Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
623/09.2TTSTS-D.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RITA ROMEIRA
Descritores: SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
OBJECTIVO
CÁLCULO
Nº do Documento: RP20210714623/09.2TTSTS-D.P1
Data do Acordão: 07/14/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - A sanção pecuniária compulsória, prevista no art. 829º-A do C. Civil, visa reforçar a soberania dos tribunais o respeito pelas decisões e o prestígio da justiça e, também, favorecer a execução específica das obrigações de prestação de facto ou de abstenção fungíveis.
II - Quando se trate de obrigações de pagamento a efectuar em dinheiro corrente, a sanção pecuniária compulsória, no pressuposto de que versa sobre quantia certa e determinada e, também, a partir de uma data exacta (a do trânsito em julgado da decisão), só poderá ser calculada ininterruptamente, atendendo a todos os dias, enquanto dure, até efectivo e integral pagamento, uma vez que o seu fim não é o de indemnizar o credor pelos danos sofridos com a mora, mas o de forçar o devedor a cumprir, reforçando-se, assim, o prestígio da justiça.
III - Destinando-se esta sanção a induzir o devedor a cumprir e a acatar a decisão judicial, não faria qualquer sentido que a mesma só fosse devida nos dias úteis, enquanto não é cumprida. A sua duração só pode ser contada pela totalidade dos dias.
IV - A vontade do legislador em que fosse apressado o cumprimento da prestação mas, também, a preservação da autoridade dos tribunais, não ficará salvaguardado, se depender do outro credor, como pretende fazer crer a recorrente, estar a trabalhar ou não.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 623/09.2TTSTS-D.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Maia, Juízo do Trabalho - Juiz 2
Recorrente: B…, Ld.ª
Recorrida: C…

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO
O presente recurso, em separado, do despacho proferido, em 15/12/2020, nos autos principais, execução comum Proc. nº 623/09.2TTSTS-A, instaurada por C… contra a executada, B…, Ld.ª, foi interposto por esta, invocando não se conformar com o decidido no mesmo, sobre o modo de contagem dos dias da sanção pecuniária compulsória para apuramento do seu valor global.
O despacho recorrido é do seguinte teor que, se transcreve:
«Quanto à questão suscitada quanto à forma de cálculo do montante da sanção pecuniária compulsória devida pela executada à Exequente e ao Estado:
Conforme resulta do requerimento com a refª citius 32005130, pretende a Executada que tal cálculo se reporta apenas aos dias úteis, ou seja, aos dias em que a Trabalhadora/Exequente teria de prestar trabalho efetivo, excluindo-se os dias não úteis (sábados, domingos, feriados e, ainda, as férias e faltas da exequente). A exequente veio, entretanto, juntar tabela explicativa do cálculo que efetuou a título de sanção pecuniária compulsória, depreendendo-se da mesma que na contabilização dessa sanção terá retirado os sábados e domingos, pontes, feriados, férias e os períodos de suspensão do processo por acordo.
Notificada, a Exequente defende que o cálculo da sanção pecuniária compulsória não deverá ter qualquer limitação, nomeadamente a referida pela executada.
Tendo em conta que está também em causa um crédito do Estado relativamente à sanção pecuniária compulsória, a qual, reverte, em partes iguais, para a Exequente e o Estado, o Exmº Senhor Procurador da República tomou posição na promoção com a refª citius 417861993, onde manifestou entender que o cálculo da sanção pecuniária compulsória em que foi condenada a executada, no valor diário de € 100,00 dia, no período compreendido entre 28-01-2014 e 3-06-2015, deve incluir a totalidade dos dias desse período.
Para a decisão a proferir, importa ter em conta o seguinte:
- A presente execução foi instaurada como execução para prestação de facto positivo (obrigação de facere) infungível (por natureza), invocando a exequente incumprimento da prestação de facto e requerendo fosse ordenado à executada o cumprimento imediato da decisão judicial, desde logo mediante a restituição de todas as funções e tarefas da exequente e ainda dos meios e instrumentos de trabalho indispensáveis para o cumprimento efetivo dessas funções e tarefas, bem como que fosse fixada uma sanção pecuniária compulsória nunca inferior a 100 € por dia, desde a data de trânsito em julgado da aludida decisão até ao efetivo e integral cumprimento (cfr. requerimento executivo de fls. 1 e ss.).
