Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1743/06.0TBVRL.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MENDES COELHO
Descritores: EMBARGOS DE TERCEIRO
Nº do Documento: RP201105091743/06.0TBVRL.P1
Data do Acordão: 05/09/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTº 119º CRP
Sumário: I - Nos autos de embargos de terceiro apensos à execução, são partes todos os interessados a que alude o art. 119° nº4 do Código do Registo Predial (e os mesmos, face ao pedido formulado na petição inicial e face aos pedidos formulados na reconvenção, estão esboçados para a discussão e reconhecimento da propriedade do prédio e até para se saber se a aquisição da sua propriedade por parte dos embargantes soçobra ou não perante a execução em curso.
II - Os embargos de terceiro em curso são, assim, um adequado meio comum para resolver a questão conforme o artº 119° nº 4 do Código do Registo Predial pretende acautelar.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº1743/06.0TBVRL.P1 (agravo)
(4º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Real)

Relator: António M. Mendes Coelho
1º Adjunto: Ana Paula Carvalho
2º Adjunto: Pinto Ferreira

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório

Nestes autos de execução comum em que é exequente “B…, S.A.” e são executados “C…, Lda.”, D… e E…, veio o exequente a fls. 127 e 128, na sequência do despacho proferido a fls. 118 e 119 que remeteu os interessados para os meios comuns quanto ao apuramento da propriedade do bem imóvel penhorado, requerer que se considere desnecessária tal remessa para os meios comuns face aos termos dos articulados que já foram produzidos no apenso de embargos de terceiro juntos aos autos.
Por despacho proferido a fls. 140 foi indeferido tal requerimento, tendo-se para o efeito ali expressamente considerado que “os embargos de terceiro, previstos no disposto no art. 351º do Código de Processo Civil, não são o meio próprio das partes discutirem as questões em litígio, ou seja, não é a acção própria para dirimir tal questão”.
De tal despacho veio o exequente interpor o presente recurso, tendo na sequência da sua motivação apresentado as seguintes conclusões, que ora se transcrevem:

“A - A Impugnação pauliana deduzida por excepção, em sede de contestação de Embargos de Terceiro, é meio idóneo para tornar ineficaz relativamente ao Embargado, aqui Agravante, a transmissão operada a favor dos Embargantes, aqui Agravados, e que constitui o próprio fundamento dos Embargos;
B - A declaração dos Embargantes, nos termos do art. 119º do CR Predial, mediante a qual os Embargantes afirmam que são titulares dos bens penhorados, não tem como consequência a improcedência da impugnação pauliana que visa precisamente tomar ineficaz tal titularidade, relativamente ao Embargado e na medida do seu crédito;
C - O fim visado com os Embargos de Terceiro, cederá face à procedência da impugnação pauliana deduzida, pelo que nem tal fim se encontra cumprido, como se pretende no despacho recorrido, nem o MM.º Juiz a quo se pronunciou sobre o que estava obrigado, ou seja sobre o mérito da impugnação pauliana em curso;
D - A decisão recorrida, para além de violar os princípios enformadores do processo, nomeadamente o da economia processual, e a jurisprudência hoje uniforme no STJ de que é exemplo o acórdão do STJ de 29-02-2000 disponível in www.dgsi.pt, Proc. n.º 99A1026, n.ºConvencional JSTJ00040321 em que é Relator o Conselheiro Ribeiro Coelho, viola a lei, maxime o que dispõem os arts.610° a 618º do C. Civ. 351º e seg. e 668º n.º 1 do CPC.”

