Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2673/15.0T8MAI.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RUI PENHA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
DESPEDIMENTO
JUSTA CAUSA
DEVER DE URBANIDADE
DEVER DE RESPEITO
Nº do Documento: RP201809102673/15.0T8MAI.P1
Data do Acordão: 09/10/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÕES EM PROCESSO COMUM E ESPECIAL (2013)
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ªSECÇÃO (SOCIAL),(LIVRO DE REGISTOS N.º280,FLS.266-276)
Área Temática: .
Sumário: Viola os deveres de urbanidade e respeito, por forma a justificar o despedimento, a conduta do trabalhador que profere para um seu superior hierárquico na empresa, as expressões “vai para o c......”, “filho da p......”, “parto-te os dentes”, quando este chamou a sua atenção para o facto de chegar atrasado ao trabalho.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 2673/15.0T8MAI.P1
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório
B…, residente na Rua …, nº …, …, …, …, Vila Nova de Gaia, patrocinada por mandatário judicial e litigando com apoio judiciário na modalidade de dispensa da taxa de justiça e demais encargos com o processo, veio intentar a presente acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento contra C…, S.A., com sede na Estrada Nacional …, Km …, Maia.
Foi designada e realizada a audiência de partes, não se tendo logrado obter acordo destas.
A ré apresentou articulado inicial, nos termos previstos no artigo 98º-J, do CPT, pedindo que se declare o despedimento do autor regular e lícito.
Alega, em síntese, que 15 de Dezembro de 2014, pelas 22.15 horas, quando o seu superior hierárquico chamou a sua atenção para o facto de estar atrasado, o trabalhador respondeu: “Queres?” Vai “fazer queixa ao Engenheiro”, “Vai-te foder”, “Vai para o caralho”, ameaçando ainda “Eu parto-te os dentes, filho da puta”; é frequente o autor entrar em conflito com colegas e superiores hierárquicos, questiona ordens e chega atrasado, tendo sido despedido na sequência de processo disciplinar.
O autor veio contestar e reconvir, pedindo que se declare a ilicitude do despedimento e, consequentemente, que a ré seja condenada:
1. A eliminar do registo disciplinar do autor tal sanção e a indemnizá-lo nos termos gerais em montante nunca inferior a €4.500,00 (10 vezes a retribuição perdida);
2. A pagar ao autor as retribuições que este deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão final;
3. A pagar ao autor indemnização por danos não patrimoniais em montante nunca inferior a €1.500,00;
4. A pagar os juros de mora sobre cada uma das 
referidas quantias;
5. A pagar a quantia de €150,00 a título de sanção 
pecuniária compulsória por cada dia de atraso no pagamento das quantias peticionadas ou sem que se verifique a reintegração do autor/trabalhador.
Para o efeito invoca a nulidade do procedimento disciplinar e impugna a matéria que lhe foi imputada no mesmo.
A ré respondeu, concluindo como no articulado motivador.
Foi proferido despacho saneador e dispensada a convocação da audiência prévia, bem como a identificação do objeto do litígio e a enunciação dos temas da prova.
Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, com gravação da prova pessoal produzida em audiência.
Foi proferida sentença, com fixação da matéria de facto provada, na qual se decidiu a final:
I. Declara-se ilícito o despedimento do trabalhador B… promovido pela entidade empregadora C…, S.A..
II. Condena-se a entidade empregadora:
1. a reintegrar o trabalhador no mesmo estabelecimento, com a categoria, vencimento e antiguidade que lhe competirem;
2. a pagar ao trabalhador as retribuições que o mesmo deixou de auferir desde o seu despedimento, até ao transito em julgado da sentença, devendo-se deduzir o subsídio de desemprego que o mesmo eventualmente haja auferido no mesmo período de tempo, o qual deverá ser entregue pela ré à segurança social, cuja liquidação se relega para o respetivo incidente, nos termos dos artigos 609º/2 e 358º/2 do Código de Processo Civil.
3. a pagar ao autor a sanção pecuniária compulsória que se fixa em €100,00 por cada dia de incumprimento do determinado em 1, desde a data do trânsito em julgado da presente sentença e até à reocupação efetiva do mesmo no seu posto de trabalho.
III. No mais, absolve-se a entidade empregadora do pedido.
Fixou-se o valor da acção em €17.100,00.
Inconformada interpôs a ré/empregadora o presente recurso de apelação, concluindo:
1. Com o devido respeito pela Mm.ª Sra. Juiz a quo, entendemos que a sentença padece de erro na decisão fazendo uma errónea aplicação do direito ao vertente caso, contrariando assim a Lei, o Direito e a Justiça.
2. Em nossa opinião existe justa causa de despedimento, quando um trabalhador que confessadamente chega atrasado ao seu posto de trabalho, face à chamada de atenção de um superior hierárquico o ameaçou e intimidou, dizendo:
- “Vai fazer queixa ao Engenheiro”;
- “Vai para o caralho”;
- “Filho da puta”;
- “Eu parto-te os dentes”.
3. Ora, tais expressões são afrontosas, injuriosas, desrespeitosas e ameaçadoras, sendo que tratar assim um superior hierárquico com quem tem de lidar diariamente, na presença de outros subordinados, compromete irremediavelmente a relação laboral.
4. Tal reação do Recorrido, claramente excessiva e desproporcionada, reveste uma acentuada carga ofensiva do bom nome, honra e dignidade do seu superior hierárquico, sendo notória a tensão criada na relação entre ambos e a impossibilidade de manutenção da relação laboral pelas razões que adiante enunciaremos. Perturbou o ambiente de trabalho e linha de produção, bem como causou o risco de mimetismo do comportamento do arguido perante os restantes colaboradores da fábrica.
5. O Recorrido incorreu na prática de várias infrações disciplinares traduzidas na violação do dever de respeitar e tratar com urbanidade o seu superior hierárquico, bem como o dever de assiduidade e pontualidade, pois o mesmo confessa que chegou atrasado 10 minutos porque esteve a conversar no posto de trabalho de outro colega, perturbando assim o trabalho deste outro colaborador do empregador, o que demonstra ainda falta de zelo e diligência no cumprimento do seu serviço.
6. Os comportamentos supra descritos constituem grave violação dos deveres de respeito e de urbanidade para com superior hierárquico, e consubstanciam justa causa de despedimento.
7. A noção de justa causa de despedimento exige a verificação cumulativa de dois requisitos: (i) um comportamento ilícito e culposo do trabalhador, violador de deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral, grave em si mesmo e nas suas consequências; (ii) que torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral, os quais valem também quanto aos comportamentos exemplificativamente indicados no nº 3 do art. 396º do CT.
8. Existe a impossibilidade prática e imediata de subsistência da relação laboral quando ocorra uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade empregadora e o trabalhador, suscetível de criar no espírito da primeira a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta do último, deixando de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento dessa relação laboral.
9. Na apreciação da gravidade da culpa e das suas consequências, deve recorrer-se ao entendimento do “bonus pater familae”, de um “empregador razoável”, segundo critérios objetivos e razoáveis, em face do circunstancialismo concreto, devendo atender-se, “no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes”, como estabelece o art. 396º, nº 2 do CT.
10. Assume relevante gravidade, no quadro da organização da empresa R., a conduta do A./Recorrido que foi significativamente afrontosa, desrespeitosa e mesmo com laivos ameaçadores para com um superior hierárquico, pondo em causa a autoridade e honorabilidade deste e ferindo as regras de respeito e disciplina que, dentro de uma empresa, devem reger o comportamento dos trabalhadores em relação aos seus superiores hierárquicos.
11. O contrato de trabalho pressupõe a existência de uma relação obrigacional complexa pelo que, paralelamente ao dever principal surgem deveres secundários e acessórios.
