Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
926/11.6TJVNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS QUERIDO
Descritores: DELIBERAÇÕES SOCIAIS
PRESTAÇÕES SUPLEMENTARES
ANULAÇÃO
VOTO ABUSIVO
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RP20141013926/11.6TJVNF.P1
Data do Acordão: 10/13/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Do facto de a lei considerar válida a deliberação social caso se mantenha a maioria necessária para a aprovação, desconsiderados os votos abusivos, decorre a conclusão de que é o vício do voto que afecta a validade da deliberação, face ao disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 58.º do CSC. Ou seja: o vício incide primordialmente sobre o voto e só reflexamente sobre a deliberação.
II - A classificação do voto como abusivo à luz do normativo citado implica cumulativamente que se verifiquem: os pressupostos objectivos (adequação da deliberação ao propósito ilegítimo dos associados); e subjectivos (intenção de obter uma vantagem especial para os sócios que votaram a deliberação ou para terceiros ou de causar prejuízos à sociedade ou aos restantes sócios).
III - Apesar de serem figuras distintas, podem convergir na mesma situação concreta o “voto abusivo” previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 58.º do CSC, e o abuso de direito, previsto no artigo 334.º do Código Civil.
IV - Assumindo a ré sociedade uma deliberação em que se determinava a realização de prestações suplementares pelos sócios a seu favor, tendo a autora, sócia da ré, intentado uma acção com vista à anulação da referida deliberação e informado a ré de que realizaria a prestação apesar da sua discordância caso o Tribunal viesse a considerar a deliberação válida, ao expulsar a autora e determinar a imediata perda da sua quota, na pendência da referida acção e depois de a ter contestado, a ré age com manifesto abuso de direito.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 926/11.6TJVNF.P1

Sumário do acórdão:
I. Do facto de a lei considerar válida a deliberação social caso se mantenha a maioria necessária para a aprovação, desconsiderados os votos abusivos, decorre a conclusão de que é o vício do voto que afecta a validade da deliberação, face ao disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 58.º do CSC. Ou seja: o vício incide primordialmente sobre o voto e só reflexamente sobre a deliberação.
II. A classificação do voto como abusivo à luz do normativo citado implica cumulativamente que se verifiquem: os pressupostos objectivos (adequação da deliberação ao propósito ilegítimo dos associados); e subjectivos (intenção de obter uma vantagem especial para os sócios que votaram a deliberação ou para terceiros ou de causar prejuízos à sociedade ou aos restantes sócios).
III. Apesar de serem figuras distintas, podem convergir na mesma situação concreta o “voto abusivo” previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 58.º do CSC, e o abuso de direito, previsto no artigo 334.º do Código Civil.
IV. Assumindo a ré sociedade uma deliberação em que se determinava a realização de prestações suplementares pelos sócios a seu favor, tendo a autora, sócia da ré, intentado uma acção com vista à anulação da referida deliberação e informado a ré de que realizaria a prestação apesar da sua discordância caso o Tribunal viesse a considerar a deliberação válida, ao expulsar a autora e determinar a imediata perda da sua quota, na pendência da referida acção e depois de a ter contestado, a ré age com manifesto abuso de direito.


Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
B… intentou contra os réus C…, Lda. e D…, acção declarativa de condenação, com forma de Processo Ordinário que sob nº 926/11.6TJVNF, correu termos no 1º Juízo Cível de Vila Nova de Famalicão, alegando em síntese, como fundamento da sua pretensão: a autora é sócia da sociedade comercial por quotas “C…, Lda.”, aqui ré, com uma quota de 50 000,00 Euros, incumbindo actualmente a gerência ao 2º réu e a E…, embora esta não a exerça de facto; o 2º réu, na qualidade de gerente da 1ª ré, procedeu à convocatória de todos os sócios, para uma Assembleia Geral Extraordinária, agendada para o dia 24 de Fevereiro de 2011, a qual teve lugar, apesar da autora ter solicitado o adiamento, invocando motivos de saúde; foi deliberado sob o ponto 3 da Assembleia Geral Extraordinária da 1ª ré, a obrigatoriedade de os sócios realizarem prestações suplementares na 1ª ré, no montante de 150.000,00 Euros, cabendo à aqui autora o valor de 50.000,00 Euros; tal deliberação é nula por violar norma imperativa; por outro lado, as deliberações tomadas sob os nºs 1 e 2 são anuláveis, pois que constituem apenas uma manifestação do 2º réu com vista a obter vantagem especial para si em prejuízo da autora, pretendendo afastar a autora a todo o custo da sociedade, de molde a prosseguir a sua administração, segundo a sua própria vontade e interesses.
Conclui formulando a seguinte pretensão:
A) Que sejam consideradas nulas as deliberações tomadas na Assembleia – Geral Extraordinária da 1ª ré, realizada em 24/02/2011, com fundamento nas razões invocadas sob os art. 16º a 18º, nos termos do art. 56º/1 a) do CSM;
B) Que seja considerada nula a deliberação tomada sob o ponto 3 – Prestações Suplementares – da Assembleia – Geral Extraordinária da 1ª ré, realizada em 24/02/2011, por violação de norma legal imperativa, nos termos descritos sob os art. 20º a 28º;
C) Que sejam anuladas as deliberações sociais relativas à propositura da acção judicial de exclusão a autora e de nomeação do sócio D…, aqui 2 réu, como representante especial da sociedade 1ª ré para propositura de tal acção;
Os réus contestaram, impugnando a factualidade alegada, preconizando a improcedência da nulidade da deliberação com base em vício de procedimento, a improcedência da nulidade da deliberação tomada sob o ponto 3 e a improcedência da anulabilidade, por abuso de direito, das deliberações tomadas sob os pontos 1 e 2.
A autora replicou concluindo como na petição inicial.
Foi elaborado o despacho saneador que fixou a matéria assente e a base instrutória, tendo si eduzida reclamação, deferida por despacho de 5.01.2012 (fls. 172).
Corria termos também no 1º Juízo Cível de Vila Nova de Famalicão, sob o nº 2751/11.5TJVNF, uma acção declarativa na qual a mesma autora, B…, demandou os mesmos réus C…, Lda. e D…, peticionando a anulação das deliberações sociais tomadas em Assembleia Geral Extraordinária de 29 de Julho de 2011 e ainda a condenação dos réus no pagamento de uma indemnização no valor de 40.000,00 Euros, pelos danos não patrimoniais causados pela aprovação das referidas deliberações.
Alega em síntese a autora na referida acção: é sócia da sociedade comercial por quotas “C…, Lda.”, aqui ré, com uma quota de 50.000,00 Euros, incumbindo actualmente a gerência ao 2º réu e a E…, embora esta não a exerça de facto; sem a presença da autora e sob protesto desta, os restantes sócios da 2.ª ré reuniram-se em Assembleia Geral Extraordinária, em 24/02/2011, com a seguinte Ordem de Trabalhos: “1 – Analisar a conduta da sócia B… para com a sociedade e deliberar sobre a necessidade de proposição da acção judicial prevista no art. 242º/1º do CSC, tendo em vista a exclusão judicial daquela da sociedade, definindo, se for caso disso, o respectivo âmbito e fundamentos; 2 – Nomear, se for caso disso, um representante especial da sociedade que a represente no âmbito da supra referida acção judicial de exclusão, definindo os respectivos poderes de representação; 3 – Aprovar e definir o regime das prestações suplementares a prestar pelos sócios à sociedade, fixando, nomeadamente, quer o montante exigível, quer o respectivo prazo de prestação.”; na referida Assembleia Geral, os restantes sócios deliberaram, nomeadamente, considerar que a conduta da autora “consubstancia um comportamento desleal”; mais deliberaram fixar um regime de prestações suplementares a pagar pelos sócios à sociedade; inconformada com o teor das deliberações tomadas na Assembleia Geral Extraordinária, a autora intentou contra os réus a acção principal (926/11.6TJVNF) com vista à anulação das mencionadas deliberações e na pendência da referida acção – na qual, além do mais, impugnou a deliberação que impõe aos sócios a obrigação de efectuar as descritas prestações suplementares, a ré dirigiu à autora a carta de 11 de Abril de 2011, exigindo o cumprimento do valor fixado a esse título e que se salda em 50.000,00 Euros, valor que a autora não pagou, justificando a sua recusa; a autora foi então convocada para uma Assembleia Geral Extraordinária marcada para o dia 29 de Julho de 2011, a qual teve lugar no referido dia e na qual se deliberou excluir a autora da condição de sócia, deliberação essa que é anulável; a referida deliberação causou à autora danos morais para cuja compensação a autora reclama 40.000,00 Euros.
Os réus contestaram excepcionando a ilegitimidade da autora e alertando para o facto de não poder ser apreciada nestes autos a questão do carácter abusivo do regime de prestações suplementares, posto que isso refere-se à deliberação de 24/02/2011, relativamente à qual esse vício não foi suscitado.
A autora respondeu às excepções, pugnando pela sua improcedência e concluindo como na petição.
Foi elaborado o despacho saneador que fixou a matéria assente e a base instrutória, julgando improcedente a excepção de ilegitimidade e relegando para final o conhecimento da excepção de abuso de direito.
Foi determinada a apensação das acções.
Consta da acta da primeira sessão da audiência de julgamento (acta de fls. 263), de 22 de Outubro de 2013:
«[…] Após tal conferência, foi pedida a palavra pelos ilustres mandatários das partes e no uso da mesma disseram, que acordam em reformular o despacho saneador, nos seguintes termos, na Acção principal:
Ponto 4º da base Instrutória - provado por acordo;
Ponto 5º da base Instrutória - provado por acordo;
Ponto 6º da base Instrutória - provado por acordo;
Ponto 6º da base Instrutória - provado por acordo
Ponto 7º da base Instrutória - provado por acordo
Ponto 8º da base Instrutória - provado por acordo, até " 25/2/2011", mantendo-se controvertido o restante segmento do quesito ;
Ponto 10º da base Instrutória - provado por acordo desde “em 19-10-99 ...” até final.
Ponto 11º da base Instrutória - provado por acordo;
Ponto 13º da base Instrutória - provado por acordo, desde “os sócios ...” até final;
Ponto 14º da base Instrutória - provado por acordo
Ponto 15º da base Instrutória - provado por acordo
No processo apenso, as partes acordam consignar como provados os seguintes quesitos:
Ponto 2º da base Instrutória - provado por acordo;
Ponto 3º da base Instrutória - provado por acordo
Ponto 4º da base Instrutória - provado por acordo;
Ponto 5º da base Instrutória - provado por acordo;
Ponto 30º da base Instrutória - provado por acordo;
Ponto 41º da base Instrutória - provado por acordo…[…]».
Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, julgo a ação principal totalmente improcedente e parcialmente procedente a ação apensa e, em consequência:
- anulo a deliberação de 29 de Julho de 2011;
- No mais, absolvo os réus dos pedidos contra eles formulados.
Custas da ação principal pela autora.
Custas da ação apensa por autora e réus, na proporção do decaimento, que desde se já se fixa de 2/15 para a primeira e 3/5 para os segundos.
Registe e notifique.».
Não se conformaram os réus e interpuseram recurso de apelação, apresentando alegações, onde formulam as seguintes conclusões:
A) Da impugnação da matéria de facto:
A.1) Da resposta aos quesitos 5º, 6º e 15º da B. I. (FP 5.54, 5.55 e 5.62):
A) Entendem os Réus que os quesitos 5º, 6º e 15º da Base Instrutória do Apenso A (Processo n.º 926/11.6TJVNF-A), respectivamente Factos Provados 5.54, 5.55 e 5.62 da sentença recorrida, foram incorrectamente julgados, pois, atendendo à prova constante dos autos, a mesma deve ser alterada para “não provados”.
B) Com efeito, esses factos correspondem aos alegados pela Autora nos arts. 18º e 20º da p.i. do Apenso A, sendo a sua prova alegadamente feita pela junção pelos docs. 7 e 9 juntos em anexo a esse mesmo articulado.
C) Sucede que essa factualidade foi expressamente impugnada pelos Réus nos arts. 39º, 40º, 41º, 42º e 52º da sua Contestação do Apenso A. Importa salientar que os Réus impugnaram não só os factos em causa, como os documentos juntos para prova dos mesmos, alegando nunca ter recebido as cartas em questão, tendo alertado para a necessidade de ser juntos os respectivos comprovativos de registo e aviso de recepção.
D) Por terem sido por ela alegados, o ónus de prova de tais factos recai sobre a Autora. Aliás, constituindo alegadas cartas registadas com aviso de recepção, a Autora poderia fazer a sua prova mediante a junção dos respectivos talões de registo e aviso de recepção, o que esta nunca fez.
E) Deste modo, não existe nos autos qualquer prova de que essas cartas tenham sido enviadas, e muito menos recebidas, aos Réus, pelo que tais factos têm de ser considerados como não provados.
F) Face ao exposto o Tribunal errou ao dar como provados os quesitos 5º, 6º e 15º da Base Instrutória (correspondentes aos Factos Provados 5.54, 5.55 e 5.62 da sentença recorrida), devendo por isso a respectiva resposta ser alterada para “Não Provados”.
A.2) Da resposta aos quesitos 12º (Facto Provado 5.60), 31º e 32º da B. I.:
G) Os Réus discordam ainda da resposta de “provado” dada pelo Tribunal ao quesito 12º da Base Instrutória, respectivamente Facto Provado 5.60 da sentença recorrida, bem como a resposta “não provado” aos quesitos 31º e 32º da Base Instrutória do Apenso A (Processo n.º 926/11.6TJVNF-A), as quais deveriam ser, respectivamente de “não provado” e “provados”.
H) A prova dos factos quesitados nos itens 31º e 32º da Base Instrutória, bem como a contra prova do quesito 12º (FP 5.60), resulta da conjugação dos seguintes elementos:
• Doc. 21 em anexo à Contestação da Ré no âmbito do apenso A (Processo n.º 926/11.6TJVNF-A), a fls. H dos autos: Recibos emitido pelo Banco F… da entrega/depósito/crédito na conta da sociedade, respectivamente, em 03/03/2011 e 30/03/2011 de cheques emitidos pelos 3ª e 2º Réus, no valor de EUR 25.000,00 e EUR 75.000,00, para pagamento das prestações suplementares em causa.
• Doc. 22 em anexo à Contestação da Ré no âmbito do apenso A (Processo n.º 926/11.6TJVNF-A), a fls. H dos autos: cópias dos cheques emitidos, respectivamente, pelos 3ª e 2ª Réus, no valor de EUR 25.000,00 e EUR 75.000,00, para pagamento das prestações suplementares em causa.
• Docs. juntos pelos Réus na sessão de audiência de julgamento de 22/10/2013: extractos bancários da conta bancária da sociedade de 01/01/2011 a 10/11/2011 onde, mais concretamente no extracto referente a Março (03) de 2011, consta expressamente o depósito/crédito das quantias supra descritas na conta bancária da sociedade, comprovando que os referidos cheques tiveram efectivo bom pagamento e entraram na conta bancária da sociedade, ficando na sua disponibilidade.
• Depoimento da testemunha G…, técnica oficial de contas da sociedade, cujo depoimento foi registado na Ata de Audiência e Discussão e Julgamento de 04/12/2013, gravado no sistema "Habilus Media Studio", CD 977, de 00:00:01 a 01:21:42, mais concretamente na passagem: 11m:10 a 12:30 pela qual a testemunha, Contabilista/TOC da sociedade, referiu ser do seu conhecimento directo que o dinheiro das prestações suplementares em causa nos autos devidas pelos sócios aqui 3ª e 2ª Réus entraram efectivamente na empresa.
