se a realização de segunda perícia como requerido pela R Patronal. Custas do incidente pela R Patronal, que se fixa em uma UC.” Tal indeferimento consubstancia indeferimento de meio de prova de que, nos termos do art. 79º-A, nº 2, al. d), do CPT, cabia recurso de apelação, que não foi interposto e que, assim, transitou em julgado. Assim, e nesta parte, improcede a impugnação. 1.6. Quanto ao nº 14 dos factos provados: É a seguinte a sua redação: “14) A 1ª Ré (empregadora) sabia que a máquina estava a trabalhar nas condições referidas em 12)”, pretendendo a Recorrente que seja dado como não provado, alegando que não constava da B.I, que assentou apenas nas declarações da A. e que a máquina não estava a trabalhar nas condições referidas no nº 12. Quanto ao argumento de que a máquina não estava a trabalhar nas condições referidas no nº 12 é o mesmo improcedente, uma vez que a máquina estava a trabalhar nessas condições. Mas, na verdade, o facto em questão nem consta da BI, nem foi alegado pela A. na petição inicial. Trata-se, pois, de um facto novo. Já acima nos reportámos ao conceito de factos essenciais – stricto sensu ou principias - a que se reporta o art. 5º, nº 1, do CPC/2013 e 72º, nº 1, do CPT, bem como aos factos complementares, porquanto, sendo estes relevantes à procedência da pretensão, integram-se no conceito amplo de causa de pedir, a estes se reportando o art. 5º, nº 2, al. b), do CPC, considerações para onde se remete. Ora, entendemos que o facto em causa consubstancia um facto complementar, mas não determinante (e sendo que a máquina em causa laborava nas instalações da Ré empregadora), relativamente à questão da responsabilidade da Ré Empregadora pela violação de regras de segurança, e factualidade a isso relativa, que foi invocada. E, assim sendo, entendemos que poderia o mesmo, nos termos do art. 5º, nº 2, al. b), do CPC e 72º, nº 1, primeira parte, do CPT, ser atendido, desde que sobre ele tivesse incidido discussão. E, sobre ele, incidiu discussão pois que, aliás como diz a Recorrente, assentou nas declarações da A.. Com efeito, a mesma referiu que o trabalho, sem colocação do painel de proteção, já se vinha desenrolando desde 4ª ou 5ª feira a 6ª feira, no qual participaram, para além do operador (BB), outros colegas, incluindo o chefe de produção, Dr. EE. Quanto a ter assentado apenas nas declarações da A., estas consubstanciam, como também referido, um meio de prova válido, não se vendo razão para descredibilizar, nesta parte, as declarações da A. que, aliás e no que toca ao modo como o trabalho foi executado no dia do acidente (sem o painel de segurança) nos mereceram, pelo que se deixou já referido, credibilidade, em detrimento dos depoimentos das testemunhas BB e RR. Acresce que a máquina se encontrava nas instalações da Ré Empregadora, e não em qualquer outro sítio fora do seu controlo, ou da possibilidade desse controlo. Assim, e nesta parte, improcede a impugnação. 1.7. Quanto ao nº 15 dos factos provados, dele consta que “15) Se a máquina tivesse aposta, nesse momento, o utensílio/acessório de protecção impeditivo do contacto físico entre as mãos e a lâmina da máquina, o acidente não teria ocorrido.”, pretendendo que seja dado como não provado ou, pelo menos, que seja apenas dado como provado que “O acidente ocorreu na sequência de a Autora ter introduzido a mão no interior da máquina.” Alega para tanto que: a 1ª instância se baseou na versão dos factos relatada pela A. e na prova pericial, o que, pelas considerações já referidas, não podem ser atendidas, podendo o braço da Autora ser introduzido pelo lado esquerdo da proteção atenta a amplitude da sua abertura, mais tendo desconsiderado os depoimentos dos seus trabalhadores que disseram que a máquina tinha a proteção posta; o ponto contém apenas uma conclusão, encerrando em si mesmo a solução de direito no que respeita à verificação de um pressuposto da responsabilidade agravada (o nexo de causalidade entre a violação das regras de segurança e o acidente); a A., em nenhum momento, declarou que, caso a proteção ali estivesse colocada, não teria tentado limpar o óleo para que se não sujasse o tecido, isto é, não teria tido o alegado “impulso” que a levou a agir como agiu. A matéria contante do nº 15 não consubstancia matéria conclusiva, antes comportando uma parte da componente naturalística (que não jurídica) do nexo causal e o que a A. faria se a proteção estivesse colocada, o que consubstancia um facto. Conforme refere Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, 1979, Coimbra Editora, pág.187: “O questionário deve conter só matéria de facto. Deve estar rigorosamente expurgado de tudo quanto seja questão de direito; de tudo quanto envolva noções jurídicas (…)” e, a pág. 194, que podem ser objeto de prova, tanto os factos principais, como os acessórios, os factos externos, como os internos, os factos reais, como os hipotéticos e “tanto os factos nus e crus (se verdadeiramente os há) como os juízos de facto (…)”. Por sua vez Antunes Varela, J. Miguel Beleza e Sampaio e Nora, Direito Processual Civil, 1984, Coimbra Editora, pág. 391 a 393, admite como constituindo matéria de facto, suscetível de prova, tanto os acontecimentos do mundo exterior, como os do foro interno, da vida psíquica, “as ocorrências virtuais (os factos hipotéticos), que são, em bom rigor, não meros factos, mas verdadeiros juízos de facto.”. O nº 15 dos factos provados consubstancia, pois, matéria de facto e não matéria conclusiva. E, por outro lado e ao contrário do referido pela Recorrente, a A. referiu tal facto, dizendo, designadamente que, se tivesse a proteção, “jamais conseguiria fazer o que fez, não tinha robustez para me colocar em situação de perigo”. Remete-se, também, para as considerações já tecidas quanto ao nº 12 dos factos provados. Acresce que, de acordo com as regras da experiência e senso comuns e da normalidade das coisas, que, tendo a proteção colocada, é muito mais fácil ter o “impulso” de fazer o que foi feito do que o que ocorreria se a proteção estivesse colocada. Improcede assim e nesta parte a impugnação. 1.8. Quanto ao nº 24 dos factos provados, dele consta que: “«A manutenção e a limpeza da máquina não devem ser feitas com ela em funcionamento, por causa dos riscos associados a esse comportamento perigoso», pretendendo que seja dado como provado que: “A operação de manutenção e de limpeza da máquina não são feitas com a mesma em funcionamento por causa dos riscos associados a esse comportamento perigoso”, para tanto alegando que: - O ponto corresponde à resposta ao quesito 28º, que tinha a seguinte redação: «28. A manutenção e a limpeza da máquina não são feitas com ela em funcionamento, por causa dos riscos associados a esse comportamento perigoso, pelo que a Autora não viu isso a ser feito pelo operador da máquina?» - Invoca os depoimentos de GG, CC, BB, HH e II os quais afirmaram que a manutenção e a limpeza da máquina não são feitas com ela em funcionamento, pelo que a Autora nunca pode ter visto tal a ser feito pelo operador da máquina. A afirmação de que “a operação de manutenção e de limpeza da máquina” é demasiado genérica, podendo ela comportar vários atos ou operações de limpeza (ou de manutenção). A manutenção ou limpeza, digamos que “geral”, esta a que era feita uma ou duas vezes por semana pelo operador da máquina, com um compressor, era feita com a máquina desligada, conforme referido pelas testemunhas mencionadas. Mas não é esta a “limpeza” que está em causa nos autos, que se trata de uma “limpeza” pontual, ocasional, de limpar algum óleo que, no momento, foi visto. E, quanto a esta, a A. declarou que o fez como o viu fazer em momentos anteriores. E, quanto às mencionadas testemunhas, não admitindo elas terem visto a máquina a trabalhar sem o painel de proteção (embora, no que toca ao momento do acidente, e à exceção de BB, tivessem referido não saber se a máquina teria ou não tal painel), certamente que também não admitiriam terem visto qualquer operação de “limpeza” semelhante à que a A. pretendia efetuar sem esse painel. Diga-se, quanto a II, que o mesmo não trabalhava na Ré, nem nas instalações onde ocorreu o acidente. Improcede, nesta parte, a impugnação. 1.8. Quanto à al. i) dos factos não provados, dela consta que “A Ré A... não fez qualquer alteração à máquina”, pretendendo que seja dada como provada. Alega para tanto que: a sentença assentou tal resposta no depoimento da A. e na prova pericial, que não podem ser atendidos pelas razões já invocadas; e invoca os depoimentos de CC e BB, de acordo com os quais não foram feitas quaisquer alterações à máquina após o acidente, e de e II, de acordo com o qual não foram feitas quaisquer adulterações à máquina. As testemunhas CC e II não se encontravam no local do acidente, no dia e hora em que o mesmo ocorreu e tendo aquele, à pergunta sobre se o sistema de segurança foi contornado, limitado-se a dizer que não. E quanto a II remete-se para o que já se deixou dito. Quanto a BB, se não admite que a máquina trabalhasse sem o painel de segurança (versão contrária à que temos por provada e para onde se remete), naturalmente que não admite também que tivesse sido feita qualquer alteração à máquina. E não decorre da referida prova que fosse impossível “contornar” as condições/dispositivos de segurança por forma à máquina funcionar sem o painel frontal de segurança e sem que os avisos de alarme (sonoro e luminoso) se ativassem. Por outro lado, a “alteração das condições de segurança do equipamento” foi uma das situações apontadas pelos peritos no relatório pericial para o acidente ter ocorrido. Improcede assim e nesta parte a impugnação. 1.9. Quanto às als. ii) a iv) dos factos não provados, delas consta que: «ii) No dia em que ocorreu o sinistro, o Sr. BB, pediu à Autora, por causa das suas funções de revistadora, para o fazer, relativamente às peças que estavam a iniciar o processo de laminagem e revista, subindo em direcção ao tensor de entrada. iii) O que a Autora fez. iv) Aproveitando a sua presença nessa zona, ao lado do tecido, à esquerda este pediu-lhe, também, o favor de esticar o tecido, que, por vezes, revira a subir.» Pretende a Recorrente que seja dada como provada. Para tanto, alega que a sentença se baseia no depoimento da A. e invoca os depoimentos das testemunhas BB, GG e CC. A al. iv), em parte, já consta do nº 6 dos factos provados [“6) O colega de trabalho da A., Sr. BB, pediu-lhe para o ajudar a esticar um rolo de felpo, que estava a ser laminado numa máquina de laminar felpo, ao que a A acedeu”], sendo o segmento final, em que se refere que, por vezes, “revira a subir” irrelevante e inútil, não influindo, seja de que forma for, na sorte da ação. O segmento em que se refere “Aproveitando a sua presença nessa zona” é também irrelevante, oque releva é que pediu ajuda e isso já consta do nº 6. Já quanto ao segmento “ao lado do tecido, à esquerda” não coincide ele com a versão da A., que não estaria ao lado do tecido, junto ao carrinho, mas sim do lado esquerdo, porém na plataforma/passadiço junto à peça de felpo que estava na máquina e, por tudo quanto já dissemos, não vemos razão para desconsiderar o depoimento da A. Quanto às als. ii) e iii) são elas totalmente inúteis, não influindo, seja de que forma for, na sorte da ação (mesmo tendo em conta a posição da defesa), sendo que o que releva é o que a A. estava a fazer, e que lhe foi pedido, aquando do acidente, não o que lhe havia sido anteriormente pedido e que nada tem a ver com este (acidente). À decisão da matéria de facto apenas deverão ser levados factos que, de alguma forma, possam ter relevância. E o art. 130º do CPC proíbe a prática de atos inúteis. De todo o modo, sempre se diga que GG e CC não se encontravam no local onde ocorreu o acidente aquando da sua ocorrência, desconhecendo o referido em ii) e iii). Improcede assim e também nesta parte a impugnação. 1.9. Por fim, e oficiosamente, o segmento do nº 32 dos factos provados (na parte sublinhada) em que se diz “(…) integral cuja junção de cópia certificada aos autos, desde já, se requer, seja efectuada pelo(…)” [“32) Na sequência do acidente descrito, a A. foi imediatamente transportada, por dois colegas de trabalho, ao Hospital ..., em Felgueiras, onde lhe foram prestados os primeiros cuidados médicos, conforme resulta do respectivo processo clínico integral cuja junção de cópia certificada aos autos, desde já, se requer, seja efectuada pelo Hospital ..., sito em Felgueiras, tendo transferida, em ambulância, para o Hospital 1..., em Penafiel”] corresponde à transcrição do que foi alegado pela A. e que, por razões óbvias [não é a 1ª instância que requer, foi a A. quem requereu], não deve constar dos factos provados e que, assim, se elimina, passando tal ponto a ter a seguinte redação:. 