- A Executada deduziu embargos de executado, sendo que quanto à requerida fixação de sanção pecuniária compulsória referiu que cumpriu a decisão e que sempre e em qualquer caso a quantia indicada a tal título constituiria um manifesto exagero (cfr. artigos 74º e 75º da petição de embargos a fls. 18 do apenso B de embargos de executado).
- Os embargos foram decididos por saneador-sentença, constante a fls. 59 e ss. do apenso B de embargos, que os julgou totalmente improcedentes, tendo sido determinado o seguinte:
Fixa-se em 10 dias, a partir notificação da presente decisão, o prazo para a executada cumprir integralmente a decisão vertida no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto dada à execução.
Fixa-se em 100,00/dia a sanção pecuniária compulsória, que será apenas devida caso a executada, decorrido o aludido prazo de 10 dias, não cumprir integralmente a decisão proferida e dada à execução, e até integral e efetivo cumprimento, o que será depois verificado nos autos de execução”.
- Na referida decisão de embargos consta a fundamentação atinente à fixação da sanção pecuniária compulsória, mais precisamente a fls. 64 verso a 65, concluindo-se tal fundamentação nos seguintes termos: “Limitando-se a executada a dizer que a mesma, a seu ver, é excessiva, o que assim não se nos afigura, atento o teor da sentença a cumprir, fixaremos a mesma em 100,00/dia, e que apenas será devida, caso a executada não cumpra integralmente o vertido no título executivo, decorrido que seja o prazo agora fixado para cumprimento do mesmo – 10 dias – sendo depois devida, a partir de então, até cumprimento integral da decisão.
- A Executada recorreu da decisão judicial em referência proferida no apenso de embargos, apresentando as conclusões constantes das alegações de fls. 78 e seguintes, não tendo suscitado qualquer questão quanto à sanção pecuniária compulsória, máxime quanto ao montante e termos da respetiva fixação em 100,00/dia.
- O Tribunal da Relação do Porto confirmou a decisão judicial proferida no apenso de embargos, na qual foram julgados os embargos improcedentes e foi fixada a sanção pecuniária compulsória nos termos acima referidos, pelo que a decisão em causa transitou em julgado – cfr. Acórdão de fls. 221 e ss. do apenso de embargos.
- Depois disso, tendo permanecido controvertida a questão da restituição das funções, a decisão do incidente de pagamento da sanção pecuniária compulsória dependia da prévia decisão daquela matéria controvertida, sendo que essa questão teve que ser resolvida na execução para decisão do incidente atinente ao pretendido pagamento da sanção pecuniária compulsória fixada na decisão de embargos.
- Atente-se que a Exequente veio em 27-01-2015 no requerimento refª citius 18613429, a fls. 37 a 46 requerer fosse ordenado o pagamento imediato da quantia devida a título de sanção pecuniária compulsória, invocando que a Executada não cumpriu no prazo judicialmente estipulado para o efeito, sendo que na contabilização do valor indicado a esse título à data da apresentação do requerimento incluiu a totalidade dos dias.
- Notificada do requerimento apresentado pela Exequente, veio a Executada apresentar o requerimento com a refª citius 18853293, datado de 19-02-2015, constante a fls. 48 a 55), no qual referiu manter tudo o alegado na oposição que deduziu à execução e invocou que cumpriu integralmente a decisão, concluindo no sentido de que carece de fundamento o pedido de sanção compulsória e de que devia ser indeferido o requerido pela exequente. Analisado este requerimento, verifica-se que, mais uma vez, a Exequente não suscitou qualquer questão quanto ao montante e termos da fixação da sanção pecuniária compulsória em 100,00/dia.
- Permanecendo controvertida, como se disse, a questão da restituição ou não das funções, foi proferida a fls. 174 a 187 decisão judicial no âmbito desta execução quanto ao pretendido pagamento da sanção pecuniária compulsória que foi fixada na sentença de embargos, nos termos da qual foi julgado procedente o incidente de pagamento da sanção pecuniária compulsória e se reconheceu à exequente o direito ao pagamento pela executada da quantia devida a título de sanção pecuniária compulsória de € 100,00/dia, contada desde 28-01-2014 até integral e efetivo cumprimento.