12. Sendo o dever principal, o exercício da atividade, os deveres secundários relacionam-se com a prestação dessa mesma atividade, encontrando-se elencados no nº 1 do artigo 128º do Código do Trabalho.
13. A prestação de trabalho pelo trabalhador insere-se no princípio da boa fé, nos termos do artigo 126º do Código do Trabalho. Assim, o trabalhador deve desenvolver a sua atividade em colaboração com o empregador.
14. Porquanto, do elenco meramente exemplificativo do artigo 128º, nº 1 do Código do Trabalho, resulta que todos os deveres do trabalhador ali mencionados, se encontram em estreita ligação com o princípio da boa fé.
15. Importa, assim, analisar a conduta do Recorrido naquilo que poderá relevar para efeitos da existência de uma eventual infração disciplinar.
16. De facto, da prova produzida na audiência de discussão e julgamento resultou a clara a convicção de que, com a sua conduta, o Requerente violou grosseiramente alguns dos seus mais elementares deveres para com a respetiva Entidade Patronal aqui Recorrente.
17. Assim, a conduta do Requerente vinda de descrever constitui uma clara violação dos deveres prescritos no nº 1 do art. 128º do Código de Trabalho, mais concretamente sob as alíneas: b) Comparecer ao serviço com (...) pontualidade; c) Respeitar e tratar (...) os superiores hierárquicos os companheiros de trabalho (...), com urbanidade e probidade; h) Promover ou executar os actos tendentes à melhoria da produtividade da empresa;
18. O Recorrido faltou ao respeito ao seu superior, após ter chegado atrasado ao seu posto de trabalho e ainda o ameaçou dizendo que lhe partia dos dentes, parecendo-nos que tal constitui uma conduta que torna inexigível a manutenção da relação laboral.
19. Acresce que o elenco dos deveres do trabalhador enunciado no artigo 128º, deve ser complementado com aquele que surge no artigo 351º, nº 2, ambos do Código do Trabalho.
20. Assim, surgem como fundamento de justa causa de despedimento, factos como a violação de direitos e garantias de outros trabalhadores (artigo 351º, n.º 2, alínea b) do Código do Trabalho), a provocação de conflitos com outros trabalhadores (artigo 351º, nº 2, alínea c) do Código do Trabalho) ou a prática, no âmbito na Entidade Patronal, de violências físicas, injúrias ou outras ofensas punidas por lei (alínea i) do nº 2 do artigo 351º do Código do Trabalho).
21. No caso em apreço, é notória a falta de respeito e de desafio com que o Recorrido interagiu com o seu Superior Hierárquico D…, ultrapassando todos os limites de uma conduta aceitável.
22. O comportamento do Recorrido revela-se de forma regular e constante como desafiadora de todas as figuras que lhe são hierarquicamente superiores, e que para todos os efeitos representam perante si a sua entidade patronal.
23. Em suma, o trabalhador faltou ao respeito à sua Entidade Patronal, na pessoa do seu superior hierárquico, reiterando e agravando uma conduta de desafio que pura e simplesmente não é aceitável, porque violadora dos mais elementares deveres de respeito e bem assim da mais básica confiança que uma qualquer entidade patronal deve depositar num qualquer seu colaborador.
24. A um trabalhador médio, zeloso e responsável exige-se que mantenha uma conduta cordial com todos aqueles com os quais lida no seu quotidiano laboral, onde se incluem, as pessoas externas que contactam com a entidade patronal, mas também e sobretudo, com os seus colegas de trabalho e superiores hierárquicos, com quem colabora diariamente, direta ou indiretamente, na boa execução da prestação de trabalho.
25. A ocorrência deste conflito e injúrias no seio da Entidade Patronal, afetou irremediavelmente, a imagem e o bom nome da Entidade Patronal, que ficará, eternamente, conotada como uma instituição onde reina a desorganização e o clima conflituoso e degradante entre os seus trabalhadores.
26. A par disso, a própria produtividade da Entidade Patronal é prejudicada, em virtude de o Recorrido ter afetado um clima de paz e serenidade aos restantes trabalhadores, indispensável à boa e célere execução das tarefas que lhes são incumbidas.
27. Paralelamente, condutas como as descritas no presente processo disciplinar são absolutamente atentatórias da coesão e bom funcionamento da estrutura organizacional de uma empresa.
28. De facto, o trabalho desenvolvido no seio da Entidade Patronal não se compadece com a atitude conflituosa do Recorrido, em virtude de se tratar de um trabalho onde é exigida uma intensa complementaridade e interligação entre as tarefas executadas por todos os trabalhadores (ponto 32 dos factos provados).
29. O comportamento do Recorrido foi doloso, significativamente afrontoso, desrespeitoso e mesmo com laivos ameaçadores para com um superior hierárquico, pondo em causa a autoridade e honorabilidade deste e ferindo as regras de respeito e disciplina que, dentro de uma empresa, devem reger o comportamento dos trabalhadores em relação aos seus superiores hierárquicos.
30. Ora, a inclusão das injúrias entre os trabalhadores, bem como a provocação de conflitos com outros trabalhadores foi incluída, não no quadro geral dos deveres do trabalhador, mas sim, no âmbito das situações concretas que poderão legitimar o despedimento por facto imputável ao trabalhador, o que denota bem a gravidade das condutas aqui mencionadas, que foram imputadas ao Recorrido e que resultaram sobejamente provadas em audiência de discussão e julgamento.
31. A conduta do Recorrido é muito grave e culposa, pelo que carece de sancionamento disciplinar idóneo.
32. A par disso, o facto de o Recorrido confessar que chegou atrasado porque esteve a conversar no posto de trabalho de um colega, constitui uma violação do dever de pontualidade, que é um corolário do próprio contrato de trabalho na medida em que, através deste o empregador assegura a disponibilidade de determinada força de trabalho, para o desempenho da atividade e incremento da produtividade.
33. Sendo igualmente uma violação do zelo e diligência com que o Recorrido deveria desempenhar o seu trabalho, ao chegar com atraso por ter estado a conversar com outro Colega, distraindo a execução do trabalho do mesmo, a prestação de trabalho do Recorrido está a ser cumprida de forma defeituosa.
34. Situação que foi desvalorizada pelo Tribunal recorrido, mas que se pede aos Venerandos Desembargadores seja igualmente apreciada, bem como o risco de mimetismo do comportamento do arguido perante os restantes colaboradores da fábrica.
35. De facto, o trabalhador deve apresentar-se ao trabalho de modo contínuo e regular para desempenhar as funções que lhe estão atribuídas, cumprindo o horário que lhe está adstrito.
36. Cumpre esclarecer que, o facto de a Entidade Patronal estabelecer no relógio de ponto uma funcionalidade própria para atrasos inferiores a 15 minutos, não exigindo qualquer justificação adicional para a ocorrência dos mesmos, não determina que aqueles não constituam um atraso e, como tal, uma falta de pontualidade.
37. Ao contrário da sentença recorrida, a postura insolente e desrespeitosa do arguido criou uma situação de quebra absoluta ou abalo profundo na relação de confiança entre o trabalhador e o empregador, tornando inexigível ao contraente interessado na desvinculação o respeito pelas garantias da estabilidade do vínculo, o que sucederá sempre que a rutura da relação laboral seja irremediável, na medida em que nenhuma outra sanção é suscetível de sanar a crise contratual aberta por aquele comportamento culposo do Recorrido, que tem de trabalhar diariamente com tal superior hierárquico, cumprindo as suas instruções.
38. As práticas descritas afetam negativa e irreparavelmente o elo de confiança em que se baseia a relação jurídico-laboral, tornando insustentável a sua manutenção sendo que, no caso em apreço, justifica-se que se acentue o elemento fiduciário da relação laboral, dado que o contrato de trabalho é celebrado com base numa recíproca confiança entre o empregador e o trabalhador devendo as futuras relações obedecer aos ditames da boa fé e desenvolver-se no âmbito dessa relação de confiança.