32) Na sequência do acidente descrito, a A. foi imediatamente transportada, por dois colegas de trabalho, ao Hospital ..., em Felgueiras, onde lhe foram prestados os primeiros cuidados médicos, conforme resulta do respetivo processo clínico do Hospital ..., sito em Felgueiras, tendo sido transferida, em ambulância, para o Hospital 1..., em Penafiel. 1.10. Em conclusão, são as seguintes as alterações introduzidas à decisão da matéria de facto provada: - Altera-se o nº 32 dos factos provados, que passa a ter a seguinte redação: 32) Na sequência do acidente descrito, a A. foi imediatamente transportada, por dois colegas de trabalho, ao Hospital ..., em Felgueiras, onde lhe foram prestados os primeiros cuidados médicos, conforme resulta do respetivo processo clínico do Hospital ..., sito em Felgueiras, tendo sido transferida, em ambulância, para o Hospital 1..., em Penafiel. - Aditam-se aos factos provados os nºs 9-A e 84, com a seguinte redação: 9-A. O sinistro ocorreu no lado esquerdo da máquina. 84. Ninguém deu instruções para a Autora limpar óleo no interior da máquina. 2. Da impugnação da decisão da matéria de facto do recurso subordinado, interposto pela A. A A., no recurso subordinado, impugna a al. vi) dos factos não provados, pretendendo que seja dado como provado, o que sustenta nas suas declarações de parte. De tal alínea consta ter sido dado como não provado que a “vi) A A. necessita usar uma prótese funcional dos três dedos - polegar, indicador e médio - da mão direita.” Na fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença foi referido o seguinte: “Mais concretamente, quanto ao potencial benefício da A usar uma prótese mecânica, considerou-se a resposta dos Senhores Peritos ao quesito 16º que lhe havia sido colocado e o esclarecimento prestado em sede de continuação de junta médica em 2/6/2022 que é do seguinte teor: Na verdade, também em sede de junta médica e aquando da prestação de depoimento por parte da A foi possível também ao Tribunal percepcionar que a sinistrada consegue manipular objectos e até fazer pinça, mesmo usando apenas a mão afectada – mão direita – e sendo a A dextra, tendo assim sensibilidade na mão direita que deixaria de ter se usasse uma prótese nos dedos polegar, indicador - este com menos duas falanges - e médio. Conseguindo a A realizar pinça com a mão direita, a mesma tem capacidade para com essa mão apreender, segurar e manejar todos os objectos físicos necessários na vida pessoal, doméstica e profissional da autora, sendo destra, em particular segurar numa faca ou noutro objecto cortante para descascar batatas e legumes similares; maças e frutas similares, bem como para cortar outro tipo de alimentos, como carnes e peixe, como também concluíram os Exmos Senhores Peritos em sede de junta médica. Saliente-se que apesar das amputações das falanges de que a A padece, e pese embora seja destra, a A consegue escrever manualmente em papel sem prótese, sendo que se usasse prótese seria mais difícil levar a cabo tal tarefa por força da ausência de sensibilidade táctil, aliás, a especial dificuldade e limitação da A ao nível da mão direita é a preensão de objectos com diâmetro inferior a 5 mm, como resulta claro do esclarecimentos prestado pelos Exmos Senhores Peritos (como já atrás referimos). Pelo exposto conclui-se que a utilização de prótese mecânica prejudicaria mais a sinistrada do que beneficiaria, acrescentando-se ainda que a sinistrada é pessoa jovem, pelo que é expectável que venha a adaptar-se progressivamente cada vez mais à sua nova situação, com ganho funcional para a mão direita e também adquirindo mais capacidades no uso da mão de esquerda, capacidades estas desenvolvidas por força do uso da mão em novas, mais complexas e delicadas tarefas, que usualmente não realizava com a mão esquerda, ou sobretudo usando a mão esquerda, antes do acidente.” A A/Recorrente deu cumprimento aos requisitos previstos no art. 640º, nºs 1, als. a), b) e c), 2, al. a), pelo que nada obsta à reapreciação da decisão da matéria de facto quanto a tal alínea. Antes de mais, importa referir que o constante de tal ponto, para além de ter natureza conclusiva, é vago e genérico, não se concretizando para que atividades não seriam necessárias as próteses e/ou as que, com ela, seriam prejudicadas, nem se, do ponto de vista psíquico e/ou emocional, as mesmas seriam, ou não, necessárias. Mas avançando e não obstante isso: No seu depoimento, a A. reportou as limitações físicas de que padece, mais referindo que gostaria de ter uma prótese. As limitações físicas da A. constam da matéria de facto provada. E quanto à necessidade de prótese para o desempenho funcional (exercício de tarefas, designadamente as descritas na decisão da matéria de facto), não vemos razão para nos afastarmos do entendimento sufragado pelos peritos médicos que intervieram na junta médica e da fundamentação aduzida pela 1ª instância, sem prejuízo, porém, do que se dirá em sede de apreciação jurídica da questão. Assim, improcede a impugnação aduzida pela A/Recorrente. 3. Se o acidente de trabalho não se ficou a dever a violação de regras de segurança por parte da Recorrente/Empregadora – Recurso principal Entende a Recorrente, no pressuposto da alteração da decisão da matéria de facto, que não violou quaisquer regras de segurança, não existindo atuação culposa que legitime o agravamento da sua responsabilidade nos termos do art.º 18.º da NLAT. Mais considera que, mesmo no pressuposto da inalterabilidade da decisão da matéria de facto, não se verificam os pressupostos da sua responsabilidade, argumentando que não se encontra verificado o nexo de causalidade, na formulação negativa, porquanto: a violação das regras de segurança não é causal do acidente dado que o sinistro decorreu, exclusivamente, da conduta altamente temerária da A.; mesmo quando se admite que a violação das regras de segurança possa ser, naturalisticamente ou indiretamente, causa do dano, pode deixar de o ser se for produzido apenas em circunstâncias anormais e excecionais, que a tornam condição (decisiva) da verificação do dano (cfr., a título de exemplo, que foi considerado que não se verifica o nexo causal, por exemplo, quando a causa que levou a que um mecanismo prendesse a roupa do sinistrado foi a entrada deste no interior da máquina sem previamente a ter desligado – Ac. STJ, de 02.07.2008, processo n.º 08S1428, relator Pinto Hespanhol, disponível em www.dgsi.pt e Ac. STJ, de 2.7.2008: CJ/STJ, 2008, 2.º - 291, referenciado por ABÍLIO NETO, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais Anotado, Ediforum, Lisboa, 2011, p. 123); o sinistro em causa ocorreu porque a Trabalhadora – que não é operadora da máquina, que estava perto da máquina no exercício das funções de Revistadora, que não conhecia o seu funcionamento, mas que conhecia a sua perigosidade, desde logo, em face da sinalética nela aposta (cfr. n.º 18.º, 24.º e 25 dos factos provados) – sem que ninguém a tivesse incumbido disso, e a apesar da sinalética de perigo, de ver a lâmina a operar e a puxar o tecido e de ter o operador da máquina a segundos de si, decidiu, por livre e espontânea vontade, ir buscar um farrapo, introduzir a sua mão direita dentro da máquina, perto da lâmina, para limpar óleo que, apesar do seu reduzido nível de conhecimento sobre a máquina, pensava que iria sujar a obra que estava a ser produzida; foi, assim, a conduta deliberada, anómala e indescritivelmente temerária da Recorrida, que, sabendo da perigosidade da máquina, concretamente da existência de uma lâmina por via da sinalética de segurança aposta na máquina e ouvindo o seu funcionamento, provocou o acidente, que é a causa real, direta e exclusiva do acidente; como a proteção em causa é basculante e não se encontra fechada com chave (como é visível no vídeo junto com o relatório pericial), não é possível concluir-se, como o faz o Tribunal a quo, que esta impediria o acesso de qualquer trabalhador à lâmina, em particular, de um trabalhador, cuja atitude, manifestamente temerária, é, de acordo com o Tribunal a quo, determinada por impulso, com vista a bem fazer o seu trabalho. 3.1. Tendo, no essencial, mormente no que toca ao nº 12 dos facos provados, improcedido a impugnação da decisão da matéria de facto, improcede a argumentação da Recorrente assente nessa pretendida, mas não verificada, alteração. Apreciemos pois o demais. 3.2. Dispõe o art.º 18º, nº 1, da citada Lei 98/2009 “1. Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão de obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho ...”, situação esta em que é devida a reparação agravada prevista no nº 4 do preceito e dispondo o art. 79º, nº 3, do mesmo diploma que “3. Verificando-se alguma das situações referidas no artigo 18º, a seguradora do responsável satisfaz o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse actuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso”. Nos termos do citado art. 18º da NLAT (tal como no art. 18º da antecedente Lei 100/97), para que o acidente recaía sob a sua alçada é necessário que: a) sobre a entidade empregadora recaia o dever de observar determinada(s) norma (s) ou regra(s) de segurança, que a(s) não haja observado e que essa inobservância lhe seja imputável; b) entre essa conduta omissiva e o acidente ocorra um nexo de causalidade adequada, nos termos do qual é necessário, não apenas, que o facto praticado pelo agente tenha sido, no caso concreto, condição (s.q.n.) do acidente, mas também que, em abstrato, ou em geral, o facto seja causa adequada do dano. Quanto ao nexo de causalidade, há que referir que ele comporta duas vertentes: a naturalística, que consiste em saber se esse facto concreto (violador da norma de segurança), em termos de fenomenologia real e concreta, deu origem ao dano, havendo, pois, que se provar que o facto integrou o processo causal que conduziu ao dano; e a vertente jurídica, que consiste em apurar se esse facto concreto pode ser havido, em abstrato, como causa idónea do dano ocorrido. E, como era jurisprudência pacífica no âmbito e para efeitos do art. 18º da Lei 100/97, e que mantém atualidade no âmbito e para efeitos do art. 18º da NLAT, haverá que se atender, para os efeitos agora em apreço – determinação da responsabilidade do empregador - à teoria do nexo de causalidade adequada na sua formulação negativa. Seguindo de perto o Acórdão do STJ de 23.09.2009 (processo nº 107/05.8TTLRA.C1), e no qual se apela aos ensinamentos dos Professores Antunes Varela e Pessoa Jorge, de acordo com a teoria da causalidade adequada na sua formulação negativa o estabelecimento do nexo de causalidade juridicamente relevante para efeito de imputação da responsabilidade, pressupõe que o facto ilícito, praticado pelo agente, tenha atuado como condição da verificação de certo dano, apenas se exigindo que o facto não tenha sido, de todo em todo, indiferente para a produção do dano, dentro dos juízos de previsibilidade que decorrem das regras da experiência comum. O dano haverá que se apresentar como consequência normal, típica ou provável do facto, mas havendo, para o efeito, que se ter em conta, não o facto e o dano isoladamente considerados, mas sim o processo factual que, em concreto, conduziu ao dano, sendo este, processual factual, que caberá na aptidão geral e abstrata do facto para produzir o dano. Mais se considera, em tal aresto, que não é indispensável, para que haja causa adequada, que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano, não sendo a responsabilidade afastada na hipótese de concorrência de causas, nele se referindo que “concluindo-se pela verificação dos pressupostos da responsabilidade da entidade empregadora, consignados no segundo segmento do proémio do nº 1 do art. 18º da LAT [reportando-se à Lei 100/97], excluída fica a possibilidade de descaracterização do acidente contemplada nas als. a) e b) do art. 7º do mesmo diploma” [sublinhados nossos] De referir, ainda, que mantém atualidade a orientação jurisprudencial anterior que, de forma pacífica, entendia que ao sinistrado/beneficiário e/ou à Seguradora incumbe o ónus de alegação e prova do factos integradores da violação das regras de segurança determinantes da responsabilidade, nos termos do citado art. 18º, nº 1, do empregador, incluindo, pois, os relativos ao nexo de causalidade – art. 342º, nº 2, do Cód. Civil.[6]. 3.3. Quanto à violação de norma de segurança que deveria ter sido observada, referiu-se na sentença recorrida, considerações com as quais estamos de acordo, o seguinte: “Como princípio geral estabeleceu-se no artigo 281.