- Esta última decisão foi objeto de recurso de apelação pela Executada, com apresentação das alegações de fls. 190 a 238, sendo que, apenas nesta sede, a Executada suscitou a questão a redução da sanção de acordo com a equidade. Nessa questão invocou que a sanção fixada é gravemente penalizadora e pode atingir um valor avultado, incompatível com a saúde da empresa, mesmo que a decisão se mantenha a maior parte das funções e meios foi restituída, e, bem assim, mesmo que se entenda que ocorre incumprimento, ele é apenas parcial e de escassa relevância, pelo que a sanção deve ser reduzida de acordo com a equidade, para 50,00 € dia e considerando apenas os dias úteis, descontando-se ainda todos os períodos em que a execução esteve suspensa por acordo das partes.
- No âmbito do recurso interposto, foi proferido Acórdão transitado em julgado, constante a fls. 276 a 297 do apenso C (recurso em separado), decidindo-se a final o seguinte:
Pelo exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação e, consequentemente, alterando-se a decisão recorrida nos termos sobreditos, condena-se a executada no pagamento da quantia devida a título de sanção pecuniária compulsória de € 100,00 (cem euros) por dia, contados desde 28-01-2014 até 3-06-2015 (inclusive), revertendo a mesma, em partes iguais, para a Exequente e o Estado, conforme o estatuído no nº 3 do artigo 829º-A do Código Civil”.
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Como decorre do atrás exposto, a Exequente no requerimento executivo requereu a condenação da Executada em sanção pecuniária compulsória, nunca inferior a € 100,00 por dia.
Tal questão foi conhecida e decidida na decisão judicial proferida no apenso de embargos, transitada em julgado, nos termos da qual que foi fixada em 100,00/dia a sanção pecuniária compulsória, aí se consignando que a mesma era devida caso a executada não cumprisse integralmente o vertido no título executivo, decorrido que fosse o prazo fixado nessa decisão para o cumprimento – 10 dias – sendo depois devida, a partir de então, até cumprimento integral da decisão.
A parte decisória do Acórdão da Relação do Porto, de 21 de janeiro de 2019, como não podia deixar de ser, vai ao encontro daquela decisão transitada em julgado que fixou a sanção pecuniária compulsória, condenando a executada no pagamento da quantia devida a título da sanção pecuniária compulsória de € 100,00 por dia, contada desde 28 de janeiro de 2014 até 3 de junho de 2015 (inclusive), tendo por base o decidido nesse mesmo Acórdão quanto à questão da restituição das funções.
Ora, salvo o devido respeito por opinião contrária, não vislumbramos que perante o texto da decisão judicial que fixou a sanção pecuniária compulsória e que transitou em julgado, possa ser dada outra interpretação que não aquela que foi sustentada pela Exequente e pelo Exmº Senhor Procurador.
Considera o tribunal que, salvo melhor entendimento, a questão em causa mostra-se já decidida e abrangida pelo caso julgado material da decisão proferida no apenso de embargos que fixou a sanção pecuniária compulsória no valor diário de € 100,00 por dia, sem que tivesse sido feita qualquer limitação dos dias a aí integrar. Pelo contrário, se atentarmos na fundamentação da decisão, verificamos que aí se consigna que a sanção pecuniária compulsória, será devida caso a executada não cumpra integralmente o prazo de 10 dias fixado para o cumprimento, sendo depois devida, a partir de então, até cumprimento integral da decisão. Não tendo a Executada colocado em crise o aí decidido em termos de fixação da sanção pecuniária compulsória, em € 100,00 por dia, encontra-se precludida a possibilidade de vir agora suscitar qualquer limitação temporal ou de outra natureza na contabilização dos dias a considerar para efeitos de sanção pecuniária compulsória.
Sem prejuízo do exposto, sempre se dirá que, ressalvando o devido respeito por opinião contrária, consideramos que a lei - artigo 829º-A do Código Civil - não distingue se se trata de dias úteis apenas ou de calendário, pelo que o intérprete também não o deve fazer (neste sentido pode ver-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 7-02-2011, processo nº 820/03.4TTBRGJ.P1, disponível in www.gde.mj.pt). Acresce que, como bem observa o Exmº Senhor Procurador da República, a execução normal de um contrato não se suspende ou interrompe nos dias não úteis – sábados, domingos, feriados – podendo até em tais dias ocorrer efetiva prestação de trabalho, quer porque a execução normal da prestação do trabalho assim o determina, quer pela prestação, muitas vezes frequente, de trabalho suplementar.
