Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | ANA PAULA AMORIM | ||
Descritores: | DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO ANULAÇÃO JUIZ TITULAR DO PROCESSO TRANSFERÊNCIA DO JUIZ | ||
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Nº do Documento: | RP201309301335/06.4TBVLG-A.P1 | ||
Data do Acordão: | 09/30/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Indicações Eventuais: | 5ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
Legislação Nacional: | ARTº 712º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL | ||
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Sumário: | I - Anulada a decisão da matéria de facto, com fundamento em deficiência e para ampliação da matéria de facto, deve o Julgamento ser realizado pelo juiz titular do processo, no momento da sua realização, por se tratar de um novo julgamento. II - Verificando-se que o juiz que realizou o primeiro julgamento foi transferido, cumpre ao juiz que lhe sucedeu, realizar a nova audiência de julgamento. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | ConfNegComp-1335-06.4TBVLG-A.P1-895/13TRP Trib Jud Valongo – 1º Juízo Proc. 1335-06.4TBVLG Proc. 895/13-TRP Recorrente: Ministério Público - Juiz Desembargador Relator: Ana Paula Amorim Juízes Desembargadores Adjuntos: Soares Oliveira Ana Paula Carvalho * Acordam neste Tribunal da Relação do Porto (5ª secção – 3ª Cível)* * * * I. Relatório No âmbito do Proc. 1335/06.4TBVLG, 1º Juízo do Tribunal Judicial de Valongo em 05.07.2012 foi proferido o douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto, com a decisão que se transcreve: “Pelo exposto, Julga-se Procedente a Apelação, e, em consequência, declara-se nula a decisão recorrida, por omissão de pronúncia sobre o Pedido Reconvencional. Por deficiência da matéria de facto, ordena-se a remessa dos autos à 1ª Instância, para suprir aquela deficiência, bem como para ampliação da matéria de facto (nos termos acima apontados). Custas pela parte vencida a final”. - Remetidos os autos ao Tribunal Judicial de Valongo foi o processo apresentado com conclusão ao magistrado judicial, a exercer funções no 1º Juízo.- Em 09.01.2013 a Exmª Senhora Juiz Drª B…, a exercer funções como juiz titular no 1º Juízo do Tribunal Judicial de Valongo proferiu o despacho que se transcreve:“Compulsado o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, verifico que, além de ser ter ordenado o aditamento de novos quesitos, foi ordenada a pronúncia sobre a resposta a um quesito da base instrutória que não sofreu resposta após o julgamento ter sido realizado (quesito 31°). Vale tudo por dizer que além de se tratar da repetição de um julgamento quanto a novos quesitos cujo aditamento foi ordenado por aquele Acórdão da Relação do Porto, ainda haverá que dar resposta a um quesito que foi objecto de julgamento pelo juiz que presidiu à audiência de julgamento realizada nos presentes autos, pelo que apenas faz sentido ser o mesmo julgador a continuar o julgamento. Com efeito, e se apenas tivesse em causa o julgamento reportado aos quesitos aditados não se vislumbrava qualquer impedimento para ser outro o juiz do julgamento e prolação da nova sentença. Agora como no caso sub judicio, nos termos do Acordão da Relação do Porto, terá de se responder a um quesito (quesito 31º) que não obteve resposta pese embora tenha sido alvo de julgamento, então entendemos que o julgamento terá se ser feito na sua plenitude e nesta fase processual pelo mesmo julgador, seja o julgamento de facto seja o julgamento de direito (aliás tal como decorre da reforma do novo Código processo Civil, e cujo entendimento há muito partilhamos pese embora a lei actual ainda admita legalmente que seja cindido o julgamento de facto e de direito (sentença) e por julgadores diferentes!). Pelo exposto, remeta os presentes autos à Mmª. Srª. Juiz que realizou o julgamento, Ex. Srª Juiz Dra. C…, por ser a competente na presente fase processual (cfr. Art. 654°,n°l e 3 do CPC)”. - Em 14.01.2013 o Escrivão de Direito abriu nova conclusão, com a informação que se transcreve:“CONCLUSÃO - 14-01-2013 - informando respeitosamente V.