º do Código do Trabalho que “o trabalhador tem direito a prestar trabalho em condições de segurança e saúde”, estatuindo o n.º 3 desse mesmo preceito dispõe que a “na aplicação das medidas de prevenção, o empregador deve mobilizar os meios necessários, nomeadamente nos domínios de prevenção técnica, da formação, informação e consulta dos trabalhadores e de serviços adequados, internos ou externos à empresa”. O DL n.º 50/2005, de 25 de Fevereiro prevê as prescrições mínimas de segurança e de saúde na utilização de equipamentos de trabalho. Este diploma transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 89/655/CEE, do Conselho, de 30 de Novembro, alterada pela Directiva n.º 95/63/CE, do Conselho, de 5 de Dezembro, e pela Directiva n.º 2001/45/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de Junho, relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde para a utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho., e é aplicável em todos os ramos de actividade dos sectores privado, cooperativo e social, administração pública central, regional e local, institutos públicos e demais pessoas colectivas de direito público, bem como a trabalhadores por conta própria (art.º 1º, ns 1 e 2). De acordo com o Artigo 3.º desse diploma, que tem por epígrafe “Obrigações gerais do empregador”: para assegurar a segurança e a saúde dos trabalhadores na utilização de equipamentos de trabalho, o empregador deve: a) Assegurar que os equipamentos de trabalho são adequados ou convenientemente adaptados ao trabalho a efectuar e garantem a segurança e a saúde dos trabalhadores durante a sua utilização; b) Atender, na escolha dos equipamentos de trabalho, às condições e características específicas do trabalho, aos riscos existentes para a segurança e a saúde dos trabalhadores, bem como aos novos riscos resultantes da sua utilização; c) Tomar em consideração os postos de trabalho e a posição dos trabalhadores durante a utilização dos equipamentos de trabalho, bem como os princípios ergonómicos; d) Quando os procedimentos previstos nas alíneas anteriores não permitam assegurar eficazmente a segurança ou a saúde dos trabalhadores na utilização dos equipamentos de trabalho, tomar as medidas adequadas para minimizar os riscos existentes; e) Assegurar a manutenção adequada dos equipamentos de trabalho durante o seu período de utilização, de modo que os mesmos respeitem os requisitos mínimos de segurança constantes dos artigos 10.º a 29.º e não provoquem riscos para a segurança ou a saúde dos trabalhadores. Nos termos do art 4.º do mesmo diploma, que rege acerca dos requisitos mínimos de segurança e regras de utilização dos equipamentos de trabalho 1 - Os equipamentos de trabalho devem satisfazer os requisitos mínimos de segurança previstos nos artigos 10.º a 29.º 2 - Os equipamentos de trabalho colocados pela primeira vez à disposição dos trabalhadores na empresa ou estabelecimento devem satisfazer os requisitos de segurança e saúde previstos em legislação específica sobre concepção, fabrico e comercialização dos mesmos. 3 - Os trabalhadores devem utilizar os equipamentos de trabalho em conformidade com o disposto nos artigos 30.º a 42.º E de acordo com o Artigo 5.º, que tem por epígrafe “Equipamentos de trabalho com riscos específicos”: sempre que a utilização de um equipamento de trabalho possa apresentar risco específico para a segurança ou a saúde dos trabalhadores, o empregador deve tomar as medidas necessárias para que a sua utilização seja reservada a operador especificamente habilitado para o efeito, considerando a correspondente actividade. Preceitua o art.º 13º quanto à paragem dos equipamentos que: 1 - O equipamento de trabalho deve estar provido de um sistema de comando que permita a sua paragem geral em condições de segurança, bem como de um dispositivo de paragem de emergência se for necessário em função dos perigos inerentes ao equipamento e ao tempo normal de paragem. 2 - Os postos de trabalho devem dispor de um sistema do comando que permita, em função dos riscos existentes, parar todo ou parte do equipamento de trabalho de forma que o mesmo fique em situação de segurança, devendo a ordem de paragem ter prioridade sobre as ordens de arranque. E, nos termos do Artigo 16.º do citado diploma – que versa sobre riscos de contacto mecânico: 1 – Os elementos móveis de um equipamento de trabalho que possam causar acidentes por contacto mecânico devem dispor de protectores que impeçam o acesso às zonas perigosas ou de dispositivos que interrompam o movimento dos elementos móveis antes do acesso a essas zonas. 2 – Os protectores e os dispositivos de protecção: a) Devem ser de construção robusta; b) Não devem ocasionar riscos suplementares; c) Não devem poder ser facilmente neutralizados ou tornados inoperantes; d) Devem estar situados a uma distância suficiente da zona perigosa; e) Não devem limitar a observação do ciclo de trabalho mais do que o necessário. 3 – Os protectores e os dispositivos de protecção devem permitir, se possível sem a sua desmontagem, as intervenções necessárias à colocação ou substituição de elementos do equipamento, bem como à sua manutenção, possibilitando o acesso apenas ao sector em que esta deve ser realizada.” No caso, a máquina em causa, face às suas características e perigosidade, designadamente face ao risco de corte dada a existência de lâminas, teria que dispor de mecanismo de proteção que impedisse o contacto com as partes perigosas, mecanismo esse que, no caso dos autos, seria precisamente o painel de segurança da sua zona frontal a que se reportam os autos e documentado nas fotografias e vídeo juntos. Acontece que, aquando do acidente em apreço, e embora a máquina estivesse em funcionamento, tal mecanismo não existia e/ou não se encontrava colocado. Violou pois a Ré Empregadora as mencionadas normas de segurança e, essa violação, é-lhe imputável na medida em que era à Ré que, como entidade empregadora, tinha a obrigação de providenciar pelo cumprimento das normas de segurança, mormente, providenciar no sentido de que tal painel de segurança se encontrasse colocado, como deveria. 3.4. E encontra-se verificado o pressuposto, também necessário, do nexo de causalidade adequada entre essa conduta omissiva e o acidente. Com efeito, a A. introduziu a mão direita na máquina (para limpar óleo que escorria), a qual entrou em contacto com a lâmina, tendo-o feito pelo sítio onde essa proteção, que deveria existir, não existia. E, por outro lado, sendo suposto, como é, que as medidas de proteção são, ou devem ser, as adequadas a evitar o contacto perigoso com as partes móveis da máquina que apresentam perigo, nada permite concluir que, se tal painel estivesse colocado, a A., ainda assim, teria conseguido introduzir o braço e, essencialmente, que o teria efetivamente feito. Aliás, do nº 15 dos factos provados, decorre que, se a máquina tivesse aposta, nesse momento, o utensílio/acessório de proteção impeditivo do contacto físico entre as mãos e a lâmina, o acidente não teria ocorrido. Tanto basta para a prova do nexo causal, no seu sentido naturalístico e jurídico, entre o comportamento omissivo da Ré (inexistência, aquando do acidente, do necessário mecanismo de segurança) e o acidente. E como se diz no citado Acórdão do STJ de 23.09.2009, não é indispensável, para que haja causa adequada, que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano, não sendo a responsabilidade afastada na hipótese de concorrência de causas, nele se referindo que “concluindo-se pela verificação dos pressupostos da responsabilidade da entidade empregadora, consignados no segundo segmento do proémio do nº 1 do art. 18º da LAT [reportando-se à Lei 100/97], excluída fica a possibilidade de descaracterização do acidente contemplada nas als. a) e b) do art. 7º do mesmo diploma”. Ou seja, o comportamento da A., que introduziu a mão em zona que apresentava risco, poderá concorrer para a verificação do acidente, mas não exclui o nexo de causalidade entre a violação, pela Ré, da norma de segurança que se lhe impunha que tivesse adotado e a verificação do acidente. E, também, não exclui, tal concausalidade, a sua responsabilidade, prevista no art. 18º, nº 1, da LAT, pela ocorrência do mesmo. É também de referir que o facto de a A. não ser operadora da máquina, mas sim Revistadora, e de não ter sido incumbida de proceder à operação que, apenas por sua iniciativa, tentou levar a cabo (limpar o óleo), não obsta à responsabilidade da Ré Empregadora. Com efeito, e desde logo, a Ré, tendo a máquina a funcionar, deveria ter a proteção de segurança colocada e/ou assegurado-se de que assim estava. E, por outro lado, não é necessário, para que se verifique a responsabilidade da Ré, que a tarefa levada a cabo e da qual resultou o acidente se compreendesse nas funções próprias da A. (revistadora) ou que dela tivesse sido incumbida pela Ré. Como é hoje adquirido e já o temos afirmado[7], o conceito de acidente de trabalho e a responsabilidade objetiva do empregador assenta na teoria do risco de autoridade (que, porque a antecessora corrente assente na teoria do risco profissional - esta exigindo uma relação de causa e efeito entre o acidente e o trabalho - não dava cobertura a acidentes dignos de proteção, a veio substituir). A teoria do risco de autoridade, assentando na responsabilidade do empregador decorrente da possibilidade do exercício da autoridade por parte deste sobre os seus trabalhadores, dispensa o referido nexo de causalidade entre o trabalho e o acidente, bastando-se com alguma relação entre o trabalho e o acidente. Assim é que, no âmbito da proteção infortunística, não estão, apenas, incluídos os acidentes diretamente ocasionados por facto próprio, inerente ou típico do exercício das tarefas que se enquadram nas funções que constituem a atividade do trabalhador ou a este cometidas expressamente pelo empregador, sendo que, a assim se não entender, tal representaria um regresso às ultrapassadas conceções assentes na referida teoria do risco profissional. A conexão ou causalidade entre o trabalho e o acidente decorre ou está insitamente contida na circunstância de o acidente ter ocorrido no local e no tempo de trabalho, não sendo ao sinistrado necessário demonstrar, relativamente a acidente ocorrido em tais circunstâncias, que o mesmo decorreu por virtude do concreto trabalho. Isto mesmo decorre do Acórdão do STJ de 16.09.2015, Processo 112/09.5TBVP.L2.S1, in www.dgsi.pt, aresto esse que, embora tirado no âmbito da Lei 100/97, mantém atualidade e que, pelo seu interesse, se passa a transcrever [omitem-se as notas de rodapé]: “(…) 14. Discorrendo sobre o conceito de acidente de trabalho, diz-nos, expressivamente, em obra recente, Júlio Manuel Vieira Gomes[12]: «A noção de acidente de trabalho sempre foi problemática ao ponto de, por vezes, as leis (…) optarem por prescindir de uma definição legal de acidente de trabalho, sendo que, mesmo quando tal definição existe, ela é, frequentemente, pouco elegante abrangendo-se na definição o definido. (…) [A] doutrina sempre hesitou entre uma definição passiva ou ativa do acidente. Com efeito, enquanto alguns (preferiam) uma visão do acidente como uma violação ou lesão do corpo humano, outros – e parece ter sido esse o entendimento que triunfou entre nós – apresentam antes o acidente como o evento que desencadeia a lesão. Na sua origem, em todo o caso, as definições propostas apresentavam geralmente o acidente como um acontecimento produzido por uma força exterior ou esternal, súbito, violento, que deveria causar à vítima uma lesão corporal ou mental ou uma doença que acarretasse a incapacidade para o trabalho ou a morte. Alguns autores acrescentavam, também, que deveria tratar-se de um facto anómalo. (…) [Q]uase todas estas características têm sido gradualmente postas em causa, de tal modo que só parece mesmo subsistir hoje a existência de subitaneidade e, ainda assim, entendida em termos hábeis e flexíveis. Hippolyte Marestaing, por exemplo, defendia que (…) a lesão [é] sempre devida a uma causa externa. Mas já Adrien Sachet duvidava dessa exigência de uma causa externa ao corpo do trabalhador, afirmando que “certas manifestações mórbidas têm uma causa violenta e súbita que tanto pode ser externa como interna: é o caso dos lumbagos, das ciáticas, das ruturas musculares, das hérnias, etc.”, E entretanto foram-se multiplicando as vozes que – e bem, a nosso ver – acreditam que não há que exigir sempre uma causa externa ou exterior ao corpo do trabalhador. É tradicional, também, a referência a uma causa violenta da lesão sofrida pelo trabalhador. Sublinhe-se que o que se exigia era uma causa violenta da lesão e não, propriamente, uma causa violenta para o evento desencadeador da lesão, isto é, para o acidente. Mas mesmo assim, embora essa causa violenta exista frequentemente, parece excessivo configurá-la como indispensável para a existência de um acidente de trabalho (…). Uma parte da doutrina exigia, também, no passado, que ao acidente correspondesse a um evento anómalo ou, de algum modo, excecional. Tal exigência, mais uma vez, carece de razão de ser (…). Modernamente uma característica que parece continuar a reunir consenso é a subitaneidade que parece, aliás, ser hoje o critério fundamental que permite distinguir o acidente da doença profissional.» 