Assim, e em conclusão, entendemos que o cálculo da sanção pecuniária compulsória em que foi condenada a Executada, no valor diário de € 100,00 por dia, no período compreendido entre 28-01-2014 e 3-06-2015, deve incluir a totalidade dos dias desse período, perfazendo o montante global de € 49,200,00, correspondente a 492 dias.
Notifique.».
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Inconformada a executada interpôs recurso, cujas alegações juntas, terminou com as seguintes “CONCLUSÕES:
A-A decisão que estabeleceu a sanção pecuniária compulsória e o seu valor (apenso de embargos) não se pronunciou quanto ao modo de contagem dos dias para o apuramento do seu valor global.
B-A Recorrente pagou o valor da sanção pecuniária compulsória, descontando no seu cálculo os dias em que a Recorrida não trabalhou (dias de férias, dias de descanso semanal e feriados), sendo que tal forma de contagem é a que corresponde aos fins da sanção pecuniária compulsória (artº. 829º.-A do C.Civil).
C-O modo de contagem dos dias para apuramento do valor global da sanção pecuniária compulsória, referido na conclusão B é o que corresponde ao sentido e fins do disposto no artº. 829º.A do C.C.
D-No despacho recorrido sustenta-se que o cálculo do valor global da sanção pecuniária compulsória deve fazer-se considerando dias seguidos, o que, salvo o devido respeito, traduz deficiente interpretação da citada disposição.
E-A decisão que estabeleceu a sanção compulsória e o seu valor é omissa quanto à forma da contagem dos dias para apuramento do valor global, pelo que não ocorre caso julgado.
E-Foi violado por errada interpretação o disposto nos artºs. 829º. -A e 580º. do C.P.C.
Revogando o despacho recorrido e decidindo que da contagem dos dias para o cálculo do valor global da sanção pecuniária compulsória devem ser excluídos os dias em que o trabalhador não presta o seu trabalho (férias, dias de descanso semanal e complementar e feriados), V.Exªs., farão JUSTIÇA”.
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A exequente/recorrida apresentou contra-alegações, que terminou com as seguintes “CONCLUSÕES:
A) A questão objeto de recurso encontra-se já amplamente decidida em duas instâncias e, por isso, abrangida pelo caso julgado.
B) O poder jurisdicional do Tribunal a quo esgotou-se com a prolação da decisão judicial de fls. 174 a 184, pelo que, o despacho objeto do presente recurso não se poderá considerar uma decisão quanto a qualquer matéria, pois, jamais um despacho poderia alterar uma decisão transitada em julgado, sob pena de contrariar os mais elementares princípios do direito processual civil.
C) Com efeito, não se encontra base legal para a admissibilidade do presente recurso, pelo que o mesmo não deve ser admitido.
D) Essa veneranda Relação á teve oportunidade de se pronunciar, por duas vezes, quanto à sanção pecuniária compulsória aqui em causa.
E) Sendo que, quanto à matéria do presente recurso, foi claro e inequívoco ao condenar a executada, ora Recorrente, “(...) no pagamento do quantia devido a título de sanção pecuniária compulsória de € 100,00 (cem euros) por dia, contados desde 28-01-2014 até 3-06-2015 (inclusive), revertendo a mesma, em partes iguais, para a Exequente e o Estado, conforme o estatuído no n.º 3 do artigo 829º-A do Código Civil”. (negrito nosso)
F) Em suma, a questão ora suscitada, foi já objeto de decisão em 1.ª e 2.ª instâncias e, por isso, encontra-se transitada em julgado, pelo que o presente recurso deve ser indeferido.
G) Porquanto, este Tribunal está impedido de conhecer a questão sob pena de haver quanto à mesma matéria duas decisões contraditórias.
H) Caso assim não se entenda, sempre seria de atender ao facto de que uma vez decretada a sanção pecuniária compulsória, a mesma não poderá ser alterada, modificada ou suprimida.