ªExa que, ao pretender dar cumprimento ao ordenado no despacho que antecede, contactei telefonicamente o Tribunal da Relação do Porto - secção administrativa, a fim de localizar a Mmª Juiz Dra C…, tendo obtido informação de que a mesma está afeta à Bolsa dc Juizes do Porto, mas, como atualmente se encontra no gozo de licença de maternidade, não lhe foi ainda atribuída qualquer comarca, o que só acontecerá quando a Mma Juiz regressar ao serviço. Mais fui informada que a referida licença termina a 20-fevereiro-2013, mas a 21-fevereiro- 2013 a Mm° Juiz entrará em gozo de férias até 27-março-2013. Para o que V.Exª tiver por conveniente”. - A Exmª Senhora Juiz Drª B… proferiu o seguinte despacho:“Com cópia do anterior despacho e desta cota, dê conhecimento às partes do estado dos presentes autos. Ainda, nos termos do art. 3° n°3 do CPC, em 10 dias, ouçam-se as partes acerca de eventual repetição de todo o julgamento nos termos do disposto no art. 654° do CPC, atentas as vicissitudes plasmadas na cota supra”. - Os mandatários das partes pronunciaram-se no sentido de pretenderem que a continuação do julgamento seja realizada pela Senhora Juiz Dr. C….- Em 17.04.2013 o processo foi apresentado com conclusão à Exmª Sr.ª Dr C…, que na mesma data proferiu o despacho que se transcreve:“A signatária presidiu ao julgamento dos autos lendo lavrado subsequente sentença que foi objecto de recurso para o Venerando Tribunal da Relação do Porto que proferiu acórdão a anular parcialmente o julgamento, determinando o aditamento de novos pontos à base instrutória que se julgaram imprescindíveis para o conhecimento de mérito dum pedido reconvencional, e tendo ainda neste Acórdão sido constatada a omissão de resposta ao ponto 31º da base instrutória, o que se impõe sanar a seu tempo. Na sequência, baixaram os autos e foi proferido despacho a aditar os novos pontos da matéria de facto, e corrida a demais tramitação legal, veio a fis 397 a ser ordenada a remessa destes autos à signatária pois, no entendimento que lhe subjaz “ caberá ao juiz que presidiu ao julgamento presidir à “nova audiência” uma vez que «apenas faz sentido ser o mesmo julgador a continuar o julgamento» já que este implica responder àquele ponto 31º da matéria de facto. Ora, a nossa lei processual consagra o princípio da plenitude da assistência dos juizes no julgamento o qual é corolário dos princípios da oralidade e da livre apreciação da prova (artigos 652°, 655º e 654 n°2 e 3 todos do Código de Processo Civil). Entende a lei do processo civil que para a formação da livre convicção do julgador este terá de ser o mesmo ao longo de todos os actos de instrução e discussão da causa realizados em audiência. Todavia como acentua o Prof. Lebre de Freitas CPC anot, vol 2, 2ª ed., Coimbra Ed°, pg 667 «O principio da plenitude da assistência dos juízes circunscreve-se no âmbito dos actos de audiência final deixando de jogar relativamente à elaboração da sentença e à rectificação de um erro material ou ao suprimento de uma nulidade, os quais, no caso, designadamente, de transferência do juiz que haja presidido à audiência cabem ao juiz que o substituir» (Ao do STJ de 10.11.92, Eduardo Martins BMJ 421 pg 343 e do TRP de 15.10.04 Saleiro de Abreu www dgsi.pt. proc 0432913, respectivamente)». «O principio tão pouco se aplica quando, total ou parcia1ment anulado; o julgamento efectuado, a audiência final tenha de ser repetida nos termos do ai 2íi° 4 (Rodrigues Bastos, Notas cit 111 p 174 ac do STJ de 16.3.99, Aragão Seia CJ/STJ 1999 1 pg 170), mesmo que o Tribunal da Relação tenha decidido que a repetição tenha de ser feita com os mesmos juízes (ac do TRP Azevedo Ramos www dgsi.ptproc 0050884). IBIDEM Do mesmo modo decidiram os ac. nota 7.1 ao art° 654° do CPC anot. Ab Neto 20° cd- pg 863da RC de 10.10.91 BTE 2 série n° 7-8-9-92 pg 1473 «havendo sido anulado o julgamento e ordenado novo julgamento para ampliação da matéria de facto o juiz que proferiu a decisão do julgamento anulado, uma vez transferido, deixou de ter competência para o novo julgamento o qual competirá ao juiz que veio ocupar o seu lugar no tribunal em que o julgamento anulado se efectuou»; ac do STJ de l sec de 15.12.998 em nota n° 13 ao art° 654, do cit cpc do Ab Neto, idem nota 15 ac da RE de 29.4.999, BMJ 486-377, nota 20 ao do TRL de 25.5.2000 BMJ 497-43 7. É pois jurisprudência assente e uniforme nos tribunais superiores bem assim