Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | PINTO DOS SANTOS | ||
| Descritores: | AÇÃO DE INSOLVÊNCIA CASO JULGADO | ||
| Nº do Documento: | RP20251126598/25.0T8AMT-B.P1 | ||
| Data do Acordão: | 11/26/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA | ||
| Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - A exceção dilatória do caso julgado [al. i) do art. 577º do CPC] visa impedir a prolação de decisões contraditórias com o mesmo objeto, ou seja, que seja proferida uma nova decisão sobre pretensão já decidida por sentença transitada em julgado. A verificação desta exceção pressupõe, de acordo com o disposto no art. 581º nºs 1 a 4 do CPC, a identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir. II - A autoridade do caso julgado destina-se a garantir o acatamento de uma decisão anterior [decisão de mérito transitada em julgado] numa nova ação [na sentença a proferir nesta] em que, apesar de ter objeto distinto, tem como pressuposto uma relação de prejudicialidade face ao que foi decidido na primeira, apresentando-se a mesma como pressuposto indiscutível da segunda. Nesta vertente do caso julgado não se exige a identidade de pedido e de causa de pedir, pressupondo apenas a identidade de sujeitos. III - Em duas ações de insolvência instauradas pela mesma credora contra a devedora, em que a primeira terminou por sentença homologatória de desistência do pedido, transitada em julgado [havendo, assim, entre elas identidade de sujeitos e de pedidos], a aferição da identidade de causa de pedir, para verificação da exceção do caso julgado, passa por analisar se existe ou não alguma alteração do passivo [e, havendo-o, do ativo] que assuma relevância bastante que o torne diferente do que estava em questão na 1ª ação e se a impossibilidade de satisfação das obrigações vencidas é também substancialmente diferente, não sendo suficiente o simples agravamento dessa impossibilidade, nem que o aumento do passivo se deva ao vencimento de novas prestações de dívidas que já existiam ou a acumulação de juros dessas mesmas dívidas por decurso do tempo. IV - Se se concluir que o passivo é, essencialmente, o mesmo e que a impossibilidade de satisfação das obrigações vencidas é também a mesma, ainda que agravados relativamente ao que se verificava na ação anterior, ocorrerá a exceção do caso julgado. Caso contrário esta exceção não se verificará. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Proc. 598/25.0T8AMT-B.P1 – 2ª Sec. (apelação) Relator: Des. Pinto dos Santos Adjuntos: Des. Ramos Lopes Des. Maria da Luz Seabra * * * Acordam nesta secção cível do Tribunal da Relação do Porto:I. Relatório: A..., Unipessoal, Lda. instaurou o presente processo de insolvência contra B..., Unipessoal, Lda., pedindo a declaração de insolvência desta. Alegou, para tal, que esta tem para consigo uma dívida de 67.355,05€ relativa a remunerações não pagas pela cedência de loja em centro comercial, que também tem outros créditos em dívida e que não possui meios para solver tais dívidas. A requerida, citada, apresentou contestação, defendendo-se por exceção – invocando a exceção dilatória do caso julgado – e por impugnação. Pugnou pela procedência daquela exceção ou, assim não acontecendo, pela improcedência do pedido da requerente, em qualquer caso com as legais consequências. Foi proferido despacho saneador que, além do mais, apreciou a exceção dilatória arguida na contestação, julgando-a improcedente. Os autos prosseguiram, realizou-se a audiência final e foi depois proferida sentença que contém o seguinte dispositivo: «Face ao exposto, julgo reconhecida e declaro a situação de insolvência de B..., UNIPESSOAL, LDA, Lda, NIPC ..., sociedade comercial com sede na Avenida ..., ..., ... PAÇOS DE FERREIRA. Fixo como residência do/a GERENTE da insolvente, AA com NIF ..., na morada da sede, a menos que outra morada venha a ser indicada nos autos. Ao abrigo do disposto no artº. 52.º, nºs. 1 e 2, do C.I.R.E., nomeio, por sorteio informático, como Administrador da Insolvência, o/a Ex.mo/a. sr./a Dr./a BB, melhor id. na lista oficial, inexistindo fundamento para nomeação por indicação. O Administrador de Insolvência não carece de autorização do Tribunal para levantamento de sigilo quando requeira informações às entidades públicas, incluindo Autoridade Tributária e instituições de crédito, quando incida sobre bens integrantes da massa, devendo tais entidades, assim sendo requerido neste âmbito, permitir o acesso a tais informações. Ao abrigo do disposto no artigo 66.º, nº. 2, do C.I.R.E., pelo menos por ora, não se nomeia Comissão de Credores. Determino que a insolvente disponibilize para exame ao Sr. Administrador da insolvência quaisquer documentos que caibam na previsão das diversas alíneas do n.º 1, do artº. 24.º, do C.I.R.E., e bem assim todos os seus elementos de contabilidade. Decreto a apreensão, para imediata entrega ao administrador da insolvência, dos elementos da contabilidade da devedora e de todos os bens da mesma devedora, ainda que arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos, devendo a mesma entregar imediatamente ao administrador de insolvência os documentos referidos no n.º 1, do art.º 24.º, do CIRE, que ainda não constem dos autos. Não dispondo os autos de elementos suficientes para tal, por ora nada a ordenar quanto ao consagrado nos artigos 36.º, i) e 188.º e seguintes do CIRE. Fixo em 30 dias o prazo para a reclamação de créditos. Ao abrigo do disposto no artigo 36.º, n.º 1, al. n), parte final, do CIRE, prescinde-se da realização da assembleia de credores, uma vez que se conclui que não se vislumbra que a insolvente tenha quaisquer condições para apresentação de plano de insolvência, dado que inexiste atividade, assim como será simples a liquidação do património (neste momento tido por desconhecido existir) da devedora, caso tal liquidação venha a ocorrer. Consequentemente, ao abrigo do disposto no art 36.º, n.º5 do CIRE: Na hipótese de nenhum interessado requerer a convocação da assembleia (cfr. artigo 36.º, n.º 3, do CIRE): Fixa-se prazo de 45 dias para o/a Sr. Administrador da insolvência apresentar o inventário, se for o caso, a lista provisória de credores e o relatório previstos nos arts. 153.º a 155.º, do CIRE. Se a proposta apresentada no relatório do Sr.º Administrador de Insolvência for de encerramento do processo, ao abrigo do artigo 230.º, n.º 1, alínea d), do CIRE, cumpra-se o disposto no art. 232/2 do mesmo Código; Se a proposta do Sr.º Administrador de Insolvência for a liquidação, notifique-se os credores para, em 10 dias, se pronunciarem por escrito quanto a tal proposta, com a advertência de que nada sendo dito, se determinará o prosseguimento do processo para liquidação. Advertem-se os credores de que devem comunicar prontamente ao administrador da insolvência as garantias reais de que beneficiem; devem também os devedores da insolvente ser advertidos de que as prestações a que estejam obrigados deverão ser feitas ao administrador da insolvência e não à própria insolvente. Atento o disposto no artº. 88.