• Analisado o depoimento das restantes testemunhas, nenhuma delas demonstrou ter conhecimento directo sobre os factos em questão.
I) Face ao exposto, o Tribunal errou ao dar como provado o quesito 12º da Base Instrutória (Facto Provado 5.60 da douta sentença recorrida), devendo por isso a respectiva resposta ser alterada para “Não Provado”.
J) Acresce que, atendendo aos concretos meios de prova supra descritos, o Tribunal errou ainda ao considerar como não provados os quesitos 31º e 32º da Base Instrutória, devendo por isso a respectiva resposta ser alterada para “Provados” e, consequentemente, passar para os Factos Provados/Matéria Assente da douta sentença recorrida.
B) Do abuso de direito da deliberação de 29/07/2011:
K) Deste modo, analisando a fundamentação exposta na sentença recorrida, conclui-se que o Tribunal considerou abusiva essa deliberação por:
1) as relações familiares da autora com a sua mãe ( 3ª ré) e, em particular, com o seu irmão ( 1º réu) se terem fragilizado, concluindo esse facto pela desconsideração por banda do 2º réu – sócio maioritário e Presidente da Assembleia –Geral - dos motivos invocados pela autora, sua irmã, para o adiamento da realização da assembleia de 24/02/2011;
2) o 1º réu ter desenvolvido o propósito de afastar a autora da sociedade, por forma a prosseguir a sua administração à margem do escrutínio incómodo da autora;
3) não se ter evidenciado que a exigência de prestações suplementares fosse essencial para o futuro da empresa, pois que, nem se evidenciaram os reais e acumulados prejuízos da ré, nem as necessidades de investimento com vista à sua reestruturação;
L) No entanto, sobre essa argumentação, importa salientar desde logo o seguinte:
1) Relativamente à deterioração das relações familiares não só a mesma não resulta directamente dos Factos Provados da acção apensa, como tal facto não é suficiente para, só por si, considerar abusiva a deliberação em causa. Importa salientar que a alegada desconsideração dos motivos invocados pela autora para o adiamento da realização da assembleia de 24/02/2011 foram-lhe sobejamente explicados e comunicados pela gerência da Ré (cfr. FP 5.45 e doc. 3 em anexo à contestação). Não nos podemos esquecer que a Autora só comunicou que pretendia adiar a Assembleia 2 dias (!!!!) antes da data marcada para a sua realização. De qualquer modo, foi-lhe explicado que, caso não pudesse comparecer, poderia fazer-se representar nos termos legais, bem como que poderia solicitar a marcação de uma nova assembleia para tratar dos assuntos que pretendia aditar à ordem de trabalhos. Assim, a decisão da gerência e dos próprios sócios de não adiar a assembleia de 24/02/2011 é compreensível, justa e equilibrada, tendo sido devidamente salvaguardados os direitos da Autora.
2) Relativamente ao alegado propósito do 2º Réu em afastar a Autora não se vê como é que se pode tirar tal conclusão dos Factos Provados. Acresce que todas as deliberações assumidas em Assembleias Gerais de Sócios foram tomadas por unanimidade dos sócios presentes e não apenas pelo 2º Réu. Aliás, o 2º Réu, sozinho, não teria votos suficientes para deliberar desse modo.
3) Relativamente à questão de não se ter evidenciado que a exigência de prestações suplementares fosse essencial para o futuro da empresa, o certo é que também não se provou o seu contrário. Ora, de acordo com as regras do ónus da prova, alegando a Autora que esse regime de prestações suplementares foi um estratagema para a afastar da sociedade, competia-lhe provar que o mesmo era desnecessário e injustificado, mas também não o conseguiu fazer. Não se tendo provado uma coisa, nem o seu contrário, obviamente que não se pode considerar abusivo, desnecessário o injustificado tal regime de prestações suplementares.
M) Acresce que não vemos como é que o Tribunal “a quo” pode tirar essas conclusões com base nos Factos Provados. Com efeito, resulta dos Factos Provados 5.46-A e 5.47-A, 5.44, 5.45 (doc. 3 em anexo à contestação), 5.48, 5.49 (doc. 5 em anexo à contestação), da resposta aos quesitos 31ºe 32º da BI nos termos requeridos supra, 5.52, 5.69 (doc. 8 em anexo à contestação), 5.50 (doc.10 em anexo à contestação), 5.51, 5.49-A e 5.66 da sentença recorrida que todo o processo foi válido e legal, não tendo sido provado qualquer facto por onde se possa concluir pelo carácter abusivo da deliberação de 29/11/2011.
N) Com efeito, o tribunal considerou válida e eficaz a deliberação de 24/02/2011 (FP 5.48 e 5.49 pela qual foi estabelecida e definida a obrigação de pagar prestações suplementares à sociedade pelos sócios. O valor das mesmas é equilibrado (apenas 10% do valor permitido pelo pacto – EUR 1.500.000,00) e proporcional (cada sócio tinha de participar na proporção da sua quota).
O) Conforme resulta do pedido supra de alteração da resposta aos quesitos 31º e 32º da B.I. (no sentido de serem declarados provados), os 2º e 3ª Ré cumpriram atempadamente a sua obrigação, tendo pago as prestações suplementares a que estavam obrigados pela deliberação de 24/02/2011.
P) Ao contrário dos 2º e 3ª Ré e apesar de ter data certa para o efeito (FP 5.48, 5.49 e doc.5 em anexo à contestação – 30 dias após a recepção da carta), a Autora não procedeu ao seu pagamento.
Q) Apesar disso, em Abril de 2011, a 1ª Ré interpelou novamente a Autora para cumprir a sua obrigação, alertando-a expressamente para os riscos que o seu não pagamento implicavam (cfr. FP 5.52 e 5.69 e doc. 8 em anexo à contestação). Interpelação essa que, atendendo ao seu não pagamento por parte da Autora, a 1ª Ré repetiu em Junho de 2011. (cfr. FP 50 e doc. 10 em anexo à Contestação)
R) Assim, a Autora foi interpelada pelo menos 3 vezes pela 1ª Ré para proceder ao pagamento das prestações suplementares a que estava obrigada, bem como para as consequências do seu incumprimento, nunca esta tendo respondido às mesmas, demonstrando total desinteresse pela sociedade.
S) Nunca a Autora afirmou à sociedade que iria cumprir o regime de prestações suplementares deliberado caso o Tribunal não declarasse nulas as deliberações sociais impugnadas. (cfr. alteração à matéria de facto solicitada supra no ponto A.1).
T) De qualquer modo, olhando para os factos na sua globalidade, constata-se que a Autora foi por diversas vezes (mais do que a lei exige) advertida para proceder ao pagamento das prestações suplementares a que se encontrava obrigada, e, apesar disso, sempre optou por não pagar, recusando-se assim a não contribuir para o futuro da sociedade tal como se encontrava contratual e legalmente obrigada, pelo que deve sujeitar-se às sanções que a lei prevê.
U) E não se diga que a Autora nunca se recusou expressamente a pagar as prestações suplementares a que se encontrava obrigada, pois a obrigação em causa tinha uma data certa: 30 dias após a recepção da notificação de 25/02/2011 da acta da Assembleia Geral de 24/02/2011. (FP 5.48, 5.49 e doc. 5 em anexo à contestação).
Consequentemente, não tendo cumprido os prazos que, sucessivamente a sociedade lhe foi dando, a Autora entrou em incumprimento da sua obrigação, legitimando assim o recurso às sanções legalmente previstas para o efeito.
V) A decisão de exclusão de sócia da sociedade é assim uma consequência lógica, justa e legal do reiterado incumprimento por parte da Autora da sua obrigação de pagar as prestações suplementares a que estava obrigada, tendo sido integral e pontualmente cumpridos quer o pacto social, quer os arts. 210º, 211º, 212º e 204º (ex vi 212º) do CSC.
W) Note-se ainda que a Autora não provou sequer que se encontrasse impedida de cumprir tal regime por quaisquer dificuldades financeiras.
X) Também não provou que este tivesse sido um estratagema para a excluir da sociedade (estranho estratagema esse, pois não só os restantes sócios tiveram de despender valores mais elevados, como a própria Autora tinha a possibilidade de o impedir procedendo ao seu pagamento).
Y) O regime de prestações suplementares unanimemente aprovado está expressamente previsto no pacto social e na lei, é proporcional à participação de cada um no capital da sociedade, o seu montante (EUR 150.000,00) encontra-se muito afastado dos limites contratualmente fixados (EUR 1.500.000,00) e foram cumpridos todos os requisitos legais, nomeadamente as sucessivas advertências para os riscos que a Autora incorria.
Z) A deliberação de 29/07/2011 limita-se a retirar consequências pelo incumprimento do regime de prestações suplementares aprovado pelas partes e que não foi considerado abusivo pelo Tribunal.
AA) Face ao exposto, o Tribunal errou ao declarar abusiva a deliberação de 29/07/2011 e, em consequência, ter decretado a anulação da mesma.
Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, substituindo-a por outra que julgue totalmente improcedente a acção apensa, absolvendo os Réus dos pedidos contra eles formulados, tudo com as consequências legais, assim se fazendo a devida, JUSTIÇA.
A autora apresentou resposta às alegações de recurso, na qual conclui:
1 – Os apelantes iniciam as suas alegações com a pretensão de alteração da matéria de facto e fazem – no em dois momentos distintos;
2 – Num primeiro momento, pretendem que seja alterada a resposta dada aos quesitos 5º, 6º e 16º da B.I. (FP 5.54, 5.55, 5.62) que, no seu entender, ao contrário do doutamente decidido, deveriam merecer a resposta de “Não Provado”;
3 - Ora, no que se refere à Acção Apensa, um dos quesitos considerado provado por acordo foi precisamente o art. 5º da B.I. (F.P. 5.54), cuja resposta os apelantes pretendem agora contrariar, pelo que, com as inerentes conclusões a retirar do comportamento dos apelantes de “dar o dito por não dito”, não podem agora aqueles pretender obter, em sede de recurso, resposta diferente àquela que admitiram por acordo.
4 - Por coerência de raciocínio, tendo aquele quesito 5º da B.I. (F.P.5.54) sido considerado Provado (note-se por acordo), outra resposta não poderiam merecer os quesitos 6º e 15º da B.I. (F.P. 5.55 e 5.62), uma vez que da análise daqueles três quesitos se constata terem o mesmo substracto material, a saber: a apelada condicionou a entrega das prestações suplementares que lhe foram exigidas pelos apelantes ao desfecho da presente acção, aliás, diga-se, sede própria para se determinar da legalidade ou ilegalidade de qualquer deliberação social.
5 - Atento, o exposto deve ser mantida a resposta de “Provado” dada aos quesitos 5º, 6º e 15º da B.I., correspondentes aos F.P. 5.54, 5.55 e 5.62.
6 – Num segundo momento, pretendem os apelantes que seja alterada a resposta dada aos quesitos 12º, 31º e 32º da B.I. (F.P. 5.60) para Não Provado;
7 – Sucede, porém, que para sustentarem a sua tese os apelantes remetem para o depoimento da testemunha G…, sem, contudo, o contextualizar ou transcrever as citações daquela testemunha e que dizem ter conduzido à conclusão por si tirada;
8 - Destarte, os apelantes não cumpriram o ónus previsto no citado dispositivo legal, razão pela qual a apelação não deve ser conhecida quanto a este ponto.
9 – A segunda parte do recurso dos apelantes aponta para a questão central objecto do presente recurso, isto é, reconduz-se a saber se os factos provados permitem que se conclua no sentido do preenchimento dos pressupostos legais para aplicação do disposto no art 58°/1 al b) do CSC, disposição legal com base na qual o Tribunal “a quo” decidiu ser a deliberação social de 29/07/2011, contrária à lei;
10 - Dispõe a referida al b), do nº 1, do art. 58º do CSC que: “São anuláveis as deliberações que sejam apropriadas para satisfazer o propósito de um dos sócios de conseguir, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ou simplesmente de prejudicar aquela ou estes, a menos que se prove que as deliberações teriam sido tomadas mesmo sem os votos abusivos”;
11 - Em primeiro lugar, há desde logo que afastar duas das objecções dos apelantes no desenvolvimento do seu raciocínio de não verificação dos pressupostos de aplicabilidade da norma da al b), do nº 1, do art 58º CSC: a primeira relativa à deterioração das relações familiares e a segunda relativamente à questão de não se ter evidenciado que a exigência de prestações suplementares fosse essencial para o futuro da empresa;
12 - Como é evidente, as questões que a Mma Juiz “ a quo” invocou referente às relações familiares deterioradas e à necessidade económico – financeira das prestações suplementares, são relevantíssimas para se compreender o ponto de vista inicial do apelante D… na aprovação da realização das prestações suplementares;
13 - Sendo evidente que, azedando as relações entre a apelada e o apelante D…, e cabendo a administração da sociedade, aqui também apelante, unicamente àquele (Cfr. F.P. 5.56 e 5.57), cómodo se tornaria que toda a actividade social passasse a ser exercida sem o escrutínio da apelada, aliás incómodo, até em virtude do Processo de Inquérito Judicial entretanto intentado;
14 - Eis que surge, então, a inusitada necessidade de realização de prestações suplementares, não obstante a sociedade delas do ponto de vista económico – financeiro não necessitar e em clara desconsideração pela situação económica da apelada e da capacidade daquela para as realizar;
15 – Deste modo, por via da aprovação da realização de prestações suplementares, o apelante D… conseguiu, afinal, a prossecução da sua intenção de afastar a apelada dos destinos da sociedade, excluindo-a;
16 – A deliberação em apreço mostrou-se, assim, objectivamente apropriada para implicar prejuízo à sócia, ora apelada, que em caso de incumprimento da realização de prestações suplementares, note-se no valor de € 50.000,00 e no prazo de 30 dias, seria excluída, com perda total ou parcial de quota, configurando-se, na dicotomia das deliberações a que alude a al b), do nº 1, do art 58º, como uma deliberação emulativa.
17 – Acresce a esta aptidão objectiva o intuito subjectivo actual dos sócios que a votam, admitindo-se, no entanto, como bastante, a este nível, o dolo eventual;
18 - O que significa que, ainda que os votantes da deliberação em causa nos autos pudessem ter como objectivo a injecção de capital na sociedade, a circunstância de ao votarem não puderem ter deixado de prever como possível o prejuízo da sócia e terem aceite esse resultado, é bastante para ter a deliberação social em apreço como abusiva para o efeito do disposto na al b) do nº 1 do art 58º CSC, mostrando-se a mesma anulável.
19 - Saliente-se, ainda, que o que se pretende sancionar, não é uma discrepância entre a deliberação e uma determinada disposição legal ou estatutária, mas sim situações, que pese embora estejam formalmente conformes com tais normativos legais ou estatutários (como in casu, a deliberação de realização de prestações suplementares), desrespeitam a intencionalidade material que nelas esteja subjacente, contrariando o necessário equilíbrio entre o exercício dos poderes legalmente concedidos e a observância dos princípios aos mesmos subjacentes e que os justificam;
20 - Reportando-nos aos autos, temos que através da dinâmica de realização das prestações suplementares, o apelante conseguiu excluir a apelada da sociedade, a custo zero, vendo esta afectada a possibilidade de, em termos decisivos, e pese embora o respectivo peso no capital social, poder vir a satisfazer a expectativa de receber, periodicamente, pelo menos parte dos lucros gerados pela sociedade apelante ou de receber o preço devido pela alienação da sua quota.