15. A variedade dos acontecimentos suscetíveis de constituir acidente de trabalho é muito ampla, sendo as quedas, acidentes de viação, explosões, cortes, entalões, torções de determinada parte do corpo e pancadas/embates com/em objetos contundentes/cortantes algumas das situações mais frequentes. O STJ vem decidindo que o evento pode não ser instantâneo, nem violento[13], mas deve ser súbito[14], embora o conceito de subitaneidade venha a ser progressivamente ampliado pela doutrina.[15] Também de modo crescente se vem defendendo que o acidente de trabalho não pressupõe uma causa exterior física (cfr. supra n.º 14) e que a sua origem pode ser, nomeadamente, de índole moral ou psíquica[16]. Independentemente das querelas doutrinárias atinentes à sua exata delimitação, pode afirmar-se, grosso modo, que o acidente de trabalho consiste sempre num evento danoso que, entre outras características, apresenta determinada conexão com a prestação do trabalho. O direito comparado revela que, em termos de estruturação dogmática, é possível focalizar o conceito no elemento “evento” (seja ele um facto humano ou uma situação jurídica objetiva[17]) ou no elemento “dano”, discrepância que não se encontra isenta de consequências práticas. Com efeito, se em determinadas situações é possível identificar claramente os dois elementos (é o caso, por exemplo, das lesões corporais sofridas por um motorista profissional na sequência de um acidente de viação, ou do trabalhador que é acometido de enfarte agudo do miocárdio ou de acidente vascular cerebral aquando de uma altercação com o seu superior hierárquico), outras há em que não é possível determinar exatamente a origem de lesões sofridas no contexto do vínculo jus-laboral. Para obviar a este tipo de dificuldade, alguns sistemas jurídicos tendem a construir o conceito de acidente de trabalho a partir do elemento “lesão”, como é o caso de Espanha, país em que o art. 115.º do Real Decreto Legislativo 1/1994, de 20 de junho, que aprovou o Texto Refundido da Lei Geral da Segurança Social, estatui que se entende por acidente de trabalho toda a lesão corporal que o trabalhador sofra por ocasião ou em consequência do trabalho (que execute por conta alheia). Como se compreende, este paradigma privilegia a relação “mais ou menos intensa” existente entre o trabalho e o dano[18], ao contrário do modelo vigente entre nós, que não dispensa a prova de um evento infortunístico que configure um acidente de trabalho (cfr. supra n.º 13). 16. Sabido que é a assunção de determinada esfera de riscos que leva à “edificação” de uma esfera de responsabilidade, de imediato se suscita o tema – de “cunho imputacional” – da exclusão do domínio da responsabilidade civil daqueles danos que não apresentem com o risco suficiente “pertinência” ou “conexão funcional”[19], como, no limite, acontece com os casos de força maior [cfr. art. 7.º, n.º 1, d), da Lei 100/97]. Nesta perspetiva, como resulta da definição legal de acidente de trabalho, a sua verificação demanda a presença de um elemento espacial (em regra, o local de trabalho) e de um elemento temporal (que em regra se reconduz ao tempo de trabalho) que expressem uma adequada conexão com a prestação laboral, nexo que se “preenche sempre que o trabalhador se encontre naquele local, naquele momento e naquelas circunstâncias em virtude do seu trabalho”[20]. Vale por dizer que o conceito de acidente de trabalho supõe uma “relação de natureza etiológica” entre a prestação de trabalho e o acidente, isto é, que “a causa do dano esteja incluída dentro de uma certa zona de riscos” de alguma forma ligados à prestação de trabalho.[21] Ou, noutra formulação, embora com análogo sentido, que o trabalho tem de estar implicado no acidente (“nexo de implicação”), o que pode resultar “em termos formais dos critérios consagrados na lei ou, em casos mais complexos, de uma conexão material com as funções da pessoa”.[22] Todavia, tendo em conta a conexão com o local e tempo de trabalho já ínsita no conceito legal de acidente de trabalho (e sendo ainda certo que nos encontramos no âmbito da responsabilidade objetiva, domínio que se vem afirmando “como resposta jurídica ao aumento do risco da vida e à premência de se garantir os direitos dos lesados”[23], no qual se evidencia a tendência para a “deslocação do dano para entidades coletivas”[24] e para a socialização dos riscos, em especial dos associados à prestação laboral, a par de uma simplificação das exigências atinentes à causalidade[25]), não é de exigir ao trabalhador a prova de um nexo causal (propriamente dito) entre o trabalho e o evento lesivo, como decidiu o Ac. de 17.12.2009 desta Secção Social[26], do qual se destaca o seguinte passo: «“[C]ompreende-se que assim seja, uma vez que a teoria subjacente ao nosso ordenamento jurídico infortunístico-laboral há muito deixou de ser a chamada teoria do risco profissional que, como diz Carlos Alegre (in Acidentes de trabalho e Doenças Profissionais, 2.ª ed., p. 12 e 13), assentava num risco específico de natureza profissional, traduzido pela relação direta acidente-trabalho, tendo sido substituída, a partir da Lei n.º 1942, de 27 de Julho de 1936, pela denominada teoria do risco económico ou risco da autoridade cuja ideia mestra, no dizer do citado autor, “é a de que não se trata já de um risco específico de natureza profissional, traduzido pela relação direta acidente-trabalho, mas sim de um risco genérico ligado à noção ampla de autoridade patronal e às diferenças de poder económico entre as partes”. Como diz aquele autor (ob. cit., páginas 41-42), discutiu-se muito, quer na doutrina (-), quer na jurisprudência, a necessidade da causa da lesão ser ou não um risco inerente ao trabalho, ou seja, a necessidade da existência de um nexo de causalidade entre o trabalho e o evento lesivo, mas a desnecessidade desse nexo entre o evento lesivo e o trabalho em execução é uma decorrência natural da teoria do risco económico ou risco da autoridade, pelo que o acidente ocorrido no tempo e local do trabalho é considerado como de trabalho, “seja qual for a causa, a menos que se demonstre (e esse ónus pertence à entidade responsável) que, no momento da ocorrência do acidente, a vítima se encontrava subtraída à autoridade patronal”.» (…)”. Citando Júlio Manuel Vieira Gomes in O acidente de trabalho – O acidente in itinere e a sua descaracterização, Coimbra Editora, 2013, págs. 97/99) “parece-nos claro que o acidente de trabalho não se reduz, no nosso ordenamento, ao acidente ocorrido na execução do trabalho, nem havendo sequer que exigir uma relação causal entre o acidente e essa mesma execução do trabalho. Poderão ser acidentes de trabalho múltiplos acidentes em que o trabalhador não está, em rigor, a trabalhar, a executar a sua prestação, muito embora se encontre no local de trabalho e até no tempo de trabalho, pelo menos para este efeito da reparação dos acidentes de trabalho. (…) Sendo suficiente que o acidente ocorra, na terminologia italiana e anglo-saxónica, por ocasião do trabalho, o acidente de trabalho pode consistir em um acidente ocorrido quando se presta socorro a terceiros ou, inclusive, numa situação em que o trabalhador é agredido ou é vítima de uma “partida de mau gosto”, quer o autor desse facto ilícito seja um colega, quer se trate de um estranho à relação laboral.” Ora, no caso, o acidente ocorreu no local e tempo de trabalho e, aliás, na execução de uma tarefa ao serviço e em prol da Ré, ainda que por esta não determinada. Assim sendo, concluindo e tendo em conta, como já referido, que a concausalidade decorrente da (eventual) responsabilidade da A. na ocorrência do acidente [que será apreciada no âmbito da questão subsequente, da descaracterização do acidente] não exclui a responsabilidade da Ré Empregadora prevista no art. 18º, nº 1, da LAT, é a Ré Empregadora responsável, por violação de norma de segurança, pela ocorrência do acidente. 4. Da descaracterização do acidente como acidente de trabalho – recurso principal Alega a Ré/Recorrente que: o circunstancialismo fáctico que a sentença considerou como provado, é suficiente para demonstrar que o sinistro proveio do desrespeito pela Autora das regras de segurança a que estava vinculada e, exclusivamente, da sua atuação temerária e, portanto, com negligência grosseira, nos termos, respetivamente, do art.º 14.º, n.º 1, alíneas a) e b), da NLAT, o que, de acordo com esse mesmo normativo, tem como consequência que a Ré não tenha de reparar quaisquer danos dele decorrentes; o Tribunal a quo considerou que a Recorrente não logrou provar a factualidade que permitiria concluir pela descaraterização do acidente de trabalho: por não ter ficado provado que a Autora tenha colocado a mão e o braço por baixo do acessório de proteção do mecanismo de corte da máquina; e que a A. agiu determinada por impulso, com vista a bem fazer o seu trabalho; mesmo que não tenha ficado provado que a Autora colocou a mão por baixo do painel frontal de proteção, foi considerado provado que a Autora colocou a sua mão direita no interior da máquina, apesar de a máquina ter aposta a sinalética de segurança (facto provado n.º 25 e docs. 7 e 9 juntos com a contestação), o que é suficiente para a descaraterização do acidente de trabalho, pois que a A., de forma consciente, ignorou a sinalética existente na máquina, que era do seu conhecimento, aliás de conhecimento comum, e de fácil compreensão, que a avisava do perigo em colocar lá a mão (facto provado n.º 18 e docs. 7 e 9 juntos com a contestação), tendo, inclusivamente, tido formação de ambiente e segurança no trabalho, com a máquina em funcionamento, tendo, apesar disso, decidido colocar a mão e tendo dessa violação resultado o acidente; por outro lado, a Autora colocou a mão numa máquina que não operava, decidindo por sua livre e exclusiva iniciativa, fazer uma tarefa que não lhe competia (factos provados n.ºs 1 a 6 e 20), com o colega que operava a máquina perto dela (factos provados n.º 7, 8 e 20) e com a máquina e a lâmina em funcionamento (facto provado n.º 8), sendo, somente, por causa desse comportamento impressionantemente temerário e a todos os títulos censurável e injustificado que ocorreu o acidente; a A. não tem qualquer causa que justifique o facto de ter violado as regras de segurança consubstanciadas na sinalética da máquina, sendo inadmissível considerar, segundo critérios de razoabilidade, como justificação que a Autora agiu determinada a bem fazer o seu trabalho; a A. agiu, assim, com culpa grave, de acordo com o critério de bom pai de família, concretamente considerado; encontra-se, por isso, demonstrado que se se encontram preenchidos os pressupostos da descaraterização nos termos do art.º 14.º, n.º 1, a), 2.ª parte da NLAT; deste contexto factual resulta, também, que a A. agiu com negligência grosseira, nos termos constantes do n.