º, nº. 1, do CIRE, com a presente sentença fica vedada a possibilidade de instauração ou de prosseguimento de qualquer ação executiva que atinja o património da insolvente. Notifique a devedora e proceda-se à citação dos cinco maiores credores conhecidos e ainda dos credores desconhecidos e de outros interessados, de acordo com o disposto no artº. 37.º, do CIRE, na redação da Lei 16/2012, de 20/4. Notifique, ainda, o Ministério Público (cfr. artº. 37.º, nº. 2, do CIRE) para, querendo, requerer quaisquer peças do processo, caso entenda haver indícios de infração criminal (cfr. art. 36.º, al. h), do CIRE). Dê conhecimento da presente declaração de insolvência ao Fundo de Garantia Salarial. Proceda-se à avocação de todos os processos de execução fiscal pendentes contra a devedora, com a finalidade de serem apensados aos presentes autos, no caso de ali terem sido penhorados bens, efetuando-se ainda as citações estabelecidas no nº. 1, do art.º 181.º, do CPPT. D.N. para a publicitação da sentença (cfr. artº. 38.º, nº. 2, al. a), e nº. 3, als. a), b) e c), do CIRE), bem como para, dentro do prazo para apresentação das reclamações de créditos, qualquer interessado requerer, querendo, a convocação da assembleia de credores. Remeta certidão à Conservatória do Registo Comercial, no prazo de 5 dias, nos termos e para os efeitos previstos no artº. 38, nº. 2, al. b), e nº. 5, do CIRE, e dos artºs. 9.º, als. i) e l), do Código do Registo Comercial. Oportunamente, remeta nova certidão à Conservatória do Registo Comercial, com nota de trânsito em julgado. Comunique a presente sentença à DGCI e ao IGFSS, IP. Se o Sr. Administrador da Insolvência vier a apreender bens sujeitos a registo pertencentes à massa insolvente, deverá dar oportuno cumprimento ao preceituado no artº. 38.º, nº. 3 e 5, do CIRE. Dê-se pagamento imediato à 1.ª prestação de € 1.000,00 ao Sr. A.I e ainda a quantia de 2UC´s a título de provisão para despesas (cfr. 60.º, n.º 1 do CIRE, 23.º, n.º 1, 29.º, n.º 2 e 8 e 30.º, n.º 3 da Lei 22/2013, de 26 de Fevereiro e arts. 1.º e 3.º da Portaria n.º 51/2005, de 20.01). As quantias indicadas são a adiantar pelo Instituto de Gestão Financeira e de Infraestruturas da Justiça, I.P., sem prejuízo de, a final, serem a suportar pela massa insolvente. Caso a massa insolvente venha a revelar-se suficiente para tais pagamentos, o pagamento de remuneração e de despesas ficam a cargo desta (art. 30.º, n.º 3, parte final da Lei 22/2013, de 26 de Fevereiro). Mantendo-se a insuficiência da massa também se deve adiantar a 2. ª prestação da remuneração fixa – 1000€ - aquando do vencimento (ou no momento do encerramento se for anterior). Registe e notifique pessoalmente o/a/s insolventes, nos termos do disposto no artigo 37.º, n.º1 e 2 do CIRE. Cumpra o demais vertido no disposto no art. 37º, do C.I.R.E. Remeta cópia ao Sr. Administrador nomeado da petição inicial, documentos juntos e da presente sentença. Com o cumprimento do disposto no art. 129.º do CIRE, deve Sr. Administrador de Insolvência, doravante AI, em apenso de Depósito Documental, juntar as reclamações de créditos que lhe tenham sido enviadas, incluindo procurações. Solicita-se que o AI, qualifique eletronicamente no citius como tal, todos os atos que praticar essa qualidade, nos autos principais e apensos. Valor: €30.000,00 (art. 301.º do CIRE), sem prejuízo do art. 15.º do CIRE Custas pela massa insolvente (cfr. arts. 304.º e 303.º, do CIRE)». Inconformada, interpôs a requerida o recurso de apelação em apreço [admitido com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo], cujas alegações culminou com as seguintes conclusões: «A – O presente recurso é interposto da decisão interlocutória proferida no despacho saneador do Tribunal ‘a quo’, que, ao conhecer a exceção dilatória de caso julgado arguida pela Recorrente, a julgou improcedente e determinou o prosseguimento da causa, com repercussão direta na sentença final que veio a decretar a insolvência da Recorrida. B – Nos termos do artigo 644.º, n.º 3, do CPC, a mesma decisão interlocutória pode ser impugnada no âmbito do recurso interposto da decisão que pôs termo à causa (sentença que decretou a insolvência), pelo que o presente recurso tem também efeito devolutivo suficiente para alcançar a anulação ou revogação da decisão final subsequente. C – Estão assi[m] reunidos os pressupostos legais de admissibilidade – legitimidade, interesse e forma legal – e tratando-se de matéria suscetível de afetar diretamente a decisão final, o presente recurso revela-se admissível, podendo ser conhecido pelo tribunal ‘ad quem’. D - O Tribunal ‘a quo’ errou ao julgar improcedente a exceção de caso julgado invocada pela Recorrente, pois existe identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir entre a presente ação e a ação especial de insolvência que correu termos sob o proc. n.º 375/24.6T8AMT – J4, extinta por sentença de 15.05.2024, transitada em julgado, que homologou a desistência do pedido, com força impeditiva da invocação do mesmo direito em nova ação entre os mesmos sujeitos, nos termos dos artigos 285.º, n.º 1, 291.º, n.º 2 e 619.º do CPC. E - A petição inicial destes autos reproduz, ‘ipsis verbis’, a petição inicial do processo anterior, sendo apenas diferente, de forma irrelevante, o teor do item 35.º (referente ao alegado encerramento do estabelecimento “C...”), circunstância essa que não altera a causa de pedir nem constitui inovação factual juridicamente relevante. F - O encerramento alegado do estabelecimento constitui mero elemento de pormenor de gestão comercial, não sendo alegada nem provada a sua repercussão efetiva e determinante na situação económico-financeira da Recorrida; tal facto não altera o núcleo da causa de pedir nem legitima a repetição do pedido já objeto de desistência judicialmente homologada. G - Ao afirmar a inexistência do caso julgado e autorizar o prosseguimento da presente ação, o Tribunal recorrido procedeu a erro no plano interpretativo e aplicativo do direito, violando, com isso, as disposições conjugadas dos artigos 577.º, alínea i), 578.º, 580.º, 581.º e 278.º, n.º 1, alínea e), do CPC, aplicáveis por remissão do art. 17.