21 - Podendo-se assim afirmar que no âmbito dessa dinâmica, o sócio e apelante D…, através da exigência de realização das prestações suplementares que aprovou, visou e logrou garantir e aumentar os seus proventos pessoais, adquirindo posteriormente a quota da apelada, fazendo-o, conforme decorre do já exposto, pelo menos, em detrimento da apelada, enquanto sócia;
22 - Desta forma, na desconformidade do exercício do direito de exigir dos sócios a realização de prestações suplementares, in casu da apelada, com a intencionalidade material que ao mesmo subjaz, desconformidade essa traduzida numa manifesta vantagem para o mencionado sócio, ora apelante, em prejuízo, pelo menos, da apelada, na concordância com o supra expendido, tem-se por verificada a previsão do n.º1, b), do art.º 58, do CSC, o que determina, em conformidade a anulação da deliberação de 29/07/2011 por abusiva;
23 - A douta sentença recorrida não merece, assim, qualquer censura.
Termos em que deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se em consequência a douta sentença recorrida nos seus precisos termos e com as legais consequências.

II. Do mérito do recurso
1. Definição do objecto do recurso
O objecto do recurso delimitado pelos recorrentes nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nº 3 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º, nº 2, in fine), consubstancia-se nas seguintes questões:
1.1. reponderação da decisão da matéria de facto, no que concerne aos factos provados;
1.2. reponderação do voto abusivo [alínea b) do n.º 1 do artigo 58.º do CSC] e do abuso de direito [artigo 334.º do Código Civil] como fundamentos da anulação da deliberação social.

2. Recurso da matéria de facto
2.1. Definição da factualidade sobre a qual incide a divergência
Os recorrentes discordam da decisão da matéria de facto, quanto aos seguintes pontos:
a) Da resposta aos quesitos 5º, 6º e 15º da Base Instrutória do Apenso A (Processo n.º 926/11.6TJVNF-A), respectivamente Factos Provados 5.54, 5.55 e 5.62 da sentença recorrida, preconizando a sua alteração para “não provados”;
b) Da resposta de “provado” dada pelo Tribunal ao quesito 12º da Base Instrutória [Facto Provado 5.60 da sentença recorrida], bem como a resposta “não provado” aos quesitos 31º e 32º da Base Instrutória do Apenso A (Processo n.º 926/11.6TJVNF-A), por entenderem que deveriam ser, respectivamente de “não provado” e “provados”.
2.2. Reponderação da decisão sobre os quesitos 5º, 6º e 15º da Base Instrutória do Apenso A
É a seguinte a factualidade impugnada:
«[quesito 5.º] 5.54. Por carta registada com aviso de recepção de 20 de Junho de 2011, a Autora retorquiu à missiva que lhe havia sido endereçada pela 1.º Ré, reiterando a pendência da ação judicial, solicitando que se aguardasse pela decisão a proferir na dita ação e que efetuaria o pagamento da referida quantia caso o Tribunal não declarasse nulas as deliberações sociais impugnadas.
[quesito 6.º] 5.55. A Autora, em resposta à carta da 1.ª Ré referida em I), voltou a dirigir nova carta a esta, pugnando pela não realização da Assembleia em face da pendência da ação judicial e da ilegalidade que a mesma representaria.
[quesito 15.º] 5.62.A Autora afirmou nas cartas que sucessivamente dirigiu à 1.ª Ré que está disposta a entregar à sociedade a referida quantia desde que na ação judicial pendente seja declarada a legalidade daquela deliberação».
Reponderação da resposta dada ao quesito 5.º da B. I. do apenso:
No que concerne ao quesito 5.º, o seu teor foi objecto de acordo, conforme consta da acta da primeira sessão da audiência de julgamento (acta de fls. 263), de 22 de Outubro de 2013.
Temos assim como assente por acordo das partes que: por carta registada com aviso de recepção de 20 de Junho de 2011, a Autora retorquiu à missiva que lhe havia sido endereçada pela 1.º Ré, reiterando a pendência da acção judicial, solicitando que se aguardasse pela decisão a proferir na dita acção e que efectuaria o pagamento da referida quantia caso o Tribunal não declarasse nulas as deliberações sociais impugnadas
Tal carta é a que consta de fls. 46 do apenso (documento 7 junto com a respectiva petição).
Revela-se, em consequência, totalmente improcedente a impugnação da decisão no que concerne ao quesito 5.º da base instrutória do apenso.
Reponderação da resposta dada ao quesito 6.º da B. I. do apenso:
Vejamos agora o quesito 6.º.
O Tribunal deu como provado que a autora, em resposta à carta da 1.ª ré referida em I), voltou a dirigir nova carta a esta, pugnando pela não realização da Assembleia em face da pendência da acção judicial e da ilegalidade que a mesma representaria.
Tal carta é a que consta de fls. 49 do apenso (documento 9 junto com a respectiva petição).
A referida carta foi impugnada na contestação apresentada pelos réus (ora recorrentes), nestes termos:
«42.º Tendo recebido esta carta/convocatória em 12/07/2011, a Autora nada disse, remetendo-se ao silêncio, sendo falso que tenha remetido a carta mencionada no art. 20º (doc. 9 em anexo à contestação), o que mais uma vez é facilmente comprovável pelo facto de não juntar qualquer talão de registo ou aviso de recepção. […]
52.º Sendo falsos e reveladores da má-fé com que a Autora litiga o alegado nos arts. 18º e 20º, bem como os docs. 7 e 9 juntos em anexo à contestação, pois nunca foram remetidos aos Réus, nem foram por eles recebidos.»
Com o devido respeito, perde credibilidade esta impugnação, considerando que os réus, ora recorrentes, mais tarde vieram a admitir por acordo com a autora o envio por esta e a recepção por aqueles, da carta junta aos autos a fls. 46 do apenso (documento 7).
Somos, no entanto, forçados a admitir que a confissão posterior de recepção da carta que constitui o documento 7, não implica, necessariamente, má fé, podendo resultar do facto de em momento ulterior os recorrentes se terem apercebido de que, afinal, haviam recebido uma (e apenas uma) das referidas cartas.
O que se torna difícil de compreender são as razões que levam os recorrentes a, em momento ulterior à confissão, virem novamente impugnar um documento que já admitiram expressamente.
A questão é esta: será que da contradição na conduta processual dos recorrentes se pode retirar como ilação segura [convicção profunda assente em padrões de probabilidade, capaz de afastar a situação de dúvida razoável], a prova de que se receberam uma carta também terão recebido a outra?
Pensamos que não.
O ónus da prova recai integralmente sobre a recorrida e, in casu, cumprir-se-ia com manifesta simplicidade: bastava a junção de um talão de registo, à semelhança do que fez noutras situações (vide talões de fls. 43 e 44).
Com o devido respeito, não podemos estar de acordo com a posição assumida pela recorrida nos pontos 4.º das conclusões formuladas na resposta à alegações dos recorrentes: «Por coerência de raciocínio, tendo aquele quesito 5º da B.I. (F.P.5.54) sido considerado Provado (note-se por acordo), outra resposta não poderiam merecer os quesitos 6º e 15º da B.I. (F.P. 5.55 e 5.62), uma vez que da análise daqueles três quesitos se constata terem o mesmo substracto material, a saber: a apelada condicionou a entrega das prestações suplementares que lhe foram exigidas pelos apelantes ao desfecho da presente acção, aliás, diga-se, sede própria para se determinar da legalidade ou ilegalidade de qualquer deliberação social».
Com efeito, não está em causa a averiguação sobre se “a apelada condicionou a entrega das prestações suplementares que lhe foram exigidas pelos apelantes ao desfecho da presente acção”.
Tal conclusão resulta, sem margem para reservas, do teor da carta junta aos autos a fls. 46 (documento 7), que se provou ter sido enviada pela recorrida e recepcionada pelos recorrentes[1]:
«Exmos. Senhores
Acuso a recepção da v/carta datada de 14 de Junho corrente, a que passo a responder.
Certamente V.as Exas. não prestaram atenção ao teor da m/carta datada de 19 de Abril de 2011 e em resposta à v/carta de 11 do mesmo mês.
É que se acaso tivessem na devida conta o teor daquela m/carta, por certo que não me teriam endereçado a carta a que respondo.
Como é do perfeito conhecimento de V.as Exas., aliás, já a contestaram, corre termos pelo 1° Juízo Cível do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão, a acção ordinária, processo n.º 926/11.6TJVNF, em que se discute a validade da deliberação em cauda, pedindo-se a sua nulidade.
Por isso, enquanto não for proferida decisão naquela acção, é inútil e despicienda a pretensão de V.as Exas. e, por isso, devem aguardar aquela decisão.
Nestes termos, ainda não paguei e só pagarei as prestações suplementares se acaso o Tribunal não declarar nula a dita deliberação.
Com os meus cumprimentos.».
O que está em causa é tão apenas a questão de saber se “A Autora, em resposta à carta da 1.ª Ré referida em I), voltou a dirigir nova carta a esta, pugnando pela não realização da Assembleia em face da pendência da ação judicial e da ilegalidade que a mesma representaria”.
O facto questionado é o envio da carta correspondente ao doc. n.º 9, e, ressalvado sempre o devido respeito, tal facto, tendo sido objecto de impugnação, não se encontra provado, já que a recorrida, sobre quem incumbia o respectivo ónus, não juntou aos autos qualquer documento comprovativo (talão de registo).
Decorre do exposto a procedência do recurso neste segmento, devendo considerar-se “não provado” o quesito 6.º do apenso.
Reponderação da resposta dada ao quesito 15.º da B. I. do apenso:
Vejamos o teor do quesito em causa:
[quesito 15.º] 5.62. A Autora afirmou nas cartas que sucessivamente dirigiu à 1.ª Ré que está disposta a entregar à sociedade a referida quantia desde que na ação judicial pendente seja declarada a legalidade daquela deliberação».
A confissão expressa (e irretratável) dos réus (ora recorrentes), de que receberam a carta junta aos autos a fls. 46 (documento 7), implica incontornavelmente a resposta positiva a este quesito, com uma pequena restrição (restringe-se a uma carta e não a várias), e com um pequeno esclarecimento, devendo passar a ter o seguinte teor:
«Na carta registada com aviso de recepção de 20 de Junho de 2011, remetida pela Autora à 1.ª ré (sociedade), a Autora, reiterando a informação sobre a pendência da ação judicial, solicitou que se aguardasse pela decisão a proferir na dita ação, declarando-se disposta a entregar à sociedade a referida quantia desde que na ação judicial pendente fosse declarada a legalidade daquela deliberação».
2.3. Reponderação da decisão sobre os quesitos 12º, 31.º e 32.º da Base Instrutória do Apenso A
Discordam os recorrentes da resposta de “provado” dada pelo Tribunal ao quesito 12º da Base Instrutória [Facto Provado 5.60 da sentença recorrida], bem como a resposta “não provado” aos quesitos 31º e 32º da Base Instrutória do Apenso A (Processo n.º 926/11.6TJVNF-A), por entenderem que deveriam ser, respectivamente de “não provado” e “provados”.
Vejamos a factualidade controversa.
[Quesito 12.º] facto provado 5.60: Os 2.º e 3.º Réus não procederam ao depósito e nem entregaram à sociedade os valores que lhe cabiam, nas prestações suplementares.
Quesito 31.º Em cumprimento da deliberação, em 03/03/201, o sócio aqui 3º Ré E… pagou à 1ª Ré o montante de EUR 25.000,00 (vinte e cinco mil euros) a título de prestações suplementares, mediante cheque depositado na conta bancária da sociedade?
Quesito 32.º Em cumprimento da mesma, em 30/03/2011, o sócio aqui 2ª Réu D… pagou à 1ª Ré o montante de EUR 75.000,00 (setenta e cinco mil euros) a título de prestações suplementares, mediante cheque depositado na conta bancária da sociedade?
O Tribunal respondeu “provado” aos quesito 12.º e “não provado” aos quesitos 31.º e 32.º.
Alegam os recorrentes em abono da sua tese:
«Sucede que a prova dos factos quesitados nos itens 31º e 32º da Base Instrutória, bem como a contra prova do quesito 12º (FP 5.60) resulta da conjugação dos seguintes elementos:
1. Doc. 21 em anexo à Contestação da Ré no âmbito do apenso A (Processo n.º 926/11.6TJVNF-A), a fls. … dos autos: Recibos emitido pelo Banco F… da entrega/depósito/crédito na conta da sociedade, respectivamente, em 03/03/2011 e 30/03/2011 de cheques emitidos pelos 3ª e 2º Réus, no valor de EUR 25.000,00 e EUR 75.000,00, para pagamento das prestações suplementares em causa.
2. Doc. 22 em anexo à Contestação da Ré no âmbito do apenso A (Processo n.º 926/11.6TJVNF-A), a fls. H dos autos: cópias dos cheques emitidos, respectivamente, pelos 3ª e 2ª Réus, no valor de EUR 25.000,00 e EUR 75.000,00, para pagamento das prestações suplementares em causa.
3. Docs. juntos pelos Réus na sessão de audiência de julgamento de 22/10/2013: extractos bancários da conta bancária da sociedade de 01/01/2011 a 10/11/2011 onde, mais concretamente no extracto referente a Março (03) de 2011, consta expressamente o depósito/crédito das quantias supra descritas na conta bancária da sociedade, comprovando que os referidos cheques tiveram efectivo bom pagamento e entraram na conta bancária da sociedade, ficando na sua disponibilidade.
4. Depoimento da testemunha G…, técnica oficial de contas da sociedade, cujo depoimento foi registado na Ata de Audiência e Discussão e Julgamento de 04/12/2013, gravado no sistema "Habilus Media Studio", CD 977, de 00:00:01 a 01:21:42, mais concretamente na seguinte passagem: 11m:10 a 12:30 pela qual a testemunha, Contabilista/TOC da sociedade, referiu ser do seu conhecimento directo que o dinheiro das prestações suplementares em causa nos autos devidas pelos sócios aqui 3ª e 2ª Réus entraram efectivamente na empresa.
5. Analisado o depoimento das restantes testemunhas, nenhuma delas demonstrou ter conhecimentos sobre os factos em questão.
Deste modo, não se consegue descortinar (nem o próprio Tribunal explica/fundamenta na sua sentença) como é que, tendo em conta a prova supra referida, se pode dar como provado que os 2.º e 3.º Réus não procederam ao depósito e nem entregaram à sociedade os valores que lhe cabiam nas prestações suplementares.
A prova produzida em audiência de julgamento obriga necessariamente a concluir pelo seu oposto ou seja que os 2º e 3ª Réus entregaram/pagaram efectivamente à sociedade as prestações suplementares em causa nos autos».
Em resposta, alega a recorrida:
«6 – Num segundo momento, pretendem os apelantes que seja alterada a resposta dada aos quesitos 12º, 31º e 32º da B.I. (F.P. 5.60) para Não Provado;
7 – Sucede, porém, que para sustentarem a sua tese os apelantes remetem para o depoimento da testemunha G…, sem, contudo, o contextualizar ou transcrever as citações daquela testemunha e que dizem ter conduzido à conclusão por si tirada;
8 - Destarte, os apelantes não cumpriram o ónus previsto no citado dispositivo legal, razão pela qual a apelação não deve ser conhecida quanto a este ponto.».