Os recorridos/embargantes de terceiro apresentaram as contra-alegações constantes de fls. 173 e sgs., nas quais começam por invocar que se verifica nulidade insanável decorrente de não lhes ter sido notificado o despacho que admitiu o presente recurso e que, além disso, o recurso é extemporâneo porque a decisão que remeteu os interessados para os meios comuns foi proferida em 24 de Novembro de 2009 e notificada às partes em 27 de Novembro de 2009, sendo que o presente recurso apenas deu entrada em 22 de Março de 2010; seguidamente, e sem prescindir de tais questões, propugnam que se mantenha o despacho em causa.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
Considerando que o objecto do recurso é delimitado pelas suas conclusões (art. 684º nº3 do CPC) e considerando também que as questões da nulidade insanável e da extemporaneidade do recurso levantadas pelos recorridos são também de tratar face ao disposto no art. 715º nº2 do CPC (ex vi do art. 749º do CPC, na redacção aplicável a estes autos), são as seguintes as questões a tratar:
a) – apurar se se verifica a nulidade insanável invocada pelos recorridos;
b) – apurar da extemporaneidade do recurso também invocada pelos recorridos;
c) – saber se os embargos de terceiro entretanto deduzidos pelas pessoas que têm a seu favor o registo da propriedade do prédio penhorado e os termos dos mesmos tornam desnecessária ou inútil a remessa dos interessados para os meios comuns, ocorrida por aplicação do disposto no art. 119º nº4 do C. Registo Predial.
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II – Fundamentação