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), bem como o princípio da segurança jurídica e da estabilidade das decisões judiciais. H - Em consequência direta do erro acima referido, a sentença que declarou a insolvência da Recorrida (proferida em 22.07.2025) deve igualmente ser anulada/revogada, por ter apreciado prosseguido para apreciação de mérito, quando havia um obstáculo a tal, pela verificação da exceção dilatória de caso julgado. I - Sem prescindir, se o Tribunal entender que a tríplice identidade não se verifica em termos formais, o que se reputa manifestamente incorreto, deverá, todavia, reconhecer-se a autoridade de caso julgado da sentença homologatória da desistência do pedido, que impede a contradição do conteúdo da decisão transitada e vincula o juízo subsequente quanto à matéria decidida, nos termos dos artigos 619.º e 621.º do CPC. J - Ao não aplicar sequer a autoridade de caso julgado, o Tribunal recorrido incorreu em decisão materialmente contraditória e incompatível com a decisão transitada, ofendendo, ainda, os artigos 576.º, n.º 3, 619.º e 621.º do CPC. Nestes termos, na procedência da apelação, deverá ser revogada a decisão interlocutória que julgou improcedente a exceção de caso julgado, por outra que a reconheça ou, subsidiariamente, deve reconhecer-se a autoridade de caso julgado da sentença homologatória de desistência de 15.05.2024, com a consequente revogação/anulação da sentença de 22.07.2025 que declarou a insolvência da R, com as legais consequências.». A requerente apresentou contra-alegações em defesa da confirmação da decisão recorrida e pugnando pela improcedência do recurso. Foram colhidos os vistos legais. * * * II. Questões a decidir:Face às conclusões das alegações da recorrente – que fixam o thema decidendum deste recurso, de acordo com o estabelecido nos arts. 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 als. a) a c) do CPC – as questões a decidir são as seguintes: - Exceção do caso julgado; - Autoridade do caso julgado. * * * III. Matéria de facto:i) No despacho saneador foram considerados relevantes para apreciação da dita exceção dilatória os seguintes factos: a. A..., Unipessoal, Lda. intentou a presente ação especial de insolvência contra B..., Unipessoal, Lda.. b. A..., Unipessoal, Lda. intentara uma ação especial de insolvência contra B..., Unipessoal, Lda. que correu termos …-J4 deste Tribunal, que foi extinta por sentença homologatória de desistência de pedido proferida a 15/05/2024, já transitada em julgado. c. Todos os factos que tinham sido alegados na primeira ação foram, novamente, alegados na presente ação. d. A Rqte. atualizou o pedido do seu crédito para o valor €67.355,05, sendo capital em divida de €56.516,50 (como anteriormente), fixando, agora os juros de mora em €10.838,55. e. Acrescentou nesta ação que o estabelecimento de restauração denominado “C...” veio a encerrar (art. 35 das duas petições) f. Embora tenha dito, numa e noutra ação, não saber quais os cinco maiores credores, pedindo que a Rda. os viesse identificar (art. 37 das duas petições), na primeira ação os mesmos eram: Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários ..., D..., AT, SS e E..., e nesta são: Banco 1..., s.a., no total de €61.152,97 D..., no total de €77.501,77, AT, no valor de €156.286,86; SS, no valor de €99.760,23 contribuições e quotizações, Data de vencimento: 2021/02, E..., S.A., no valor de €7.281.03. g. A SS informou que a divida por contribuições da Rda. é referente ao período compreendido entre 02/2021 e 02/2025, no total de €99.760,23 (email de 11/04/2025). h. A AT informou existir divida total de 156.286,86 referente a impostos por IVA, IRS e IRC vencidos entre 2022 e 2025, quantias devidas por prestação de serviços pelo Município ... (2023/2024), coimas e encargos em processo de contraordenação, taxas de portagem e custos administrativos 2023/2024/2025. Além destes elementos, resulta, ainda, que o art. 36º da p. i. destes autos também diverge do alegado na p. i. da 1ª ação, alegando-se ali que: i. Se explorando dois estabelecimentos comerciais a Requerida não teve qualquer capacidade para pagar a sua dívida à Requerente, não será agora que o conseguirá fazer, pelo que é inquestionável que a Requerida não tem capacidade de gerar lucros para pagar a sua dívida à Requerente. * ii- a) E na sentença foram dados como provados os seguintes factos:1. A A., A..., Unipessoal, Lda., é uma sociedade comercial que se dedica, entre outras atividades, à exploração e gestão de centros comerciais. 2. A R., B..., UNIPESSOAL, LDA., é uma sociedade comercial que tem por objeto atividades de restauração, nomeadamente restaurante típico, café e bar com serviço de esplanada. Atividades de cedência de espaço e organização de eventos de índole cultural e gastronómico e outros, com um capital social de €1.000,00 que pertence a AA, o qual é também o seu único gerente. 3. Em 2021.02.21, entre o F... e a R. foi celebrado um contrato de utilização de espaço em centro comercial, tendo por objeto a LOJA nº. ... do Centro Comercial ..., sito em Paços de Ferreira… 4. … no qual a R. veio a explorar um estabelecimento comercial dedicado à prática de Padel e à venda de artigos desportivos relacionados com o mesmo, denominado “...”. 5. Resulta do teor de tal contrato que: - a “Área de loja”: consiste no número de metros quadrados correspondente a cada loja, medido pelo perímetro externo das paredes, à exceção das paredes interiores de divisão com as outras lojas em que a medição será efetuada pela linha mediana das mesmas (cláusula1); - a loja número ... tem a área de 1.216,00m2, assinalada em Planta junta sob anexo I (clausula1); - o contrato é celebrado por um prazo inicial de 10 (dez) anos e 8 (oito) meses, com inicio em 01/07/2021 (cláusula 6); - pela utilização da Loja e pelos serviços mínimos assegurados pela «F...», a R. pagaria mensalmente uma remuneração fixa correspondente a €2,50 por cada metro quadrado da Loja, “ou seja, €3.040,99”, acrescido de IVA à taxa legal em vigor.” (cláusula 7); - a partir de 01/03/2022, a R. pagaria a remuneração mensal calculada nos termos previstos na cl. 7.ª, até ao oitavo dia do mês anterior àquele a que a remuneração dissesse respeito (cláusula 8); - a Loja seria entregue à R. no estado em que atualmente se encontrava a 01/07/2021 (cláusula 10); - o contrato produzia efeitos a partir de 01/07/2021 (cláusula 11). 6. Por escritura pública realizada em 02OUT de 2023, a A. «A...» adquiriu o estabelecimento comercial que inclui o Centro Comercial ..., bem como toda a universalidade de bens corpóreos e incorpóreos que o compunham. 7. Assim como assumiu a posição contratual do «F...» no contrato de utilização de loja em centro comercial que estava em vigor com a R., tendo por objeto a loja onde se situava o “...”. 8. E adquiriu os créditos emergentes do contrato celebrado pela «F...» com a R., vencidos e não pagos até àquela data, bem como os que viessem a ser futura e legalmente exigíveis. 9. Por carta datada de 02/10/2023 foi comunicada à R. a transmissão do Centro Comercial ... à A., assim como a cedência da posição contratual, créditos e garantias, ali se informando que partir daquela data, a remuneração mensal que a R. estava obrigada a pagar pela cedência e utilização do espaço (“preço de cedência de uso de loja”) passou a ser devida à A., assim como quaisquer outros que se encontrassem em dívida. 