Com o devido respeito, afigura-se-nos que não assiste razão à recorrida quando preconiza vagamente a não admissão do recurso nesta parte por alegado incumprimento de pressupostos legais imperativos.
Vejamos porquê.
Sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, dispõe o n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil:
«Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas».
No que concerne à prova gravada, rege nestes termos o n.º 2 da citada norma:
«a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes».
A disposição legal citada impõe ao recorrente o dever de “circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento”, bem como a exigência de “fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa”, não bastando “meras generalidades, não alicerçadas em factos concretos ou descritas de forma imprecisa ou vaga”[2].
Ora, os recorrentes, para além de indicarem a prova documental na qual suportam a sua divergência, indicam com exactidão as passagens da gravação em que fundam o seu recurso, no que respeita à prova testemunhal, sendo certo que a transcrição é meramente facultativa, conclusão que se retira de forma unívoca da parte final da alínea a) do n.º 2 do artigo 640.º do Código de Processo Civil: «sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes».
Decorre do exposto que se encontram reunidos os pressupostos para a apreciação do recurso neste segmento.
Passamos a reapreciar os meios de prova e a decisão.
Constatamos, desde logo, uma manifesta contradição na factualidade provada, face à primeira parte do facto n.º 5.50: «A Autora, ao contrário dos restantes sócios aqui 2° e 3º Réus, não procedeu o pagamento das prestações suplementares a que se encontrava obrigada […]».
Ou seja, o Tribunal considerou, neste facto, que o 2.º réu e a 3ª ré procederam ao pagamento dos suplementos.
Convém começar por esclarecer que os réus, ora recorrentes, não juntaram os documentos n.º 21 e 22, nem no apenso nem no processo principal. E porque não os juntaram, tiveram dificuldade na identificação das respectivas folhas dos autos.
Percorremos ambos os processos de forma exaustiva. No apenso, o ilustre mandatário dos réus “protesta juntar” 22 documentos (fls. 91), mas depois vem aos autos juntar apenas 6: documentos 1 a 5 (fls. 100) e documento 6 (fls. 131). É, infelizmente, uma situação usual nos tribunais: quando os documentos não são juntos com o articulado onde se alegam os factos com os quais se visa fazer prova (como deveriam ser – art. 423/1 CPC), acabam muitas vezes por cair no esquecimento. No processo principal, o ilustre mandatário dos réus “protesta juntar” 7 documentos e cumpre, juntando-os a fls. 75.
Não há assim nos autos, nem recibos, nem cópias de cheques, cuja junção se “protestou” fazer, sem se cumprir.
O que existe nos autos, isso sim, são os documentos juntos pelos réus na sessão de audiência de julgamento de 22/10/2013: extractos bancários da conta bancária da sociedade de 01/01/2011 a 10/11/2011 onde no extracto referente a Março (03) de 2011, consta expressamente o depósito/crédito das seguintes quantias: € 25.000,00 em 3 de Março e € 75.000,00 em 30 de Março.
Ouvimos o depoimento da testemunha G…, técnica oficial de contas da ré sociedade.
Afirmou que as quantias a título de prestações complementares entraram de facto na empresa (11:22), e que a empresa tinha necessidade desses suplementos (12:42).
Em suma, temos os seguintes elementos probatórios, que devem ser objecto de articulação e análise crítica:
1) No dia 24.02.2011, a assembleia-geral da ré sociedade deliberou relativamente ao Ponto 3 da Ordem de Trabalhos:
“(…) aprovar e fixar o seguinte regime de prestações suplementares a prestar pelos sócios à sociedade:
1. O montante global das prestações suplementares exigíveis aos sócios ascende a EUR 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), a prestar à sociedade em dinheiro;
2. O critério de repartição dessas prestações suplementares entre os sócios é o seguinte: a obrigação de cada sócio é proporcional à sua quota na sociedade, designadamente:
a) O sócio D…, titular de uma quota de EUR 75.000,00 (setenta e cinco mil euros), representando 3/6 (três sextos) do capital social, fica obrigado a proceder à entrega do montante de EUR 75.000,00 (setenta e cinco mil euros) em dinheiro à sociedade a título de prestações suplementares;
b) A sócia E…, titular de uma quota de EUR 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), representando 1/6 (um sexto) do capital social, fica obrigada a proceder à entrega do montante de 25.000,00 (vinte e cinco mil euros) em dinheiro à sociedade a título de prestações suplementares;
c) A sócia B…, titular de uma quota de EUR 50.000,00 (cinquenta mil euros), representando 2/6 (dois sextos) do capital social, fica obrigada a proceder à entrega do montante de EUR 50.000,00 (cinquenta mil euros) em dinheiro à sociedade a título de prestações suplementares;
3. Prazo da prestação: Os sócios ficam obrigados a proceder às entregas supra referidas no prazo máximo de 30 (trinta) dias após comunicação aos mesmos da presente deliberação; Para o efeito, devem ser remetidas aos sócios cópias da presente ata por carta registada com aviso de receção. Caso estas venham devolvidas, deverão os sócios em causa ser notificados presencialmente na presença de 2 (duas) testemunhas que deverão assinar o respetivo auto de entrega»;
2) No dia 3 de Março de 2011 foi creditada na conta da sociedade ré a quantia de € 25.000,00;
3) No dia 30 de Março de 2011 foi creditada na conta da sociedade ré a quantia de € 75.000,00;
4) A técnica de contas da ré sociedade confirma que as referidas quantias entraram de facto na contabilidade da empresa, e eu se reportavam às prestações suplementares objecto da deliberação.
No confronto crítico destes meios de prova, haverá que fazer apelo às regras da experiência comum, partindo dos meios de prova enunciados, para concluir que deles emerge, necessária e logicamente, a resposta à questão que ora se coloca.
Embora as presunções judiciais ou naturais não constituam rigorosamente um meio de prova no sentido em que o são a prova testemunhal, pericial ou documental, a prova por confissão ou por inspecção judicial[3], não sendo um procedimento probatório estabelecido e dependendo dos restantes meios de prova, devem ser usadas no julgamento da matéria de facto[4], estando sujeitas à livre apreciação do julgador (vejam-se os artigos 349º e 351º, ambos do Código Civil).
O funcionamento deste raciocínio lógico-dedutivo em que a presunção judicial se traduz, tem normalmente como ponto de partida os chamados factos indiciários ou instrumentais, que ao juiz é permitido, mesmo oficiosamente, tomar em consideração (artigo 264º, nº 2, final, CPC). No essencial, as presunções judiciais permitem inferências seguras, susceptíveis de suportar a convicção do julgador, inspiradas “nas máximas da experiência, nos juízos correntes de probabilidade, nos princípios da lógica ou nos próprios dados da intuição humana”;[5]
A afirmação da prova de um certo facto representa sempre o resultado da formulação de um juízo humano - e, uma vez que este jamais se poderá basear numa absoluta certeza, o sistema jurídico basta-se com a verificação de uma situação que, de acordo com a natureza dos factos e/ou dos meios de prova, permita ao tribunal a formação da convicção assente em padrões de probabilidade e de segurança, capaz de afastar a situação de dúvida razoável[6].
O que torna provado um facto é a íntima convicção do juiz, gerada em face do material probatório trazido ao processo, analisada de acordo com a sua experiência da vida e conhecimento dos homens, em obediência aos princípios da livre apreciação das provas e da verdade material[7].
Em síntese conclusiva, dir-se-á que a presunção é a inferência ou processo lógico mediante o qual, por via das regras de experiência, se conclui, verificado certo facto, a existência de outro facto, que, em regra, é a consequência necessária daquele.[8]
Ora, não restam dúvidas de que há uma inquestionável sequência cronológica ou temporal que, de acordo com as regras enunciadas, nos levam inevitavelmente a concluir pela existência de uma nexo entre a deliberação (em 24.02.2011), o seu teor (obrigação de os sócios entregarem à sociedade as quantias de € 75.000,00 (o 1.º réu) e € 25.000,00 (a 2.ª ré), e os depósitos (efectuados de acordo com essas quantias, no prazo estipulado[9]).
Este encadeado de “coincidências” no que respeita ao período temporal, aos montantes e à sua correspondência com a deliberação, conjugado com o depoimento da técnica de contas, constitui suporte suficiente para a formação da convicção, assente nos referidos padrões de probabilidade e de segurança, capaz de afastar a situação de dúvida razoável, de que efectivamente os 2.º e 3.º réus depositaram na conta da ré sociedade as quantias referentes aos suplementos eu haviam sido objecto da deliberação[10].
Decorre do exposto, a procedência da impugnação da decisão da matéria de facto neste segmento, em harmonia com a factualidade provada que se consignou na sentença no ponto n.º 5.50 [«A Autora, ao contrário dos restantes sócios aqui 2° e 3º Réus, não procedeu o pagamento das prestações suplementares a que se encontrava obrigada…»], alterando-se as respostas, de forma a considerar:
Não provado o quesito 12.º - facto 5.60: Os 2.º e 3.º Réus não procederam ao depósito e nem entregaram à sociedade os valores que lhe cabiam, nas prestações suplementares.
Provados parcialmente os quesito 31.º e 32.º: quesito 31.º Em cumprimento da deliberação, em 03/03/201, a sócia 3º ré E… depositou na conta bancária da 1.ª ré, sociedade, o montante de EUR 25.000,00 (vinte e cinco mil euros) a título de prestações suplementares; quesito 32.º Em cumprimento da deliberação, em 30/03/2011, o sócio 2º réu D… depositou na conta bancária da 1.ª ré, sociedade, o montante EUR 75.000,00 (setenta e cinco mil euros) a título de prestações suplementares.

3. Fundamentos de facto
Face à decisão que antecede, é a seguinte a factualidade relevante provada:
Factos provados, resultantes da matéria assente:
5.1. A A. é sócia da sociedade comercial por quotas de responsabilidade limitada “C…, Limitada”, aqui 1ª R. com o capital social de € 150.000,00 repartido em três quotas, uma de € 75.000,00 pertencente ao 2º R. D…, uma de € 25.000,00 pertencente a E… e outra de € 50.000,00 pertencente à aqui A.;
5.2. Com o objeto de importação e comércio de móveis, eletrodomésticos e artigos decorativos e indústria de móveis;
5.3. Tem o NIF ……… e igual número de matrícula na Conservatória de Registo Comercial desta comarca;
5.4.Obriga-se pela assinatura de qualquer um dos gerentes;
5.5. Incumbindo, atualmente, a gerência ao 2º R. e a E…; - Cfr. teor do doc. que se junta sob o nº1;
5.6. Ora o 2º R., na qualidade de gerente da 1ª Ré, procedeu à Convocatória de todos os sócios, para uma Assembleia Geral Extraordinária, agendada para o dia 24/02/2011, com a seguinte Ordem de Trabalhos:
“1 – Analisar a conduta da sócia B… para com a sociedade e deliberar sobre a necessidade de proposição da ação judicial prevista no art. 242º/1º do CSC, tendo em vista a exclusão judicial daquela da sociedade, definindo, se for caso disso, o respetivo âmbito e fundamentos;
2 – Nomear, se for caso disso, um representante especial da sociedade que a represente no âmbito da supra referida ação judicial de exclusão, definindo os respetivos poderes de representação;
3 – Aprovar e definir o regime das prestações suplementares a prestar pelos sócios à sociedade, fixando, nomeadamente, quer o montante exigível, quer o respetivo prazo de prestação.”.
5.7. Pelo que a Assembleia Geral Extraordinária teve, efetivamente, lugar a 24/02/2011, na ausência da A., conforme se constata do teor da Ata elaborada na sequência daquela Assembleia e que se junta sob o nº5.
5.8. Foi deliberado sob o ponto 3 da Assembleia – Geral Extraordinária da 1ª Ré, realizada em 24/02/2011, a obrigatoriedade dos sócios realizarem prestações suplementares na 1ª Ré, no montante de € 150.000,00;
5.9. Cabendo à aqui A. a obrigatoriedade de realizar uma prestação suplementar no montante de € 50.000,00;
5.10. Ora, prescreve o art. 210º do CSC (sob a epígrafe – Obrigação de Prestações Suplementares) no seu nº1 “Se o contrato assim o permitir (…)”, complementando-se no n.º 3 com “o contrato de sociedade que permita prestações suplementares fixará: a) o montante global; b) os sócios obrigados; c) o modo de repartição, estabelecendo-se, nos termos do n.º 4, o requisito da alínea a) como essencial.
5.11.Requereu ação especial de inquérito judicial à contabilidade da 1ª R., que correu termos sob o nº 3071/10.8 TJVNF, do 2º Juízo Cível, deste Tribunal Judicial.
5.12. Com efeito, conforme resulta do art. 3º do Pacto inicial da 1ª Ré, junto como doc. 7 em anexo à p.i., “O capital social, integralmente realizado em dinheiro, é de CINCO MILHÕES DE ESCUDOS e está dividido em três quotas, uma de três milhões de escudos pertencentes à sócia E… e duas iguais de um milhão de escudos, pertencentes uma a cada um dos sócios D… e B….”.
5.13. Consta da deliberação da reunião:
1. Aprovar a proposta de criação de prestações suplementares até ao décuplo do capital social;
2. Aprovar a proposta de aumento de capital social de cinco mil contos para trinta mil contos todo realizado em dinheiro, que já tinha dado entrada na caixa social, subscrito pela seguinte forma: o sócio D… reforçou a sua quota de 1.000.000$000, com a quantia de 14.000.000$00, pelo que passou a ser titular de uma quota de 15.000.000$00; a sócia B… reforçou a sua quota de 1.000.000$000, com a quantia de 9.000.000$00, pelo que passou a ser titular de uma quota de 10.000.000$00 e a sócia E… reforçou a sua quota de 3.000.000$000, com a quantia de 2.000.000$00, pelo que passou a ser titular de uma quota de 5.000.000$00;
3. Nomear o sócio gerente D… para proceder e assinar a respetiva escritura de alteração parcial do contrato social, ao que também foram concedidos poderes para as respetivas publicações e registos obrigatórios na Conservatória do Registo Comercial competente, assinando para isso todos e quaisquer documentos que se tornem necessários.
5.16. Assim, em 27/10/1999, no Cartório de Formalidades das Empresas de Braga, compareceu o aqui 2º Réu, em representação da 1ª Ré com os necessários poderes para o ato conferidos na reunião da assembleia geral realizada em 19/10/2009, e outorgou a escritura pública de aumento de capital e alteração do contrato de sociedade que se junta como doc.2 e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
5.17. Face ao exposto, por efeito da reunião da assembleia geral de 19/10/2009 e subsequente escritura pública de 27/10/1999, o art. 3º do pacto social da 1ª Ré passou a ter o seguinte teor:
“Artigo 3º 1) O capital social, integralmente realizado, é de trinta milhões de escudos, divididos em três quotas, uma do valor nominal de quinze milhões de escudos, pertencentes ao sócio D…, outra do valor nominal de dez milhões de escudos, pertencente à sócia B…, e ainda outra de cinco milhões de escudos, pertencente à sócia E….
2) Poderão ser exigidas aos sócios prestações suplementares ao capital até ao montante global igual do décuplo do capital social.”