como unânime a doutrina no sentido que a anulação seja ela total ou seja apenas parcial, do julgamento da matéria de facto, ordenada pelo Tribunal da Relação, ao abrigo do disposto no n°4 do art. 712º/ 4 do CPC, implica sempre a realização de um julgamento autónomo e distinto do anterior um novo julgamento — ao qual é inaplicável a regra do n° 3 deste art° 654º, que só abrange na sua formação, a continuação do mesmo julgamento, ou seja de um julgamento que ainda não foi concluído» Abilio Neto ob cit not 2. Mais ainda, se se trata de nulidade (omissão de resposta) que como consta do próprio Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, só não foi suprida naquele Venerando Tribunal por uma questão de ordem prática. No mesmo Acórdão a fls 375 destes autos pode ler-se: «(...) Tal situação imporia a este Tribunal o suprimento de tal deficiência já que estamos em condições de o poder fazer, urna vez que constam dos autos todos os elementos probatórios que permitem a reapreciação da matéria de facto (a prova testemunhal encontra-se gravada existindo nos autos toda a prova documental junta). Entendemos contudo não o dever fazer por uma questão de ordem prática. Os autos vão ter de baixar à primeira instância para ampliação da matéria de facto, relativamente ao 3° pedido reconvencional (...)». Ora, a signatária conforme deliberação CSM de encontra-se em exercício de funções nas \ Varas Criminais da Comarca do Porto. É como tal manifesto em face de todo o exposto, (lei, doutrina, jurisprudência uniforme e próprio teor do Acórdão) que não tem a signatária competência para praticar actos processuais no processo ora concluso, o que como tal decide. d.n.” - Apresentado o processo com conclusão de em 20.05.2013 à Exmª Senhora Juiz Drª B… foi proferido o seguinte despacho:“1.Nos presentes autos foi presidido o julgamento pela Ma Sra Juiz C… e dada a resposta à matéria de facto e realizada a sentença pela mesma juiz presidente. Entretanto, foi interposto recurso da sentença e proferida decisão pelo Tribunal da Relação do Porto. Nos termos do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, além de ser ter ordenado o aditamento de novos quesitos, foi ordenada a pronúncia sobre a resposta a um quesito da base instrutória que não sofreu resposta após o julgamento ter sido realizado (quesito 31 o) Na sequência do que ditava o douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, foi proferido despacho conforme fls.397 por se considerar competente para a resposta ao quesito em falta e por uma questão de economia processual todo o restante julgamento (aditamento aos quesitos) a M S? juiz que havia presidido ao julgamento (e cuja resposta continua em falta). Atenta a cota de fls. 399 e porque a Mmª Srª Juiz que presidiu ao julgamento encontrava-se de licença de maternidade, foi ordenada a notificação de ambas as partes para serem ouvidas para, querendo, repetir-se todo o julgamento pela signatária, nos termos do art. 654° do CPC e atentas todas as vicissitudes supra referidas e de modo a colmatar todas as falhas processuais ocorridas. Conforme consta de fls. 401 a 404 as partes pronunciaram-se no sentido de que pretendiam que o julgamento tivesse lugar com a mesma sr° Juiz que tinha presidido inicialmente, tudo por uma questão de economia processual. Em face da vontade das partes, foi proferido despacho de fis.406 a ordenar a remessa dos presentes autos para a Sra juiz que presidiu ao julgamento, aguardando-se o regresso da maternidade. A fis. 407 a 409 foi proferido despacho pela mesma, nos termos do qual declara-se incompetente para praticar actos nos presentes autos. Ainda foi dado conhecimento às partes deste despacho e nada foi dito. 2. Cumpre apreciar e decidir. Pese embora se tenha tentado nos presentes autos seguir uma lógica no sentido de se evitar a prática de actos inúteis e dentro de um princípio de economia processual tanto junto da M Sra Juiz que presidiu ao julgamento como junto das partes, dispondo-se a signatária a realizar todo o julgamento de novo, já que faltava a resposta a um quesito que tinha sido alvo de julgamento (tinha de se repetir todo o julgamento), a verdade é que não se logrou conseguir tal objectivo. Bem pelo contrário. E novamente dir-se-á que atento o teor do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, se bem que a signatária teria sempre competência para o julgamento quanto a novos quesitos cujo aditamento foi ordenado por aquele Acórdão da Relação do Porto, a verdade é que ainda haverá que dar resposta a um quesito que foi objecto de julgamento pelo juiz que presidiu à audiência de julgamento realizada nos presentes autos. Aliás tal foi ordenado pelo Tribunal da Relação do Porto, pelo que não se poderá sustentar, como se julga que assim se sustenta no despacho de fls. 408 e 409, que o juiz que presidiu ao julgamento não tem de se pronunciar apenas e tão só porque o Tribunal da Relação, naquele mesmo acórdão, afirmou que tinha poderes para conhecer daquela falta de resposta ao quesito (apenas não o fazendo uma vez que os autos iriam baixar ao tribunal de já instância para pronúncia sobre os novos quesitos). Com efeito, e se apenas tivesse em causa o julgamento reportado aos quesitos aditados não se vislumbrava qualquer impedimento para ser outro o juiz do julgamento e prolação da nova sentença. Agora como no caso sub judicio, nos termos do Acórdão da Relação do Porto, terá de se responder a um quesito (quesito 31°) que não obteve resposta pese embora tenha sido alvo de julgamento, então entendemos que o julgamento pelo menos desse quesito e sua resposta terá se ser feito pelo mesmo julgador que presidiu ao julgamento. Sem embargo, e dentro dos princípios que enformam o nosso processo civil ( e que com a nova reforma tal se salientou) de economia processual, entendemos que a plenitude do julgamento deverá ter lugar pelo mesmo julgador, uma vez que se irá abrir a audiência de julgamento. Caso assim não se entenda pelo menos em relação à resposta do quesito em falta, terão os autos de ser remetidos àquela Mmª Juiz presidente para o efeito. Ainda entendemos (porque assim o fazemos e praticamos) seja o julgamento de facto seja o julgamento de direito (aliás tal como decorre da reforma do novo Código processo Civil, e cujo entendimento há muito partilhamos pese embora a lei actual ainda admita legalmente que seja cindido o julgamento de facto e de direito e por julgadores diferentes!) deverá ser feito pelo mesmo julgador. Contudo é uma prática que estamos cientes nem todos adoptam e que a lei actual ainda permite que assim não seja. Pelo exposto, a competência originária para o julgamento dos presentes autos no que concerne, pelo menos, à resposta ao quesito 31° é da Mmª Srª Juiz que presidiu ao julgamento, pelo que declaro-me incompetente para o efeito e demais actos, e determino a remessa dos mesmos àquela Mmª Srª Juiz, por ser a competente para colmatar a falha processual, aliás conforme ordenado pelo Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, tudo após trânsito”. - O Exmº Senhor Procurador-Adjunto junto do Tribunal de Valongo veio ao abrigo do art. 117º/1 CPC, na redacção do DL 303/2007 de 24/08, suscitar o incidente de conflito negativo de competência para proceder ao julgamento da matéria de facto.- Os magistrados não se pronunciaram, ao abrigo do art. 117º-A CPC.- No Tribunal da Relação do Porto o presente processo foi com vista ao Ministério Público.- Dispensaram-se os vistos legais.- Cumpre apreciar e decidir.- II. Fundamentação1. Delimitação do objecto do conflito No presente conflito negativo de competência está em causa um conflito atípico entre dois magistrados – juiz titular do processo e juiz que realizou o julgamento, entretanto transferido e colocado em exercício de funções nas Varas Criminais da Comarca do Porto -, no qual ambos se atribuem reciprocamente a competência, negando a própria, para responder a um ponto da base instrutória – o ponto 31 –, que se omitiu no julgamento inicial e a ampliação da matéria de facto, que importa decidir com vista a definir qual dos dois juízes é competente para proferir a resposta e proceder ao novo julgamento. - 2. Os factosCom relevância para a apreciação do conflito cumpre ter presente os elementos que constam dos autos e transcritos no relatório. - 3. O direitoA decisão do presente conflito, que opõe as duas magistradas, passa pela análise dos fundamentos do douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto, que determinou a anulação do julgamento, para se determinar se no caso concreto, se aplica o regime previsto no art. 654º/1/3 CPC. A respeito da omissão de pronúncia, quanto ao ponto 31º da base instrutória, escreveu-se no douto aresto: “No que respeita ao 2° pedido, relacionado com o alegado enriquecimento sem causa da A., tal facto foi levado à Base Instrutória, no art° 31º, ao qual o tribunal não deu qualquer resposta (cfr. despacho de fis. 296). Há aqui, de facto, urna omissão de pronúncia do tribunal, no que respeita a matéria de facto (por falta de resposta do tribunal a um dos art°s da Base Instrutória), que carece de ser suprida, se possível, por este tribunal (art° 712° n° 4 do CPC). O art° 712° do C.P.C. prevê as hipóteses em que o Tribunal da Relação pode alterar a matéria de facto decidida pelo tribunal da ia instância. Independentemente de constarem ou não do processo todos os elementos de prova (é este o sentido do art° 712° n°4), são concedidos à Relação poderes oficiosos, sempre que na decisão da primeira instância ocorre algum dos vícios elencados (Brites Lameiras, Notas Práticas ao regime dos Recursos em Processo Civil, 2a edição, Almedina, pag. 226). O procedimento há-de ser, então, o de reapreciar a decisão de facto, se constarem todos aqueles elementos probatórios; ou o de anular a decisão da primeira instância, se eles não constarem. Com efeito, nos termos do n°4 do preceito citado “Se não constarem do processo todos os elementos probatórios que, nos termos da alínea a) do n° 1, permitam a reapreciação da matéria de facto, pode a relação anular, mesmo oficiosamente, a decisão proferida na 1a instância, quando repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados sobre a matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta; a repetição do julgamento não abrange a parte da decisão que não esteja viciada, podendo, no entanto, o tribunal ampliar o julgamento de modo a apreciar outros pontos da matéria de facto, com o fim exclusivo de evitar contradição na decisão”. Resulta, assim do preceito legal citado que ocorrendo algum dos vícios ali mencionados, no que se refere à decisão sobre a matéria de facto cabe ao tribunal da Relação alterar a mesma matéria de facto, socorrendo-se dos elementos probatórios que, nos termos da alínea a) do n° 1 constem do processo e que são: todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa, ou da gravação dos depoimentos prestados. Ou seja, é hoje prática corrente e aceite que a regra é a da não anulação da decisão, devendo o tribunal da Relação sanar esses vícios, mesmo oficiosamente, socorrendo-se dos elementos de prova que existam nos autos. Só no caso de não constarem do processo esses elementos deve ser anulada a decisão, e remetidos os autos à 1a instância para ser repetido o julgamento, embora apenas limitado aos factos contraditórios (a negrito nosso). Em primeiro lugar, começam por se tratar ai dos mesmos vícios que, de acordo com o art° 653° n° 4, puderam justificar em primeira instância a reclamação das partes contra a decisão da matéria de facto, isto é, deficiência (que se verifica quando não foi dada resposta a todos os pontos de facto controvertidos ou à totalidade de um facto controvertido), obscuridade (quando há respostas ambíguas ou pouco claras, permitindo várias interpretações), contradição (quando colidem entre si as respostas dadas a certos pontos de facto ou colidem com os factos dados como assentes, sendo entre si incompatíveis). Em segundo lugar, ainda quando considere indispensável a ampliação da matéria de facto, situação que pôde, também, justificar reclamação em ia instância (art° 51 1°, n°2) e que se relaciona com a preterição do critério fundamental, contido no art° 511° n°1. Em qualquer destas hipóteses, e não obstante a falta oportuna de reclamação, nem por isso os ocasionais vícios ficam sanados, podendo vir a ser apreciados posteriormente pela Relação, até oficiosamente, no eventual recurso que venha a ser interposto. No Ac. do Tribunal Constitucional n° 346/2009, de 8 de Julho (in DR, 2 série, de 18 de Agosto de 2009, decidiu-se também que (,..) ‘Por virtude do alargamento do conjunto de elementos probatórios à disposição da Relação e da ampliação dos seus poderes cognitivos, após a revisão processual operada em 1995/1996, se criaram as condições para tornar excepcional