10. Foram igualmente comunicados à R. os dados da conta bancária da A. para que aquela procedesse ao pagamento à A. dos valores que se encontrassem em dívida ao «F...». 11. À data do contrato de cedência, tinham sido emitidas pela «F...», e encontravam-se por pagar as seguintes FATURAS relativas às remunerações mensais pela utilização da LOJA no valor de € 3.739,20, IVA incluído, cada uma: 1) ..., emitida em 2022.12.07; 2) ..., emitida em 2023.01.11; 3) ..., emitida em 2023.02.06; 4) ..., emitida em 2023.03.06; 5) ..., emitida em 2023.04.05; 6) ..., emitida em 2023.05.09; 7) ..., emitida em 2023.06.27; 8) ..., emitida em 2023.07.05; 9) ..., emitida em 2023.08.12; 10) ..., emitida em 2023.09.01. 12. Após a compra do Centro Comercial ... pela A., esta também emitiu e entregou à R., que as recebeu e nunca devolveu, as seguintes FATURAS respeitantes às remunerações mensais pela utilização da LOJA no valor de €3.739,20, IVA incluído, cada uma: 11) ..., emitida em 2023.10.03; 12) ..., emitida em 2023.11.02; 13) ..., emitida em 2023.12.04; 14) ..., emitida em 2024.01.02; 15) ..., emitida em 2024.02.01. 13. A R. pagou por cheques emitidos em Jul, Ag, Set, Out, Nov. e Dez de 2022 e Jan. de 2023, cada um na quantia de €3.314,85 e em Jul. de 2023 a quantia de €641,41. 14. «F...» imputou tais pagamentos aos meses de Março de 2022 e seguintes. 15. Em 2023.06.20, o «F...» apresentou contra a R. uma Injunção que correu termos no Juiz 22 do Juízo Local Cível de Lisboa, sob nº 67380/23.5YIPRT para pagamento da quantia no total de €32.884,05, referente às remunerações devidas pela utilização da loja, vertidas nas FATURAS mensais emitidas entre 08/03/2022 e maio de 2023 (quantia de €424,35 * meses de Março a set de 2022 e a quantia de €3739,20 * meses de Out a Dez de 2022 e meses de Jan a maio de 2023). 16. Em 2023.11.23, o «F...» ampliou o seu pedido naquela ação para €38.157,00€, por referência às seguintes FATURAS, cada uma no valor de €3.739,20, IVA incluído: 1) ..., emitida em 2023.06.27; 2) ..., emitida em 2023.07.05; 3) ..., emitida em 2023.08.12; 4) ..., emitida em 2023.09.01; 17. …informando que a R. pagara a totalidade das quantias vertidas nas FATURAS emitidas entre 08/03/2022 e 08/11/2022. 18. E em 2023.11.24, a A. requereu a sua habilitação para assumir a posição do «F...». 19. Em 15FEV de 2024, a A. escreveu uma carta para a sede da R. e para a sua loja do Centro Comercial ..., interpelando-a, ao abrigo da Cláusula 23ª do Contrato, para o pagamento da sua dívida, no prazo máximo de 8 (oito) dias, findos os quais e mantendo-se o seu incumprimento, considerar-se-ia o contrato definitivamente incumprido, sem necessidade de qualquer outra interpelação, e, em consequência, ficará imediatamente resolvido o contrato que estava em vigor entre ambos, com a obrigatoriedade de devolução imediata da loja da A., inteiramente livre e desocupada. 20. A R. não recebeu aquelas cartas, apesar de avisada para o fazer, pelo que as mesmas foram devolvidas à A.. 21. Findo o prazo concedido pelas cartas, a quantia reclamada pela A. da R. continuava por pagar, pelo que, em 29 FEV de 2024, a A. escreveu uma nova carta para a sede da R. e para a sua loja do Centro Comercial ..., declarando que considerava o contrato definitivamente incumprido desde essa data, e, como tal, resolvido com esse fundamento, concedendo-lhe apenas um novo prazo adicional para a entrega voluntária da loja. 22. A carta remetida para a sede da R. foi recebida em 2023.03.06, mas a carta enviada para a loja no Centro Comercial ... não foi recebida nem levantada. 23. A A. intentara uma ação especial de insolvência contra a aqui R.. que correu termos [com o nº] ...-J4 deste Tribunal, que foi extinta por sentença homologatória de desistência de pedido proferida a 15/05/2024, já transitada em julgado. 24. Na decorrência do acordo homologado nessa sentença, a R. entregou à A. a loja no dia 31/05/2024. 25. Além do “...”, a R. explorava também um estabelecimento de restauração denominado “C...”, o qual veio a encerrar depois da ação n.º ...-J4. 26. A R. é devedora à SS no montante total de €99.760,23, por contribuições referente ao período compreendido entre 02/2021 e 02/2025. 27. A R. é devedora à AT no montante total de €156.286,86, referente a impostos por IVA, IRS e IRC vencidos entre 2022 e 2025, quantias devidas por prestação de serviços pelo Município ... (2023/2024), coimas e encargos em processo de contraordenação, taxas de portagem e custos administrativos 2023/2024/2025. 28. A R. indicou serem os seus cinco maiores credores, para além da AT e da SS, ainda: ▪ o Banco 1..., SA. por financiamento à atividade empresarial e locação financeira mobiliária, divida vencida Out. e Nov. de 2024, no Valor: €61.152,97; ▪ D... – Gestão de Equipamentos Municipais E. M., S. A., por rendas vencidas, por referência a Setembro de 2024, no valor de €77.501,77; ▪ E..., S.A., por locação de equipamentos, no valor de €7.281.03. 29. A R. tem dividas a fornecedores, lançadas contabilisticamente no montante de €196,197.44. 30. A loja recebida pela R. estava devoluta e a carecer da realização de obras para a instalação do estabelecimento e para dotá-lo para a atividade que ali ia desenvolver. 31. Para a estipulação do pagamento da remuneração ser efetuado depois de 8 meses do início do contrato contribuiu a circunstância de se ter entendido ser necessário a realização de obras na LOJA e adaptar à atividade a desenvolver pela R.. 32. Em Março de 2022, a «F...» comunicou à R. que os projetos se encontravam aprovados, solicitou a entrega dos seguros de obra e nome das equipas que iam efetuar os trabalhos, para poderem ser autorizados a entrar em obra. 33. Foi a R. quem procedeu à realização de obras de reabilitação e adaptação do espaço, de modo a instalar o estabelecimento de prática desportiva e atividades conexas. 34. Entre Abril e setembro de 2022, pela execução de trabalhos de construção civil nas instalações da loja cedida à R., foram-lhe faturados montantes que totalizaram €65.181,81. 35. A loja da R. abriu ao público em 26/05/2023. 36. A área interna da loja correspondia 1078 m2. 37. A injunção [67380/23.5YIPRT] intentada contra a R. foi objeto de sentença proferida em 12/02/2025, transitada em julgado, que julgou verificada a exceção dilatória de erro na forma do processo e absolveu da instância a R.. 38. No IES do exercício de 2023, a R. apresentou um resultado líquido negativo de €58.323,43. 