5.18. Em 07/02/2011, o 2º Réu, na qualidade de gerente da 1ª Ré, convocou todos os sócios desta, incluindo a aqui Autora, para a Assembleia Geral Extraordinária da 1ª Ré, “… a realizar no próximo dia 24 de Fevereiro de 2011, pelas 14.30 horas, na sede da mesma, sita na Rua …, n.º .., ….-… …, Vila Nova de Famalicão, com a seguinte Ordem de Trabalhos:
1. Analisar a conduta da sócia B… para com a sociedade e deliberar sobre a necessidade de proposição da ação judicial prevista no art. 242º/1 do CSC, tendo em vista a exclusão judicial daquela da sociedade, definindo, se for caso disso, o respetivo âmbito e fundamentos;
2. Nomear, se for caso disso, um representante especial da sociedade que a represente no âmbito da supra referida ação judicial de exclusão, definindo os respetivos poderes de representação.
3. Aprovar e definir o regime das prestações suplementares a prestar pelos sócios à sociedade, fixando, nomeadamente, quer o montante exigível, quer o respetivo prazo de prestação. (…)”.
5.19. Em 22/02/2011, cerca de 14 dias depois de ter recebido a convocatória e a apenas 2 dias antes da realização da respetiva assembleia, a 1ª Ré recebeu da Autora a carta que se junta como doc. 4, pela qual:
1) Informou que não podia comparecer naquela assembleia pois tinha de fazer uma ecografia na H…, na cidade de Vila Nova de Famalicão;
2) Solicitou a marcação de nova data para a realização da Assembleia-geral;
3) Manifestou a sua oposição à discussão e votação do ponto 3 da Ordem de Trabalhos por entender que a mesma violava o disposto no art. 2120º do CSC;
4) Manifestou a sua vontade de adicionar novos pontos à Ordem de Trabalhos;
5.21. Logo no dia seguinte, mais concretamente em 23/02/2011, o 2º Réu, na qualidade de gerente da 1ª Ré, remeteu à Autora a carta que se junta como doc. 5, pela qual a informou expressamente do seguinte:
“(…) Relativamente ao pedido de adiamento da Assembleia-Geral Extraordinária, não podemos deixar de manifestar a nossa estranheza pela sua comunicação tardia, tendo em conta que já recebeu a respetiva convocatória há mais de 15 dias e só agora, 2 dias antes da data marcada para o efeito, é que nos apresenta o pedido em causa. De qualquer modo, entendemos que não podemos adiar a mesma, não só por a sociedade ter grande urgência em colocar à apreciação dos sócios os pontos que constituem a respetiva Ordem de Trabalho, mas acima de tudo por não vislumbrarmos qualquer fundamento legal para tal adiamento. No entanto, caso não possa mesmo comparecer, informamos que poderá sempre fazer-se representar nos termos legais. Já relativamente ao pedido de adicionamento de diversos pontos à Ordem de Trabalho, entendemos que o mesmo também não pode ser aceite por não termos tempo para notificar atempadamente os sócios através de expedição de nova convocatória.
De qualquer modo, informamos que, na qualidade de sócia, poderá, se assim entender conveniente, apresentar por escrito requerimento dirigido aos gerentes da sociedade, solicitando expressamente a realização de uma nova reunião extraordinária da assembleia e indicando com precisão os assuntos a incluir na respetiva ordem de trabalhos.
Assim sendo, a Assembleia-Geral Extraordinária desta sociedade continua marcada para o dia, hora, local e Ordem de Trabalho melhor identificados na convocatória de 07/02/2011. (…)”.
5.22. Assim, no dia 24/02/2011, pelas 14h30m, na sua sede social, reuniu a Assembleia Geral Extraordinária de sócios da 1ª Ré, convocada regularmente nos termos da lei e do pacto social, tendo o seu conteúdo sido plasmado na ata que se junta e, anexo como doc. 6 e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
5.23. No dia 24.2.2011 pelas 14h30 reuniu a Assembleia Geral Extraordinária de sócios, tendo o seu conteúdo ficado plasmado na ata constante como doc. 6.
5.24. Com efeito, consta da respetiva ata que “(…) Antes de iniciar a discussão da Ordem dos Trabalhos e como questão prévia, o mesmo sócio leu a todos os presentes na Reunião a carta, que, apesar de datada de 17/02/2011 apenas foi recebida em 22/02/2011, remetida pela sócia B… à sociedade, cuja cópia se anexa à presente ata, pela qual aquela:
1. Solicitou a designação de nova data para a realização da presente Assembleia Geral por não poder estar presente em virtude de, alegadamente, ter marcado na mesma data e hora da presente Reunião uma ecografia na H…, na cidade de Vila Nova de Famalicão;
2. Manifestou a sua oposição à discussão e votação do ponto terceiro da ordem de trabalhos, por entender que a mesma viola o disposto no art. 210º do CSC;
3. Solicitou o adicionamento à Ordem de Trabalhos de diversos pontos que pretendia ver discutidos na presente Assembleia.
O sócio D… leu ainda a resposta que, na qualidade de gerente da sociedade, remeteu à sócia B…, por carta registada de aviso de receção, no passado dia 23/02/2011, cuja cópia anexa à presente ata.
De seguida, o mesmo sócio informou a Assembleia que contactou a H… da cidade de Vila Nova de Famalicão e que esta lhe afirmou que não realiza ecografias, conforme declaração datada de 24/02/2011 que exibiu e leu a todos os presentes e cuja cópia se anexa à presente ata.
5.25. Nesse sentido, os sócios presentes tiveram o cuidado de fazer constar da respetiva ata o seguinte: “(…) Após análise dos referidos documentos e em resposta à referida carta, todos os sócios presentes na presente reunião acordaram que ficasse a constar na respetiva ata as seguintes considerações:
1. Relativamente ao pedido de adiamento da Assembleia-Geral Extraordinária, os sócios presentes manifestam desde logo a sua estranheza pela sua comunicação tardia, tendo em conta que a referida sócia B… já havia recebido a respetiva convocatória há mais de 15 dias e só 2 dias antes da data marcada para o efeito é que apresentou à sociedade o presente pedido de adiamento em causa. De qualquer modo, considerando: Que a presente Assembleia foi regular e atempadamente convocada e notificada aos sócios; Que a sociedade tem grande urgência em colocar à apreciação dos sócios os pontos que constituem a respetiva Ordem de Trabalho; Que na referida H… de Vila Nova de Famalicão não se realizam ecografias, conforme declaração exibida; Que, caso a referida sócia estivesse verdadeiramente impedida de comparecer, sempre poderia fazer-se representar nos termos legais; E, acima de tudo, que não existe fundamento legal para proceder a qualquer adiamento, os sócios presentes são do entendimento que não existem motivos para adiar a presente reunião.
2. Relativamente à oposição manifestada à discussão e votação do ponto terceiro da ordem de trabalhos, os sócios presentes não partilham do entendimento da referida sócia B…. Com efeito, esse ponto não só respeita integralmente o art. 210º do CSC, como está expressamente previsto no Parágrafo Único da Cláusula Terceira do Pacto Social. Face ao exposto, os sócios presentes são do entendimento que o ponto terceiro da Ordem de Trabalhos pode e deve ser colocado à discussão e votação dos sócios;
3. Já relativamente ao pedido de adicionamento de diversos pontos à Ordem de Trabalho, os sócios presentes são do entendimento que o mesmo também não pode ser aceite, por não ser possível notificar atempadamente todos sócios através de expedição de nova convocatória com essa nova Ordem de Trabalhos a tempo da realização da presente Reunião.
De qualquer modo, a referida sócia poderá, em qualquer altura e se assim entender conveniente, apresentar por escrito requerimento dirigido aos gerentes da sociedade, solicitando expressamente a realização de uma nova reunião extraordinária da assembleia para apreciar os pontos em causa.
4. Assim sendo, os sócios reunidos Assembleia-Geral Extraordinária desta sociedade são do entendimento que a carta remetida pela sócia B… à sociedade não é impeditiva da realização da presente Assembleia, pelo que esta deve prosseguir nos termos previstos na convocatória datada de 07/02/2011. (…)”.
5.26. Face ao exposto, após esses considerandos, iniciou-se então a discussão da Ordem de Trabalhos, tendo os sócios reunidos nessa Assembleia Geral deliberado por unanimidade o seguinte:
1) Relativamente ao Ponto 1 da Ordem de Trabalhos: “(…) Considerar que a referida conduta da sócia B… consubstancia um comportamento desleal e gravemente perturbador do funcionamento da sociedade que lhe provocou e continuará a provocar prejuízos relevantes, pelo que deliberam por unanimidade propor contra a referida sócia B… a ação judicial prevista no art. 242º/1 do CSC, tendo em vista obter a sua exclusão judicial da sociedade com base nos factos e fundamentos supra descritos (cfr. anteriores itens 1 a 18, cujo conteúdo, por brevidade, dão aqui por integralmente reproduzido) e aos quais aderem integralmente. (…)
2) Relativamente ao Ponto 2 da Ordem de Trabalhos: “(…) Nomear representante especial da sociedade, no âmbito da supra referida ação judicial de exclusão da sócia B…, o sócio-gerente D…, conferindo-lhe em nome da sociedade os mais amplos poderes forenses em direito permitidos, incluindo os especiais para confessar, desistir e transigir, devendo substabelecer os mesmos no(s) advogado(s) que, para o efeito, escolher. (…)
3) Relativamente ao Ponto 3 da Ordem de Trabalhos: “(…) aprovar e fixar o seguinte regime de prestações suplementares a prestar pelos sócios à sociedade:
1. O montante global das prestações suplementares exigíveis aos sócios ascende a EUR 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), a prestar à sociedade em dinheiro;
2. O critério de repartição dessas prestações suplementares entre os sócios é o seguinte: a obrigação de cada sócio é proporcional à sua quota na sociedade, designadamente:
a) O sócio D…, titular de uma quota de EUR 75.000,00 (setenta e cinco mil euros), representando 3/6 (três sextos) do capital social, fica obrigado a proceder à entrega do montante de EUR 75.000,00 (setenta e cinco mil euros) em dinheiro à sociedade a título de prestações suplementares;
b) A sócia E…, titular de uma quota de EUR 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), representando 1/6 (um sexto) do capital social, fica obrigada a proceder à entrega do montante de 25.000,00 (vinte e cinco mil euros) em dinheiro à sociedade a título de prestações suplementares;
c) A sócia B…, titular de uma quota de EUR 50.000,00 (cinquenta mil euros), representando 2/6 (dois sextos) do capital social, fica obrigada a proceder à entrega do montante de EUR 50.000,00 (cinquenta mil euros) em dinheiro à sociedade a título de prestações suplementares;
3. Prazo da prestação: Os sócios ficam obrigados a proceder às entregas supra referidas no prazo máximo de 30 (trinta) dias após comunicação aos mesmos da presente deliberação; Para o efeito, devem ser remetidas aos sócios cópias da presente ata por carta registada com aviso de receção. Caso estas venham devolvidas, deverão os sócios em causa ser notificados presencialmente na presença de 2 (duas) testemunhas que deverão assinar o respetivo auto de entrega.
4. Juros: As prestações suplementares supra referidas não vencem juros. (…)”.
Respostas à base instrutória:
5.27. A sócia E… embora gerente de direito, não é gerente de facto, não praticando quaisquer atos de gerência - Resposta ao ponto 1º da B.I..
5.28. Pelo que a sociedade, aqui 1ª R., é gerida única e exclusivamente pelo 2º R. que é quem toma todas as decisões relativamente à gestão, designadamente no que se refere à afetação do seu património, destino a dar ao seu Ativo, formas de solucionar o Passivo, contratação de trabalhadores e contratos com fornecedores e clientes – Resposta aos pontos 2º e 3º da B.I..
5.29. Por carta expedida a 17/02/2011 e endereçada à 1ª Ré, a A. comunicou àquela a impossibilidade, por motivos de saúde, de esta presente naquela Assembleia Geral Extraordinária na data marcada, assim requerendo o seu adiamento – Provado por acordo das partes.
5.30. Cumulativamente, ao que indicou pontos a adicionar à Ordem de Trabalhos, a saber:
1 - Analisar a conduta do sócio-gerente D… na administração da sociedade, desde Julho de 2009 até Dezembro de 2010 e deliberar sobre a necessidade de propor ação para a sua destituição;
2- Analisar a conduta do sócio D… para com a sociedade e deliberar, se assim se entender, da necessidade de excluí-lo judicialmente da sociedade;
3- Nomear, se assim se entender, representante especial da sociedade para intentar aquelas ações de destituição de gerente e exclusão de sócio, conferindo-lhe poderes especiais para toda a sua tramitação;
4- Discutir e deliberar sobre todas as prestações suplementares e suprimentos porventura efetuados à sociedade até à presente data” – Provado por acordo das partes.
5.31. A 1ª Ré, em 23/02/2011, dirigiu carta à A. onde, no essencial, recusou o adiamento da Assembleia Geral Extraordinária, por entender “não vislumbrar qualquer fundamento para tal adiamento” – Provado por acordo das partes.
5.32. Pelo que a Assembleia Geral Extraordinária teve, efetivamente, lugar a 24/02/2011, na ausência da A., conforme se constata do teor da Ata elaborada na sequência daquela Assembleia e que se junta sob o nº5 – Provado por acordo das partes.
5.33. E a A. foi notificada da realização daquela Assembleia Geral Extraordinária por carta registada com aviso de receção datada de 25 de Fevereiro de 2011 – Provado por acordo das partes
5.34. Tornando-se, desde então, persona non grata ao 2 R., que há muito manifesta a vontade de afastar a A. da sociedade, aqui 1ª Ré – Resposta ao ponto 9º da B.I..
5.35. Em 19/10/1999, na sede da Ré sociedade, reuniram em Assembleia Geral, sessão extraordinária, todos os sócios da sociedade, a saber o aqui 2º Réu D… (titular de uma quota de PTE 1.000.000$00), a aqui Autora B… (titular de uma quota de PTE 1.000.000$00), e a outra sócia E… (titular de uma quota de PTE 3.000.000$00) tendo o seu conteúdo sido plasmado na ata que se junta como doc. 1 e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, ata essa que foi assinada por todos os referidos intervenientes, incluindo a Autora – Provado por acordo das partes.
5.36. A Autora recebeu essa convocatória logo no dia seguinte, mais concretamente em 08/02/2011 – Provado por acordo das partes.
5.37. Após contacto com a H…, na cidade de Vila Nova de Famalicão, esta, por declaração datada de 24/02/2011, informou que não efetuava ecografias – Resposta ao ponto 12º da B.I..
5.38. No seguimento dessa questão prévia colocada pelo 2º Réu, os sócios presentes, por unanimidade, entenderam que a carta remetida pela sócia B… à sociedade não era impeditiva da realização da referida Assembleia, pelo que esta deveria prosseguir nos termos previstos na convocatória datada de 07/02/2011 – Resposta ao ponto 13º e parcialmente provado por acordo das partes.
5.39. Sendo certo que logo no dia 25/02/2011, o 2º Réu, na qualidade de gerente da 1ª Ré, procedeu à notificação da Autora do teor da Assembleia Geral Extraordinária de 24/02/2011, nos termos constantes no doc. 7, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido – Provado por acordo das partes.
5.40. Foi a autora quem renunciou à gerência da 2ª Ré – Provado por acordo das partes.
5.41. Após a renúncia à gerência, a autora passou a explorar uma loja de mobiliário e decoração – Resposta ao ponto 16º da B.I..
5.42. A autora viria a informar que afinal não era uma ecografia, mas sim uma endoscopia – Resposta ao ponto 18º da B.I..