39. Face ao exposto, o comportamento do Recorrido pela sua gravidade e consequências, com patente rebeldia e indisciplina, desrespeitador e ameaçador para um superior hierárquico determinou uma quebra de confiança da Entidade Patronal, sendo suscetível de comprometer a subsistência futura da relação de trabalho.
40. Existirá impossibilidade prática de subsistência da relação laboral sempre que, nas circunstâncias concretas, a permanência do contrato e das relações pessoais e patrimoniais que ele importa, sejam de forma a ferir, de modo exagerado e violento, a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal, colocada na posição do empregador, ou seja, sempre que a continuidade do vínculo represente uma insuportável e injusta imposição ao empregador, o que julgamos ser o caso dos presentes autos.
41. O comportamento é culposo quando o trabalhador, no caso o aqui Recorrido, não procede com o cuidado a que segundo as circunstâncias estaria obrigado e seria capaz.
42. Por outro lado, solicita-se uma reapreciação da prova documental junta aos autos, entendendo a Recorrente que deveriam ter sido dados como provados os seguintes factos, absolutamente pertinentes para uma boa decisão da causa sub judice:
1. Por sentença do Processo: 925/14.6T8VNG, V. N. Gaia - Inst. Central – 5ª Sec. Trabalho - J3, ficou demonstrada a prática de infração laboral do Recorrido, nos seguintes termos:
“Ora, resulta claramente da análise de tal factualidade, que o comportamento do Autor é efectivamente censurável.
Com efeito, verifica-se que ele se recusou a obedecer à ordem que, pelas 19:00 horas, lhe foi dada pelo seu superior hierárquico, no sentido de proceder de imediato à execução da carga da linha.
7. O Autor apenas executou tal ordem já depois da meia-noite, o que originou um atraso em toda a linha de produção, com o subsequente incumprimento do prazo acordado pela Ré para o cumprimento da respectiva encomenda.
Desse modo, o Autor não executou a tarefa que lhe foi determinada pela Ré de forma correcta e adequada, assim violando efectivamente os seus deveres de realizar o trabalho com zelo e diligência; e de cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes à execução ou disciplina do trabalho, consagrados nas alíneas c) e e) do nº 1 do artigo 128º do Código do Trabalho.”
Refira-se que nenhum dos fundamentos invocados pelo Autor para justificar o seu comportamento pode aqui ser acolhido.”
2. Na pendência deste processo judicial o Recorrido teve um novo processo disciplinar onde ficou provado que o mesmo violou de forma grosseira os mais elementares deveres de obediência, de cumprimento de normas de higiene e segurança no trabalho e de cooperação para com a Entidade Patronal, violando a proibição, cuja sinalética vê diariamente e para a qual teve formação profissional específica de usar o seu telemóvel num sítio com risco de explosão, cf. decisão igualmente junta aos presentes autos.
3. Bem como, violou novamente os deveres de respeito perante todos os elementos da Entidade Patronal e os seus Colegas de Trabalho.
4. Colocando em causa a sua segurança e a dos restantes Colegas, bem como colocando em perigo o próprio património da C…, a unidade fabril onde trabalha.
5. A par da obrigação principal de prestação de trabalho, aos trabalhadores são exigidos deveres secundários, nos termos do artigo 128º, nº 1 do Código do Trabalho, relacionados com o princípio da boa fé e caracterizados pela exigência de um comportamento leal, adequado e responsável, a fim de se garantir um ambiente saudável e propício ao bom funcionamento da Entidade Patronal.
6. A conduta do A. demonstrou um total desrespeito pelo seu posto de trabalho, bem como pela estrutura da Entidade Patronal e restantes trabalhadores. Com a conduta supra descrita, o trabalhador violou os seus deveres de urbanidade, respeito e obediência nos termos do artigo 128º, nº 1, alíneas a), c), e) e j) e o nº 2 do mesmo artigo do Código do Trabalho.
7. Em tal processo foi aplicada ao arguido a sanção de repreensão registada que nunca foi impugnada.
43. No caso em apreço, a sanção disciplinar de despedimento com justa causa foi necessária, proporcional, justa e adequada, atendendo aos factos imputados no presente processo disciplinar, à intencionalidade e à culpa do Recorrido e ao seu comportamento disciplinar ao longo da relação laboral, que julgamos dever ser dado como provado.
44. Concluindo, a sentença traduziu-se num resultado ética e juridicamente injusto, pelo que se pede aos Venerandos Desembargadores que apreciem a matéria de direito e de facto do aresto em crise, elegendo, interpretando e aplicando a lei e julgando procedente a presente apelação.
O autor não apresentou alegações.
O Ministério Público teve vista nos autos, tendo emitido parecer no sentido da improcedência da apelação, não tendo as partes respondido ao parecer.
Admitido o recurso e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Como se sabe, o âmbito objectivo dos recursos é definido pelas conclusões do recorrente (artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1 e 2, do CPC, por remissão do art. 87º, nº 1, do CPT), importando assim decidir quais as questões naquelas colocadas.
Questões a decidir:
I. Impugnação da decisão relativa à matéria de facto;
II. Existência de justa causa de despedimento do autor.
II. Factos provados:
1. O autor é trabalhador da C…, S.A. desde 01/11/2007, em 
virtude de uma cessão da posição contratual, celebrada entre a atual Entidade Patronal e a C…, S.A. para a qual desempenhava funções desde 20/02/2003.
2. O autor desempenha, atualmente, a função de Operador Misturador, inerente à categoria profissional de Semi-Especializado.
3. O autor presta a sua atividade integrado no 2º turno, sendo que este turno normalmente se inicia às 16h45 e termina à 01h45.
4. Durante aquele turno é concedido ao autor o direito a uma pausa para jantar que decorre entre as 21h00 e as 22h00.
5. No dia 15/12/2014, o autor ausentou-se do serviço para jantar, pelas 21h00, tendo regressado às 22h10m. (consta da sentença 21h10m mas é manifesto o lapso)
6. O autor esteve a conversar com o colega E… no posto de trabalho deste último.
7. Face a tal atraso, o supervisor da secção onde trabalha o autor e seu superior hierárquico, questionou o autor se este “se achava com mais direito do que os outros (colegas de trabalho), no tempo de jantar, para se demorar mais tempo”.
8. Face à chamada de atenção do superior hierárquico, o autor dirigiu ao Sr. D… as seguintes expressões: “vai fazer queixa ao Engenheiro”; “vai para o caralho”; “filho da puta”; “parto-te os dentes”.
9. Alarmado com aquela situação, o superior hierárquico dirigiu-se ao autor dizendo “escusas de me tratar mal porque eu não te tratei mal”.
10. E que iria reportar aquela situação ao encarregado, o Sr. F….
11. O sucedido ocorreu junto ao posto de trabalho e na presença de alguns colaboradores que exercem funções naquele local.
12. Ainda que nem todos se tenham apercebido, tiveram noção de que algo teria acontecido.
13. Ao autor foi instaurado outro processo disciplinar, em que lhe eram imputadas desobediências ilegítimas às ordens e instruções da Entidade Patronal, causadoras de prejuízos sérios para aquela.
14. O referido processo disciplinar culminou com a aplicação ao autor da sanção de suspensão do trabalho pelo prazo de 15 dias com perda de remuneração e antiguidade.
15. Sanção essa cumprida entre 08/09/2014 e 22/09/2014 (inclusive).
16. Em 22 de Dezembro de 2014 a direção da ré emitiu a deliberação de abertura do processo disciplinar.
17. No dia 23 de Janeiro de 2015 foi emitida a Nota de Culpa, tendo a mesma sido recebida pelo autor no dia 03 de Fevereiro de 2015.