39. No último Balancete emitido aos 11/06/2025, a R. apresentava resultado líquido negativo de €56.587,72. ii- b) … E como não provados os seguintes factos: a) A Loja tenha aberto ao público em Maio de 2022. b) As partes tivessem querido que a remuneração mensal apenas passasse a ser devida e paga a partir do momento da abertura da loja ao público por causa da natureza das obras e os avultados custos necessários para sua implementação. c) O atraso na realização das obras e a abertura da loja ao público apenas em 26/05/2023, se tenha devido à inércia e falta de colaboração da «F...». d) A «F...» tenha protelado, por diversas a vezes, a autorização necessária para a realização de obras pela R. na Loja… e) … e não tenha realizado diversas obras nem reparações nas zonas comuns necessárias à instalação do estabelecimento. f) A R. se dedique a várias atividades ligadas ao desporto e entrega de bens alimentares ao domicílio, faturando receitas suficientes para satisfazer os seus compromissos. * * * IV. Apreciação jurídica:1. A recorrente, nas conclusões das alegações, faz apelo a duas vertentes da figura do caso julgado material [não está aqui em causa o caso julgado formal]: enquanto exceção e como efeito/autoridade. Ainda que em breves pinceladas, importa começar por defini-las e delimitar o campo de aplicação de cada uma delas. Ensina Lebre de Freitas [in «Um Polvo chamado Autoridade do Caso Julgado», ROA, III-IV, 2019, pgs. 692-693] que “[o] caso julgado material é, (…), primacialmente caracterizado por impor às partes uma norma de comportamento, baseada no prévio acertamento, com o referido efeito preclusivo, das respetivas situações jurídicas. Ao contrário das preclusões (processuais) do direito à prática dos vários atos processuais que precedem a sentença, esta preclusão manifesta-se assim no plano do direito substantivo. A inadmissibilidade de nova decisão em futuro processo entre as mesmas partes e com o mesmo objeto, seja repetindo-a (proibição de repetição), seja modificando-a (proibição de contradição), mais não é do que consequência processual desse efeito substantivo: uma vez conformadas, pela sentença, as situações jurídicas das partes, elas passam a ser indiscutíveis. esta indiscutibilidade manifesta-se de dois modos: - Entre as mesmas partes e com o mesmo objeto (isto é, com o mesmo pedido e a mesma causa de pedir), não é admissível nova discussão: o caso julgado opera negativamente, constituindo uma exceção dilatória que evita a repetição da causa (efeito negativo do caso julgado); - Entre as mesmas partes mas com objetos diferenciados, entre si ligados por uma relação de prejudicialidade, a decisão impõe-se enquanto pressuposto material da nova decisão: o caso julgado opera positivamente, já não no plano da admissibilidade da ação, mas no do mérito da causa, com ele ficando assente um elemento da causa de pedir (efeito positivo do caso julgado).”. Também Miguel Teixeira de Sousa [in «O Objeto da Sentença e o Caso Julgado Material», BMJ nº 325, pgs. 49 e segs.] refere [a pgs. 168] que “os efeitos do caso julgado material projetam-se em processo subsequente necessariamente como autoridade de caso julgado material, em que o conteúdo da decisão anterior constitui uma vinculação à decisão de distinto objeto posterior, ou como exceção de caso julgado, em que a existência da decisão anterior constitui um impedimento à decisão de idêntico objeto posterior”. Mais adiante [a pgs. 171-172] traça a distinção entre as duas figuras nos seguintes termos: “quando o objeto processual anterior é condição para a apreciação do objeto processual posterior, o caso julgado da decisão antecedente releva como autoridade de caso julgado material no processo subsequente; quando a apreciação do objeto processual antecedente é repetido no objeto processual subsequente, o caso julgado da decisão anterior releva com exceção do caso julgado”, acrescentando que “[d]ada a mútua determinação da autoridade de caso julgado e da exceção de caso julgado, o caso julgado material só se torna autoridade de caso julgado nas eventualidades de consumpção prejudicial entre objetos processuais. A consumpção prejudicial exige a pressuposição da decisão do objeto posterior pela decisão do objeto anterior, o que torna a decisão sobre o objeto antecedente uma premissa da decisão do objeto subsequente: existe sempre prejudicialidade entre a consequência jurídica decidida e as consequências jurídicas dela dependentes”. E conclui depois [pgs. 178-179]: “Assim, verifica-se que o caso julgado material pode valer em processo posterior como autoridade de caso julgado, quando o objeto da acão subsequente é dependente do objeto da ação anterior, ou como exceção de caso julgado, quando o objeto da ação posterior é idêntico ao objeto da ação antecedente. Quando vigora a autoridade do caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspeto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade do caso julgado é o comando da ação ou proibição de omissão respeitante à vinculação subjetiva e à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente – a normatividade da autoridade de caso julgado provém diretamente do efeito positivo do caso julgado material (…)” [cfr., ainda, Rui Pinto, in «Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias», Julgar Online, Novembro de 2018, http://julgar.pt/wp-content/uploads/2018/11/20181126]. No mesmo sentido tem-se orientado a Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça [cfr., i. a., acórdãos de 18.09.2025, proc. 4619/20.5T8VNG.P3.S1, que decidiu (sumário) que “I. Como exceção dilatória, visa o caso julgado (material) prevenir a possibilidade de prolação de decisões judiciais contraditórias com o mesmo objeto (efeito impeditivo e função negativa); como autoridade de caso julgado, garante a vinculação dos órgãos jurisdicionais e o acatamento pelos particulares de uma decisão anterior (efeito vinculativo e função positiva)”; de 11.07.2019, proc. 13111/17.4T8LSB.L1.S1, que decidiu (sumário) que “I - A exceção do caso julgado e a autoridade do caso julgado distinguem-se, grosso modo, pelo seguinte: enquanto a exceção é invocada para impedir que seja proferida uma nova decisão (art. 580º do CPC), a autoridade do caso julgado é invocada como decisão de um pressuposto de uma nova decisão. II - Pela exceção visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda ação, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito, enquanto a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito. III - A figura da exceção de caso julgado tem que ver com um fenómeno de identidade entre relações jurídicas, sendo a mesma relação submetida sucessivamente a apreciação jurisdicional, ignorando-se ou desvalorizando-se o facto de esse mesma relação já ter sido, enquanto objeto processual perfeitamente individualizado nos seus aspetos subjetivos e objetivos, anteriormente apreciada jurisdicionalmente, mediante decisão que transitou em julgado.”; e de 26.02.2019, proc. 4043/10.8TBVLG.P1.S1, que decidiu (sumário) que “I - A exceção de caso julgado e a autoridade de caso julgado são duas vertentes, a primeira negativa e a segunda positiva, do caso julgado. II - A exceção implica a identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir – art. 581.