Factos provados relativos à Ação apensa
5.43. Até à assembleia Geral Extraordinária realizada no dia 29.7.2011, a Autora era sócia da 1.ª Ré, detendo nesta uma participação social no valor de 50.000€, sendo o restante parte do capital social composto por uma quota no valor de € 75.000,00 pertencente ao 2.º Réu D…, uma outra de € 25.000,00 pertencente à 3.ª Ré E…, perfazendo assim a totalidade do capital social que é de 150.000€;"
5.44. A 1.ª Ré é uma sociedade comercial por quotas, que tem como objeto social a importação e comércio de móveis, eletrodomésticos, artigos decorativos e indústria de móveis, estando matriculada na Conservatória de Registo Comercial desta comarca e com identificação fiscal sob o número ………;
5.45. Nos termos previstos no pacto social, a referida sociedade vincula-se pela assinatura de qualquer um dos gerentes;
5.46. Atualmente, a gerência da referida sociedade comercial incumbe e é exercida, exclusivamente, pelos sócios D… e E…;
5.47. Tendo a Autora renunciado à gerência da sociedade Ré por carta dirigida a esta de 07 de Maio de 2009
5.48. Na Assembleia-Geral Extraordinária de 24 de Fevereiro de 2011, os 2.º e 3.º Réus e sócios da 1.ª Ré votaram e deliberam por unanimidade o seguinte: Ponto 1 - (…) “Considerar que a referida conduta da sócia B… consubstancia um comportamento desleal e gravemente perturbador do funcionamento da sociedade que lhe provocou e continuará a provocar prejuízos relevantes, pelo que deliberam por unanimidade propor contra a referida sócia a ação judicial prevista no art.º 242.º/1 do CSC tendo em vista obter a sua exclusão judicial da sociedade com base nos factos e fundamentos supra descritos (…) e aos quais aderem integralmente”.
Ponto 2 – “Nomear representante especial da sociedade, no âmbito da supra referida ação judicial de exclusão da sócia B…, o sócio-gerente D…, conferindo-lhe em nome da sociedade mais amplos poderes forenses em direito permitidos, incluindo os especiais para confessar, desistir e transigir, devendo substabelecer os mesmos no(s) advogado(s) que, para o efeito, escolher.”
Ponto 3 – “Estabelecer um regime de prestações suplementares a prestar pelos sócios à sociedade nos seguintes termos: Montante global das prestações suplementares exigíveis aos sócios: EUR 150.000,00 (Cento e cinquenta mil euros) em dinheiro, cumprindo assim o limite estabelecido no Parágrafo único da Cláusula Terceira do Pacto Social para o efeito, segundo o qual “poderão ser exigidos aos sócios prestações suplementares ao capital até ao montante global do décuplo do capital social”; Critério de repartição das prestações suplementares entre sócios: a obrigação de cada sócio de ser proporcional à sua quota na sociedade em cumprimento do disposto no art.º 210.º/3 e 4 do CSC; Prazo de prestação: 30 (trinta) dias após a comunicação da deliberação aos sócios, em cumprimento do disposto no art.º 211.º/1 do CSC; Juros: as prestações suplementares não vencem juros nos termos do art.º 210.º/5 do CSC. Mais informa que todas as quotas de capital se encontram integralmente liberadas.”
5.49. Na sequência da referida deliberação consignada no referido ponto 3 da ordem de trabalhos, os sócios presentes na dita Assembleia Geral, 2.º e 3.ª Réus, deliberaram, também por unanimidade, fixar o regime de prestações suplementares a prestar à sociedade, nos seguintes termos:
“1) O montante global das prestações suplementares exigíveis aos sócios ascende a EUR 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), a prestar à sociedade em dinheiro;
2) O critério de repartição dessas prestações suplementares entre sócios é o seguinte: a obrigação de cada sócio é proporcional à sua quota na sociedade, designadamente:
a. O sócio D…, titular de uma quota de EUR 75.000€ (setenta e cinco mil euros), representando 3/6 (três sextos) do capital social, fica obrigado a proceder à entrega do montante de 75.000€ (setenta e cinco mil euros) em dinheiro à sociedade a título de prestações suplementares;
b. A sócia E…, titular de uma quota de EUR 25.000€ (vinte e cinco mil euros), representando 1/6 (um sexto) do capital social, fica obrigado a proceder à entrega do montante de 25.000€ (vinte e cinco mil euros) em dinheiro à sociedade a título d prestações suplementares;
c. A sócia B…, titular de uma quota de EUR 50.000€ (cinquenta mil euros), representando 2/6 (dois sextos) do capital social, fica obrigado a proceder à entrega do montante de 50.000€ (cinquenta mil euros) em dinheiro à sociedade a título de prestações suplementares;
3) Prazo de prestação: Os sócios ficam obrigados a proceder às entregas supra referidas no prazo máximo de 30 (trinta) dias após a comunicação aos mesmos da presente deliberação;
Para o efeito, devem ser remetidas aos sócios cópias da presente ata por carta registada com aviso de receção. Caso estas venham devolvidas, deverão os sócios em causa ser notificados presencialmente na presença de 2 (duas) testemunhas que deverão assinar o respetivo auto de entrega. 4) Juros: As prestações suplementares não vencem juros.”
5.40. Inconformada com o teor das deliberações tomadas na referida Assembleia - Geral Extraordinária, a Autora intentou contra a aqui 1.ª Ré e o 2.ª Réu D… a Ação Comum com a Forma de Processo Ordinário com vista à anulação das mencionadas deliberações, que corre os seus termos pelo 1.º Juízo Cível deste Tribunal Judicial de vila Nova de Famalicão, sob o Proc.º n.º 926/11.6 TJVNF
5.41. Por carta Registada com AR, a Autora foi então convocada para um Assembleia-Geral Extraordinária marcada para o dia 29 de Julho de 2011, pelas 14 horas na sede da Ré, com a seguinte Ordem de Trabalhos:
“1 – Apreciar a conduta da sócia B… em relação à sociedade, designadamente a falta de pagamento das prestações suplementares a que se encontra obrigada na sequência da deliberação da Assembleia-Geral Extraordinária de Sócios de 24/02/2011 e das interpelações para pagamento efetuadas por cartas registadas com aviso de receção datadas de 11/04/2011 e 14/06/2011; 2 – Deliberar sobre as consequências da conduta descrita no ponto anterior, designadamente sobre a eventual exclusão de sócia de B… e a perda total ou parcial da sua quota em favor da sociedade, nomeando, se for caso disso, um representante especial da sociedade que a represente nos atos a praticar.
5.42. As deliberações da ata n.º 21 constam que foram aprovadas por unanimidade.
5.43.Os dois sócios D… e E… são, respetivamente, irmão e mãe da Autora;
5.44. Em 07/02/2011, o 2º Réu, na qualidade de gerente da 1ª Ré, convocou todos os sócios desta, incluindo a aqui Autora, para a Assembleia Geral Extraordinária da 1ª Ré referida em F), “… a realizar no próximo dia 24 de Fevereiro de 2011, pelas 14.30 horas, na sede da mesma, sita na Rua …, n.º .., ….-… …, Vila Nova de Famalicão, com a seguinte Ordem de Trabalhos:
1. Analisar a conduta da sócia B… para com a sociedade e deliberar sobre a necessidade de proposição da ação judicial prevista no art. 242º/1 do CSC, tendo em vista a exclusão judicial daquela da sociedade, definindo, se for caso disso, o respetivo âmbito e fundamentos;
2. Nomear, se for caso disso, um representante especial da sociedade que a represente no âmbito da supra referida ação judicial de exclusão, definindo os respetivos poderes de representação.
3. Aprovar e definir o regime das prestações suplementares a prestar pelos sócios à sociedade, fixando, nomeadamente, quer o montante exigível, quer o respetivo prazo de prestação. (…)”
5.45. Em 22/02/2011, cerca de 14 dias depois de ter recebido a convocatória e a apenas 2 dias antes da realização da respetiva assembleia, a 1ª Ré recebeu da Autora a carta, pela qual:
1) Informou que não podia comparecer naquela assembleia pois tinha de fazer uma ecografia na H…, na cidade de Vila Nova de Famalicão;
2) Solicitou a marcação de nova data para a realização da Assembleia-geral;
3) Manifestou a sua oposição à discussão e votação do ponto 3 da Ordem de Trabalhos por entender que a mesma violava o disposto no art. 2120º do CSC;
4) Manifestou a sua vontade de adicionar novos pontos à Ordem de Trabalhos; 5.46.Em 19/10/1999, na sede da Ré sociedade, reuniram em Assembleia Geral, sessão extraordinária, todos os sócios da sociedade, a saber o aqui 2º Réu D… (titular de uma quota de PTE 1.000.000$00), a aqui Autora B… (titular de uma quota de PTE 1.000.000$00), e a outra sócia, aqui 3ª Ré E… (titular de uma quota de PTE 3.000.000$00) tendo o seu conteúdo sido plasmado na respetiva ata tendo deliberado por unanimidade:
1. Aprovar a proposta de criação de prestações suplementares até ao décuplo do capital social;
2. Aprovar a proposta de aumento de capital social de cinco mil contos para trinta mil contos todo realizado em dinheiro, que já tinha dado entrada na caixa social, subscrito pela seguinte forma: o sócio D… reforçou a sua quota de 1.000.000$000, com a quantia de 14.000.000$00, pelo que passou a ser titular de uma quota de 15.000.000$00; a sócia B… reforçou a sua quota de 1.000.000$000, com a quantia de 9.000.000$00, pelo que passou a ser titular de uma quota de 10.000.000$00 e a sócia E… reforçou a sua quota de 3.000.000$000, com a quantia de 2.000.000$00, pelo que passou a ser titular de uma quota de 5.000.000$00;
3. Nomear o sócio gerente D… para proceder e assinar a respetiva escritura de alteração parcial do contrato social, ao que também foram concedidos poderes para as respetivas publicações e registos obrigatórios na Conservatória do Registo Comercial competente, assinando para isso todos e quaisquer documentos que se tornem necessários.
5.47. Por efeito da reunião da assembleia geral de 19/10/1999 e subsequente escritura pública de 27/10/1999, o art. 3º do pacto social da 1ª Ré passou a ter o seguinte teor:
“Artigo 3º
1) O capital social, integralmente realizado, é de trinta milhões de escudos, divididos em três quotas, uma do valor nominal de quinze milhões de escudos, pertencentes ao sócio D…, outra do valor nominal de dez milhões de escudos, pertencente à sócia B…, e ainda outra de cinco milhões de escudos, pertencente à sócia E….
2) Poderão ser exigidas aos sócios prestações suplementares ao capital até ao montante global igual do décuplo do capital social.”
5.48. Sem a presença da Autora e sob o protesto desta, os restantes sócios da Ré, reuniram-se em Assembleia-Geral Extraordinária, no dia 24/02/2011, com a seguinte ordem de trabalhos:
“1 – Analisar a conduta da sócia B… para com a sociedade e deliberar sobre a necessidade de proposição da ação judicial prevista no art. 242º/1º do CSC, tendo em vista a exclusão judicial daquela da sociedade, definindo, se for caso disso, o respetivo âmbito e fundamentos;
2 – Nomear, se for caso disso, um representante especial da sociedade que a represente no âmbito da supra referida ação judicial de exclusão, definindo os respetivos poderes de representação;
3 – Aprovar e definir o regime das prestações suplementares a prestar pelos sócios à sociedade, fixando, nomeadamente, quer o montante exigível, quer o respetivo prazo de prestação.”
5.49. Por carta Registada com AR de 29 de Julho 2011, a Autora foi notificada da Ata n.º 21, referente à Assembleia-Geral Extraordinária realizada em 29 de Julho de 2011, e da qual consta que os Réus D… e E…, os quais, como sócios, representam cerca de 66% do capital social, deliberaram o seguinte:
Ponto 1 “Considerar que a supra descrita conduta da sócia B… (não pagamento à Ré do valor 50.000€ correspondente às mencionadas prestações suplementares) consubstancia um comportamento desleal e gravemente prejudicial aos interesses da sociedade, bem como revela um completo desinteresse pelo seu futuro. Mais entendem que o referido comportamento consubstancia ainda uma grave e imperdoável desigualdade em relação aos restantes sócios da sociedade que cumpriram atempadamente com a sua obrigação de proceder ao pagamento das prestações suplementares em causa, cujo regime foi fixado por deliberação dos sócios na Assembleia-Geral Extraordinária de 24/02/2011.
Ponto 2 – “. Excluir a sócia B… da sociedade, com consequente perda a favor da desta (sociedade) da quota EUR 50.000 (cinquenta mil euros) de que aquela é titular.
Mais deliberam que, nos termos e para os efeitos previstos no art.º 204º/2, aplicável ex vi art.º 212º/1, ambos do CSC, a presente deliberação de exclusão com a consequente perda a favor da sociedade da respetiva quota deve ser comunicada à sócia B… por carta registada com aviso de receção.
Nomear representante especial da sociedade o sócio-gerente D..., conferindo-lhe os poderes necessários para, em nome da sociedade, praticar todos os atos que se mostrarem necessários para a concretização das deliberações anteriores.
5.50. A Autora, ao contrário dos restantes sócios aqui 2° e 3ª Réus, não procedeu o pagamento das prestações suplementares a que se encontrava obrigada, por carta registada com aviso de receção datada de 14 de Junho de 2011, efetivamente recebida pela Autora em 16/06/2011, o 2° Réu, na qualidade de gerente da lª Ré, interpelou-a mais uma vez do seguinte modo: (doc.l0)
“(...) Por carta registada com aviso de receção de 25/02/2011, por si efetivamente recebida em 28/02/2011, esta sociedade notifícou-a expressamente do regime de prestações suplementares a prestar pelos sócios à sociedade deliberado na Assembleia-Geral Extraordinária de 24/02/2011.
Em cumprimento dessa deliberação, foi ainda expressamente interpelada para, na qualidade de sócia, proceder à entrega à sociedade C…, LDA do montante de EUR 50.000,00 (cinquenta mil euros) em dinheiro, a título de prestações suplementares, no prazo máximo de 30 dias após a receção da carta (que ocorreu, como se disse, em 28/02/2011). Porque não procedeu ao pagamento no prazo supra referida, por carta registada com aviso de receção de 11/04/2011, foi expressamente avisada de que, se persistisse em não proceder ao pagamento das prestações suplementares a que se encontra obrigada, ficava sujeita, nos termos e para os efeitos previstos nos arts. 2120/1 e 204° do esc, a exclusão e a perda total ou parcial da quota a partir do 300 (trigésimo dia) após a receção da mesma.
No entanto, até ao momento e decorrido há muito o referido prazo de 30 (trinta) dias após a interpelação prevista no art. 204°/1 do CSC, aplicável ex vi ert. 212°/1 do CSC, o certo é que a senhora ainda não procedeu a qualquer pagamento a esta sociedade ao contrário do que aconteceu com os restantes sócios.
Face ao exposto advertimo-la mais uma vez que, neste momento, se encontra sujeita a exclusão e a perda total ou parcial da quota.
Atendendo à gravidade das consequências inerentes à sua conduta, esta sociedade vem por este meio interpelá-la novamente para proceder ao pagamento das prestações suplementares a que se encontra obrigada no prazo máximo de 8 dias após a receção da presente carta de modo a regularizar o mais rápido possível a sua situação junto da sociedade.