18. No dia 13 de Fevereiro de 2015, os Instrutores foram notificados da Resposta à Nota de Culpa.
19. Foi designado o dia 13 de Março de 2015 data para a inquirição das testemunhas arroladas pelo autor na Resposta à Nota de Culpa e o dia 16 de Março de 2015 para a inquirição das testemunhas arroladas pela Entidade Patronal.
20. A 19 de Março de 2015 foram juntos aos autos do procedimento disciplinar, os documentos relativos à marcação no relógio de ponto dos atrasos inferiores a 15 minutos bem como, o registo desse tipo de atrasos por parte do autor.
21. A 24 de Março de 2015, foi junto ao processo o Relatório Final do primeiro Processo Disciplinar movido pela ré ao autor.
22. No dia 27 de Março de 2015, foi encerrada a instrução do processo.
23. No dia 6 de Abril de 2015 foi proferida a decisão final que culminou com o despedimento com justa causa, tendo a mesma sido notificada pela entidade patronal ao autor.
24. Na decisão final do PD, o órgão instrutor considerou como provados, além do mais, os seguintes factos: “5. No dia 15/12/2014 o Arguido ausentou-se do serviço para jantar, pelas 21h00” e “6. Tendo regressado, apenas, já depois das 22h15”.
25. Na fundamentação de tal decisão, o órgão instrutor fez constar: “começando pela fundamentação dos factos considerados como provados relativos os atrasos do Arguido, os mesmos foram corroborados pelos documentos juntos pela Entidade Patronal, onde constam os atrasos do Arguido nos últimos meses, nomeadamente nos dias 15/12/2014; 16/12/2014 (tanto no início do horário de trabalho como após o jantar); 13/01/2015 e 15/01/2015, dando-se, por isso, como provado o teor dos arts. 5º e 6º da secção precedente ...”.
26. Na decisão final do PD, o órgão instrutor considerou como provado, além dos mais, o seguinte facto: “24. São frequentes os atrasos do Arguido no retomar das funções após a pausa para juntar”.
27. Na fundamentação de tal decisão, o órgão instrutor fez constar: “As testemunhas G…, H… e D… (...) referiram que, por vezes, o Arguido chega atraso sendo que, nem sempre este é chamado à atenção. Destaque-se que a testemunha D… referiu que já se apercebeu que o Arguido abandona, por vezes, o posto de trabalho, antes do horário de pausa para jantar que lhe está adstrito. Assim, deu-se como provado o teor dos artigos 4º, 7º e 24º”.
28. Existe uma obrigatoriedade de os trabalhadores registarem sempre os atrasos inferiores a 15 minutos, utilizando para o efeito a tecla F2.
29. O autor tem conhecimento dessa exigência.
30. À data de 15/12/2014 a testemunha I… já não trabalhava no turno da noite e a testemunha J… já não trabalhava na ré.
31. O referido em 8) ocorreu num local onde não são utilizados abafadores de som, dado o nível de ruído ser baixo, sendo o local da fábrica com menos barulho.
32. O trabalho desenvolvido no seio da entidade patronal exige uma intensa complementaridade e interligação entre as tarefas executadas por todos os trabalhadores.
33. A ré não exige qualquer justificação adicional para os atrasos inferiores a 15 minutos.
34. Tais atrasos são, porém, tidos em conta aquando da avaliação de desempenho dos trabalhadores.
35. A entidade patronal não tem relevado esta circunstância dos atrasos reiterados, por si, como suficientemente grave para que justificasse a abertura de processos sancionatórios.
36. Todas as diligências de prova requeridas pelo autor no procedimento disciplinar foram efetuadas, com a presença do seu mandatário a quem foi permitido obter esclarecimentos.
37. As perguntas foram feitas diretamente pelo mandatário do autor.
38. O depoimento de todas as testemunhas em sede de inquérito de processo disciplinar ficou gravado, com o seu consentimento, tendo todos os autos de declarações sido assinados pelo mandatário do autor.
39. No dia da inquirição das testemunhas por si arroladas, o autor apresentou ainda o Sr. J…, cuja inquirição não estava agendada ou requerida, e o mesmo foi inquirido.
40. Por despacho proferido pelos instrutores do PD a 16 de março de 2015, foi determinado que se oficiasse à entidade patronal para que esclarecesse a “... dúvida relativa à eventual necessidade de registo de atrasos no relógio de ponto, aquando o término da hora de jantar”.
41. Em 19 de março foram juntos os documentos de fls. 86-101 do PD, tendo os senhores instrutores proferido despacho no sentido de que nessa data “... rececionamos da Entidade Patronal, os documentos solicitados relativos à marcação no relógio de ponto dos atrasos inferiores a 15 minutos, bem como, o registo deste tipo de atrasos por parte do Arguido”.
42. Tais documentos não foram notificados ao autor.
43. Na decisão final do PD, o órgão instrutor considerou como provado, além dos mais, os seguintes factos: “18. O que fez junto ao posto de trabalho e na presença de alguns colaboradores que exercem funções naquele local de turno” e “19. Ainda que nem todos se tenham apercebido, tiveram noção de que algo teria acontecido”.
44. Para a fundamentação de tais pontos, o órgão instrutor tomou em consideração o depoimento de K… e H…, referindo que «presenciaram o sucedido em virtude de se encontrarem a trabalhar muito próximo daquela zona».
45. A decisão final faz menção de que «nunca o trabalhador-arguido transmitiu qualquer queixa sobre a vida quotidiana ou outra circunstância».
46. Aquando do referido em 8), o autor questionou o seu superior hierárquico com o seguinte: “Porque é que não controlas o teu sobrinho que chega sempre tarde?”.
47. E… e K… não foram alvo de qualquer processo disciplinar, designadamente por suposto incumprimento do horário de trabalho.
48. O autor trabalha na seção de pesagens.
49. O autor impugnou judicialmente a sanção disciplinar referida em 13), no processo nº 925/14.6TBVNG.
50. Em tal processo foi proferida sentença, transitada em julgado, que decidiu nos seguintes termos: “Nestes termos e com tais fundamentos, julgando a presente ação parcialmente procedente, decido:
- Declarar ilícita a sanção disciplinar de quinze dias de suspensão, com perda de retribuição e antiguidade, que a Ré aplicou ao Autor;
- Condenar a Ré a:
- Eliminar tal sanção do registo disciplinar do Autor;
- Restituir ao Autor a quantia de €385,85, que lhe foi descontada pela Ré;
- Pagar a quantia de €50,00, a título de sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação de proceder à eliminação do registo da sanção (sendo €25,00 para o Autor e €25,00 para o Estado)”.
51. O autor sente-se injustiçado, perseguido, sem grandes perspetivas de progressão na carreira.
52. O autor sente-se triste e desanimado.
53. J… foi alvo de um processo disciplinar que a meio terminou com um acordo.
54. E… foi promovido.
55. I… pediu para passar para o turno de dia e a empresa aceitou.
Factos não provados:
a) Aquando do referido em 8), o autor encostou violentamente a sua mão no peito do Sr. D…, dizendo ainda: “vai-te foder”.
b) Nunca o autor transmitiu qualquer queixa sobre a vida quotidiana da 
empresa ou outra circunstância anormal.
c) Nem todos os colaboradores têm conhecimento do referido em 28).
d) A ré vedou perentoriamente a possibilidade de consulta do processo 
disciplinar até aos 10 dias posteriores à notificação da nota de culpa.
e) O superior hierárquico do autor respondeu ao referido em 46) nos seguintes termos: “vai para o caralho, vou informar o F…” (encarregado), por não ter gostado da resposta que ouviu, ao que o autor respondeu que sabia que não ia falar com o senhor F…, mas sim com o Eng. G….
f) No local e hora em que tal sucedeu não se encontrava ninguém por perto.
g) O barulho das máquinas a laborar não permite que se perceba o que quer que fosse conversado naquele local.
h) O Sr. E…, que sempre faz companhia ao autor à hora de jantar, jamais foi repreendido por eventuais atrasos após a refeição.
i) A produção não está diretamente dependente do trabalho do autor.
j) Iniciar a sua atividade 10 minutos depois da hora normal não provoca quaisquer atrasos no setor da produção.
k) O processo disciplinar foi movido ao autor por este ter sido trabalhador-estudante durante dois anos e ter sido testemunha dum colega em 
procedimento disciplinar.
l) O autor não teve qualquer formação e era inexperiente no desempenho 
da função que lhe foi atribuída.
m) O autor desenvolveu um quadro depressivo grave.
n) Que frequentemente o atira para “isolamentos forçados”.
o) Chora frequentemente sem razão aparente.
p) Não tem vontade de trabalhar.
q) Anda sempre nervoso e “explode” à mínima situação de “stress”.