º 3, tendo em conta a sua conduta leviana, despropositada, irresponsável, arriscada em alto grau e fortemente imprudente, que ofende as mais elementares regras de senso comum, e por isso, ostensivamente indesculpável, não tendo resultado a sua atuação (i) da habitualidade ao perigo do trabalho executado (porque não o executava!), (ii) da confiança na experiência profissional (porque não a tinha!) ou (iii) dos usos da profissão (porque não os havia!); quanto ao nexo causal, ficou também demonstrado que foi aquela conduta da Recorrida a causa que, decisivamente e em exclusivo, provocou o acidente. Ou seja, a Recorrente invoca a descaracterização do acidente com base quer no disposto no art. 14º, nº 1, al. a), 2ª parte, quer na al. b) do mesmo, da lAT. 4.1. Sob a epígrafe “Descaracterização do acidente”, dispõe o art. 14º da Lei 98/2009, de 04.09 que: “1 - O empregador não tem de reparar os danos decorrentes do acidente que: a) For dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu acto ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pela entidade empregadora ou previstas na lei; b) Provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado. c) (…) 2 - Para efeitos do disposto no alínea a) do número anterior, considera-se que existe causa justificativa da violação das condições de segurança se o acidente de trabalho resultar do incumprimento de norma legal ou estabelecida pelo empregador da qual o trabalhador, face ao seu grau de instrução ou de acesso à informação, dificilmente teria conhecimento ou, tendo-o, lhe fosse manifestamente difícil entendê-la. 3 Entende-se por negligência grosseira o comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em acto ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos da profissão.” Tal preceito corresponde, sem alterações significativas, ao que dispunham os seus antecessores: arts. 7º da Lei 100/97, de 13.09 e 8º do DL 143/99, de 30.04, mantendo-se atual a doutrina e jurisprudência firmadas no âmbito destes diplomas. No caso, está excluída a hipótese prevista na 1ª parte da al. a) do nº 1 do citado art. [acidente dolosamente praticado pelo sinistrado], que nem foi suscitada, estando porém em causa a situação prevista na 2ª parte dessa alínea - acidente proveniente de violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei- e na al. b) do mesmo – acidente que provenha exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado. Como resulta do que já acima dissemos, o acidente decorreu da violação de normas de segurança por parte da Ré empregadora, sendo que a concausalidade, decorrente de comportamento também do sinistrado, não afasta aquela, nem, face à responsabilidade daquela, poderá o sinistro vir a ser descaracterizado, seja ao abrigo da al. a), 2ª parte, ou da al. b) do art. 14º pois que, em todo o caso, o acidente decorre da violação de normas de segurança por parte da empregadora. Relembrando o já citado Acórdão do STJ de 23.09.2009, que mantém atualidade, nele se diz que não é indispensável, para que haja causa adequada, que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano, não sendo a responsabilidade afastada na hipótese de concorrência de causas, nele se referindo que “concluindo-se pela verificação dos pressupostos da responsabilidade da entidade empregadora, consignados no segundo segmento do proémio do nº 1 do art. 18º da LAT [reportando-se à Lei 100/97], excluída fica a possibilidade de descaracterização do acidente contemplada nas als. a) e b) do art. 7º do mesmo diploma”. De todo o modo, diremos ainda o que se seguirá. 4.2. Quanto à “descaracterização” do acidente de trabalho com fundamento no art. 14º, nº 1, al. a), 2ª parte, da Lei 98/2009 Para que o acidente de trabalho seja, no caso previsto no citado art. 14, nº 1, al. a), descaracterizado é necessária a verificação cumulativa dos seguintes requisitos[8]: (a) existência de condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal ou previstas na lei; (b) violação, por ação ou por omissão, dessas condições, por parte da vítima; (c) que a atuação desta seja voluntária e sem causa justificativa; (d) que exista um nexo de causalidade entre essa violação e o acidente. No que toca ao primeiro dos mencionados requisitos, está o mesmo relacionado com o disposto no art. 17º, nº 1 al. a) da Lei 102/2009, de 10.09, em vigor desde 01.10.2009, nos termos do qual constituem obrigações do trabalhador “cumprir as prescrições de segurança e de saúde no trabalho estabelecidas nas disposições legais e em instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, bem como as instruções determinadas com esse fim pelo empregador;”. Como dissemos no Acórdão desta Relação de 07.07.2016, Proc. 424/13.3TTOAZ.P1[9], www.dgsi.pt, <<no que se refere às instruções de segurança estabelecidas pelo empregador, não basta, porém, a sua existência, sendo necessário também que elas sejam transmitidas ao trabalhador. E, diga-se, não satisfaz também tal requisito o eventual conhecimento pelo sinistrado de noções ou regras de segurança decorrentes seja da sua experiencia profissional, seja do senso comum e/ou da prudência [caso este em que a descaracterização do acidente deverá ser equacionada porém no âmbito da situação prevista na al. b) do nº 1 do art. 14º, mas não já no âmbito da sua al.a)]. É necessário que, efetivamente, o empregador adote medidas/instruções expressas e concretas de segurança e que as transmita ao trabalhador. Com relevância para esta questão, chama-se à colação o douto Acórdão do STJ de 03.03.2016, Processo 568/10.3TTSTR.L1.S1, no qual, a propósito da causa de descaracterização prevista na al. a) do nº 1 e nº 2 do art. 14º, referiu o seguinte: “No entanto, não podemos ignorar que o cumprimento de tais obrigações pressupõe que o empregador lhe tenha fornecido a necessária informação e ministrado a adequada formação em matéria de segurança e saúde no local de trabalho. Efectivamente, e conforme resulta do artigo 282º, nº 1 do Código do Trabalho/2009, o empregador deve informar os seus trabalhadores sobre aspectos relevantes da sua protecção em matéria de segurança e saúde e deve assegurar-lhes formação adequada que os habilite a prevenir os riscos associados ao exercício da respectiva actividade, conforme lhe impõe o nº 3. Iguais obrigações decorrem do artigo 127º do mesmo compêndio legal, que sob a epígrafe “deveres do empregador” estabelece no seu nº 1, alínea f), que constitui obrigação deste fornecer ao trabalhador a informação e a formação adequadas à prevenção de riscos de acidentes de trabalho. E identicamente estabelece o nº 1 do artigo 20º da supracitada Lei nº 102/2009, que o trabalhador deve receber uma formação adequada no domínio da segurança e saúde no trabalho, tendo em atenção o posto de trabalho em que se insere e o exercício de actividades de risco elevado que lhe estejam associadas. Ora, nada disto a entidade empregadora cumpriu, pois nunca proporcionou ao sinistrado qualquer formação na área da segurança no trabalho, nem lhe prestou qualquer informação que o pudesse habilitar a prever os riscos derivados do trabalho que estava a realizar quando se acidentou e a tomar as adequadas medidas de prevenção, apesar deste já trabalhar para ela há mais de seis anos. Perante este quadro de reiterado incumprimento contratual por parte da recorrente, temos de concluir pela existência de causa justificativa da violação das condições de segurança pelo sinistrado, pois face à atitude do empregador de total falta de acesso a informação e a formação nesta matéria, dificilmente se concebe que aquele tivesse tido conhecimento do acervo de normas cujo incumprimento lhe vem assacado no acórdão. E por isso, não podemos descaracterizar o acidente à luz da alínea a) do artigo 14º da LAT, pois face ao preceituado no seu nº 2, temos de considerar justificada a violação daquelas regras de segurança por falta de concessão de formação adequada na área da segurança no trabalho e especificamente aquando da utilização de equipamentos de trabalho.”.>> No que toca à questão de saber se a causa de exclusão do direito à reparação prevista al. a) do art. 14º da NLAT [assim como dos arts. 7º, nº 1, al. a), da Lei 100/97, de 13.09 e Base VI, nº 2, al. a), da Lei 2127, de 03.08.65, que antecederam a Lei 98/2009] exige, ou não, um comportamento negligente por parte do sinistrado não é pacífica, não acolhendo, designadamente, a unanimidade da doutrina. O Professor Pedro Romano Martinez, in Direito do Trabalho, 2013, 6ª Edição, Almedina, pág. 819 a 821, sobre a questão das causas de exclusão da responsabilidade no âmbito dos acidentes de trabalho refere que “A exclusão ou a redução da responsabilidade por acidentes de trabalho pode advir de motivos imputáveis à vítima. Corresponde a uma autorresponsabilização do trabalhador pela sua conduta”, mas que “não é qualquer atuação menos cuidada por parte do trabalhador que acarreta a exclusão ou a redução da responsabilidade; torna-se necessário que a falta tenha alguma gravidade.” E, mais adiante, a propósito da violação das condições de segurança, pelo sinistrado, sem causa justificativa, refere que: “Neste caso, o legislador exige somente que a violação careça de «causa justificativa», pelo que está fora de questão o requisito da negligência grosseira da vítima; a exigência dessa culpa grave encontra-se na alínea seguinte do mesmo preceito. A diferença de formulação constante das alíneas a) e b) do n.º 1, do art.º 14.º, do Regulamentação do Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais tem de acarretar uma interpretação distinta. Por outro lado, há motivos para que o legislador tenha estabelecido regras diversas. Na alínea a) só se exige a falta de causa justificativa, porque atende-se à violação das condições de segurança específicas daquela empresa; por isso, basta que o trabalhador conscientemente viole essas regras. As condições de segurança, quando estabelecidas pela entidade patronal, podem constar de regulamento interno de empresa, de ordem de serviço ou de aviso afixado em local apropriado na empresa. As condições de segurança podem igualmente encontrar previsão na lei e, neste caso, incluem-se não só as regras de segurança no trabalho, como as que respeitam à segurança em outros sectores, nomeadamente na circulação rodoviária. Se o trabalhador, conhecendo as condições de segurança vigentes na empresa, as viola conscientemente e, por força disso, sofre um acidente de trabalho, não é de exigir a negligência grosseira do sinistrado nessa violação para excluir a responsabilidade do empregador.” Neste sentido, aponta, entre outros, o Acórdão do STJ 23.09.2009, www.dgsi.pt, Processo 323/04.0TTVCT.S1, no qual se entendeu que a descaracterização do acidente de trabalho com fundamento nessa alínea a) não depende da intensidade da culpa com que o sinistrado tenha atuado, nele se referindo o seguinte: “(…) E a discordância da recorrente é inteiramente pertinente quando alega que a violação das normas de segurança não está dependente da intensidade dessa violação, pois, como se disse no acórdão de 14.3.2007, deste Supremo Tribunal (www.dgsi.pt - processo 06S4907), a propósito da violação das normas de segurança, a alínea a) do art.º 7.º, n.º 1, da LAT “não exige qualquer comportamento doloso ou voluntário, mas unicamente a prática de acto ou omissão que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pela entidade empregadora ou previstas na lei”, mais entendendo que tal decorre da letra da lei e, bem assim, que tal se compreende “ na medida em que a violação das condições de segurança, sem causa de justificativa, constitui um comportamento que denota já um acentuado grau de negligência, por não estar em causa a simples inobservância dos deveres gerais de cuidado, mas o incumprimento de específicos deveres de diligência estabelecidos pelo empregador ou previstos na lei que o trabalhador está obrigado a implementar, seja por força do dever de obediência a que está sujeito nos termos do contrato de trabalho (art.º 20.º, n.º 1, alínea c), da LCT (em vigor à data do acidente), seja por força do disposto no art.º 15.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 441/91, de 14 de Novembro. (…)” De tal entendimento discorda o Professor Júlio Gomes[10], in O Acidente de Trabalho, o acidente in itinere e a sua descaracterização, Coimbra Editora, págs. 201 e segs, que, refere, para além de aprofundada análise à posição acima referida, o seguinte [págs. 240 e segs]: “Parece-nos, com efeito, que, tanto pelas razões históricas já atrás aduzidas, como para garantir a coerência do sistema face às consequências extremamente severas da descaracterização - com a exclusão de todas as prestações, ressalvando-se apenas o dever de prestar primeiros socorros e pedir auxílio – não pode ser o mero facto da violação das regras de segurança que opera a descaracterização, devendo exigir-se um comportamento subjetivamente grave, ao que acresce que outras «justificações» poderão ser relevantes. Terá, por conseguinte, que verificar-se, também aqui, uma culpa grave do trabalhador, tão grave que justifique a sua exclusão, mesmo que ele esteja a trabalhar, a executar a sua prestação, do âmbito de tutela dos acidentes de trabalho. Essa culpa deverá ser aferida em concreto e não em abstrato, e não poderá deixar de atender a fatores como o excesso de confiança induzido pela própria profissão, a eventual passividade do empregador perante condutas similares no passado – até porque muitos especialistas sublinham que o desrespeito por regras de segurança resulta, muitas vezes, de o trabalhador tentar encontrar «atalhos» para produzir mais rapidamente, sobretudo quando lhe são impostos ritmos de produção muito elevados ou de o trabalho ter sido, anteriormente, elogiado ou apreciado, apesar de o empregador bem saber que tinha sido prestado com violação das condições de segurança – e, simplesmente, fatores fisiológicos e ambientais, como o cansaço, o calor ou o ruído existentes no local de trabalho”. E, nesta linha, pelo menos no que toca à existência de outras causas justificativas da violação de regras de segurança que não apenas as referidas no nº 2 do art. 14º da Lei 98/2009, se posicionou o Acórdão do STJ de 11.05.2017, Proc. 1205/10.1TTLSB.L1.S1, no qual se refere que “ A posição defendida pelo Professor Júlio Manuel Vieira Gomes parece-nos bem conforme com os objetivos de uma lei que se pretende que seja o mais amplamente reparadora dos acidentes de trabalho, daí que se aceite que a violação das regras de segurança, por parte do trabalhador, possa ter outras causas justificativas para além das referidas no n.