I) A alegação da Recorrente de que para o cálculo da sanção pecuniária compulsória apenas devem ser considerados os dias úteis nunca poderia colher, atendendo ao escopo da sanção pecuniária compulsória, que visa, como refere d próprio relatório do DL n.º 262/83, de 16 de junho, uma dupla finalidade de moralidade e de eficácia, pois com ela se reforça a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça, enquanto por outro lado se favorece a execução específica das obrigações de prestação de facto ou de abstenção infungíveis.
J) Sendo certo que tais finalidades só podem ser atingidas se a sancão for contada por dias de calendário, á que foi igualmente ininterrupto o período de tempo em que a Recorrente colocou em causa a autoridade dos Tribunais e o prestígio da Justiça.
K) Os arestos referidos pela Recorrente para sustentar a sua posição, para além de se encontrarem desatualizados, não se subsumem ao presente caso.
L) Ainda assim, nas posições mais recentes quanto a essa matéria, essa veneranda Relação tem vindo a afastar-se da posição referida pela Recorrente, pugnando pela aplicabilidade da sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso, entendendo que, não distinguindo a lei se se trata de dias úteis apenas ou de calendário, também não o deve o intérprete fazer.
M) O que está em causa nos presentes autos é a cessação de um comportamento de assédio moral discriminatório que se concretizaria pela devolução de funções retiradas mas também dos meios e ferramentas de trabalho, sendo, portanto, a questão de base diametralmente diferente da dos acórdãos mencionados pela Recorrente.
N) Aliás, ficou claro no Acórdão dado à execução que a aqui Recorrida se encontrava (e encontro) psicologicamente afetada e que, por conta do assédio, vivenciava sentimentos de medo e ansiedade.
O) Com o devido respeito, os sentimentos vivenciados pela Recorrida, e que a decisão dada à execução pretendia fazer cessar, não se interrompem aos sábados. domingos e feriados.
P) A decisão do apenso C (que serve de base ao cálculo da sanção pecuniária compulsória) não define qualquer limitação temporal, ou de outra natureza.
Q) A execução normal de um contrato de trabalho não se suspende ou interrompe nos dias não úteis – sábados, domingos, feriados – podendo até em tais dias ocorrer uma efectiva prestação de trabalho, quer porque a execução normal da prestação de trabalho assim determina, quer pela prestação, muitas vezes frequente, de trabalho suplementar.
R) Assim, o cálculo da sanção pecuniária compulsória em que foi condenada a Recorrente, no valor diário de € 100,00, no período compreendido entre 28/01/2014 e 3/6/2015, deve incluir a totalidade dos dias desse período, perfazendo o montante global de € 49.200,00 (quarenta e nove mil e duzentos euros), correspondente a 492 (quatrocentos e noventa e dois) dias.
Nestes termos e nos demais de direito, com o douto suprimento de V/Exas, deve ser proferido Acórdão que mantenha o entendimento expresso no despacho objecto de recurso, assim se fazendo a tão costumada Justiça
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Recebido o recurso, como apelação, a subir em separado, com efeito meramente devolutivo foi ordenada a subida dos autos a esta Relação. Sendo o valor fixado de € 9.400,00.
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Neste Tribunal o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, no sentido de, se for admitido, ser negado provimento ao recurso e confirmado o despacho recorrido.
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Cumpridos os vistos, há que apreciar e decidir.
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Previamente, importa dizer o seguinte.
Alega a recorrida no que a acompanha o Mº Pº que não é de admitir o presente recurso porque a questão objecto de recurso já se encontra decidida em duas instâncias.
Ora, sempre com o devido respeito, entendemos que quanto à questão concreta que foi decidida no despacho recorrido (esclarecendo que a interpretação possível a fazer do disposto no art. 829º-A, do CC é que os dias a considerar, no período em que é devida a sanção, são a totalidade dos dias e não, apenas, os dias úteis), não foi objecto de discussão anterior, apenas, agora, no despacho recorrido foi decidida.
Assim, não concordamos que se verifique a invocada causa de irrecorribilidade do recurso.