III. O Direito
1. Impugnação da decisão relativa à matéria de facto
Pretende a recorrente: “face à prova documental junta, entendemos que deveriam ter sido dados como provados os seguintes factos, absolutamente pertinentes para uma boa decisão da causa sub judice:
1 - Por sentença do Processo: 925/14.6T8VNG, V. N. Gaia - Inst. Central – 5ª Sec. Trabalho – J3, ficou demonstrada a prática de infração laboral do Recorrido, nos seguintes termos:
“Ora, resulta claramente da análise de tal factualidade, que o comportamento do Autor é efectivamente censurável.
Com efeito, verifica-se que ele se recusou a obedecer à ordem que, pelas 19:00 horas, lhe foi dada pelo seu superior hierárquico, no sentido de proceder de imediato à execução da carga da linha 7.
O Autor apenas executou tal ordem já depois da meia-noite, o que originou um atraso em toda a linha de produção, com o subsequente incumprimento do prazo acordado pela Ré para o cumprimento da respectiva encomenda.
Desse modo, o Autor não executou a tarefa que lhe foi determinada pela Ré de forma correcta e adequada, assim violando efectivamente os seus deveres de realizar o trabalho com zelo e diligência; e de cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes à execução ou disciplina do trabalho, consagrados nas alíneas c) e e) do nº 1 do artigo 128º do Código do Trabalho.”
Refira-se que nenhum dos fundamentos invocados pelo Autor para justificar o seu comportamento pode aqui ser acolhido.”
2 - Na pendência deste processo judicial o Recorrido teve um novo processo disciplinar onde ficou provado que o mesmo violou de forma grosseira os mais elementares deveres de obediência, de cumprimento de normas de higiene e segurança no trabalho e de cooperação para com a Entidade Patronal, violando a proibição, cuja sinalética vê diariamente e para a qual teve formação profissional específica de usar o seu telemóvel num sítio com risco de explosão, cf. decisão igualmente junta aos presentes autos.
3 - Bem como, violou novamente os deveres de respeito perante todos os elementos da Entidade Patronal e os seus Colegas de Trabalho.
4 - Colocando em causa a sua segurança e a dos restantes Colegas, bem como colocando em perigo o próprio património da C…, a unidade fabril onde trabalha.
5 - A par da obrigação principal de prestação de trabalho, aos trabalhadores são exigidos deveres secundários, nos termos do artigo 128º, nº 1 do Código do Trabalho, relacionados com o princípio da boa fé e caracterizados pela exigência de um comportamento leal, adequado e responsável, a fim de se garantir um ambiente saudável e propício ao bom funcionamento da Entidade Patronal.
6 - A conduta do A. demonstrou um total desrespeito pelo seu posto de trabalho, bem como pela estrutura da Entidade Patronal e restantes trabalhadores. Com a conduta supra descrita, o trabalhador violou os seus deveres de urbanidade, respeito e obediência nos termos do artigo 128º, nº 1, alíneas a), c), e) e j) e o nº 2 do mesmo artigo do Código do Trabalho.
7 - Em tal processo foi aplicada ao arguido a sanção de repreensão registada que nunca foi impugnada.”
A matéria em questão não foi alegada nos articulados, encontrando-se provada, no entender da recorrente, por documentos juntos aos autos.
Nos termos do disposto no art. 607º, nº 4, do CPC, na fundamentação da sentença, o juiz (…) toma ainda em consideração os factos (…) provados por documentos (…).
Relativamente à matéria que consta do ponto 1 que a recorrente pretende ver acrescentada, trata-se de matéria jurídica e conclusiva que consta da fundamentação jurídica da sentença proferida no processo nº 925/14.6T8VNG, V. N. Gaia – Inst. Central – 5ª Sec. Trabalho – J3, que nada releva para a decisão a proferida nestes autos, até porque consta do facto provado 50 que: “Em tal processo foi proferida sentença, transitada em julgado, que decidiu nos seguintes termos: “Nestes termos e com tais fundamentos, julgando a presente ação parcialmente procedente, decido: - Declarar ilícita a sanção disciplinar de quinze dias de suspensão, com perda de retribuição e antiguidade, que a Ré aplicou ao Autor; - Condenar a Ré a: - Eliminar tal sanção do registo disciplinar do Autor; - Restituir ao Autor a quantia de € 385,85, que lhe foi descontada pela Ré; - Pagar a quantia de € 50,00, a título de sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação de proceder à eliminação do registo da sanção (sendo € 25,00 para o Autor e € 25,00 para o Estado)”.
Quanto aos restantes factos, os mesmos constariam de documento, processo disciplinar instaurado pela recorrente ao recorrido na pendência destes autos, documento que não foi admitido por despacho prévio à sentença, despacho que não foi objecto de recurso.
Assim, improcede a apelação no que respeita à impugnação da decisão relativa à matéria de facto.
2. (I)licitude do despedimento
Considerou-se na sentença sob recurso que:
“(...) como se alcança da nota de culpa, da decisão proferida no procedimento disciplinar e do articulado de motivação do despedimento, considera a empregadora que o trabalhador violou as obrigações que sobre si impendiam e que se encontram consignadas nas alíneas a), b) e h) do nº 1 do artigo 128º do Código do Trabalho, ou seja, as obrigações de respeitar e tratar os superiores hierárquicos com urbanidade e probidade, de comparecer ao serviço com pontualidade e de promover ou executar os atos tendentes à melhoria da produtividade da empresa.
“Vejamos.
“Como é sabido, ao celebrar o contrato de trabalho, o trabalhador assume a obrigação principal de prestar o trabalho, de acordo com as determinações do empregador.
“Mas, em conexão com essa obrigação principal, outro deveres decorrem da relação contratual – são os chamados deveres acessórios, quer integrantes da obrigação principal, quer os complementares desta e, neste sentido, autónomos a ela.
“Estes deveres dos trabalhadores estão consignados no artigo 128º do Código do Trabalho, conexionam-se com a prestação laboral e são limitados pelo objeto do contrato de trabalho.
“Assim, na já mencionada alínea a) do nº 1 do artigo 128º está previsto o dever de tratamento cordato que impende sobre o trabalhador, o qual abrange não só a linguagem verbal, mas também a linguagem gestual, a higiene, o vestuário, etc..
“Tal como nota Maria do Rosário Palma Ramalho [Direito do Trabalho, Parte II, pág. 424], «embora a lei enfoque em particular a ideia de urbanidade e probidade no trato de trabalhador com as pessoas com as quais entre em contacto no contexto do seu vínculo laboral, o dever de respeito aponta genericamente para a necessidade de observância de regras de conduta socialmente adequadas, quer em matéria de tratamento, quer em matéria de apresentação da pessoa e de conduta do trabalhador».
“Já na alínea b) está previsto o dever de assiduidade e pontualidade. Nas palavras de Diogo Vaz Marecos [Código do Trabalho Anotado, pág. 329], «trata-se do corolário do próprio contrato de trabalho. Por força deste último o empregador assegura a disponibilidade da força de trabalho dentro de certo período e em determinado local. Consequentemente, a disponibilidade que o trabalhador coloca para aproveitamento do empregador só poderá ser eficaz se a este último for permitido utilizá-la em momento e local previamente fixados, o que obsta a que aquela disponibilidade seja oferecida segundo a mera vontade do trabalhador».