º 2, do art.º 14, do Regulamentação do Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais.”. Seja como for, em ambas as posições doutrinais acima referidas, e assim também o consideramos, se entende que não será toda e qualquer violação de norma ou regra de segurança que imporá a “descaracterização” do acidente de trabalho, sendo certo que também na posição do Professor Pedro Romano Martinez “não é qualquer atuação menos cuidada por parte do trabalhador que acarreta a exclusão ou a redução da responsabilidade; torna-se necessário que a falta tenha alguma gravidade.”. Com efeito, diga-se que, a nosso ver, a par da intensidade da culpa, também a própria gravidade da infração é suscetível de gradação [assim, e tomando como exemplo, a segurança rodoviária, o excesso de velocidade será tanto mais grave quanto maior for o excesso], a essa gravidade se devendo e podendo atender no âmbito da al. a), 2ª parte, do art. 14º. E, por outro lado, afiguram-se-nos na verdade redutoras as causas justificativas da violação referidas no nº 2 do art. 14º, sendo que se acompanha o entendimento do mencionado Acórdão do STJ de 11.05.2017, nos termos do qual, como se sintetiza no seu sumário, “os objectivos reparadores da Regulamentação do Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais permitem que se aceite que a violação das regras de segurança, por parte do trabalhador, possa ter outras causas justificativas, para além das referidas no nº 2, do art. 14, do referido diploma legal.” No que toca ao nexo de causalidade, impõe-se que o facto violador das condições de segurança, pelo trabalhador, haja sido condição sine qua non da verificação do dano e, citando o acórdão do STJ de 26.09.2007[11], nele se diz que para a apreciação da existência do nexo de causalidade adequada entre o comportamento da vítima e o acidente (de que resultaram as suas lesões e incapacidade) no contexto desta hipótese legal – art. 7º, nº 1, al. a), da LAT – se deverá recorrer à formulação positiva da causalidade, ou seja, o facto só deve considerar-se causa (adequada) do dano que constitua uma consequência normal ,típica, provável, dele e que a causalidade adequada não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu a este, importando apurar se a conduta do trabalhador foi causal do acidente de trabalho que o vitimou. 4.2.1. Revertendo ao caso, o comportamento da A. de introduzir a mão na máquina, que tinha uma função cortante, sem que a mesma estivesse desligada viola na verdade regra de segurança, legalmente estipulada, e foi causal do acidente, porém, e como já referido, não é a causa única, mas sim concorrente com a inexistência de proteção da máquina, esta da responsabilidade da Ré empregadora e que lhe permitiu o acesso à parte perigosa da máquina. E, perante tal concorrência, o comportamento e responsabilidade da A. não exclui o comportamento e responsabilidade da Ré Empregadora. Ainda que desnecessário, diga-se ainda no que toca à sinalética a avisar do risco de corte e de uso obrigatório de luva vaqueta (nº 18 dos factos provados), que: quanto à primeira, o que decorre da matéria de facto provada é a existência de aviso quanto a esse risco, não sinal de proibição e, quanto ao uso de luva vaqueta, não decorre dos factos provados que a mesma existisse ou que a Ré a disponibilizasse. Por outro lado, como já acima dito, é necessário que se trate de uma atuação voluntária e sem causa justificativa, ou seja, com a consciência, ou obrigação dessa consciência, do perigo e com elevado grau de censurabilidade e não bastando a existência de instruções de segurança, sendo necessário também que tenham elas sejam transmitidas ao trabalhador. A A. tinha a categoria profissional de aprendiz de revistadora, tendo sido admitida na Ré aos 01.10.2016,, competindo-lhe verificar os artigos têxteis, assinalando os possíveis defeitos que tivesse, podendo efetuar a contagem e registo das peças, revistava a qualidade quer do produto em curso, quer do produto final, procedendo, nomeadamente, à sua medição e à verificação da sua cor e circulava por vários pontos das instalações da Ré, acompanhando o processo produtivo dos artigos (nºs 1 a 4). Não cabia, pois, à A., no exercício das suas funções (para além de que, nestas, era apenas aprendiz, tendo sido admitida cerca de seis meses antes), operar com a referida máquina, donde não decorre, por essa via, que conhecia ou devia conhecer o seu funcionamento. Nem resulta dos factos provados que lhe tivesse sido dada formação quanto à máquina em causa e forma de a operar, nem quanto aos riscos da mesma e procedimentos de segurança a observar, nem quanto à sinalética existente junta à máquina. Não se nos afigura, pois, que se possa dizer que a A. tinha, ou devia ter, consciência da violação, por si, de norma ou instrução de segurança justificativa da descaraterização do acidente. Situação diferente seria, sim, se o painel de proteção estivesse colocado e, não obstante isso, a A. o tivesse aberto para introduzir a mão. Mas não foi isso o que aconteceu pois que, o que ocorreu, é que o painel de segurança não se encontrava colocado e sendo conhecida a dinâmica naturalística do acidente [sendo, pois, irrelevante a questão da maior “deformação” da abertura do lado esquerdo do painel, se esta permitia, ou não, a passagem da mão e/ou braço e o desconhecimento da dinâmica do acidente a que a Recorrente se reporta]. E, por fim, nas concretas circunstâncias provadas, não podemos deixar de considerar que, pese embora a alguma imprudência da A., ela não é de tal forma censurável a justificar a exclusão do direito à reparação, imprudência essa que resulta de um ato irrefletido, não pensado e sem consciência, ou sem a necessária consciência, do risco, tanto mais perante a falta de formação da A. quanto à utilização e riscos da máquina. Ou seja, e concluindo, não se nos afigura que seja o acidente em apreço, nos termos do art. 14º, nº 1, al. a), primeira parte, de “descaracterizar” 4.3. Quanto à descaracterização do acidente com fundamento no art. 14º, nº 1, al. b): Para que o acidente caia sob a alçada da al. b) do nº 1 do citado art. 14º, necessário é que ele provenha de negligência grosseira do sinistrado e que esta seja a causa exclusiva do mesmo. E, quanto a esta causa de exclusão, como é pacífico na doutrina e jurisprudência, para que ocorra negligência grosseira, não basta a culpa leve, como negligência, imprudência, distração, imprevidência ou comportamentos semelhantes, exigindo-se um comportamento temerário, reprovado por elementar sentido de prudência. Mais se exige que o evento seja imputado, mediante o estabelecimento do nexo de causalidade, exclusivamente, ao comportamento grosseiramente negligente do sinistrado, o que implica a prova de que nenhum outro facto concorreu para a sua produção. Ora, no caso, também não se verifica esta causa de exclusão do direito à reparação. Desde logo, não se verifica uma vez que o sinistro não decorre, exclusivamente, do comportamento da A., mas sim e também do da Ré empregadora, dada a inexistência, aquando do acidente, da proteção da parte perigosa da máquina onde a A. introduziu a mão, facto este que concorreu para o acidente. Ou seja, o acidente não decorre exclusivamente de negligência da A. E tanto basta para improcedência desta causa de exclusão. De todo o modo, remete-se para o que acima se disse, no que se reporta à censurabilidade co comportamento da A. Embora consubstanciando negligência, não consubstancia, todavia, negligência grosseira, antes uma “imprudência” ou “imprevidência”. Assim sendo, improcedem o recurso principal, interposto pela Recorrente/Empregadora. Do recurso subordinado, interposto pela A. 5. Da indemnização pelos danos não patrimoniais – recurso subordinado Na petição inicial, a A., no art. 152º, reclamou o seguinte: “152º Assim, no caso concreto, tendo em conta a gravidade e a multiplicidade dos danos não patrimoniais sofridos pela A., quer a nível corporal, quer a nível psicológico, a absoluta ausência de culpa da sua parte na ocorrência do acidente, o dano biológico, o internamento hospitalar, as fortes dores sofridas, o quantum doloris, os danos estéticos, o dano de afirmação pessoal, a repercussão permanente das sequelas nas atividades da vida diária, a sua idade, as suas qualificações académicas, a sua condição sócio-económica e o valor aquisitivo da moeda, peticiona a A., para ressarcimento dos relevantíssimos danos não patrimoniais, a quantia de € 100.000 (cem mil euros).” Para tanto, e em síntese invocou as limitações físicas à sua atividade diária que decorrem das lesões que sofreu no acidente (às quais se reportam, de acordo com a matéria de facto provada, os nºs 62 a 75), mais alegando que: por causa do acidente, a A. ficou a depender de terceiros; a afirmação pessoal da A., ficou largamente diminuída por causa da elevada incapacidade de que ficou afetada, que tem repercussão, não só no exercício de tarefas profissionais, mas também nas tarefas diárias comuns; não consegue dormir em nenhuma posição que implique a mais leve pressão sobre o seu braço direito, pelo que tem de dormir sempre numa de duas posições, de barriga para cima, ou voltada para o lado esquerdo, o que dificulta o adormecer, provocando intranquilidade e perturbação no sono, privando-a, assim, de ter um sono reparador, tranquilo e descansado, como até à data do acidente sempre teve; sente dores ao longo do dia, e mesmo sem realizar qualquer esforço ou movimento brusco, e, invariavelmente, nas mudanças de clima; antes do acidente, a A. gozava de perfeita saúde e encontrava-se no pleno gozo das suas capacidades físicas e mentais, não padecia de qualquer doença ou deformidade física; era uma jovem mentalmente equilibrada, dinâmica, com grande alegria de viver, e nunca havia sofrido qualquer acidente; perturbam a A. sentimentos de profundo desgosto, tristeza, constrangimento e revolta pela situação em que ficou; está muito diminuída nas suas capacidades físicas, não obstante ser ainda uma jovem; agonia-se pelas limitações e impedimentos físicos de que ficou a padecer; de uma pessoa dinâmica e com grande alegria de viver, passou a uma pessoa apática e triste; desde a ocorrência do acidente até à presente data, a A. ficou, inelutavelmente, dependente de terceiros, o que a sentir-se profundamente diminuída e impotente, o que muito a deprime, deixando-a num estado de alma caracterizado pela angústia; os tremendos condicionamentos que o acidente acarretou para a sua vida, infelizmente, são inalteráveis e definitivos; por causa do acidente, a A. ficou com a mão direita parcialmente amputada, traduzindo-se tal amputação em três dedos- polegar, indicador e médio, ficando, igualmente, com cotos no lugar dos referidos dedos, e vestígios cicatriciais manifestamente visíveis que demandam um grande e substancial dano estético à A., o que lhe causa desgosto e desfeia-a definitivamente no seu aspeto físico; para além das consequências ao nível da sua vida pessoal e familiar, este acidente acabou por comprometer, de forma decisiva, o futuro profissional da A., sendo as sequelas de que a A. ficou a padecer em consequência do acidente, são causa da sua incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual de revistadeira; por outro lado, as limitações físicas de que a A. padece, deixá-la-ão numa situação de inferioridade num mercado de trabalho tão concorrencial; está altamente diminuída, pois que, qualquer atividade laboral que venha futuramente a exercer, sempre acarretará significativas limitações e dor; antes do acidente, a A. era uma pessoa sã, escorreita e com grande alegria de viver; ainda em consequência do acidente e das lesões por ele causadas, a A., apresenta outras sequelas, designadamente, perturbação depressiva, ansiedade, insónias frequentes, labilidade emocional marcada, choro fácil, anedonia e humor deprimido; para além disso, as dores permanentes que, em certas alturas do dia se tornam insuportáveis, diminuíram profundamente a qualidade de vida e bem-estar pessoal da A.; à data do acidente, apenas 29 anos; de todo o exposto, do acidente de trabalho resultaram relevantíssimos danos não patrimoniais que, atendendo à sua gravidade, merecem a tutela do direito. Na sentença recorrida condenou-se a Ré empregadora a pagar à A., para além do capital de remição correspondente à pensão anual e vitalícia de € 2.367,53, (correspondente a uma IPP de 27,74%, devida a partir de 11/1/ 2018 e da quantia de € 10,00 a título de despesas de deslocações a este tribunal), as quantias de € 35.000 e de €30.000. Para tanto, e no que concerne à condenação no montante de €35.000,00, referiu-se o seguinte: “Reclama ainda a A a condenação da R A... a pagar-lhe a quantia de € 100.000 € a título de danos não patrimoniais. Contudo, apesar de a A qualificar o seu pedido a esse título, constata-se que o fundamento de tal pedido de indemnização é também a perda de rendimento futuro da A no contexto laboral, sendo que tal configura, no entender do Tribunal, dano de natureza patrimonial. Na verdade, é sabido que a reparação dos danos, face à impossibilidade de reconstituição natural da situação anterior àqueles, deverá ser feita através da indemnização em dinheiro - art.566º n.