º, n.ºs. 1 e 4, do CPC – e tem o efeito negativo de impedir o conhecimento do mérito de uma segunda ação, impondo a absolvição da instância. III - A autoridade não implica a identidade objetiva e tem o efeito positivo de impor a primeira decisão com pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito.”, todos disponíveis in www.juris.stj.pt]. Do que fica exposto decorre que: - A exceção dilatória do caso julgado [al. i) do art. 577º do CPC] visa impedir a prolação de decisões contraditórias com o mesmo objeto, ou seja, que seja proferida uma nova decisão sobre pretensão já decidida por sentença transitada em julgado, pressupondo, por isso, a verificação da tríplice identidade a que alude o art. 581º nºs 1 a 4 do CPC – identidade de sujeitos, identidade de pedido e identidade de causa de pedir; - A autoridade do caso julgado destina-se a garantir o acatamento de uma decisão anterior [decisão de mérito transitada em julgado] numa nova ação [na sentença a proferir nesta] em que, apesar de ter objeto distinto, tem como pressuposto uma relação de prejudicialidade face ao que naquela foi decidido, apresentando-se a primeira decisão como pressuposto indiscutível da segunda. Nesta vertente do caso julgado já não se exige, como é obvio, a identidade de pedido e de causa de pedir, pressupondo apenas a identidade de sujeitos. Feito este introito, apreciemos então o objeto do recurso. 2. A recorrente começa por sustentar que entre a presente ação e a ação nº 375/24.6T8AMT, que correu termos no Juízo do Comércio de Amarante - lugar de juiz 4 e que terminou por sentença homologatória da desistência do pedido [já transitada em julgado], existe identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir, pelo que, na sua ótica, por via da exceção do caso julgado, esta segunda ação não podia ter passado do crivo do despacho saneador, onde devia ter-se declarado procedente tal exceção dilatória, por si arguida na contestação, com as legais consequências. No saneador, o tribunal a quo julgou improcedente esta exceção com a seguinte fundamentação: «Aqui chegados, importa refletir se o objeto da ação intentada antes e agora é o mesmo, por outras palavras, se o fundamento apresentado e existente antes tem o mesmo desenho fáctico que o existente nestes autos, tendo presente que nos termos do disposto no art. 11 do CIRE, e por força do principio do inquisitório ali consagrado, no processo de insolvência, a decisão do juiz pode ser fundada em factos que não tenham sido alegados pelas partes, mas que, naturalmente, existam e sejam conhecidos e considerados à data da prolação da sentença em que se aprecie se uma determinada entidade está ou não em situação de insolvência. É evidente que o quadro factual que a Rqte. trouxe para justificar o seu direito de crédito é exatamente igual ao anterior. Se o seu crédito ainda não está pago, e numa hipótese em que o processo de insolvência tivesse sido intentado por terceiro, não ficaria o mesmo impedido de o reclamar nessa sede, até porque a isso está obrigado a fazer numa execução universal em que todos os pagamentos são efetuados dentro dos autos insolvenciais. É essa alegação que lhe confere legitimidade para estes autos. De todo o modo, na verdade, conforme sublinha a Rqte., há um acontecimento ulterior que alarga o perímetro objetivo de justificação da sua situação (alegada) de insolvência: o encerramento do único estabelecimento detido pela Rda. que lhe traria liquidez para solver as suas dividas. Este segmento objetivo ulterior àquela ação, salvo melhor entendimento, faz regressar a possibilidade a este credor, ainda que antes tenha desistido do pedido da declaração de insolvência da Rda. Acresce que, esse quadro fáctico que fundamenta o pedido de insolvência alarga-se ainda às atuais dividas da Rda. que são diferentes das existentes à data da sentença de homologação da desistência do pedido já que englobam dividas tributárias da AT e da SS vencidas depois da Sentença 14/05/2025 e não pagas. Por outras palavras, o passivo é diferente e superior quanto a alguns dos credores por dividas, entretanto vencidas, pelo que o objeto que fundamenta a decisão a tomar quanto ao pedido de insolvência é naturalmente diferente. Aqui chegados e sabendo que para que exista caso julgado é necessário que se verifique a tríplice identidade de partes, pedido e causa de pedir nas ações que se comparam (art. 581 do CPC), ainda que haja identidade subjetiva e quanto ao efeito jurídico pretendido, falha o último quanto ao objeto que apesar de, em parte coincidir com a primeira ação, engloba factualidade diferente que justifica o pedido e antes não trazida a litigio, não existindo, por isso, impedimento de esta nova ação em que se pede a declaração de insolvência prosseguir para saber se existe fundamento para tal. Improcede a exceção de caso julgado.». Vejamos. Como resulta do que se disse atrás, a exceção dilatória do caso julgado pressupõe a repetição de uma causa depois de uma anterior ter sido já decidida por sentença transitada em julgado e visa evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir essa decisão anterior – art. 580º nºs 1 e 2 do CPC. Estão-lhe, pois, subjacentes dois importantes princípios do processo civil relacionados com as decisões judiciais: o da segurança jurídica e o da estabilidade das próprias decisões judiciais. A causa repete-se, segundo o nº 1 do art. 581º do mesmo Código, quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, esclarecendo-se nos nºs 2 a 4 do mesmo normativo, que há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica, que há identidade de pedido quando numa e noutra ação se pretende obter o mesmo efeito jurídico e que há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico, sendo que nas ações reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real, enquanto nas ações constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido. In casu – em que está em causa a fase declarativa da ação de insolvência – nenhuma dúvida se suscita quanto à identidade de sujeitos e à identidade de pedido. Em ambas as ações os sujeitos são exatamente os mesmos sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica [e, diga-se, até em termos físicos], além de ocuparem as mesmas posições processuais: a aqui requerente foi requerente na ação anterior [atrás identificada] e a requerida foi igualmente parte demandada nessa ação. E o pedido também coincide nas duas ações: em ambas a requerente pediu a declaração de insolvência da requerida. A questão está apenas em saber se existe também identidade de causa de pedir [como defende a