“O dever de promover ou executar todos os atos tendentes à melhoria da produtividade da empresa, previsto na alínea h) do nº 1 do citado artigo 128º, significa que o trabalhador deve assumir não só uma conduta ativa na procura de aperfeiçoamento da produtividade da empresa, como ainda não contrariar as medidas implementadas pelo empregador com semelhante finalidade.
“No caso de que nos ocupamos, são dois os feixes de factos que são imputados ao trabalhador: por um lado, o mesmo faltou ao respeito à sua entidade patronal, na pessoa do seu superior hierárquico, reiterando e agravando uma conduta de desafio que vem adotando; por outro lado, o trabalhador chega frequentemente atrasado ou inicia ou acaba a pausa para jantar antes do que deveria.
“Quanto ao primeiro grupo de factos imputados ao trabalhador, resultou efetivamente demonstrado nos autos que no dia 15 de dezembro de 2014, quando chamado à atenção pelo seu superior hierárquico pelo facto de ter chegado 10 minutos atrasados ao seu posto de trabalho e questionado “se se achava com mais direito do que os outros (colegas de trabalho), no tempo de jantar, para se demorar mais tempo”, o autor respondeu, dirigindo-se àquele superior hierárquico: “vai fazer queixa ao Engenheiro”; “vai para o caralho”; “eu parto-te os dentes”; “filho da puta”.
“Estamos aqui, indubitavelmente, perante uma conduta violadora do disposto no artigo 128º/1, al. a) do Código do Trabalho, o qual estabelece, como já vimos, que o trabalhador deve respeitar e tratar os superiores hierárquicos e os companheiros de trabalho com urbanidade.
“Com efeito, e manifestamente, as expressões proferidas pelo trabalhador, dirigidas ao seu superior hierárquico na sequência de uma chamada de atenção ou repreensão, são grosseiras, desrespeitosas, injuriosas, ameaçadoras e desafiadoras.
“Ainda segundo a ré, este comportamento do trabalhador revela-se de forma regular e constante como desafiador de todas as figuras que lhe são hierarquicamente superiores e que, para todos os efeitos, representam perante si a entidade patronal.
“Ora, quanto a esta questão, e ao contrário do que sucedera no procedimento cautelar (pelas razões já supra expostas), o tribunal não considerou como provado (nem como não provado), que o autor tivesse dificuldade em receber e cumprir ordens, contestando, nessas alturas, a autoridade de quem as transmite e a necessidade de as cumprir.
“Ou seja, e nesta fase, não se provou que o comportamento adotado pelo trabalhador no dia 15.12.2014 não fosse único, sendo frequente e normal o mesmo não acatar ordens e reagir de forma brusca e desafiadora perante os seus superiores hierárquicos.
“Assim, do que foi imputado ao autor no que respeita ao seu comportamento perante a hierarquia resta o “episódio” do dia 15.12.2014.
“Também no que se refere aos atrasos, apenas resultou demonstrado que no citado dia 15.12.2014 o autor chegou ao seu posto de trabalho 10 minutos depois da hora em que deveria ter retomado o trabalho. Com efeito, também os “frequentes atrasos do arguido no retomar das funções após a pausa para jantar” que constavam dos factos provados do procedimento cautelar não foram agora considerados (pelas razões já supra expostas).”
Relativamente a esta última parte da decisão insurge-se a recorrente alegando que:
(…) o facto de o Recorrido confessar que chegou atrasado porque esteve a conversar no posto de trabalho de um colega, constitui uma violação do dever de pontualidade, que é um corolário do próprio contrato de trabalho na medida em que, através deste o empregador assegura a disponibilidade de determinada força de trabalho, para o desempenho da atividade e incremento da produtividade.
Sendo igualmente uma violação do zelo e diligência com que o Recorrido deveria desempenhar o seu trabalho, ao chegar com atraso por ter estado a conversar com outro Colega, distraindo a execução do trabalho do mesmo, a prestação de trabalho do Recorrido está a ser cumprida de forma defeituosa.
Situação que foi desvalorizada pelo Tribunal recorrido, mas que se pede aos Venerandos Desembargadores seja igualmente apreciada, bem como o risco de mimetismo do comportamento do arguido perante os restantes colaboradores da fábrica.
De facto, o trabalhador deve apresentar-se ao trabalho de modo contínuo e regular para desempenhar as funções que lhe estão atribuídas, cumprindo o horário que lhe está adstrito.
Cumpre esclarecer que, o facto de a Entidade Patronal estabelecer no relógio de ponto uma funcionalidade própria para atrasos inferiores a 15 minutos, não exigindo qualquer justificação adicional para a ocorrência dos mesmos, não determina que aqueles não constituam um atraso e, como tal, uma falta de pontualidade.
Sobre esta questão provou-se:
No dia 15/12/2014, o autor ausentou-se do serviço para jantar, pelas 21h00, tendo regressado às 21h 10m (facto provado 5).
O autor esteve a conversar com o colega E… no posto de trabalho deste último (facto provado 6).
Na fundamentação de tal decisão, o órgão instrutor fez constar: “começando pela fundamentação dos factos considerados como provados relativos os atrasos do Arguido, os mesmos foram corroborados pelos documentos juntos pela Entidade Patronal, onde constam os atrasos do Arguido nos últimos meses, nomeadamente nos dias 15/12/2014; 16/12/2014 (tanto no início do horário de trabalho como após o jantar); 13/01/2015 e 15/01/2015, dando-se, por isso, como provado o teor dos arts. 5º e 6º da secção precedente ...” (facto provado 27).
O trabalho desenvolvido no seio da entidade patronal exige uma intensa complementaridade e interligação entre as tarefas executadas por todos os trabalhadores (facto provado 32).
A ré não exige qualquer justificação adicional para os atrasos inferiores a 15 minutos (facto provado 33).
Tais atrasos são, porém, tidos em conta aquando da avaliação de desempenho dos trabalhadores facto provado 34).
A entidade patronal não tem relevado esta circunstância dos atrasos reiterados, por si, como suficientemente grave para que justificasse a abertura de processos sancionatórios (facto provado 35).
Ou seja, conforme se refere na sentença sob recurso, “apenas resultou demonstrado que no citado dia 15.12.2014 o autor chegou ao seu posto de trabalho 10 minutos depois da hora em que deveria ter retomado o trabalho. Com efeito, também os “frequentes atrasos do arguido no retomar das funções após a pausa para jantar” que constavam dos factos provados do procedimento cautelar não foram agora considerados (pelas razões já supra expostas).”
Nos termos do disposto no art. 128º, nº 1, al. b), do Código do Trabalho, o trabalhador deve comparecer ao serviço com assiduidade e pontualidade.
Não se pode, pois, questionar a violação do dever de pontualidade por parte do recorrido, embora o mesmo não assuma relevância para determinar o despedimento, isolada ou conjuntamente com a violação do dever de respeito e urbanidade, conforme resulta do disposto no art. 351º do Código do Trabalho, pelo que não merece aqui censura a sentença, nessa medida improcedendo a apelação.
Constatando a violação pelo recorrido dos aludidos deveres de respeito e urbanidade, previsto no art. 128º, nº 1, al. a) do Código do Trabalho, continuou-se na sentença:
“(…) o despedimento-sanção constitui a última ratio, só aplicável em situações de impossibilidade de aplicação de sanções conservatórias – são os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade que o conceito de justa causa tem implícitos. E assim é precisamente porque a relação de trabalho tem vocação de perenidade, apenas se justificando o recurso à sanção expulsiva ou rescisória do contrato de trabalho, que o despedimento representa, quando se revelarem inadequadas para o caso as medidas conservatórias ou corretivas, atuando assim o princípio da proporcionalidade.