Vamos ao tratamento da primeira questão enunciada.
Defendem os recorridos/embargantes de terceiro que se verifica nulidade insanável por não lhes ter sido notificado o despacho que admitiu o recurso.
Analisemos.
É verdade que o despacho de admissão do recurso devia ter sido notificado aos mesmos (art. 742º do CPC, na redacção aplicável), já que os recorridos, a partir da citação que lhes foi feita ao abrigo do disposto no art. 119º nº1 do C. do Registo Predial, passaram a intervir no processo de execução como partes, ainda que acessórias.
Admitindo que tal despacho não lhes foi notificado, pois da análise dos autos não se vislumbra tal notificação, entendemos porém que não se verifica a nulidade referida.
Efectivamente, uma vez que a omissão de tal notificação não é assinalada na lei como nulidade, só existiria nulidade se tal irregularidade pudesse influir no exame ou decisão da causa (art. 201º nº1 do CPC).
Ora, de tal omissão nada resulta em tal sentido – efectivamente, além de ser de referir que os recorridos acabaram por ter conhecimento do recurso e que a ele vieram a responder, por estes nada foi alegado no sentido da verificação de um qualquer prejuízo para si ou para a discussão da causa por causa de tal omissão.
Assim, improcede a arguição de nulidade em referência.
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Passemos à segunda questão enunciada.
E, com o devido respeito, desde já se adianta que a mesma não faz qualquer sentido.
O recurso do exequente, como desde logo decorre quer do seu requerimento de interposição (a fls. 143) quer do seu próprio conteúdo, não versa sobre o despacho que remete os interessados para os meios comuns (proferido a fls. 118, em 24/11/2009) mas sim sobre o despacho proferido a fls. 140 e 141 (em 11/2/2010) – na sequência do requerimento formulado por aquele a fls. 127 e 128 – que não considera os embargos de terceiro (entretanto deduzidos e cujos articulados eram já conhecidos) como meio próprio para discutir a questão da propriedade do prédio penhorado.
Ora, considerando ser este o despacho objecto de recurso, é de concluir que não se verifica a extemporaneidade referida pelos recorridos.
Como tal, improcede a sua invocação.
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Passemos agora à terceira questão enunciada, a qual traduz o cerne do litígio a que urge dar resposta.
A razão da remessa dos interessados para os meios processuais comuns prevista no art. 119º nº4 do Código do Registo Predial visa, como deste preceito e dos números que o antecedem se vê, que a questão da propriedade do bem objecto de registo provisório de arresto, penhora ou de declaração de insolvência – por tal bem estar inscrito a favor de pessoa diversa do requerido, executado ou insolvente – seja esclarecida em sede adequada e de modo a tirar a “dúvida” que sobre ela possa existir.
No caso concreto, foram deduzidos pelos ora recorridos – titulares do direito de propriedade inscritos no registo (citados nos termos do art. 119º nº4 do Código do Registo Predial) – embargos de terceiro contra o exequente (ora recorrente) e contra os segundos executados, em cuja petição inicial, alegando que compraram o bem imóvel penhorado àqueles segundos executados (por escritura pública de 10 de Fevereiro de 2006), pedem que sejam reconhecidos como donos e legítimos possuidores do prédio penhorado, isto é, pedem o reconhecimento do direito de propriedade que alegam ter sobre tal prédio.
Por sua vez, naqueles mesmos autos de embargos de terceiro, o embargado/exequente deduziu reconvenção na qual pede que seja declarada a nulidade (por simulação) da compra e venda celebrada mediante a qual os embargantes alegam ter adquirido o prédio e, subsidiariamente, por via do instituto da impugnação pauliana, que os executados/segundos embargados e os embargantes sejam condenados a reconhecer o direito de o exequente prosseguir com a penhora sobre o prédio em questão no património dos embargantes.
Em tais autos são partes todos os interessados a que alude o art. 119º nº4 do Código do Registo Predial (estão ali os titulares inscritos no registo e alegados adquirentes da propriedade do prédio, o exequente e os executados, sendo que estes também são os alegados vendedores do prédio aos embargantes) e os mesmos, face ao pedido formulado na petição inicial e face aos pedidos formulados na reconvenção, estão esboçados para a discussão e reconhecimento da propriedade do prédio (note-se que a sentença neles proferida constitui caso julgado quanto à existência e titularidade do direito invocado, como expressamente se prevê no art. 358º do CPC) e até para se saber se a aquisição de tal propriedade por parte dos embargantes soçobra ou não perante a execução em curso.
Na verdade:
- se proceder o pedido de reconhecimento de propriedade por parte dos embargantes (e, como é óbvio, não proceder nenhum dos pedidos formulados na reconvenção), a execução, quanto a tal bem, não pode prosseguir;
- se proceder o pedido de declaração da nulidade da venda (com o consequente não reconhecimento da aquisição da propriedade por parte dos embargantes), o bem torna ao património dos segundos executados (art. 289º nº1 do C. Civil), podendo assim prosseguir a execução no mesmo;
- e se o pedido de declaração de nulidade não proceder e proceder a impugnação pauliana (pedido subsidiário também deduzido na reconvenção), o exequente tem direito à restituição do bem e pode até executá-lo no património dos embargantes, como decorre expressamente do disposto no art. 616º nº1 e 818º, 2ª parte, do C. Civil.
É pois de concluir que os embargos de terceiro em curso, considerando os termos decorrentes dos pedidos neles formulados, são meio adequado para discutir e decidir de forma definitiva a questão da propriedade do prédio e do prosseguimento da execução sobre ele.
Como tal, não pode proceder a afirmação feita no despacho recorrido de que “os embargos de terceiro, previstos no disposto no art. 351º do Código de Processo Civil, não são o meio próprio das partes discutirem as questões em litígio, ou seja, não é a acção própria para dirimir tal questão” (aliás, faz-se tal afirmação e nem sequer se diz o porquê da mesma, pelo que seria até de perguntar: qual é ou quais são então o meio ou meios comuns próprios ou adequados para tal? será segredo saber-se?...).
Ora, sendo, como se viu, os embargos de terceiro em curso um adequado meio comum para resolver a questão que a remessa para os meios processuais comuns prevista no art. 119º nº4 do Código do Registo Predial pretende acautelar, é óbvio que não faz sentido recorrer-se a um qualquer possível outro meio quando já se tem aquele em curso.
Deste modo, há que reconhecer razão ao recorrente, devendo os embargos de terceiro, como meio adequado para resolver a questão que a remessa para os meios comuns prevista no art. 119º nº4 do Código do Registo Predial visa, prosseguir os seus termos para, como já se referiu, se apurar da propriedade do prédio penhorado e para se saber se a execução pode prosseguir sobre este.
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III – Decisão
Pelo exposto, acordando-se em julgar procedente o recurso, revoga-se a decisão recorrida e considera-se que os embargos de terceiro apensos são meio adequado para discutir e decidir de forma definitiva a questão da propriedade do prédio e do prosseguimento da execução sobre ele, devendo os mesmos prosseguir os seus termos para tal.
Custas pelos recorridos.
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Porto, 9/5/2011
António Manuel Mendes Coelho
Ana Paula Vasques de Carvalho
Rui de Sousa Pinto Ferreira