º 1 do Código Civil -, com base nos princípios expressos nos artigo 562º, 564º e 566º n.º 2 do mesmo diploma. (…)”, seguindo-se considerações teóricas, doutrinárias e jurisprudenciais, quanto, designadamente, à quantificação dos danos patrimoniais no âmbito da jurisdição cível, mais se dizendo que: “(…) Teremos igualmente que ponderar que à A assiste o direito a receber € 39.760,30 a título de capital de remissão. Ora, tal como se pode ler no Ac TRP de 10/12/2012, Relatora Exma Senhora Juiz Desembargadora Adelaide Domingos: “o facto do mesmo dano ter sido avaliado em sede laboral, fixando-se ali uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 3%, que gerou o direito à fixação de uma pensão obrigatoriamente remível e consequente entrega do capital de remição à sinistrada, em nada interfere na conclusão acima vertida, na medida em que o dano avaliado no processo de acidente de trabalho, embora provindo do messo facto – o acidente simultaneamente de viação e de trabalho –, é avaliado em função de diferentes perspectivas. No âmbito laboral, fora dos casos de morte, apenas está em causa a redução na capacidade de trabalho ou de ganho, ou seja, apenas está em causa a perspectiva patrimonial da lesão, seja relacionada com a capacidade para o exercício de qualquer actividade laboral ou tão só para o exercício da actividade habitual. Já no âmbito da avaliação em sede de direito civil a perspectiva é mais ampla, abrangendo outros prismas do dano, que não a mera incidência na capacidade de trabalhar ou auferir proventos materiais com essa actividade. Só existirá coincidência na avaliação, determinativa do funcionamento do já aludido artigo 31.º da Lei n.º 100/97, de 13.09, se o mesmo dano (entenda-se a mesma perspectiva danosa causada pelo mesmo facto) tiver sido avaliado duplamente, atribuindo-se a cada uma das avaliações uma indemnização autónoma.” Assim, tudo sopesado, tendo em conta a capitalização da perda anual estimada, que os valores referenciais obtidos devem, por um lado, ser majorados, pela esperança média de vida depois do termo da vida laboral e, por outro lado, reduzidos, tendo em conta a capacidade laboral residual da lesada, e não descurado que à mesma já foi arbitrado capital de remissão, afigura-se-nos justo e adequado arbitrar à A a este título a quantia de € 35.000”, E, passando de seguida, a referir o seguinte quanto à condenação no pagamento da quantia de €30.000,00: “Quanto ao Danos não patrimoniais Os danos desta natureza são indemnizáveis desde que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. As partes não discutem a ressarcibilidade dos danos padecidos pela autora, apenas este divergindo quanto à medida da sua compensação. Danos que são estabelecidos pelo recurso à equidade, fixados pelo juiz segundo o seu prudente arbítrio (artigo 496º, 1, do Código Civil). O recurso à equidade não prescinde da observância do princípio da igualdade, que busca uma uniformização de critérios, desde que as circunstâncias do caso a isso se não oponham. Pretende-se alcançar a solução mais justa para o caso concreto, pois a equidade é balizada pelos imperativos da justiça real, em oposição à justiça meramente formal; a equidade é sempre uma forma de justiça, a expressão da justiça num dado caso concreto. No fundo, a satisfação dos danos não patrimoniais não traduz uma verdadeira indemnização, por não ser um equivalente do dano; antes consiste em atribuir ao lesado uma satisfação ou compensação que não é susceptível de equivalente. Por isso, é razoável que, no seu cálculo, se tenham em atenção, além da natureza e intensidade do dano causado, as outras circunstâncias do caso concreto que a equidade aconselha que sejam tomadas em consideração e, em especial, a situação patrimonial das partes e o grau de culpa do lesante. Com a indemnização por danos não patrimoniais tem-se em vista compensar o lesado pelos sofrimentos e inibições que sofreu em consequência do evento danoso, compensação que só será alcançada se a indemnização for significativa e não meramente simbólica. Para além das sequelas que permanentemente a afectam e que já referimos, teremos de ponderar que a A padeceu dores quantificáveis em 5 pontos, sofreu dano estético quantificável em 4 pontos e prejuízo de afirmação pessoal de 2 pontos, tudo por força do acidente e dos tratamentos a que foi submetida que antes era perfeita e saudável. Atender-se-à o agravamento resultante da idade para o tipo de lesões sofridas pela autora como teremos em conta a inserção no espaço político, jurídico, social e económico mais alargado da União Europeia e o maior relevo que vem sendo dado aos direitos de natureza pessoal, tais como o direito à integridade física e à qualidade de vida. Dentre os direitos fundamentais de consagração constitucional encontra-se o direito à integridade física e psíquica (artigo 25º), o qual não vale apenas contra o Estado mas, igualmente, contra qualquer pessoa. No que respeita ao Estado e aos poderes públicos em geral, são vários os planos em que ele é relevante, desde a legislação, à investigação criminal, às organizações institucionais, às medidas de polícia. Há uma exigência positiva de actuação dos poderes públicos no sentido de assegurar uma efectiva tutela material do direito constitucionalmente consagrado, o que impõe o ajustado conjunto de medidas legislativas, no caso sob a alçada daquele artigo 496º do Código Civil. Tudo sopesado, incluindo os critérios comummente usados pela jurisprudência, julgamos adequada a quantia de 30.000,00 euros– neste mesmo sentido, veja-se o Ac TRP de 31/1/2013, Relatora Exma Senhora Juiz Desembargadora Judite Pires, publicado em www.dgsi.pt, que versou sobre a situação de uma jovem de 22 anos que sofreu acidente com igual quantum doloris e dano estético do sofrido pela A.”. A Recorrente discorda do decidido na parte em que condenou a Ré a pagar-lhe a indemnização de 30.000,00 pelos danos não patrimoniais, pretendendo, pelas razões que alega e para onde se remete, que seja, tal indemnização, fixada em € 60.000,00. 5.1. Dispõe o art. 18º da LAT que “1- Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais. 2 - O disposto no número anterior não prejudica a responsabilidade criminal em que os responsáveis aí previstos tenham incorrido. 3 - Se, nas condições previstas neste artigo, o acidente tiver sido provocado pelo representante do empregador, este terá direito de regresso contra aquele. 4 - No caso previsto no presente artigo, e sem prejuízo do ressarcimento dos prejuízos patrimoniais e dos prejuí-zos não patrimoniais, bem como das demais prestações devidas por actuação não culposa, é devida uma pensão anual ou indemnização diária, destinada a reparar a redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte, fixada segundo as regras seguintes: a) Nos casos de incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, ou incapacidade temporária absoluta, e de morte, igual à retribuição; b) Nos casos de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, compreendida entre 70 % e 100 % da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível; c) Nos casos de incapacidade parcial, permanente ou temporária, tendo por base a redução da capacidade resultante do acidente.” A reparação, em matéria de acidente de trabalho, devida pela redução na capacidade de trabalho ou de ganho é fixada na LAT, correspondendo, em caso de acidente de trabalho decorrente da violação de normas de segurança pelo empregador, à redução da capacidade de trabalho, sem prejuízo, porém, dos prejuízos patrimoniais e não patrimoniais que dele resultem. Dispõe por sua vez o Cód. Civil: - no art. 483º, nº 1: “1. Aquele que, com dolo ou culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.” - no art. 494º: “Quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação - no art. 496º: “1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. 2. (…). 3. O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494º; (…)” Sobre o art. 494º, dizem Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Volume I, 3ª edição, Coimbra Editora, pp. 470/471, que “1. Os critérios que os tribunais devem seguir não são fixos. Trata-se de um julgamento de equidade. Todavia, a lei manda atender a diversas circunstâncias – grau de culpabilidade do agente, situação económica deste e do lesado e demais circunstâncias do caso – as quais podem justificar uma maior ou menos redução. (…). 2. Quanto à culpabilidade do agente, interessará averiguar se ele agiu com culpa lata, leve ou levíssimia. Através da situação económica dos interessados, procurar-se-á saber que repercussão têm sobre a situação patrimonial da vítima e do autor do acto ilícito a lesão e o pagamento da indemnização.”. E, em anotação ao art. 496º, referem os mencionados autores, ob. cit., pp. 473, que: “1. O Código Civil aceitou, em termos gerais, a tese da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais, embora limitando-se àqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada”) (…). 2. Não se enumeram os casos de danos não patrimoniais que justificam uma indemnização. Diz-se apenas que devem merecer, pela sua gravidade, a tutela do direito. Cabe, portanto, ao tribunal, em cada caso, dizer se o dano é ou não merecedor da tutela jurídica. Pode, citar-se como possivelmente relevantes a dor física, a dor psíquica resultante de deformações sofridas, a ofensa à honra ou reputação do indivíduo ou à sua liberdade pessoal, o desgosto pelo atraso na conclusão de um curso ou de uma carreira, etc). Os simples incómodos ou contrariedades não justificam a indemnização por danos não patrimoniais (…). 6. O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa do lesante) segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular do direito à indemnização, às flutuações do valor da moeda, etc. E deve ser proporcional à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras da boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida. (…) Na fixação da indemnização, quando haja simultaneamente danos patrimoniais e não patrimoniais, deve o tribunal indicar separadamente a parte correspondente a uns e a outros. (…).” 