“Ou seja, o objetivo natural da sanção disciplinar é, em primeira linha, de índole corretiva, intimidatória e conservatória. Só no caso de uma sanção deste tipo, em face das particulares circunstâncias do caso concreto, se mostrar inadequada ou insuficiente para repor a normalidade da relação de trabalho prejudicada pelo comportamento imputado ao trabalhador, se poderá aceitar, como razoável e justo, aplicar-se uma sanção rescisória do contrato. Daí que devamos ter em conta, na apreciação da gravidade da infração, o grau de perturbação provocada no vínculo laboral, na organização e imagem empresariais; a afetação (real ou potencial) de interesses da empresa; a possibilidade de reincidência; os efeitos produzidos (presentes e futuros); o comportamento habitual dos restantes trabalhadores, etc. e, na avaliação da culpabilidade do trabalhador, se este atuou com dolo (e qual o tipo de dolo) ou negligência, bem como a existência de circunstâncias exteriores e sua influência para a determinação do agente. A justa causa tem, pois, de ser apreciada em concreto e o comportamento do trabalhador tem de ser visto em ação, para se poder aferir da sua gravidade e consequências dentro e para a empresa.
“Ora, no caso presente, e face aos factos provados, temos desde logo que estamos perante uma situação isolada. Com efeito, e ao contrário do que sucedeu em sede procedimento cautelar, não podemos aqui considerar que o autor, para além da reação do dia 15 de dezembro, com frequência e com caráter de normalidade, não acata ordens e reage de forma brusca e desafiadora perante os seus superiores hierárquicos. Do mesmo modo também o reconhecido atraso de 10 minutos surge como isolado.
“Por outro lado, não se provaram factos concretos (note-se que a matéria alegada a propósito pela ré nos artigos 80º, 81º e 82º do articulado de motivação do despedimento é meramente conclusiva) donde seja possível retirar que a conduta do autor tenha provocado repercussões negativas no ambiente da empresa, que a imagem da ré tenha saído beliscada ou que a autoridade do superior hierárquico tenha ficado minada. Não podemos também esquecer o contexto geográfico e social (unidade fabril) em que os factos ocorreram, ao que acresce que nem sequer os antecedentes disciplinares do autor poderão ser aqui considerados, uma vez que a sanção disciplinar que lhe havia sido anteriormente aplicada foi julgada, por sentença transitada, ilícita, tendo-se ordenado a sua eliminação do registo disciplinar.
“Parece-nos, pois, face ao factos provados que as exigências de prevenção geral e especial do caso sempre ficariam devidamente salvaguardadas com a aplicação ao autor de outra sanção disciplinar que não o despedimento, não sendo o seu comportamento adequado a, numa apreciação objetiva face aos factos provados (e só estes podem ser considerados), destruir todo o crédito de confiança por parte da ré em relação a si e a tornar, por isso, inviável a subsistência da relação laboral existente.
“Saliente-se que, para que se verifique a impossibilidade de subsistência da relação de trabalho (requisito necessário para a existência da justa causa de despedimento), deve aquela impossibilidade ser tomada no sentido de inexigibilidade e não simples dificuldade de tal subsistência, e deve ser valorada perante o condicionalismo da empresa e ter em vista não ser objetivamente possível aplicar à conduta do trabalhador sanção menos grave. De facto, se subjetivamente se pode sempre considerar que a confiança em alguém está perdida ou não existe, como vimos, não é com base nessa subjetividade que tem de ser feito o juízo de prognose sobre a impossibilidade de manutenção da relação laboral.
“Aliás, aparenta-se-nos que a própria ré parece partilhar deste entendimento quando nos artigos 74º e 75º do seu articulado de motivação afirma: “74º - No caso em apreço, é notória a falta de respeito e de desafio com que o Requerente interagiu com o seu Superior Hierárquico D…, ultrapassando todos os limites de uma conduta aceitável. 75º - Acaso se tivesse tratado de um caso isolado, certamente a conduta do Requerente poderia, sendo também punida, até ser olhada como um mero episódio sem repetições ou consequências a médio e longo termo na relação laboral”.
“Desta forma, e resumindo, cremos, sempre com o devido respeito por opinião diversa, que a conduta do autor apurada nos autos não é de molde a que se possa considerar que desapareceu o suporte psicológico mínimo em que assentava o vínculo contratual existente entre as partes.
“Concluindo-se pela inadequação da sanção aplicada à conduta apurada, há que concluir igualmente pela inexistência de justa causa para o despedimento do trabalhador preconizado pela entidade empregadora.
“E, assim sendo, isto é, inexistindo justa causa para o despedimento do trabalhador, este não pode deixar de se considerar como ilícito, nos termos do disposto no artigo 381º, al. b) do Código do Trabalho, com os efeitos dos artigos 389º e seguintes do mesmo diploma legal.”
A recorrente, discordando, alegou:
Ao contrário da sentença recorrida, a postura insolente e desrespeitosa do arguido criou uma situação de quebra absoluta ou abalo profundo na relação de confiança entre o trabalhador e o empregador, tornando inexigível ao contraente interessado na desvinculação o respeito pelas garantias da estabilidade do vínculo, o que sucederá sempre que a rutura da relação laboral seja irremediável, na medida em que nenhuma outra sanção é suscetível de sanar a crise contratual aberta por aquele comportamento culposo do Recorrido, que tem de trabalhar diariamente com tal superior hierárquico, cumprindo as suas instruções.
As práticas descritas afetam negativa e irreparavelmente o elo de confiança em que se baseia a relação jurídico-laboral, tornando insustentável a sua manutenção sendo que, no caso em apreço, justifica-se que se acentue o elemento fiduciário da relação laboral, dado que o contrato de trabalho é celebrado com base numa recíproca confiança entre o empregador e o trabalhador devendo as futuras relações obedecer aos ditames da boa fé e desenvolver-se no âmbito dessa relação de confiança.
Face ao exposto, o comportamento do Recorrido pela sua gravidade e consequências, com patente rebeldia e indisciplina, desrespeitador e ameaçador para um superior hierárquico determinou uma quebra de confiança da Entidade Patronal, sendo suscetível de comprometer a subsistência futura da relação de trabalho.
Existirá impossibilidade prática de subsistência da relação laboral sempre que, nas circunstâncias concretas, a permanência do contrato e das relações pessoais e patrimoniais que ele importa, sejam de forma a ferir, de modo exagerado e violento, a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal, colocada na posição do empregador, ou seja, sempre que a continuidade do vínculo represente uma insuportável e injusta imposição ao empregador, o que julgamos ser o caso dos presentes autos.
O comportamento é culposo quando o trabalhador, no caso o aqui Recorrido, não procede com o cuidado a que segundo as circunstâncias estaria obrigado e seria capaz.
O comportamento do trabalhador Recorrido, deve ser analisado em concreto, tendo em conta as circunstâncias por este conhecidas, pelo entendimento de um bom pai de família e atendendo-se a critérios de razoabilidade e objetividade”, verificando-se que o comportamento tido não corresponde minimamente ao padrão do trabalhador médio normal, o mesmo é muito grave.
O art. 351º do mesmo Código define justa causa de despedimento como o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
Especificando no seu nº 2, al. i), que constitui causa de despedimento a prática, no âmbito da empresa, de violências físicas, injúrias ou outras ofensas punidas por lei sobre trabalhador da empresa, elemento dos corpos sociais ou empregador individual não pertencente a estes, seus delegados ou representantes.
Finalmente esclarece o nº 3 do mesmo preceito que na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes.
Por seu lado, estatui o art. 330º do Código do trabalho que a sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infracção e à culpabilidade do infractor, não podendo aplicar-se mais de uma pela mesma infracção.