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Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigo 87º do CPT e artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, 639º, nºs 1 e 2 e 640º, do CPC (aprovado pela Lei nº 41/2013 de 26 de Junho) e importando conhecer de questões e não de razões ou fundamentos, a questão a apreciar consiste em saber, se o Tribunal “a quo” errou ao considerar que, para cálculo do montante da sanção pecuniária compulsória devida pela executada, os dias devem ser considerados na totalidade dos dias que medeiam o período em que é devida a sanção e não, apenas, os dias úteis, como defende a recorrente.
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II - FUNDAMENTAÇÃO:
Os factos que interessam à decisão são os constantes do relatório que antecede, nomeadamente, o teor da decisão recorrida.
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Vejamos.
A executada/embargante, agora, recorrente, conforme decorre das suas alegações e conclusões supra transcritas, vem insurgir-se contra a decisão recorrida que julgou improcedente a sua pretensão de ver, no cômputo total da sanção pecuniária compulsória em que foi condenada, apenas, considerados os dias úteis, descontando no seu cálculo os dias em que a exequente/recorrida não trabalhou (dias de férias, dias de descanso semanal e feriados).
Decidindo-se, naquela, que devem ser considerados a totalidade dos dias, em concreto, do período compreendido entre 28.01.2014 e 03.06.2015.
A recorrente, como dissemos, discorda que assim seja, com o argumento que aquela forma de contagem não corresponde aos fins da sanção pecuniária compulsória a que alude o art. 829º-A, do CC.
Mas, diga-se, desde já, não tem razão.
Explicando.
É óbvio que, sem qualquer argumento válido, invocando jurisprudência, em que as situações em causa, não são similares à presente, a recorrente faz a interpretação do art. 829º-A que lhe convém, mas que não tem qualquer arrimo no teor daquele dispositivo que, entendemos, não nos permite fazer qualquer distinção entre dias úteis e não úteis, menos ainda na interpretação pretendida pela recorrente de que devem ser excluídos os dias “em que a exequente/recorrida não trabalhou (dias de férias, dias de descanso semanal e feriados)”.
Para nós, apenas, a interpretação efectuada pela Mª Juíza “a quo” é a única possível, atento o que, não se discute, ficou a constar da decisão proferida nos embargos deduzidos pela, agora, recorrente (saneador-sentença) -, a qual foi confirmada por este Tribunal e Sessão da Relação do Porto, nos termos naquela referidos – que, os julgou totalmente improcedentes, e determinou:
Fixa-se em 10 dias, a partir da notificação da presente decisão, o prazo para a executada cumprir integralmente a decisão vertida no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto dada à execução.
Fixa-se em 100,00/dia a sanção pecuniária compulsória, que será apenas devida caso a executada, decorrido o aludido prazo de 10 dias, não cumprir integralmente a decisão proferida e dada à execução, e até integral e efetivo cumprimento, o que será depois verificado nos autos de execução” (sublinhado nosso).
Senão, vejamos.

Sobre a sanção pecuniária compulsória dispõe no nosso ordenamento jurídico no, já referido, art. 829º-A do CC, sob a epígrafe “Sanção pecuniária compulsória” na redacção que lhe foi dada pelo DL 262/83 de 16 de Junho, que:
“1- Nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso.
2- A sanção pecuniária compulsória prevista no número anterior será fixada segundo critérios de razoabilidade, sem prejuízo da indemnização a que houver lugar.
3- O montante da sanção pecuniária compulsória destina-se, em partes iguais, ao credor e ao Estado.
4- Quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se estes forem também devidos, ou à indemnização a que houver lugar.”
Este instituto, da sanção pecuniária compulsória, tem origem na jurisprudência francesa, pelo nome de “astreinte”, a qual impõe ao devedor a obrigação de pagar uma determinada soma por cada dia de atraso no cumprimento da prestação. Exigindo, não só a verificação da mora ou do atraso no cumprimento da obrigação mas, ainda, a existência de uma decisão judicial condenatória transitada em julgado.
Apresenta-se com uma finalidade iminentemente coercitiva, traduzindo-se numa ameaça para o devedor de uma sanção pecuniária, para o caso do mesmo não cumprir a obrigação que lhe é imposta. O seu fim não é indemnizatório, já que não está associado ao ressarcimento de prejuízos sofridos, antes se destina a forçar o cumprimento da prestação, conferindo uma maior eficácia à decisão.