Mais informamos que, caso o pagamento não seja efetuado no referido prazo de 8 dias, ver-nos-emos obrigados a dar início aos procedimentos previstos nos arts. 204° e 205° do Csc, aplicáveis ex vi art. 212°/1 do CSC, podendo nomeadamente a sociedade deliberar a sua exclusão de sócia e a perda total ou parcial da sua quota.
Solicitamos pois a regularização da situação o mais brevemente possível de modo a evitar tão graves consequências. (...)”.
5.51. Como a Autora, apesar das sucessivas advertências, continuou sem proceder ao pagamento das prestações suplementares a que se encontrava obrigada, em 11/07/2011, o 2.º Réu, na qualidade de gerente da l.ª Ré, convocou todos os sócios desta, incluindo a aqui Autora para a Assembleia Geral Extraordinária da Ré, “... a realizar no próximo dia 29 de Julho de 2011, pelas 14.30 horas, na sede da mesma, sita na Rua …, n.º .., ….-… …, Vila Nova de Famalicão, com a seguinte Ordem de Trabalhos:
1. Apreciar a conduta da sócia B… em relação à sociedade, designadamente a falta de pagamento das prestações suplementares a que se encontra obrigada na sequência da deliberação da Assembleia-Geral Extraordinária de Sócios de 24/02/2011 e das interpelações para pagamento efetuadas por cartas registadas com aviso de receção datadas de 11/04/2011 e 14/06/2011;
2. Deliberar sobre as consequências da conduta descrita no ponto anterior, designadamente sobre a eventual exclusão de sócia de B… e a perda total ou parcial da sua quota em favor da sociedade, nomeando, se for caso disso, um representante especial da sociedade que a represente nos atos a praticar.
Respostas à base instrutória da ação apensa
5.52. A Ré sociedade dirigiu à Autora uma carta em 11 de Abril de 2011, exigindo o cumprimento do pagamento do valor fixado a esse título e que se salda em 50.000€.
5.52. Por carta registada com aviso de receção de 19 de Abril de 2011, a Autora respondeu à Ré sociedade, referindo que considera ilegais as deliberações de 24 de Fevereiro de 2011 e informou esta que já as havia impugnado judicialmente.
5.53. A 1.ª Ré, a 14 de Junho de 2011, dirigiu nova carta à Autora na qual insistiu na obrigação desta entregar a quantia de 50.000€ à sociedade referente às ditas prestações suplementares.
5.54. Por carta registada com aviso de receção de 20 de Junho de 2011, a Autora retorquiu à missiva que lhe havia sido endereçada pela 1.º Ré, reiterando a pendência da ação judicial, solicitando que se aguardasse pela decisão a proferir na dita ação e que efetuaria o pagamento da referida quantia caso o Tribunal não declarasse nulas as deliberações sociais impugnadas.
É o seguinte o teor da carta (fls. 46 e 47 do apenso):
«Exmos. Senhores
Acuso a recepção da v/carta datada de 14 de Junho corrente, a que passo a responder.
Certamente V.as Exas. não prestaram atenção ao teor da m/carta datada de 19 de Abril de 2011 e em resposta à v/carta de 11 do mesmo mês.
É que se acaso tivessem na devida conta o teor daquela m/carta, por certo que não me teriam endereçado a carta a que respondo.
Como é do perfeito conhecimento de V.as Exas., aliás, já a contestaram, corre termos pelo 1° Juízo Cível do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão, a acção ordinária, processo n.º 926/11.6TJVNF, em que se discute a validade da deliberação em causa, pedindo-se a sua nulidade.
Por isso, enquanto não for proferida decisão naquela acção, é inútil e despicienda a pretensão de V.as Exas. e, por isso, devem aguardar aquela decisão.
Nestes termos, ainda não paguei e só pagarei as prestações suplementares se acaso o Tribunal não declarar nula a dita deliberação.
Com os meus cumprimentos.».
5.55. Desde a saída da Autora da gerência da sociedade, em Maio de 2009, que quem decide de forma exclusiva os destinos da sociedade é o irmão da Autora, o aqui Réu D…, o qual gere toda a atividade social da 1.ª Ré, contratando e despedindo trabalhadores, contactando com fornecedores e clientes, tratando de todos os assuntos relacionados com a contabilidade, com o fisco e segurança social?
5.56. E também é o referido sócio e gerente D… quem administra todos os dinheiros que giram na sociedade, retirando os proventos financeiros da atividade da 1.ª Ré.
5.57. Nunca o gerente da 1.ª Ré, o Réu D…, informou a Autora de haver necessidade de os sócios contribuírem financeiramente para a manutenção do funcionamento da atividade da sociedade.
5.58. Os Réus nunca prestaram qualquer informação à Autora sobre a sua situação financeira, designadamente, se a mesma passa por dificuldades ou se iriam fazer um qualquer investimento relevante.
5.59. Em cumprimento da deliberação, em 03/03/201, a sócia 3º ré E… depositou na conta bancária da 1.ª ré, sociedade, o montante de EUR 25.000,00 (vinte e cinco mil euros) a título de prestações suplementares.
5.60. Em cumprimento da deliberação, em 30/03/2011, o sócio 2º réu D… depositou na conta bancária da 1.ª ré, sociedade, o montante EUR 75.000,00 (setenta e cinco mil euros) a título de prestações suplementares.
5.61. A Autora nunca manifestou recusar fazer tal entrega (dos suplementos).
5.62. Na carta registada com aviso de recepção de 20 de Junho de 2011, remetida pela Autora à 1.ª ré (sociedade), a Autora, reiterando a informação sobre a pendência da ação judicial, solicitou que se aguardasse pela decisão a proferir na dita ação, declarando-se disposta a entregar à sociedade a referida quantia desde que na ação judicial pendente fosse declarada a legalidade daquela deliberação».
5.63. A Autora exerce a profissão de decoradora numa pequena empresa que constituiu, na qual projeta a decoração de espaços e comercializa as peças para o efeito.
5.64. A aprovação por parte dos 2.º e 3.ª Réus das deliberações causou perturbação de ordem psicológica a esta.
5.65. Após contacto com a H…, na cidade de Vila Nova de Famalicão, esta, por declaração datada de 24/02/2011, informou que não efetuava ecografias – Provado por acordo das partes-
5.66. Foi efetuado o registo na Conservatória do Registo Comercial da deliberação que ordenou a exclusão da sócia B… da sociedade, com consequente perda a favor desta (sociedade) da quota de EUR 50.000,00 (cinquenta mil euros) de que aquela é titular – provado por acordo das partes
5.67. A Autora dedica-se à atividade de decoração e mobiliário, utilizando gratuitamente 2 lojas que lhe pertencem apenas em 50%, sendo o restante pertencente ao aqui 2º Réu, sem pagar qualquer renda.
5.68. Também o 2º Réu reside em moradia pertencente à 3ª Ré e a 1ª Ré encontra-se instalada num imóvel propriedade desta, onde é desenvolvida a sua atividade comercial.
5.69. Por carta registada com aviso de receção datada de 11 de Abril de 2011, efetivamente recebida pela Autora em 14/04/2011, o 2° Réu, na qualidade de gerente da 1.ª Ré, interpelou-a do seguinte modo:
“(…) Por carta registada com aviso de receção de 25/02/201', por si efetivamente recebida em 28/02/2011, esta sociedade notificou-a expressamente do regime de prestações suplementares a prestar pelos sócios à sociedade deliberado na Assembleia-Geral Extraordinária de 24/02/2011.
Em cumprimento dessa deliberação, foi ainda expressamente interpelada para, na qualidade de sócia, proceder à entrega à sociedade C…, Lda. do montante de EUR 50.000,00 (cinquenta mil euros) em dinheiro, a título de prestações suplementares, no prazo máximo de 30 dias após a receção da carta (que ocorreu, como se disse, em 28/02/2011).
No entanto, até ao momento e decorrido o referido prazo de 30 (trinta) dias estipulado, a senhora ainda não procedeu a qualquer pagamento a esta sociedade.
Sucede que, nos termos do art. 204°/1 do CSC, aplicável ex vi art. 212°/1 do CSC, “se o sócio não efetuar, no prazo fixado na interpelação, a prestação a que está obrigado, deve a sociedade avisá-lo por carta registada de que, a partir do 30° dia seguinte à receção da carta, fica sujeito a exclusão e a perda total ou parcial da quota. n Face ao exposto, nos termos e para os efeitos previstos nos arts. 212°/1 e 204° do CSC, a sociedade vem por este meio avisá-la expressamente de que, se persistir em não proceder ao pagamento das prestações suplementares a que se encontra obrigada, fica sujeita a exclusão e a perda total ou parcial da quota a partir do 30° (trigésimo dia) seguinte à receção da presente carta.
Solicitamos pois a regularização da situação o mais brevemente possível de modo a evitar tais graves consequências. (…)”.

4. Fundamentos de direito
4.1. O trânsito em julgado da decisão sobre a acção principal
A acção principal foi julgada totalmente improcedente, com os seguintes fundamentos que se colhem na sentença recorrida:
«O que fundamentalmente se pretende na ação principal é a declaração de nulidade ou anulação das deliberações tomadas na assembleia geral extraordinária de 24/02/2011, por via da qual se criou a obrigação dos sócios realizarem prestações suplementares na ré de 150.000,00 Euros.
Por seu turno, o que fundamentalmente está em causa na ação apensa é a anulabilidade da deliberação que censura a conduta da ré consubstanciada no alegado incumprimento das prestações suplementares no valor de 50.000,00 Euros, que sobre a autora impendia, e a sua exclusão da qualidade de sócia.
Ora, no que respeita ao apontado vício de procedimento da deliberação de 24/02/2011, o mesmo não se verifica porque se trata de deliberação regularmente convocada nos termos da lei, não sendo imprescindível a presença da autora na respetiva Assembleia Geral, não tendo aplicação o disposto na alínea a) do art. 54º do CSM.
Improcede, pois, o alegado vício de procedimento por violação do art. 54º do CSM.
Igualmente improcedente é o pedido formulado pela autora no que respeita à nulidade da deliberação tomada sob o ponto 3, atinente às prestações suplementares, por alegada violação o art. 210º do CSC.
Ora, ao contrário do que parece supor a autora, por efeito da reunião da Assembleia Geral de 19/10/2009 e subsequente escritura pública de 27/10/1999, o art. 3º do Pacto social da 1ª ré passou a prever que “poderão ser exigidas aos sócios prestações suplementares ao capital ate ao montante global igual do décuplo do capital social…”
Ora, sendo o capital social da 1ª ré no montante de 150.000,00 Euros, o pacto social permite que possam ser exigidas aos sócios prestações suplementares até ao montante de 1.500.000,00 Euros.
Pelo que, a deliberação social de 24/02/2011, posta em crise pela autora, ao fixar um regime de prestações suplementares exigíveis aos sócios no montante global de 150.000,00 Euros, a prestar à sociedade em dinheiro, por todos os sócios na proporção das respetivas quotas, não viola qualquer norma legal imperativa, improcedendo o vicio que lhe é apontado.
Por fim, no que respeita à ação principal, a autora defende a tese de que as deliberações tomadas sob os pontos 1 e 2 da Ordem dos Trabalhos são abusivas, pois, para além de se basearem em factos que considera falsos, constituem um meio para afastar a autora da sociedade.
Sucede que, nessas deliberações não foi decidido afastar a autora da sociedade, mas apenas propor contra a mesma ação judicial prevista no art. 242º/1 do CSC e conferir poderes ao 1º réu para representar a 1ª ré na mesma, ação que nem sequer chegou a ser proposta, pois que a autora acabou por ser excluída da qualidade de sócia, por força da deliberação de 29 de Julho de 2011.
Naufraga, pois, totalmente, a pretensão da autora na ação principal».
A sentença referente à acção principal não foi impugnada por via recursória, pelo que transitou em julgado.
Em suma, decidiu-se definitivamente, neste segmento da sentença recorrida: que não há qualquer vício de procedimento relativamente à assembleia onde foi produzida a deliberação de 24/02/2011, já que a mesma foi regularmente convocada nos termos da lei; que o ponto 3.º da deliberação social de 24/02/2011, onde se fixa um regime de prestações suplementares exigíveis aos sócios no montante global de 150.000,00 Euros, a prestar à sociedade em dinheiro, por todos os sócios na proporção das respectivas quotas, não enferma de qualquer ilegalidade, não violando qualquer norma legal imperativa; que os pontos 1.º e 2.º da mesma deliberação não são abusivos face à lei.
4.2. Aferição sobre a invocada natureza abusiva da deliberação de 29.07.2011
Resta em discussão, em sede de integração jurídica, a aferição da validade da deliberação de 29.07.2011.
Deliberou a Assembleia-Geral Extraordinária da 1.ª ré, realizada em 29 de Julho de 2011:
«Ponto 1 “Considerar que a supra descrita conduta da sócia B… (não pagamento à Ré do valor 50.000€ correspondente às mencionadas prestações suplementares) consubstancia um comportamento desleal e gravemente prejudicial aos interesses da sociedade, bem como revela um completo desinteresse pelo seu futuro. Mais entendem que o referido comportamento consubstancia ainda uma grave e imperdoável desigualdade em relação aos restantes sócios da sociedade que cumpriram atempadamente com a sua obrigação de proceder ao pagamento das prestações suplementares em causa, cujo regime foi fixado por deliberação dos sócios na Assembleia-Geral Extraordinária de 24/02/2011.
Ponto 2 – “. Excluir a sócia B… da sociedade, com consequente perda a favor da desta (sociedade) da quota EUR 50.000 (cinquenta mil euros) de que aquela é titular.» (facto 5.49.)
O Tribunal considerou a existência do vício de abuso de direito, com estes fundamentos:
«[…] flui da factualidade provada que, após a renúncia à gerência pela autora e depois desta ter intentado ação especial de inquérito judicial contra a sociedade ré, as relações familiares da autora com a sua mãe ( 3ª ré) e, em particular, com o seu irmão (1º réu) se fragilizaram, o que é bem visível na desconsideração por banda do 2º réu – sócio maioritário e Presidente da Assembleia –Geral - dos motivos invocados pela autora, sua irmã, para o adiamento da realização da assembleia de 24/02/2011.
Nesse contexto, ressalta à saciedade, que o 1º réu, desenvolveu o propósito de afastar a autora da sociedade, por forma a prosseguir a sua administração à margem do escrutínio incómodo da autora.
A exigência de prestações suplementares inscreve-se neste propósito, pois que não se evidenciou que tal exigência fosse essencial para o futuro da empresa, pois que, nem se evidenciaram os reais e acumulados prejuízos da ré – aliás, ao invés, parece ter resultado que a ré estaria de boa saúde financeira - nem as necessidades de investimento com vista à sua reestruturação, pois não se confirmou a compra da tão necessária Seccionadora de papéis.
Conclui-se, pois, que a deliberação de 29/07/2011 que, excluiu a autora da sua condição de sócia, não assentou em qualquer fundamento sério, pois que à obrigação determinante daquela sanção não subjaz qualquer interesse societário relevante.
Ora, o facto da autora não ter invocado o carácter abusivo da deliberação que impôs o regime de prestações suplementares, não torna legitimo o exercício do direito de exclusão fundado no não cumprimento de tais prestações, assente que as mesmas foram estabelecidas para satisfazer o propósito do 1º réu de obter o afastamento da autora da sociedade.
De notar que “a boa fé não contemporiza com cumprimentos formais; exige, numa atitude metodológica particular perante a realidade jurídica, a concretização material dos escopos visados”. (Menezes Cordeiro, ob. cit., p.684).