a anulação da decisão proferida em primeira instância”. “(...) No quadro normativo do art° 712° no 4, e por referência ao n°1, ai. a), do mesmo art°, O TC dá assim cobertura a uma interpretação segundo a qual constarem do processo todos os elementos probatórios, pode bastar-se com a gravação áudio dos depoimentos testemunhais prestados. Em face de deficiência, obscuridade ou contradição, que repute existir no julgamento da matéria de facto, o tribunal de recurso, se dispuser da gravação que foi base da decisão, na alternativa de anular o julgamento de facto ou eliminar o vício, mesmo oficiosamente, para tanto, aqui fazendo incidir o seu juízo de livre convicção sobre os depoimentos que naquela forma lhe chegam, deve preferir esta segunda opção. Esta preferência, ao invés da pronúncia meramente cassatória, mesmo que essa revisão do julgamento de facto não tenha sido pedida - conclui o TC -, justifica-se pelo interesse constitucionalmente relevante de obtenção da justiça em prazo razoável”. Reportando-nos ao caso dos autos e fazendo agora uso dos ensinamentos mencionados, ternos a dizer o seguinte: O art° 31° da Base Instrutória, alegado pelos R.R. reconvintes, tem a seguinte redacção: “A A. recebeu dos pais dos R.R. a quantia de €287.941,06?” Como se disse, o tribunal da l Instância não respondeu a este art°, sendo, por isso, tal decisão (da matéria de facto) deficiente. Tal situação imporia a este tribunal o suprimento de tal deficiência, já que estamos em condições de o poder fazer, uma vez que constam dos autos todos os elementos probatórios que permitem a reapreciação da matéria de facto (a prova testemunhal encontra-se gravada, existindo nos autos toda a prova documental junta). Entendemos, contudo, não o dever fazer, por uma questão de ordem prática. Os autos vão ter de baixar à 1ª Instância para ampliação da matéria de facto, relativamente ao 3º pedido reconvencional formulado. Ora, se há necessidade de ordenar a baixa dos autos para ampliação da matéria de facto, não se vê utilidade de ser este tribunal a suprir a deficiência verificada ficando prejudicada a razão apontada pelo Tribunal Constitucional para o conhecimento do vicio, por este tribunal, a defesa do “interesse constitucionalmente relevante de obtenção da justiça em prazo razoável”. Resulta da fundamentação do douto acórdão, que o Tribunal da Relação enquadrou o vicio apontado – omissão de resposta ao ponto 31º da base instrutória -, na previsão do art. 712º/4 CPC, como decisão deficiente da matéria de facto. Determina o art. 712º/4 CPC que: “se não constarem do processo todos os elementos probatórios que, nos termos da alínea a) do nº1, permitam a reapreciação da matéria de facto, pode a Relação anular (itálico nosso), mesmo oficiosamente, a decisão proferida na 1ª instância, quando repute deficiente (…) a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto (…)”. A resposta deficiente a um ponto da matéria de facto determina a anulação da decisão e este foi o sentido da decisão, no douto acórdão do tribunal da Relação do Porto, porque é com fundamento no art. 712º/4 CPC, que se determina que o tribunal de 1ª instância responda a tal matéria. Na fundamentação da decisão, justifica-se e indica-se o motivo pelo qual o tribunal “ad quem”, podendo fazê-lo, não respondeu ao ponto 31 da base instrutória, mas daí não se pode extrair qualquer consequência a respeito da questão de saber quem é o juiz competente para decidir este ponto da matéria de facto. Acresce que os argumentos válidos para o Tribunal “ad quem”, sobre a possibilidade de decidir a matéria de facto, com base nos depoimentos gravados, já não o serão para o tribunal de 1ª instância, como se observou no Ac. Rel. Porto 30.03.2009[1]. Por outro lado, no dispositivo do acórdão, renova-se a decisão de anular a decisão da matéria de facto, a respeito dos concretos pontos, quando se escreve: “[p]or deficiência da matéria de facto, ordena-se a remessa dos autos à 1ª instância para suprir aquela deficiência, bem como, para ampliação da matéria de facto ( nos termos acima apontados )”. No douto acórdão da Relação do Porto não se atribui competência ao juiz que realizou o primeiro julgamento para proceder à realização do segundo julgamento. Conclui-se, assim, que o douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto anulou a decisão sobre a matéria de facto, por deficiência e para ampliação da matéria de facto, ao abrigo do art. 712º/4 CPC. A anulação da decisão da matéria de facto importa a realização de um novo julgamento e por isso, não tem aplicação o principio da plenitude da assistência dos juízes, previsto no art. 654º/1 e 3 CPC. Com efeito, prevê o art. 654º/3 CPC, que: “O juiz que for transferido, promovido ou aposentado concluirá o julgamento, excepto se a aposentação tiver por fundamento a incapacidade física, moral ou profissional para o exercício do cargo ou se, em qualquer dos casos, também for preferível a repetição dos actos já praticados, observado o disposto no número anterior”. O princípio da plenitude da assistência dos juízes previsto no art. 654º CPC, determina que só podem intervir na decisão da matéria de facto os juízes que tenham assistido a todos os actos de instrução e discussão praticados na audiência final. O princípio constitui um corolário dos princípios da oralidade e da livre apreciação da prova. Como refere Lebre de Freitas: “para a formação da livre convicção do julgador este terá de ser o mesmo ao longo de todos os actos de instrução e discussão da causa realizados em audiência”[2]. Contudo, o princípio da plenitude da assistência dos juízes, estabelecido no mencionado art. 654º, deve ser interpretado de forma restritiva, respeitando apenas às situações em que o julgamento ainda se encontra em curso e sem audiência final[3]. Daqui decorre que o princípio não tem aplicação quando total ou parcialmente anulado o julgamento efectuado, a audiência tenha de ser repetida, nos termos do art. 712º/4 CPC. Como se observa no Ac. STJ de 16.03.1999: “(…) o nº3 do art. 654º/3 CPC apenas respeita a ocorrências durante a audiência que tenham a ver com a transferência, promoção ou aposentação de juiz que terá de concluir o julgamento, não contemplando a hipótese da verificação destas situações entre o fim de um julgamento e a sua posterior repetição total ou mesmo parcial”[4]. No mesmo sentido pronunciou-se o Ac. Rel. Porto de 03.07.2000, quando refere: “[o] que significa que na hipótese do art. 654º há um único julgamento, enquanto no caso da anulação parcial do julgamento, para ampliação da matéria de facto, há dois julgamentos: um, o inicial, e outro, o decorrente da formulação de quesitos novos. O art. 654º, nº3 apenas respeita a ocorrências verificadas durante o decurso da audiência, não contemplando as hipóteses de verificação dessas situações entre o encerramento do julgamento e a sua posterior repetição, total ou mesmo parcial”[5]. Resulta do exposto, que determinada a anulação do julgamento, procede-se à realização de um novo julgamento, no qual vão ser consideradas, de novo, as provas ali produzidas. Não se trata de uma continuação do julgamento. Daí que possa e deva ser presidido pelo juiz titular do processo, na data da realização. Estas considerações mantêm-se válidas, à luz do regime previsto nos art. 662º/3 b) e art. 605º/3 do CPC, na redacção da Lei 41/2013 de 26/06. No caso concreto, isso significa, que anulada a decisão da matéria de facto, com fundamento em deficiência, porque não se respondeu ao ponto 31 da base instrutória e para ampliação da matéria de facto, nos termos do art. 712º/4 CPC, deve o julgamento ser realizado pelo juiz titular do processo, no momento da sua realização, por se tratar de um novo julgamento. Desta forma, verificando-se que o juiz que realizou o primeiro julgamento foi transferido, cumpre ao juiz que o sucedeu, titular do respectivo juízo onde se encontra pendente o processo, realizar a nova audiência de julgamento. Deste modo, o presente conflito deve ser decidido atribuindo a competência em causa ao Juiz titular do processo, no momento da realização do julgamento. - III. Decisão:Nesta conformidade, decidindo o conflito negativo em causa, acordam os juízes em atribuir a competência ao juiz titular do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Valongo, para proceder ao novo julgamento, circunscrito ao âmbito da anulação, suprindo a deficiência da matéria de facto, com resposta ao ponto 31 da base instrutória e a ampliação da matéria de facto, com apreciação dos novos factos. - Sem custas.