Como se refere no (Ac. do TRL de 11.12.2019 in www.dgsi.pt –sítio da internet onde se encontrarão os demais acórdãos a seguir citados), “Não podemos deixar de levar em conta, tal como já se referiu, que o objectivo do legislador, com a previsão desta sanção automática, não é indemnizatório nem orientado para o ressarcimento de quaisquer prejuízos, mas sim coercitivo. A sanção pecuniária compulsória depende não só da ocorrência de mora no cumprimento da obrigação, mas da existência de uma decisão judicial condenatória transitada em julgado e visa reforçar o cumprimento desta, na medida em que torna mais oneroso para o devedor a prorrogação do seu cumprimento.”.
Segundo diz, (ANTÓNIO PINTO MONTEIRO, in Clausula Penal e Indemnização, Coimbra, 1990, pág. 109) a sanção pecuniária compulsória “é uma pena privada, ainda que proferida pelo tribunal, acessória, arbitrária e cominatória”.
Aquele diploma referido, o Decreto-lei nº 262/83, não deixa dúvidas quanto ao carácter coercitivo do instituto, em causa, pois a sua aplicação não prejudica o direito do credor a ver sua prestação cumprida, nem obsta a que este venha a cumular a sanção com uma indemnização pelos danos. No (Ac. do TRL de 26.04.2001), pode ler-se, “ (…) sempre seria de defender este entendimento porque tal sanção, sendo independente da existência do dano ou da extensão do dano resultante do não cumprimento, pontual da obrigação, não tem natureza indemnizatória. É que, enquanto a indemnização tem por objecto a reparação do prejuízo sofrido, não prevenindo nem fazendo cessar o ilícito, esta sanção destina-se a induzir o devedor a cumprir e a acatar a decisão judicial. Pelas mesmas razões nada impede a cumulação desta sanção com clausula penal ou com clausulas de responsabilidade civil”.
E, no mesmo sentido, refere-se no (Ac. do STJ de 09.10.2001) que, “Sendo o fim específico de tal previsão o de forçar o devedor a cumprir, vencendo a resistência da sua oposição ou do seu desleixo, indiferença ou negligência, constrangendo-o a obedecer a decisão condenatória, assim se gerando uma nova obrigação, todavia subsidiária, o seu campo de aplicação, cingido às obrigações de prestação de facto infungível, positiva ou negativa, se estende apenas, quanto a estas últimas, às de natureza duradoura (…)”.
Neste sentido, verifica-se que o escopo da sanção pecuniária compulsória é compelir o devedor a cumprir, no mais reduzido espaço temporal, porque só deste modo o credor conseguirá a satisfação plena do seu interesse.
Como afirma (Calvão da Silva in Cumprimento e sanção pecuniária compulsória, 1987, pág 407 e ss.) o “fim da sanção pecuniária compulsória não é o de indemnizar os danos sofridos pelo credor com a mora, mas o de forçar o devedor a cumprir, vencendo a resistência da sua oposição ou o seu desleixo, indiferença ou negligência”.
Sendo unânime o entendimento de que, a figura propõe-se tutelar essencialmente, duas vertentes, por um lado, apressar a satisfação do credor, pressionando o devedor a cumprir a obrigação que assumiu e por outro lado, visa preservar a autoridade das decisões dos tribunais.
A sanção pecuniária compulsória é, por definição, um meio indirecto de pressão decretado pelo juiz, destinado a induzir o devedor a cumprir a obrigação a que está adstrito e a obedecer à injunção judicial, a qual se analisa, como diz (Calvão da Silva, in RLJ Ano 134º, pág. 50 (em anotação ao Ac. STJ de 19/04/2001), “quanto à sua natureza jurídica, numa medida coercitiva, de carácter patrimonial, seguida de sanção pecuniária na hipótese de não ser eficaz na consecução das finalidades que prossegue”.
Com este meio, o julgador associa à condenação principal do devedor ao adimplemento do respectivo vínculo, máxime de prestação de facto positivo ou negativo, uma penalidade ou sanção pecuniária correspondente à duração do atraso no cumprimento ou por cada violação praticada pelo obrigado.