Por outro lado, “existirá abuso de direito quando, admitindo um certo direito como válido em tese geral, aparece todavia, no caso concreto, exercitado em termos clamorosamente ofensivos da justiça, ainda que ajustado ao conteúdo formal do direito” (Ac. do S.T.J…). […]
Ora, no caso dos autos, estão, pois, verificados os pressupostos a que alude o art. 58º/1 b) do CSC, sendo abusiva a deliberação de 29 de Julho de 2011, no segmento em que se deliberou a exclusão da autora da qualidade de sócia. […]».
Alegam os recorrentes, nomeadamente, em abono da tese que defendem:
«[…] L) […] 3) Relativamente à questão de não se ter evidenciado que a exigência de prestações suplementares fosse essencial para o futuro da empresa, o certo é que também não se provou o seu contrário. Ora, de acordo com as regras do ónus da prova, alegando a Autora que esse regime de prestações suplementares foi um estratagema para a afastar da sociedade, competia-lhe provar que o mesmo era desnecessário e injustificado, mas também não o conseguiu fazer. Não se tendo provado uma coisa, nem o seu contrário, obviamente que não se pode considerar abusivo, desnecessário o injustificado tal regime de prestações suplementares.
[…]
N) Com efeito, o tribunal considerou válida e eficaz a deliberação de 24/02/2011 (FP 5.48 e 5.49 pela qual foi estabelecida e definida a obrigação de pagar prestações suplementares à sociedade pelos sócios. O valor das mesmas é equilibrado (apenas 10% do valor permitido pelo pacto – EUR 1.500.000,00) e proporcional (cada sócio tinha de participar na proporção da sua quota).
[…]
S) Nunca a Autora afirmou à sociedade que iria cumprir o regime de prestações suplementares deliberado caso o Tribunal não declarasse nulas as deliberações sociais impugnadas. (cfr. alteração à matéria de facto solicitada supra no ponto A.1). […]».
Apreciando a questão, começamos por distinguir duas figuras jurídicas invocadas na petição e na sentença, que não são totalmente coincidentes: a deliberação abusiva (prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 58.º do CSC); e o abuso de direito previsto no artigo 334.º do Código Civil (integradora da alínea a) da mesma disposição legal).
A autora na petição pede a anulação da deliberação com fundamento nas duas figuras referidas: com base na alínea b) do n.º 1 do artigo 58.º do CSC, no artigo 60.º, e com base no abuso de direito, no artigo 64.º.
O Tribunal anulou a deliberação social com fundamento na verificação dos pressupostos a que alude a alínea b) do n.º 1 do artigo 58.º do CSC, invocando também a figura do abuso de direito.
Como se refere no acórdão da Relação de Coimbra, de 6.11.2012[11], citando posições doutrinárias, no que concerne à integração da alínea b) do n.º 1 do artigo 58.º do CSC, tendo em conta que a lei considera válida a deliberação caso se mantenha a maioria necessária para a aprovação, desconsiderados os votos abusivos, torna-se óbvia a conclusão de que é o vício do voto que vicia a deliberação, ou seja: o vício incide primordialmente sobre o voto e só reflexamente sobre a deliberação.
No entanto, no exercício do direito de voto, pode-se, como em geral qualquer situação jurídica, incorrer na figura do abuso do direito, em qualquer das modalidades das situações abusivas que compreende.
Refere-se no aresto citado, que na jurisprudência é comum a metódica da transposição para o âmbito material das deliberações dos sócios do instituto do abuso do direito, o que leva a doutrina a observar que se verifica uma paulatina colonização dos votos abusivos pelo abuso de direito.
No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 14.04.1999[12], é patente a convergência das duas figuras, quando se alude ao “abuso do direito de voto”.
A proximidade entre os dois institutos afigura-se óbvia, o que tornará irresistível a tentação de invocar ambos, reforçando a posição de quem pretende a anulação da deliberação social.
Dispõe o artigo 58.º do Código das Sociedades Comerciais, na alínea b) do n.º 1: São anuláveis as deliberações que: […] b) Sejam apropriadas para satisfazer o propósito de um dos sócios de conseguir, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ou simplesmente de prejudicar aquela ou estes, a menos que se prove que as deliberações teriam sido tomadas mesmo sem os votos abusivos.
Considerou o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão já citado, de 14.04.1999[13], que para que haja abuso do direito de voto é necessário que cumulativamente se verifiquem os pressupostos objectivos (adequação da deliberação ao propósito ilegítimo dos associados) e subjectivo (intenção de obter uma vantagem especial para os sócios que votaram a deliberação ou para terceiros ou de causar prejuízos à sociedade ou aos restantes sócios), e que tais pressupostos se apuram através das circunstâncias concretas do voto, devendo ter-se em conta também a posição (maioritária ou minoritária) do sócio votante.
No mesmo sentido, a Relação de Lisboa, em acórdão de 14.02.2013[14], 8056/12.7T2SNT.L1-2, defende que na situação a que se refere a alínea b) do nº 1 do artigo 58º CSC deve entender-se que “o voto é abusivo quando a deliberação seja objectivamente apta a satisfazer um propósito subjectivo que um ou mais sócios votantes tenham de obter vantagens especiais, para si ou terceiros, em detrimento da sociedade ou de outros sócios, ou de causar danos à sociedade ou a outros sócios, pelo que é necessário demonstrar o intuito subjectivo actual do sócio ou dos sócios que votam, e também que a deliberação tem efectivamente aptidão para satisfazer esse intuito”.
Integrando a conduta dos réus na previsão da alínea b) do nº 1 do artigo 58º CSC, refere o M.º Juiz:
«[…] flui da factualidade provada que, após a renúncia à gerência pela autora e depois desta ter intentado ação especial de inquérito judicial contra a sociedade ré, as relações familiares da autora com a sua mãe ( 3ª ré) e, em particular, com o seu irmão (1º réu) se fragilizaram, o que é bem visível na desconsideração por banda do 2º réu – sócio maioritário e Presidente da Assembleia-Geral - dos motivos invocados pela autora, sua irmã, para o adiamento da realização da assembleia de 24/02/2011.
Nesse contexto, ressalta à saciedade, que o 1º réu, desenvolveu o propósito de afastar a autora da sociedade, por forma a prosseguir a sua administração à margem do escrutínio incómodo da autora.
A exigência de prestações suplementares inscreve-se neste propósito, pois que não se evidenciou que tal exigência fosse essencial para o futuro da empresa […]».
Com o devido respeito, temos alguma reserva em subscrever a conclusão enunciada, desde logo porque se provou que foi a autora (recorrida) quem renunciou à gerência da 2ª Ré (facto 5.40).
Ora, se a autora, tendo funções de gerência, renunciou voluntariamente a tais poderes estatutários, perde algum sentido a conclusão enunciada, o que não quer dizer que não seja legítima, ou mesmo verdadeira, mas deixa de ser segura.
Há, quanto a nós, um facto essencial que, salvo melhor opinião, traz irremediavelmente à colação o instituto do abuso de direito, face às graves consequências da deliberação social de 29.07.2011 [exclusão da autora da sociedade, com consequente perda a favor desta, da quota € 50.000,00 de que aquela é titular (facto 5.49.)], e à injustificada precipitação com que foi tomada.
Trata-se da factualidade vertida nos pontos 5.53 e 5.54:
5.53. A 1.ª Ré, a 14 de Junho de 2011, dirigiu nova carta à Autora na qual insistiu na obrigação desta entregar a quantia de 50.000€ à sociedade referente às ditas prestações suplementares.
5.54. Por carta registada com aviso de receção de 20 de Junho de 2011, a Autora retorquiu à missiva que lhe havia sido endereçada pela 1.º Ré, reiterando a pendência da ação judicial, solicitando que se aguardasse pela decisão a proferir na dita ação e que efetuaria o pagamento da referida quantia caso o Tribunal não declarasse nulas as deliberações sociais impugnadas.
É o seguinte o teor da carta (fls. 46 e 47 do apenso):
«Exmos. Senhores
Acuso a recepção da v/carta datada de 14 de Junho corrente, a que passo a responder.
Certamente V.as Exas. não prestaram atenção ao teor da m/carta datada de 19 de Abril de 2011 e em resposta à v/carta de 11 do mesmo mês.
É que se acaso tivessem na devida conta o teor daquela m/carta, por certo que não me teriam endereçado a carta a que respondo.
Como é do perfeito conhecimento de V.as Exas., aliás, já a contestaram, corre termos pelo 1° Juízo Cível do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão, a acção ordinária, processo n.º 926/11.6TJVNF, em que se discute a validade da deliberação em causa, pedindo-se a sua nulidade.
Por isso, enquanto não for proferida decisão naquela acção, é inútil e despicienda a pretensão de V.as Exas. e, por isso, devem aguardar aquela decisão.
Nestes termos, ainda não paguei e só pagarei as prestações suplementares se acaso o Tribunal não declarar nula a dita deliberação.
Com os meus cumprimentos.».
Em suma, tendo a autora declarado que discordava da necessidade de realização da prestação suplementar, e que por essa razão intentara a respectiva acção de anulação, mas que ainda assim a realizaria, caso o Tribunal considerasse a deliberação válida, afigura-se-nos precipitada e injustificada a sua imediata expulsão com perda do valor da quota.
A conduta dos réus, no contexto enunciado, parece-nos claramente integradora do instituto do abuso de direito, previsto no artigo 334.º do Código Civil.
Estipula o citado normativo: “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
Como refere o Professor Antunes Varela[15], este instituto é uma das válvulas de segurança mais úteis do sistema, que, ao lado da ‘correcção do enriquecimento sem causa’, da redução equitativa da cláusula penal excessiva e de outras soluções afins, melhor garantem a sobrevivência de inúmeros ‘direitos subjectivos’, “não obstante o seu carácter essencialmente formal, perante o sentimento implacável da justiça que habita permanentemente no espírito do homem de recta consciência”.
Escreve o citado Professor que o artigo 334.º “aponta de modo inequívoco para as situações concretas em que é clamorosa, sensível, evidente, a divergência entre o resultado da aplicação do direito subjectivo, de carga essencialmente formal, e alguns dos valores impostos pela ordem jurídica para a generalidade dos direitos ou, pelo menos, dos direitos de certo tipo”.
No mesmo sentido, referem Pires de Lima e Antunes Varela[16], que para que haja abuso de direito, se exige que o excesso cometido pelo respectivo titular, seja «manifesto»; citando Manuel Andrade, que seja «exercido em termos clamorosamente ofensivos da justiça (…) intoleravelmente ofensivo do nosso sentido ético jurídico»; citando Vaz Serra, que constitua uma «clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante».
Lê-se no acórdão de 30.01.2003, do Supremo Tribunal de Justiça, de 30.01.2003[17], citando Castanheira Neves, que se deverá entender juridicamente por exercício abusivo do direito “um comportamento que tenha a aparência de licitude jurídica - por não contrariar a estrutura formal-definidora (legal ou conceitualmente) de um direito, à qual mesmo externamente corresponde - e, no entanto, viole ou não cumpra, no seu sentido concreto materialmente realizado, a intenção normativa que materialmente fundamenta e constitui o direito invocado, ou de que o comportamento realizado se diz exercício”.
Conceptualmente recortado o instituto jurídico invocado pela recorrida, concluímos, face à factualidade provada, que a conduta dos réus (de imediata expulsão da autora), apesar de formalmente alicerçada numa deliberação anterior válida, se traduz no exercício de um direito em termos clamorosamente ofensivos da justiça, intoleravelmente ofensivo do nosso sentido ético jurídico.
Com efeito, os réus sabiam que estava em discussão no Tribunal a validade da deliberação que impunha a realização da prestação suplementar, haviam sido citados e contestado tal acção, a autora declarara que realizaria a prestação caso o Tribunal considerasse válida a deliberação, não sendo justificável, à luz da boa fé e da ética contratual, que na pendência da referida acção, assumissem uma outra deliberação em que, com efeitos imediatos, determinam a expulsão da autora com a consequente perda do valor da sua quota.
Decorre do exposto a confirmação da sentença sob censura, ainda que alicerçada em fundamentos não totalmente coincidentes.

III. Dispositivo
Com fundamento no exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar totalmente improcedente o recurso, ao qual negam provimento e, em consequência, em manter a decisão recorrida.
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Custas do recurso a cargo dos recorrentes.
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O presente acórdão compõe-se de sessenta e três páginas e foi elaborado em processador de texto pelo relator, primeiro signatário.
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Porto, 13 de Outubro de 2014
Carlos Querido
Soares de Oliveira
Alberto Ruço
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[1] Por confissão irretratável (art. 465.º CPC) - Vide acórdão do STJ, de 28.10.1997, Proc. n.º 97A608, e de 24.02.1999, Proc. n.º 98S333, ambos disponíveis no site da DGSI.
[2] Ana Luísa da Silva Geraldes, "Impugnação e reapreciação da decisão da matéria de facto", in Estudos em homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, Vol. I, Coimbra Editora, 2013, págs. 589/612, a págs. 593/594.
[3] Sobre esta questão veja-se, As Partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa, Lex 1995, Miguel Teixeira de Sousa, páginas 210 e 211.
[4] Neste sentido veja-se, Temas da Reforma do Processo Civil, II Volume (2ª ed. revista e ampliada), Almedina 1999, António Santos Abrantes Geraldes, páginas 232 a 235.
[5] Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil anotado”, volume I, 4ª edição, página 312.
[6] Vide, a propósito, o acórdão da RP de 20.3.2001-processo 0120037 (publicado no “site” da dgsi): A prova, por força das exigências da vida jurisdicional e da natureza da maior parte dos factos que interessam à administração da justiça, visa apenas a certeza subjectiva, a convicção positiva do julgador. Se a prova em juízo de um facto reclamasse a certeza absoluta da verificação do facto, a actividade jurisdicional saldar-se-ia por uma constante e intolerável denegação da justiça.
[7] Cf. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 384 e, entre outros, os acórdãos do STJ de 27.11.2003-processo 03B3337 e 17.12.2002-processo 02A3960, publicados no “site” do dgsi.
[8] As razões que levaram o legislador a eleger este meio probatório encontram-se bem sintetizadas no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31.10.2006 (Processo n.º 06A2596, disponível em http://www.dgsi.pt), nestes termos: «as presunções judiciais ou naturais têm por base as lições da experiência ou as regras da vida (quod plerunque accidit), deduzindo o juiz, no seu prudente arbítrio, de certo facto conhecido um facto desconhecido, porque a sua experiência da vida lhe ensina que aquele é normalmente indício deste».
[9] Pese embora o “atraso” de seis dias do segundo depósito.
[10] Questão diversa é a razão porque o fizeram, bem como saber se a sociedade tinha efectivamente necessidade dessas quantias para o seu giro comercial, mas não são essas as questões que nos ocupam.
[11] Proc. n.º 281/08.1TBVNO.C1, acessível no site da DGSI.
[12] Proferido no Proc. n.º 99B059, acessível no site da DGSI.
[13] Proferido no Proc. n.º 99B059, acessível no site da DGSI.
[14] Proferido no Proc. n.º 8056/12.7T2SNT.L1-2, acessível no site da DGSI.
[15] Revista de Legislação e de Jurisprudência, 128º, 241.
[16] Código Civil Anotado, 4.ª edição, Volume 1.º, pág. 298, 299.
[17] Proferido no Processo n.º 02B4367, acessível no site da DGSI.