- Notifique, com observância do disposto no art. 118º/3 CPC.* Porto, 30-09-2013* * * (processei e revi – art. 138º/5 CPC) Ana Paula Amorim Soares de Oliveira Ana Paula Carvalho ____________ [1] “[o] Sr.Juiz que proferiu a nova decisão de facto, acabou por proceder como se estivesse num tribunal de recurso: apreciou grande parte da prova produzida com base em depoimentos gravados. Tal, todavia, parece não ser consentido em 1ª instância. A gravação da prova foi introduzida pelo DL nº39/95, de 15/2. Diploma cujo preâmbulo enuncia os três objectivos que com o mesmo se pretendem alcançar: criação de um verdadeiro e efectivo 2º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto; maior responsabilização das pessoas pelos depoimentos prestados em tribunal; e auxiliar o próprio julgador de 1ª instância a rever e confirmar, no momento da decisão, os elementos que colheu ao longo do julgamento. Pelo que, o tribunal, ao proferir a decisão de facto em 1ª instância, nunca pode prescindir dos princípios da oralidade e imediação: ou seja, a produção dos meios de prova deve ter lugar oralmente, perante o julgador; e este deve ter o contacto mais directo possível com as pessoas e coisas que servem de fontes de prova. E quando, tendo a prova sido produzida com a observância daqueles princípios, ainda assim, o julgador sinta necessidade de rever e confirmar certos elementos, então tem ao seu dispor a gravação da prova. Só nesta situação, e para este efeito, é que o juiz de 1ª instância pode socorrer-se da prova gravada. Não pode, assim, proferir a decisão de facto em 1ª instância com recurso à gravação da prova, prescindindo, quer do contacto directo com os meios de prova, quer, quando se trate de meios de prova pessoal, da sua prestação oral perante si. Impugnando-se, por via de recurso, a decisão de facto, então sim, salvo os casos de renovação da prova – art.712º, nº4, do CPC - esta é reapreciada, agora, com base na gravação efectuada dos depoimentos prestados. Precisamente, um dos objectivos pretendidos com a gravação da prova, acima enunciado, “…facultando às partes na causa uma maior e mais real possibilidade de reacção contra eventuais – e seguramente excepcionais – erros do julgador na livre apreciação das provas e na fixação da matéria de facto relevante para a solução jurídica do pleito” – preâmbulo do DL nº39/95 de 15/2. E quantas vezes este tribunal, ao reapreciar a prova, fica com dúvidas sobre o acerto da decisão de facto proferida, mantendo-a, apesar disso, por não se encontrar no mesmo plano do julgador de 1ª instância! A reapreciação da prova, em 2ª instância, mediante a documentação da mesma realizada na 1ª instância, é, assim, um mais na decisão de facto: para além da intervenção da 1ª instância, sempre com a amplitude que aí é possível, também pode intervir a 2ª instância, embora de forma mais limitada. Mas, a aceitar-se o procedimento seguido pelo tribunal recorrido, aconteceria precisamente o inverso: prescindir-se-ia da amplitude do julgamento em 1ª instância para, ambos – tribunal recorrido e tribunal de recurso – apreciarem a prova de forma limitada, com recurso à documentação da prova. Precisamente o contrário do pretendido pelo legislador. Ora, atenta a relevância da decisão de facto, nunca se poderá prescindir do julgamento em 1ª instância, realizado com toda a amplitude que só aí é possível. Em suma - e sem pôr em causa o decidido no acórdão de fls 1137 a 1156 - tendo a nova decisão de facto sido proferida por juiz distinto do que proferiu a anterior, havia que reinquirir, para além da testemunha E………., também as restantes. No fundo, havia que repetir, na íntegra, o julgamento. Só assim se estando devidamente habilitado a proferir nova decisão de facto em 1ª instância” - Proc. 15/2000.P1 – publicado no endereço electrónico www.dgsi.pt. [2] JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A. MONTALVÃO MACHADO E RUI PINTO Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 2ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, pag. 666. [3] JOSÉ ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, Vol. IV, Reimpressão, Coimbra, Coimbra Editora, Lim, 1987, pág. 565. [4] CJ STJ - VII, I, 170. [5] Processo 0050884 e Número Convencional JTRP00029037 – no endereço electrónico www.dgsi.pt |