Como se lê no sumário do (Ac.TRC 08.11.2016), “I - A sanção pecuniária compulsória visa reforçar a soberania dos tribunais o respeito pelas decisões e o prestígio da justiça e, também, favorecer a execução específica das obrigações de prestação de facto ou de abstenção fungíveis.
II - Quando se trate de obrigações de pagamento a efectuar em dinheiro corrente, a sanção pecuniária compulsória, no pressuposto de que possa versar sobre quantia certa e determinada e, também, a partir de uma data exacta (a do trânsito em julgado), poderá funcionar automaticamente uma vez que o seu fim não é o de indemnizar o credor pelos danos sofridos com a mora, mas o de forçar o devedor a cumprir, reforçando-se, assim, o prestígio da justiça.”.
Afigura-se-nos, assim, que a resposta a dar à questão, em apreço, tem suporte na finalidade do instituto, em causa e explica bem a falta de razão da recorrente.
Obviamente, sendo uma sanção que visa pressionar o devedor a cumprir e satisfazer ao credor aquilo em que foi condenado em sentença visando, também, preservar a autoridade dos tribunais donde a condenação emanou, não faria sentido que houvesse qualquer suspensão, nomeadamente, como defende no caso a recorrente, entre dias ou não trabalhados pela, no caso, trabalhadora, como diz dias úteis ou não úteis.
O efeito visado só será conseguido caso, o mesmo, vigore ininterruptamente desde o dia em que o devedor entre em incumprimento até que satisfaça a obrigação em que foi condenado. Correspondendo, a sanção pecuniária à duração do atraso no cumprimento porque, como já se disse, se propõe por um lado, apressar a satisfação do credor, pressionando o devedor a cumprir a obrigação que assumiu e, por outro lado, visa preservar a autoridade das decisões dos tribunais, não seria lógico nem coerente numa leitura de sistema que a finalidade publicista da figura, ou seja, que a salvaguarda da autoridade das decisões judiciais, apenas, fosse devida nos dias úteis de calendário, ou em casos, como o presente, em que a credora estivesse a trabalhar. Aliás, não é despiciendo lembrar que o Estado, também, é beneficiário daquela em partes iguais.
Assim, destinando-se esta sanção a induzir o devedor a cumprir e a acatar a decisão judicial, não faria qualquer sentido que a mesma só fosse devida nos dias úteis, enquanto não é cumprida. A sua duração só pode ser contada pela totalidade dos dias em que não é cumprida. Não se vê, como é que a vontade do legislador em que fosse apressado o cumprimento da prestação mas, também, a preservação da autoridade dos tribunais, ficasse salvaguardado, se dependesse do outro credor, como pretende fazer crer a recorrente, trabalhe ou não.
Em suma, sendo o devedor condenado à obrigação de pagar uma determinada soma por cada dia de atraso no cumprimento da prestação até integral e efectivo cumprimento, deverá o mesmo suportar o pagamento dessa quantia pela totalidade dos dias decorridos até a cumprir aquela.
E é este entendimento que é compatível com o que decorre daquele art. 829º-A, do CC, em particular da expressão, “por cada dia de atraso”. Assim, como bem o considerou a Mª Juíza “a quo”, consideramos nós que a condenação da recorrente “no valor diário de € 100,00 por dia, no período compreendido entre 28-01-2014 e 3-06-2015, deve incluir a totalidade dos dias desse período”. Ou seja, aquela só pode ser interpretada como reportando-se à totalidade dos dias.
Neste sentido, veja-se o citado (Ac. desta Relação de 07.02.2011, in www.dgsi.pt), onde em relação a situação similar se conclui, que; “..., não distinguindo a lei se se trata de dias úteis apenas ou de calendário, também não o deve o intérprete fazer, pois o empregador pode chamar o trabalhador a reintegrar, em qualquer dia e por qualquer meio de comunicação, ...”.
Em face do exposto, entendemos que a decisão recorrida não merece censura porquanto, não procedeu à errada interpretação de qualquer dispositivo nem, em concreto do art. 829-A do CCivil.
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Improcedem, assim, todas ou são irrelevantes as conclusões da apelação.
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III- DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se nesta secção em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
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Custas pela recorrente.
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Porto, 14 de Julho de 2021
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O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos,
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
António Luís Carvalhão