recorrente], problemática que foi já objeto de várias decisões dos tribunais da Relação, todas essencialmente coincidentes entre si [embora relativas a situações em que a segunda ação de insolvência foi instaurada quando o/a requerido/a já havia sido anteriormente declarado/a insolvente por sentença transitada em julgado]. No acórdão da Relação de Coimbra de 24.01.2023 [proc. 3245/22.9T8LRA-A.C1, disponível in www.dgsi.pt/jtrc] exarou-se a tal respeito o seguinte: “Dispondo o artigo 3º, nº 1, que se considera em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas, a causa de pedir do pedido de declaração de insolvência – ou seja, o facto jurídico de onde emerge essa pretensão – corresponderá ao complexo factual do qual resulta essa impossibilidade: o ativo e o passivo vencido do devedor e demais circunstâncias que possam relevar para apurar se o devedor está ou não impossibilitado de cumprir aquelas obrigações. E ainda que o pedido de declaração de insolvência – quando formulado por qualquer legitimado que não seja o devedor – possa fundamentar-se apenas na verificação de um dos factos que são enunciados no art.º 20.º do CIRE, a causa de pedir não deixará de corresponder à concreta impossibilidade de cumprimento das obrigações vencidas que é evidenciada/presumida pelo facto em questão (sendo certo que, como é sabido, os factos em questão correspondem a factos-índices ou presuntivos da situação de insolvência). A causa de pedir do pedido de declaração de insolvência corresponderá, portanto, à concreta impossibilidade de satisfação das obrigações vencidas que se configure em determinado momento, seja ela invocada mediante alegação expressa dos factos que a evidenciam ou mediante alegação de um facto que, nos termos do art.º 20.º, a faz presumir. Poder-se-á, portanto, dizer – como se disse no Acórdão de 03/12/2019 (…) – que a pretensão de ver declarada a insolvência nos presentes autos será idêntica à pretensão já obtida na ação anterior se a realidade a que se reporta – balizada pelo ativo e pelo passivo existente e pela impossibilidade de esse ativo assegurar a satisfação do passivo – for a mesma, ou seja, se o passivo em questão for o mesmo que já existia à data da anterior declaração de insolvência e se nenhum outro ativo tiver acrescido àquele que existia naquele momento. Importa, no entanto, clarificar a referida conclusão (como, aliás, já se fez em Acórdão – também relatado pela aqui relatora – proferido em 25/01/2022 no âmbito do processo n.º 660/21.9T8FND.C1), nos termos que passamos a reproduzir. É evidente que – como se disse no primeiro Acórdão – a pretensão de ver declarada a insolvência será idêntica à pretensão já obtida na ação anterior se o passivo existente for o mesmo que já existia à data da anterior declaração de insolvência e se nenhum outro ativo tiver acrescido àquele que existia naquele momento. Isso não significa, porém, que qualquer acréscimo de ativo ou qualquer alteração do passivo deva conduzir necessariamente à conclusão de que estão em causa pretensões diferentes; importará ainda saber, nesse caso, se a alteração existente tem ou não a relevância bastante para concluir que está em causa uma realidade de facto diferente daquela que ocorria aquando do primeiro processo que configure uma situação de insolvência distinta (…). Ou seja, para que se possa concluir pela existência de uma nova e diferente situação de insolvência será necessário que a impossibilidade (agora existente) de satisfazer o passivo vencido seja uma realidade diferente daquela que existia aquando do primeiro processo por se reportar a um passivo e a um ativo que, não obstante possam ser parcialmente coincidentes com os que existiam anteriormente, apresentam alterações com relevância bastante para concluir que não estamos perante um mero prolongamento ou agravamento da situação de insolvência que já foi declarada, mas sim perante uma situação de insolvência nova e diferente por se reportar a passivo e ativo que divergem, em termos relevantes, daqueles que existiam aquando da primeira declaração de insolvência.”. No acórdão da Relação de Évora de 25.10.2024 [proc. 74/24.9T8LGA.E1, disponível in www.dgsi.pt/jtre] também se considerou que: “O n.º 1 do artigo 3.º do CIRE estabelece que é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas. É esta a causa de pedir no processo de insolvência: uma determinada situação de insolvência em que o devedor se encontra. Essa situação consubstancia-se num complexo de factos: vinculação do devedor a um determinado conjunto de dívidas vencidas que, atenta a composição e o valor do seu ativo (quando exista), se encontra impossibilitado de cumprir. Quando a ação for proposta por um credor com fundamento na alegação de algum dos factos indiciários de uma situação de insolvência do devedor enumerados no n.º 1 do artigo 20.º do CIRE, «a causa de pedir não deixará de corresponder à concreta impossibilidade de cumprimento das obrigações vencidas que é evidenciada/presumida pelo facto em questão (…). A causa de pedir do pedido de declaração de insolvência corresponderá, portanto, à concreta impossibilidade de satisfação das obrigações vencidas que se configure em determinado momento, seja ela invocada mediante alegação expressa dos factos que a evidenciam ou mediante alegação de um facto que, nos termos do artigo 20.º, a faz presumir.» Sendo esta a causa de pedir no processo de insolvência, verificar-se-á uma situação de identidade de causas de pedir se, em processos distintos, a situação de impossibilidade de cumprimento das dívidas vencidas pelo devedor for a mesma, ainda que o valor e a composição do passivo e do ativo (quando haja) apresente, como é quase inevitável, alguma diferença. Já estaremos perante causas de pedir distintas se a situação de impossibilidade de cumprimento das dívidas vencidas pelo devedor for diversa. Isso acontecerá se a primeira situação de impossibilidade de cumprimento das dívidas vencidas tiver sido sanada, nomeadamente com recurso ao mecanismo da exoneração do passivo restante, e, posteriormente, o devedor, mercê da assunção de novo passivo que não consegue cumprir na época do seu vencimento, cair numa nova situação de impossibilidade de cumprimento das dívidas vencidas.” [em igual sentido decidiram, ainda, os acórdãos da Relação de Lisboa de 10.07.2025, proc. 3195/25.7T8LSB.L1-1, disponível in www.dgsi.pt/jtrl e da Relação de Coimbra de 18.06.2024 [proc. 1023/24.0T8LRA.C1, disponível no sítio da dgsi já sinalizado]. Tendo em conta o que fica enunciado – com que concordamos –, importa então aferir se a causa de pedir alegada na presente ação apresenta ou não alguma novidade relevante que a diferencie claramente da ação anterior que, repete-se, terminou por sentença homologatória da desistência do pedido que a requerente nela apresentou, que é [ainda] uma decisão de mérito [determinou a absolvição da requerida do pedido; diferente seria se estivesse em questão a homologação de uma desistência da instância, pois aí já não se colocaria o problema da exceção do caso julgado] e beneficia dos mesmos efeitos do caso julgado material próprios das decisões de mérito [absolutórias, condenatórias, constitutivas ou de anulação]. E isso passa por analisar se existe ou não alguma alteração do passivo [e, havendo-o, do ativo] que assuma relevância bastante que o torne diferente do que estava em questão na 1ª ação e se a impossibilidade de satisfação das obrigações vencidas é também substancialmente diferente, não sendo suficiente o simples agravamento dessa impossibilidade, nem que o aumento do passivo se deva ao vencimento de novas prestações de dívidas que já existiam na 1ª ação ou a acumulação de juros dessas mesmas dívidas por decurso do tempo. Se se concluir que o passivo é, essencialmente, o mesmo e que a impossibilidade de satisfação das obrigações vencidas é a mesma, ainda que agravada, relativamente à que se verificava à data da propositura da ação anterior, verificar-se-á a exceção do caso julgado. Caso contrário esta exceção não ocorrerá. A chave da solução está no que foi alegado nos arts. 35º e 36º do requerimento inicial desta ação e no novo crédito que consta da lista dos cinco maiores credores [lista esta invocada pela requerente no requerimento inicial e que a requerida juntou, como anexo I, com o requerimento de 11.06.2025, conforme se afere do histórico do processo de insolvência, que consultámos]. Começando pelo alegado nos arts. 35º e 36º desta ação, relevante(s) para aferição da [eventual] impossibilidade de satisfação das obrigações vencidas, diz agora a requerente que o único estabelecimento que a requerida ainda explorava e do qual obtinha rendimentos – o estabelecimento de restauração denominado «C...» - encerrou entretanto [já depois de finda a anterior ação] e que, por via disso, «[s]e explorando dois estabelecimentos comerciais a Requerida não teve qualquer capacidade para pagar a sua dívida à Requerente, não será agora que o conseguirá fazer, pelo que é inquestionável que a Requerida não tem capacidade de gerar lucros para pagar a sua dívida à Requerente». Isto porque além desta «C...», a requerida explorou também um estabelecimento de que a requerente é titular – a LOJA nº. ... do Centro Comercial ..., sito em Paços de Ferreira [denominado “...] –, cujo contrato de utilização foi resolvido com efeitos reportados a 26.02.2024 [antes, portanto, da propositura da anterior ação de insolvência], como consta da ata que contém a sentença homologatória da desistência do pedido da anterior ação. Ou seja, enquanto no requerimento da anterior ação constava que a requerida explorava [ainda] um estabelecimento comercial [a loja ... do Centro Comercial ...], com a consequente obtenção de rendimentos, agora, nesta ação, foi alegado que a mesma já não explora nenhum estabelecimento e que, por via disso, não tem capacidade de gerar lucros para pagar as dívidas, quer a da requerente, quer as dos demais credores. Estamos, assim, inequivocamente, perante uma nova e diferente realidade da que foi alegada na anterior ação e que corresponde a uma substancial alteração que releva para a aferição da possibilidade ou impossibilidade de a requerida satisfazer a generalidade das obrigações vencidas. Se a esta alteração acrescentarmos a existência de um novo crédito – o do Banco 1..., SA – de montante significativo e que se venceu já depois de finda a anterior ação de insolvência [consta da dita lista dos cinco maiores credores e, agora, também do facto nº 28 dado como provado na sentença que se trata de um crédito de €61.152,97, proveniente de financiamento à atividade empresarial e locação financeira mobiliária e que se venceu em outubro e novembro de 2024], não poderemos deixar de concluir que se verifica, também aqui – no âmbito do passivo – uma relevante alteração, relativamente à anterior ação. Em suma, de tal circunstancialismo fáctico decorre, por um lado, que há efetivamente um aumento relevante do passivo, não apenas devido aos efeitos do decurso do tempo sobre os créditos que já haviam sido alegados na ação anterior, mas, sobretudo, por causa do novo crédito acabado de referenciar e, por outro, que estamos perante uma realidade substancialmente diferente, para pior, no que concerne à impossibilidade de a requerida lograr a satisfação do passivo a seu cargo, já bastante elevado, em virtude de já não explorar qualquer estabelecimento comercial que lhe proporcione proventos necessários para aquele fim, diversamente do que acontecia aquando da anterior ação em que explorava ainda um estabelecimento, de cuja atividade obtinha proventos. Há, por conseguinte, que concluir que não há identidade de causa de pedir entre as duas ações em apreço e que, por via disso, não se verifica a exceção dilatória do caso julgado arguida pela requerida. Nesta parte, o recurso improcede. 3. A recorrente chama, ainda, à colação, nas conclusões I e J, a figura da autoridade do caso julgado. Apesar de estarmos perante questão nova, só invocada nas alegações e respetivas conclusões [na contestação limitou-se a arguir a exceção dilatória do caso julgado], não há impedimento à sua apreciação, já que se trata de questão de conhecimento oficioso – arts. 608º nº 2 in fine e 663º nº 2 do CPC. Contudo, este segmento do recurso também está condenado ao insucesso. Como se disse atrás, a autoridade do caso julgado destina-se a garantir o acatamento de uma decisão anterior [decisão de mérito transitada em julgado] numa nova ação [na sentença nela a proferir] em que, apesar de ter objeto distinto, tem como pressuposto uma relação de prejudicialidade face ao que nela foi decidido, apresentando-se aquela decisão como pressuposto indiscutível da segunda. Ora, como entre as duas ações em confronto não se verifica qualquer relação de prejudicialidade, nem o que se decidiu na anterior constituía pressuposto da decisão desta segunda ação, não se vislumbra como poderá aqui atuar a autoridade do caso julgado. Por isso, nem o despacho saneador, na parte impugnada pela recorrente, nem a sentença merecem censura, impondo-se, isso sim, a sua confirmação. Improcede, assim, o recurso in totum. Pelo total decaimento, as custas ficam a cargo da recorrente – arts. 527º nºs 1 e 2, 607º nº 6 e 663º nº 2 do CPC. * Síntese conclusiva: * ……………………………… ……………………………… ……………………………… * * * V. Decisão:Nesta conformidade, os Juízes desta secção cível do tribunal da Relação do Porto acordam em: 1º) Julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmar a(s) decisão(ões) recorrida(s). 2º) Condenar a recorrente nas custas, pelo decaimento. Porto, 26.11.2025 Pinto dos Santos João Ramos Lopes Maria da Luz Seabra |