5.2. No caso, não está em causa o direito da A. à ressarcibilidade dos danos não patrimoniais, o qual naturalmente se verifica dada a existência de danos que, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito (bem como a verificação dos demais pressupostos: ato ilícito por parte da Ré decorrente da violação de normas de segurança e nexo de causalidade entre tal violação e o acidente e entre este e os danos não patrimoniais). O que está em causa é, pois, a medida da indemnização. Da matéria de facto provada decorre que: - Do acidente resultou “ausência da falange distal do polegar, com coto bem almofadado; ausência das duas falanges distais do indicador, com coto bem almofadado; ausência da falange distal do dedo médio e metade da segunda falange com coto bem almofadado; neuroma na face externa do 3º dedo e na interna do 2º dedo; faz pinça de bola, faz pinça pulpo digital, pinça tridigital; não faz latero-lateral” e uma IPP de 27,74%. - A A. foi sujeita a lavagens dos ferimentos, radiografias, cirurgia para amputação das falanges mencionadas, onde esteve internada 2 dias, passando a tratamento ambulatório e, tendo sido, posteriormente, submetida a 2ª cirurgia, com anestia geral em ambas as cirurgias; - A A., após a 1ª cirurgia, continuou a sentir dores na zona intervencionada, ao ponto de não conseguir dormir, mesmo sob efeito de medicação antibiótica e analgésicos. - Nunca perdeu a consciência do que lhe estava a acontecer, queixando-se com dores. - A A. ficou triste e desgostosa e a padecer de perturbação depressiva, apresentando, numa fase inicial, episódios de maior ansiedade, insónias frequentes, instabilidade emocional marcada, choro fácil, anedonia e humor deprimido. - Foi necessário ministrar medicação ansiolítica e relaxante, designadamente, o zarelix 225 mg. - A A passou a ser seguida no Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental do Hospital 2.... -Durante 9 meses foi submetida a tratamentos, exames médicos e cuidados médicos variados, tendo sido seguida em consultas de ortopedia e psiquiatria, tendo comparecido para tratamentos e curativos, pelos menos, em 20 dias no período de 01.05.2017 a 04.09.2017; -Fez fisioterapia durante seis meses (91 sessões entre 06.06.2017 a 27.11.2017), com tratamentos de 1h15 e que eram dolorosos; - A A. sofreu dores no momento do acidente, nos períodos de convalescença e tratamentos a que foi submetida. - Após a segunda cirurgia, a A. continuou a comparecer, quer às consultas médicas das especialidades de ortopedia e psiquiatria, no âmbito do segundo pós operatório, quer aos curativos e tratamentos de enfermagem às partes intervencionadas, pelo menos, nas seguintes datas: 13/09/2017, 20/09/2017, 22/09/2017, 25/09/2017, 11/10/2017, 18/10/2017 30/10/2017, 20/11/2017, 04/12/2017 e 27/12/2017. - A A. compareceu a mais de 30 consultas médicas, curativos e tratamentos de enfermagem às partes intervencionadas, realizados na Casa de Saúde ..., no Porto. - A A. compareceu a 9 sessões de psicoterapia em grupo, com duração aproximada de uma hora cada, entre 07 de Junho e 02 de Agosto de 2018; - A A. viveu e continua a viver momentos de angústia e tristeza e vai necessitar, ao longo de toda a sua vida, de consultas médicas, acompanhamento médico, tratamentos e cuidados médicos, fisioterapia, anestesias, cirurgias e internamento, o que lhe continuará a causar dores e sofrimento. - A mão ativa da autora é a direita. - Desde que ocorreu o acidente, a A. perdeu a capacidade para realizar atividades do dia-a-dia que exigem a ação conjunta das duas mãos na medida da IPP atribuída. - A A. consegue abrir a porta de casa com a chave com a mão esquerda. - A A. consegue tomar banho, lavar o cabelo, fazer a sua higiene pessoal, embora tenha dificuldade em cortar as unhas da mão esquerda. - A A. consegue cortar e descascar os alimentos, com mais dificuldade e sem a precisão anterior ao acidente, pois consegue apreender e manipular objetos com dimensão superior a 5 mm de diâmetro. - A A. consegue abotoar e desabotoar os botões do vestuário que diariamente usa, com mais dificuldade e sem a precisão anterior ao acidente, pois consegue apreender e manipular objetos com dimensão superior a 5 mm de diâmetro. -A A. consegue apertar e desapertar os atacadores do calçado que calça, com mais dificuldade e sem a precisão anterior ao acidente, pois consegue apreender e manipular objetos com dimensão superior a 5 mm de diâmetro. - A A. consegue conduzir veículos automóveis. - A A. consegue abrir uma garrafa ou uma lata, com mais dificuldade e sem a precisão anterior ao acidente, pois consegue apreender e manipular objetos com dimensão superior a 5 mm de diâmetro. - A A. consegue pegar num garrafão de água. - A A. consegue pegar num saco de compras. - A A. consegue pôr um gancho no cabelo, com mais dificuldade e sem a precisão anterior ao acidente, pois consegue apreender e manipular objetos com dimensão superior a 5 mm de diâmetro. - A A. consegue colocar uns brincos nas orelhas, com mais dificuldade e sem a precisão anterior ao acidente, pois consegue apreender e manipular objetos com dimensão superior a 5 mm de diâmetro. - A A. consegue apanhar um objeto caído ao chão, com mais dificuldade e sem a precisão anterior ao acidente, sendo a dificuldade maior para apanhar objetos mais pequenos, ou seja inferiores a 5 mm de diâmetro, como, por exemplo, parafusos, pregos e clips. - A A. não consegue pegar numa agulha, nem coser uma peça de vestuário. - Esporadicamente a A. sente dores ao longo do dia, e mesmo sem realizar qualquer esforço ou movimento brusco, nas mudanças de clima. - Antes do acidente, a A. gozava de perfeita saúde e encontrava-se no pleno gozo das suas capacidades físicas e mentais. - Era uma jovem mentalmente equilibrada, dinâmica, com alegria de viver. - Numa fase inicial perturbavam a A. sentimentos de desgosto, tristeza, constrangimento e revolta pela situação em que ficou, estando, nessa altura, apática e triste. - Ficou com cotos no lugar dos referidos dedos, e vestígios cicatriciais visíveis. -A A padeceu dores quantificáveis em 5 pontos, sofreu dano estético quantificável em 4 pontos e prejuízo de afirmação pessoal de 2 pontos. Indiscutivelmente que a A. sofreu lesão muito grave, com sequelas a nível físico, psíquico, emocional, funcional e estético igualmente muito graves. Não obstante, a gravidade das lesões, a nível funcional e tendo em conta os factos provados, não têm a extensão que a A. alegara na p.i., sendo que, em relação a várias das tarefas que a A., na petição inicial, alegara e que fundamentavam o pedido indemnizatório, não se provou que tivesse ficado impossibilitada de as executar, conquanto, em relação a algumas delas, o venha a fazer com maior dificuldade e menor grau de precisão. Por outro lado, não se pode deixar de notar que, embora não seja motivo de descaracterização do acidente como acidente de trabalho (conforme já acima o dissemos), o comportamento da A. também contribuiu para a ocorrência do sinistro já que introduziu a mão na máquina com ela em funcionamento, o que fez por sua iniciativa, sem que alguém na Ré lho tivesse determinado (para além de que o fez quando o operador da máquina se encontrava junto à máquina, embora do lado de trás da mesma como indiscutivelmente decorre de toda a prova produzida), circunstancialismo que mitiga a culpabilidade da Ré. Ou seja, tendo em conta os mencionados danos e a culpabilidade da Ré, bem como imprevidência da A., que também contribuiu para o acidente, afigura-se-nos correto o montante indemnizatório fixado pela 1ª instância. E é, também, de ter em atenção que a indemnização de 100.000,00 que havia sido peticionada a título de danos não patrimoniais, não foi, propriamente, reduzida a €30.000,00. Com efeito, ainda que a sentença recorrida tenha qualificado como danos patrimoniais alguns dos danos invocados e que haviam sido incluídos pela A. nos €100.000,00 peticionados, o certo é que arbitrou à A. a indemnização, também, de €35.000,00. Ou seja, ainda que com diferente qualificação jurídica, a verdade é que, “por conta” dos €100.000,00 peticionados pela A., na sentença acabou por lhe ser fixada a indemnização global de €65.000,00. Assim, e em conclusão, improcede nesta parte o recurso subordinado. 6. Do reconhecimento do direito da A. ao preço e colocação de prótese funcional dos três dedos da mão direita – recurso subordinado Pretende a A./Recorrente que lhe seja reconhecido o direito a uma prótese funcional dos três dedos da mão direita. A sentença recorrida, conquanto, em sede de decisão da matéria de facto (quanto ao ponto iv) dos factos não provados) se tenha pronunciado, a verdade é que, em sede de fundamentação jurídica e de decisão, não se pronunciou sobre tal pedido. Tal omissão, nestes dois segmentos da decisão (fundamentação jurídica e decisão), poderia eventualmente configurar-se como nulidade de sentença por omissão de pronúncia (art. 615º, nº 1, al. d), do CPC) que não foi suscitada pela Recorrente. Não obstante, tendo em conta que a sentença, ainda que em sede de decisão da matéria de facto (ponto vi dos factos não provados) e respetiva fundamentação da mesma, sempre acabou por se pronunciar, daí se podendo concluir que entendeu que as próteses não são necessárias, antes prejudiciais e que, assim, e nessa sequência, não lhe assistiria o direito às mesmas, conheceremos de tal questão, tanto mais tendo em conta que a matéria relativa à reparação devida por acidente de trabalho tem natureza indisponível e oficiosa (arts. 12º, nº 1, e 78º da LAT e arts. 26º, nºs 1, als e) e 3, e 74º do CPT). Dispõe o art. 23º, al. a), da LAT que “O direito à reparação compreende as seguintes prestações: a) Em espécie - prestações de natureza médica, cirúrgica, farmacêutica, hospitalar e quaisquer outras, seja qual for a sua forma, desde que necessárias e adequadas ao restabelecimento do estado de saúde e da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado e à sua recuperação para a vida activa; (…)” e, o art. 25º, nº 1, al. g), da mesma que: “1 - As prestações em espécie previstas na alínea a) do artigo 23.º compreendem: (…); g) O fornecimento de ajudas técnicas e outros dispositivos técnicos de compensação das limitações funcionais, bem como a sua renovação e reparação;” Das referidas disposições decorre que o fornecimento de próteses se incluem nas prestações, em espécie, que são devidas ao sinistrado e que se mostrem necessárias e adequadas ao restabelecimento da sua capacidade de ganho e à sua recuperação para a vida ativa. É de referir que esta recuperação, para a vida ativa, transcende o aspeto meramente funcional, de capacidade de trabalho e/ou realização de tarefas, seja, no caso concreto, com os dedos parcialmente amputados da mão direita, seja com a ajuda ou habituação da utilização da mão esquerda. Com efeito, a recuperação que se pretende e almeja com a previsão dos arts. 23º e 25º, al. g), tem também como escopo a recuperação emocional e psíquica e/ou uma melhor adaptação, a esse nível, à nova situação, para o que contribui, como é da experiência e senso comuns, a minimização, tanto quanto possível, do dano estético. Ora, e ainda que tenha sido dado como não provado que a A. necessita de uma prótese funcional, isto é, para o desempenho de tarefas e que, a mesma, poderia dificultar a execução de determinadas tarefas, não se vê que tal exclua, ou deva excluir, o direito ao seu fornecimento, tanto mais que existem, certamente, próteses amovíveis e/ou que melhor se adequem à sua utilização quando a A. assim o entender, se assim o entender e de acordo com as suas necessidades. Nos termos do art. 79º, nº 3, da LAT, é a Ré Empregadora a responsável pelo cumprimento de tal obrigação, competindo, todavia, à Ré Seguradora satisfazer o seu fornecimento à A., sem prejuízo porém do seu direito de regresso contra a Ré Empregadora (pelo custo correspondente, naturalmente). Assim, e nesta parte, procede o recurso subordinado. *** V. DecisãoEm face do exposto, acorda-se em: A. Julgar o recurso principal, interposto pela Ré, A..., Lda, improcedente, confirmando-se a sentença recorrida. B. Julgar o recurso subordinado, interposto pela A., AA, parcialmente procedente e, em consequência, condenam-se as Rés A..., Lda e B..., S.A., solidariamente, mas sem prejuízo do direito de regresso desta sobre aquela (Ré “A...”), a fornecer à Autora prótese amovível para os dedos polegar, indicador e médio da mão direita desta. Custas do recurso principal, pela Recorrente A..., Lda. Custas do recurso subordinado pela Autora e Recorrida A..., Lda, na proporção dos respetivos decaimentos, que se fixa, em respetivamente, 95% e 5%. Porto, 09.10.2023 Paula Leal de Carvalho Rui Penha Germana Ferreira Lopes _____________________ [1] Relatado pela Exmª Desembargadora Fernanda Soares e em que a ora relatora interveio como segunda adjunta, acórdão não publicado, ao que se supõe. [2] Não publicado, ao que se supõe. [3] Relatado pelo Exmº Sr. Desembargador Jerónimo Freitas. [4] Direito Processual Civil Declaratório, 3º, pág. 275. [5] Direito Processual Civil, 1968, 2º, pág. 208. [6] No sentido quer da exigência de verificação do nexo causal entre a violação das regras de segurança no trabalho e o acidente, quer do ónus prova a cargo do beneficiário e/ou seguradora vejam-se, para além de ouros, os Acórdãos do STJ de 10.10.07 (Proc. 07S2368), 02.07.08 (Proc. 08S1428), 12.02.09 (Proc. 08S3082), in www.dgsi.pt. [7] Cfr. designadamente, acórdão desta Relação de 11.09.2017, Proc. 62/15.8Y7PRT.P1, relatado pela ora relatora, in www.dgsi.pt., ainda que com base em diferente circunstancialismo fáctico. [8] Cfr. Acórdão do STJ de 26.09.2007, in www.dgsi.pt, Processo nº 07S1700. [9] Relatado pela ora relatora. [10] Actualmente Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça. [11] In www.dgsi.pt, Processo 07S1700. |