Podemos, pois concluir que a noção legal de justa causa pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: um comportamento culposo do trabalhador, violador dos deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral, que seja grave em si mesmo e nas suas consequências; um nexo de causalidade entre esse comportamento e a impossibilidade de subsistência da relação laboral. Na ponderação sobre a gravidade da culpa e das suas consequências, importará considerar o entendimento de um bónus pater familias, de um empregador razoável, segundo critérios de objectividade e de razoabilidade, em função das circunstâncias de cada caso em concreto (acórdão do STJ de 27 de Junho de 2007, processo 07S1050, acessível em www.dgsi.pt).
A impossibilidade prática da subsistência da relação juslaboral é um conceito normativo-objectivo, numa perspectiva de inexigibilidade da sua manutenção, que resulta de um comportamento que afecta, de modo irreparável, a relação de confiança, o dever de lealdade, na sua faceta subjectiva, criando, irreversivelmente, a dúvida, no espírito do empregador, sobre a idoneidade da conduta futura do trabalhador (Jorge Leite, Colectânea de Leis do Trabalho, 1985, pág. 250, Júlio Gomes, Direito do Trabalho, Volume I, Relações Individuais de Trabalho, 2007, págs. 947 e 952, e João Leal Amado, Contrato de Trabalho, 2011, pág. 371).
Conforme salienta Monteiro Fernandes, em Direito do Trabalho, 2006, págs. 557 e 575, “não se trata, evidentemente, de uma impossibilidade material, mas de uma inexigibilidade, determinada mediante um balanço in concreto dos interesses em presença - fundamentalmente o da urgência da desvinculação e o da conservação do vínculo (...). Basicamente, preenche-se a justa causa com situações que, em concreto (isto é, perante realidade das relações de trabalho em que incidam e as circunstâncias específicas que rodeiem tais situações), tornem inexigível ao contraente interessado na desvinculação o respeito pelas garantias de estabilidade do vínculo. Assim, a cessação do contrato, imputada a falta disciplinar, só é legítima quando tal falta gere uma situação de impossibilidade de subsistência da relação laboral, ou seja, quando a crise disciplinar determine uma crise contratual irremediável, não havendo espaço para o uso de providência de índole conservatória”.
A determinação em concreto da justa causa resolve-se pela ponderação de todos os interesses em presença, face à situação de facto que a gerou. Há justa causa quando, ponderados esses interesses e as circunstâncias do caso que se mostrem relevantes (intensidade da culpa, gravidade e consequências do comportamento, grau de lesão dos interesses da entidade empregadora, carácter das relações entre as partes), se conclua pela premência da desvinculação (acórdão do STJ de 25 de Janeiro de 2012, processo 268/04.3TTLSB.L1.S1, acessível em www.dgsi.pt).
O que releva é se, em consequência da conduta do autor, fica definitivamente prejudicada a relação de confiança e lealdade essenciais à manutenção da relação de trabalho.
Aplicando ao caso concreto, provou-se que:
No dia 15/12/2014, o autor ausentou-se do serviço para jantar, pelas 21h00, tendo regressado às 21h 10m (facto provado 5).
O autor esteve a conversar com o colega E… no posto de trabalho deste último (facto provado 6).
Face a tal atraso, o supervisor da secção onde trabalha o autor e seu superior hierárquico, questionou o autor se este “se achava com mais direito do que os outros (colegas de trabalho), no tempo de jantar, para se demorar mais tempo” (facto provado 7).
Face à chamada de atenção do superior hierárquico, o autor dirigiu ao Sr. D… as seguintes expressões: “vai fazer queixa ao Engenheiro”; “vai para o caralho”; “filho da puta”; “parto-te os dentes” (facto provado 8).
Alarmado com aquela situação, o superior hierárquico dirigiu-se ao autor dizendo “escusas de me tratar mal porque eu não te tratei mal” (facto provado 9).
E que iria reportar aquela situação ao encarregado, o Sr. F… (facto provado 10).
O sucedido ocorreu junto ao posto de trabalho e na presença de alguns colaboradores que exercem funções naquele local (facto provado 11).
Ainda que nem todos se tenham apercebido, tiveram noção de que algo teria acontecido (facto provado 12).
Como já se referiu, na ponderação da gravidade do comportamento e das suas consequências, importará considerar o entendimento de um bonus pater familias, de um empregador razoável, segundo critérios de objectividade, em função das circunstâncias de cada caso concreto. Ou seja, a impossibilidade prática da subsistência da relação laboral deve ser reconduzida à ideia de inexigibilidade de manutenção vinculística, à impossibilidade prática da manutenção do contrato, bem como à ideia de comprometimento, desde logo e sem mais, do futuro do vínculo laboral (acórdão do STJ de 5 de Janeiro de 2012, recurso nº 105/07.7TTCBR.C1.S1, em Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Secção Social, Boletim Anual, Ano de 2012).
Não existem dúvidas que a conduta do autor/recorrido, violou os deveres de urbanidade e respeito, não existindo qualquer justificação para a sua conduta, tendo o recorrido regido a uma chamada de atenção do seu superior hirárquico para o facto de chegar atrasado, sem justificação aceitável para tal atraso.
O dever de respeito, previsto no art. 128º, nº 1, al. a), do Código do Trabalho, prende-se, por inerência, com o de urbanidade e probidade, no que concerne ao tratamento com o empregador, superiores hierárquicos, companheiros de trabalho e pessoas que se relacionam com a empresa (Paulo Quintas, Os Direitos de Personalidade Consagrados no Código do Trabalho na Perspetiva Exclusiva do Trabalhador Subordinado – Direitos (Des)figurados, pág. 159). Veja-se ainda Maria do Rosário da Palma Ramalho, Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 3ª ed., Coimbra: Almedina, 2010, pág. 425.
No âmbito dos juízos valorativos que hão-de presidir à indagação da justa causa, assume especial relevância o papel da confiança nas relações de trabalho: a confiança contratual é particularmente afectada quando se belisca o dever de leal colaboração, cuja observância é fundamental para o correcto implemento dos fins prático-económicos a que o contrato se subordina (conforme mencionado acórdão do STJ de 5 de Janeiro de 2012).
Ponderada a atitude do recorrido, apresenta-se como conduzindo a uma “impossibilidade prática da subsistência da relação laboral deve ser reconduzida à ideia de inexigibilidade de manutenção vinculística” (Maria do Rosário da Palma Ramalho, Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 2010, pág. 185).
Desde logo porque, sendo a situação conhecível pelos restantes trabalhadores da recorrida (conforme facto provado 12), ficaria a impressão nos mesmos que as injúrias entre eles, ou dirigidas a superiores hierárquicos, eram toleradas, com as inerentes e graves consequências ao nível da organização da empresa.
Por outro lado, ficou irremediavelmente comprometida a relação entre o trabalhador e o seu superior hierárquico visado, com inevitáveis prejuízos para a estrutura organizacional da empresa.
Lembra Júlio Gomes, em Direito do Trabalho, Volume I, Relações Individuais de Trabalho, 2007, pág. 951, que, no respeitante às consequências da conduta do trabalhador, “estas deverão consistir num prejuízo grave para o empregador, embora tal prejuízo não seja necessariamente de ordem patrimonial. Com efeito, as consequências perniciosas podem consistir em minar a autoridade do empregador (ou do superior hierárquico), lesar a imagem da empresa ou num dano por assim dizer “organizacional”. Referimo-nos, com isto, ao que vulgarmente se refere pela perda de confiança no trabalhador”.
Assim, deve proceder a apelação, julgando-se lícito o despedimento, com a consequente absolvição da recorrida dos pedidos reconvencionais formulados.
IV. Decisão
Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida, que é substituída pelo presente acórdão, julgando-se lícito o despedimento do autor/recorrido, pela ré/recorrente, absolvendo-se esta de todos os pedidos reconvencionais deduzidos.
Custas pelo recorrido, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.

Porto, 10 de Setembro de 2018
Rui Penha
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes