Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
15/14.1TTOAZ.1.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE
REGISTO DO ENCERRAMENTO DA LIQUIDAÇÃO
PASSIVO SOCIAL
RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS
Nº do Documento: RP2021111515/14.1TTOAZ.1.P2
Data do Acordão: 11/15/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Nos termos da conjugação dos arts. 160º, nº 2, 162º e 163º, nºs 1 e 2, do CSC, dissolvida a sociedade e efectuado o registo do encerramento da liquidação, esta considera-se extinta, facto este que determina a perda da personalidade jurídica e judiciária (cfr. art. 5º do CPC), devendo a sociedade, nas acções que contra ela se encontrem pendentes, ser substituída pela generalidade dos sócios (representados pelos liquidatários).
II - Os antigos sócios responderão pelo passivo social mas apenas se e até ao montante do que receberam na partilha, sendo que é ao credor que compete o ónus de alegação e prova de tais factos, porque constitutivos do seu direito (art. 342º, nº 1, Cód. Civil).
III - Nada tendo o Exequente alegado no sentido da existência de partilha dos bens da sociedade executada e dos que, e em que medida, os sócios terão recebido, não há que renovar a execução anteriormente extinta por falta de bens da sociedade executada.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 15/14.1TTOAZ.1.P2
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 1233)
Adjuntos: Des. Rui Penha
Des. Jerónimo Freitas

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório

B… veio, aos 18.09.2014, instaurar acção executiva contra C..., Lda, para pagamento da quantia global de €7.012,78, acrescida da de €173,69 de juros vencidos até 04.09.2014, em que foi condenada por sentença proferida na acção declarativa.

Encetadas diligência com vista à penhora de bens, aos 06.02.2017, a execução foi considerada extinta face à inexistência de bens.

Aos 08.05.2019, o Exequente requereu a intervenção do Fundo de Garantia Salarial, o que foi indeferido por despacho de 06.09.2019, confirmado, na sequência de recurso interposto por aquele, por acórdão desta Relação de 14.07.2020.
Com o mencionado requerimento, o Exequente juntou aos autos documento, extraído do Portal da Justiça, do qual consta, relativamente à executada, a seguinte inscrição:
“Insc. 4 – Ap. 1/20160805 11:53:46 UTC – Dissolução e Encerramento da Liquidação
Decisão: proferida no Procedimento administrativo de dissolução e Liquidação, a que se refere o Av.02-Ap.3/20160607.
Data da Decisão: 2016/07/13”.

Aos 07.09.2020, reiterado a 08.12.2020, o Exequente requereu o seguinte:
“1º
Como já aduzido aos autos, em 05.08.2016 foi publicado o encerramento e dissolução da sociedade Executada. Com efeito,
Nos termos do art.º 160º, nº 2 do Código das Sociedades Comerciais (CSC), “a sociedade considera-se extinta, mesmo entre os sócios e sem prejuízo do disposto nos arts.º 162º a 164º, pelo registo do encerramento da liquidação”.
Nos termos do art.º 163º, nº 1 do CSC, “encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada”.
Quanto às ações pendentes, preceitua o art.º 162º do CSC:
1. As ações em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos artigos 163º, nºs 2, 4 e 5, e 164º, nºs 2 e 5.
2. A instância não se suspende nem é necessária habilitação.
Com efeito, terá a sociedade extinta de ser representada pelos seus liquidatários, a saber:
D… e, E…, casados, ambos residentes em …, …, Arouca.
Na verdade, além de outros bens, nomeadamente, ferramentas de exploração florestal, a sociedade executada era detentora dos seguintes veículos de matrícula:
- ..-..-NO;
- ..-LF-..;
- ..-..-XD e,
- ..-..-JH.
Veículos que os seus liquidatários acima referidos fizeram seus ou de sociedades de que são exclusivos sócios.
Termos em que, assim, se requer, com as legais consequências.
Requer a junção aos autos.”

Aos 08.01.2021º Mmº Juiz proferiu despacho a determinar a verificação da titularidade dos veículos indicados pelo Exequente no acima mencionado requerimento, na sequência do que, efectuada tal pesquisa, foi, aos 12.01.2021 proferido despacho a determinar a notificação do Exequente de que os veículos não estão inscritos em nome da Executada original ou dos sócios indicados, pelo que não se pode proceder à penhora e a aguardarem os autos nos termos do art. 281º, nº 5, do CPC.

Aos 23.01.2021, o Exequente apresentou requerimento dizendo o seguinte:
“(…) tendo sido notificado do douto despacho que antecede, vem esclarecer que não pediu a penhora de quaisquer bens, outrossim, requereu o prosseguimento da execução contra os sócios liquidatários da extinta executada, o que, reitera, com as legais consequências.”.

E, aos 26.01.2021, foi proferido o despacho ora recorrido, com o seguinte teor:
“A presente execução foi extinta em fevereiro de 2017 por falta de bens – artigo 849.º, n.º 1, alínea c), do CPC.
Por isso, nos termos do artigo 850.º, n.º 5, do CPC, a instância só pode ser renovada se o exequente indicar os concretos bens a penhorar.
Partimos do princípio que estava a requerer a penhora dos bens indicados no requerimento de 8 de dezembro de 2020 e informamos que, como não estão inscritos em nome da exequente inicial ou dos sócios, não se podia proceder à respetiva penhora.
Contudo, se o exequente não está a indicar quaisquer bens à penhora, nem sequer podemos determinar a renovação da instância.
Pelo exposto, indefiro o requerido.
Notifique e arquive.”.

Inconformado, veio o Exequente recorrer, tendo formulado as seguintes conclusões:
“A/ Estando a instância regular e verificando-se a extinção da sociedade executada na sua pendência, considera-se substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos artigos 163º, nºs 2, 4 e 5, e 164º, nºs 2 e 5;
B/ Tendo o exequente suscitado tal substituição, não pode o Tribunal indeferir tal pretensão com fundamento na não renovação da instância, na medida em que não é esta que está em causa.
TERMOS EM QUE, (…), DEVERÁ O PRESENTE RECURSO MERECER TOTAL PROVIMENTO, DEVENDO SER REVOGADO O DESPACHO RECORRIDO E ORDENANDO O PROSSEGUIMENTO DOS AUTOS, (…)”

Não foram apresentadas contra alegações.

O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer, referindo, para além do mais, o seguinte:
“(…)
Dissolvida e liquidada a sociedade na pendência da acção a substituição desta pelo conjunto dos sócios é feita de imediato no próprio processo, devendo apenas, salvo melhor opinião, alegar e provar, como se prova, que a sociedade foi dissolvida e liquidada na pendência desta acção executiva.
Assim, salvo melhor opinião, neste particular assiste razão ao recorrente.
*
Porém, como se disse, a substituição da sociedade pelos ex-sócios, não é ilimitada.
Assim, como se diz no citado acórdão, e parece ser a posição maioritária da Jurisprudência e Doutrina(4), “e, na nossa perspetiva, mais correta que, para fazer acionar a responsabilidade dos ex-sócios --- uma responsabilidade pessoal --- é necessário que se prove que a sociedade tinha bens e que, em consequência da sua dissolução e extinção, esses bens, ou alguns desses bens, reverteram para eles, recaindo o ónus da alegação e prova de tais factos sobre o credor, nos termos do disposto no art.º 342º, n.º 1, do Código Civil.
A existência de bens e a sua partilha entre os sócios são elementos constitutivos do direito do credor.
Tal direito sobre os sócios só nasce se tiver havido partilha de bens. Sem existência de bens e sua partilha pelos sócios não nasce qualquer direito do credor da sociedade em relação aos sócios.
O mesmo é referido no citado acórdão da Relação de Coimbra de 05.05.2015, onde, no sumário, se pode ler que “a jurisprudência maioritariamente, bem como alguma doutrina, tem entendido que compete ao demandante, nas acções a que se reporta o artigo 163º do CSC, a alegação e prova (art.º 342º, n.º1 do Código Civil) de que, “aquando do encerramento da liquidação, a extinta sociedade possuía bens e/ou valores e que esses bens e/ou valores foram distribuídos pelos sócios demandados.””
Assim, neste caso concreto, também, salvo sempre melhor opinião, deveria o exequente, para além de alegar e provar a dissolução e liquidação durante a pendência desta acção, o que está feito, deveria concretizar os bens e valores da sociedade extinta partilhados em benefícios dos ex-sócios (potenciais executados legitimáveis), a fim de permitir determinar a medida da sua responsabilidade relativamente ao crédito do exequente.
Ora o recorrente e exequente não o fez, o que lhe competia, para fazer nascer o direito sobre os sócios, pois tal direito sobre os sócios só nasce se tiver havido partilha de bens.
Sem existência de bens e sua partilha pelos sócios não nasce qualquer direito do credor da sociedade em relação aos sócios, como se refere no acórdão citado.
Do exposto, salvo melhor opinião não assiste razão ao recorrente/exequente, nesta parte.
*
Termos em que se emite parecer no sentido de, embora com diferente fundamentação, ser confirmado a douto despacho recorrido e negado provimento ao recurso do exequente e recorrente.”
Não foram apresentadas respostas ao mencionado parecer.

Por despacho da ora relatora, baixaram os autos à 1ª instância para fixação do valor da acção, na sequência do que veio o mesmo a ser fixado em €7.012,78.

Colheram-se os vistos legais.
***
II. Matéria de facto assente

Tem-se como assente o que consta do relatório precedente.
***
III. Do Direito

1. O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo porém as matérias que sejam de conhecimento oficioso, (arts. 635, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável ex vi do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10, alterado, designadamente, pela Lei 107/2019).
Assim, a única questão a apreciar consiste em saber se deve ser revogado o despacho recorrido e ordenado o prosseguimento dos autos contra a generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários.

2. A Recorrente não põe em causa o despacho recorrido na parte em que considerou que os bens nomeados à penhora no requerimento de 07.09.2020 não poderiam ser penhorados por não se encontrarem registados em nome da Executado ou dos sócios que refere em tal requerimento. O que, diz, é que, por virtude da dissolução e liquidação da Executada, a execução deverá prosseguir contra a generalidade dos sócios daquela, representados pelo liquidatário.

2.1. O processo declarativo visa a definição do direito e da obrigação, bem como dos respectivos titulares e, o processo executivo, a realização coactiva da prestação, sendo que o título executivo baliza os limites da execução e, nos termos do art. 55º, nº 1, do CPC, a legitimidade das partes executivas.
Com efeito, a legitimidade executiva, activa e passiva, afere-se, desde logo, pelas pessoas que figuram no título executivo como credor e devedor, como decorre do disposto no art. 55º, nº 1, do CPC, nos termos do qual “1 - A execução tem de ser promovida pela pessoa que no título executivo figura como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor.”.
Esta regra comporta, porém, excepções, designadamente a que consta do art. 56º, nº 1, do CPC, nos termos do qual “1 – Tendo havido sucessão no direito ou na obrigação, deve a execução correr entre os sucessores das pessoas que no título figuram como credor ou devedor da obrigação exequenda. No próprio requerimento para a execução deduzirá o exequente os factos constitutivos da sucessão.”.
Como diz Eurico Lopes Cardoso, in Manual da Acção Executiva, 3ª Edição, Almedina, 1992, pág. 99/100, o termo sucessão é empregue em sentido lato, abrangendo todos os modos de transmissão das obrigações. Ocorrendo a sucessão entre o momento da formação do título e o da instauração da execução, esta deve correr contra os sucessores das pessoas que no título figurem como credor ou devedor da obrigação exequenda, caso em que o problema da legitimidade é discutido e dirimido por forma semelhante àquela pela qual se discute e dirime na acção declarativa, tendo o exequente que alegar no requerimento inicial os factos constitutivos da dita sucessão e, por consequência, todas as condições de que depende a sua legitimidade (na sucessão activa) ou a do executado (na sucessão passiva). É o que habitualmente se designa de habilitação-legitimidade.

2.2. A sociedade poderá dissolver-se por deliberação dos sócios (art. 141º, nº 1, al. b), do CSC), devendo seguir-se a liquidação da mesma (nos termos dos arts. 146º e segs.), a menos que a sociedade não tenha, à data da dissolução, dívidas, caso este em que os sócios poderão proceder imediatamente à partilha dos haveres sociais (art. 147º, nº 1). Havendo dívidas, deverá o liquidatário proceder ao pagamento das dívidas da sociedade para as quais seja suficiente o activo social e, relativamente às dívidas litigiosas, deverão acautelar os eventuais direitos do credor por meio de caução, prestada nos termos do Código de Processo Civil (art. 154º, nºs 1 e 3).
A sociedade dissolvida, mas em liquidação, mantêm a personalidade jurídica (art. 146º, nº 2). Mas já se considera extinta, sem prejuízo porém do disposto nos artigos 162º a 164º, com o registo do encerramento da liquidação (art. 160º, nº 2).
Por sua vez, dispõem:
Artigo 162º
Acções pendentes
1 – As acções em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos artigos 163º, nºs 2, 4 e 5, e 164º, nºs 2 e 5.
2 – A instância não se suspende nem é necessária habilitação.
Artigo 163º
Passivo superveniente
1 – Encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade limitada.
2 – As acções necessárias para os fins referidos no número anterior podem ser propostas contra a generalidade dos sócios, na pessoa dos liquidatários, que são considerados representantes legais daqueles para este efeito, incluindo a citação; qualquer dos sócios pode intervir como assistente; sem prejuízo das excepções previstas no artigo 341º do Código de Processo Civil, a sentença proferida relativamente à generalidade dos sócios constitui caso julgado em relação a cada um deles,
3 – O antigo sócio que satisfizer alguma dívida, por força do disposto no nº 1, tem direito de regresso contra os outros, de maneira a ser respeitada a proporção de cada um nos lucros e nas perdas.
4 – (…)
5 – (…)
Como decorre das disposições legais transcritas, mormente da conjugação dos arts. 160º, nº 2, 162º e 163º, nºs 1 e 2, dissolvida a sociedade e efectuado o registo do encerramento da liquidação, esta considera-se extinta, facto este que determina a perda da personalidade jurídica e judiciária (cfr. art. 5º do CPC). Ou seja, perde a sociedade a susceptibilidade de ser parte na acção. Por essa razão é que a sociedade extinta, quanto às acções que contra ela se encontrem pendentes, é substituída pela generalidade dos sócios (representados pelos liquidatários) e, relativamente às acções a instaurar por dívidas sociais, deverão elas ser intentadas contra a generalidade dos sócios.
É que, como também decorre dessas disposições, mormente do art. 163º, nº 1, a extinção da sociedade não determina a extinção dos créditos, não satisfeitos ou acautelados aquando da liquidação, de que sejam titulares os credores sociais.
Com efeito, nos termos dessa disposição, os antigos sócios responderão por esse passivo social mas apenas até ao montante do que receberam na partilha (salvo quanto aos sócios de responsabilidade ilimitada). Como refere Raúl Ventura, in Dissolução e Liquidação das Sociedades, pág. 484, “(…)A responsabilidade dos antigos sócios é limitada ao montante que receberam na partilha, (…). «Montante que receberam na partilha» apura-se relativamente a cada sócio, i.é, cada sócio é responsável até ao montante por ele recebido na partilha e não por aquilo que outros sócios também tenham recebido, (…).
Fixada a responsabilidade até esse montante, tem ela natureza solidária. O credor não necessita de ratear a dívida entre os antigos sócios, segundo algum critério; necessita apenas de, em cada demanda individualmente não ultrapassar o montante percebido na partilha pelo sócio demandado, podendo, portanto, suceder que apenas um ou alguns sócios venham a ser demandados, assim como poderá suceder que algum sócio esteja isento desta responsabilidade por nada ter recebido na partilha.
O limite da responsabilidade é um montante, fácil de determinar quando tenha sido partilhado dinheiro; quando a partilha tenha sido efectuada total ou parcialmente em espécie, o credor não tem direito algum quanto aos bens percebidos pelos sócios, embora ainda se conservem no património destes à data da demanda, (…). Nesse caso, o limite é constituído pelo valor dos bens percebidos.”.
Ou seja, respondendo os antigos sócios pelo passivo social não satisfeito ou acautelado até ao montante do que receberam na partilha, tal significa que eles, até esse limite, sucedem na obrigação que competia à sociedade. Como refere o citado autor, a págs. 480, “Há apenas que explicar como e porquê esses débitos, bens, créditos que tinham como sujeito a sociedade passam a ser encabeçados nos sócios.
O como não pode deixar de ser uma sucessão; só assim não seria se admitíssemos que, antes de extinta a sociedade, tais activo e passivo já pertenciam aos sócios, ou seja, se desprezássemos a personalidade jurídica da sociedade. Como tal não podemos fazer, temos de aceitar este corolário.
O porquê é, em primeiro lugar, intuitivo; desaparecida a sociedade-sujeito, e mantidos vivos os direitos da sociedade ou contra esta, só os sócios podem ser os novos titulares desse activo e passivo. Os sócios têm direito ao saldo da liquidação, distribuído pela partilha. Se tiverem recebido mais do que era seu direito, porque há débitos insatisfeitos, terão de os satisfazer; se tiverem recebido menos, porque não foram partilhados bens sociais, terão direito a estes.”.
Como referido, os sócios sucessores da sociedade extinta apenas sucedem se e na medida do montante que hajam recebido em partilha, sendo que é ao credor que compete o ónus de alegação e prova de tais factos, porque constitutivos do seu direito (art. 342º, nº 1, do Cód. Civil).
Neste sentido se pronuncia:
O Acórdão do STJ de 26.06.2008, CJ/Acórdãos STJ, TII, págs. 138 a 141, no qual se refere que “(…) operada a substituição da sociedade pelos sócios, e estando a responsabilidade destes legalmente definida, cumpria à autora, quando requereu a substituição, alegar e provar aqueles factos [que a sociedade tinha bens e que esses bens foram partilhados entre os sócios em detrimento da satisfação do seu crédito], que se apresentam como constitutivos do seu direito a obter deles o montante do seu crédito, «até ao montante que receberam em partilha»”.
- os Acórdãos do STJ de 05.11.2007, in Sociedade Comerciais, Jurisprudência, 1997-2008, Colectânea de Jurisprudência, Edições, págs. 291 a 293, de 20.05.2009 e de 07.07.2010, estes dois in www.dgsi.pt, Processos nºs 09S0323 e 203-D/1999.L1. S1, neste último se dizendo, para além do mais, o seguinte: “Nem se diga que a responsabilidade deferida aos liquidatários pelo artigo 163 CSC se basta com a anterioridade do crédito relativamente ao momento da liquidação, pois que a responsabilidade pessoal pressupõe: que tenha existido partilha subsequente à liquidação, a qual, de resto, até funciona como limite da responsabilidade; no processo não há notícia de tal ocorrência e falta factualidade que suporte a aplicação do art.158º (…)”. .
- O Acórdão desta Relação de 05.12.2010, Proc. 576/07.1TTVCT-C.P1, in www.dgsi.pt., relatado pela ora relatora e que o presente acórdão segue de perto.
- O Acórdão desta Relação de 20.09.2021[1], bem como os acórdãos nele citados, acórdão esse a que pertence o seguinte excerto:
<<- Do Supremo Tribunal de Justiça: de 23-04-2008, proc.º n.º 07S4745; de 26-06-2008, proc.º n.º 08B1184; de 14-03-2017, proc.º n.º 5871/13.8TBMTS.P1.S1; de 25-10-2018, proc.º n.º 3275/15.7T8MAI-A.P1.S2;
- Do Tribunal da Relação do Porto: de 15-12-2010, proc.º n.º 576/07.1TTVCT-C; de 06-04-2017, proc.º n.º 1345/14.8T2AGD-A.P1; de 18-05-2017, proc.º n.º 2899/15.7T8LOU.P1; de 05-02-2018, proc.º n.º 3275/15.7T8MAI-A.P1; de 22-10-2018, proc.º n.º 582/15.2T8PRT.P1;
- Do Tribunal da Relação de Lisboa: de 12-07-2012, proc.º n.º 17316/09.3YIPRT-B.L1-7;
- Do Tribunal da Relação de Guimarães, de 04-04-2019, proc.º 28/16.1T8VNF-A.G1.
Sobre esta temática – e também citado naquele mesmo acórdão - no que aqui releva, Salvador da Costa [“Os Incidentes da Instância”, 11.ª edição, 2020, Almedina, p. 215 a 217], defende o seguinte:
Na situação em análise, todavia, apenas releva o disposto no artigo 163º, nºs 1 e 2, e no artigo 164º, nºs 1 e 2, do referido Código.
(…) Conjugando o disposto na primeira parte do normativo em análise – for parte sociedade que se extinga – com as normas do CSC acima referidas, propendemos a considerar ser a seguinte a solução nesta matéria relativa às sociedades comerciais:
No caso de a extinção das sociedades comerciais ocorrer durante a pendência de ações, independentemente de figurarem do lado ativo ou do lado passivo, são substituídas pelos liquidatários a título de representantes legais da generalidade dos ex-sócios.
(…) Extinta a sociedade na pendência da ação em que figure como ré, o credor-autor, no requerimento para a ação prosseguir com os ex-sócios, representados pelos liquidatários, deve alegar e indicar a prova de que os mesmos receberam bens em partilha, condição do seu prosseguimento nos termos do nº 1 do artigo 163º do CSC.
Com efeito incumbe ao credor respetivo o ónus de alegação e de prova de que os ex-sócios da sociedade receberam em partilha bens da titularidade da sociedade em causa. Assim, a execução intentada contra a sociedade comercial extinta não pode prosseguir contra os ex-sócios se ao menos no requerimento executivo não foram invocados os pressupostos da sua responsabilidade, ou seja, que receberam bens ou direitos em partilha do património societário suficientes para o pagamento do crédito peticionado.
Mas o requerente tem o ónus de justificar, no respetivo requerimento, os factos reveladores de que, aquando do encerramento da liquidação da sociedade, esta era titular de bens ou valores e que foram distribuídos pelos ex-sócios.
Tendo a sociedade, antes da sua extinção, sido condenada em ação declarativa a pagar a um seu credor determinada quantia em dinheiro, na ação executiva por ele instaurada pendente aquando da sua referida extinção, o seu prosseguimento contra os ex-sócios depende da sua alegação e prova dos factos justificativos da sua responsabilidade pelo pagamento, nos termos acima referidos.
(…)
Revertendo ao caso, o autor e exequente justifica a apresentação do requerimento pelo facto de ter tomado conhecimento que a sociedade executada foi extinta com data de 16 de Dezembro de 2019, formulando o conjunto de pretensões que viu indeferidas, sendo que de entre elas não consta a alegação de factos onde decorra que existiam bens e a sua partilha entre os sócios.
(…)
Porém, não é esse o entendimento que subscrevemos no que concerne ao ónus de prova, antes se acompanhando a posição afirmada maioritária pela jurisprudência enunciada. Em suma, a existência de bens e a sua partilha entre os sócios são elementos constitutivos do direito do credor, cabendo a este o ónus da respetiva alegação e prova nos termos do artigo 342º, nº 1, do C.C., para efeitos do prosseguimento da execução contra a generalidade dos sócios, representados pelo liquidatário (art.º 162.º1 e 163.º1, do CSC).
Em elucidativa síntese e com inteira aplicabilidade ao caso, refere-se no sumário do Acórdão da Relação do Porto de 18-05-2017 [acima mencionado] o seguinte:
I - Não obstante nas ações pendentes em que a sociedade seja parte a extinção desta determine a sua substituição pela generalidade dos sócios (representados pelo liquidatário) ao abrigo do art.º 162º do CSC, tal substituição não é automática nem ilimitada.
II - Se apenas a sociedade comercial de responsabilidade limitada, liquidada e extinta, foi condenada na ação declarativa no pagamento de determinada quantia pecuniária a favor da exequente, não pode fazer-se seguir a execução de sentença contra o seu ex-sócio (representado pelo liquidatário), ao abrigo do art.º 163º do CSC, sem que se aleguem (e provem oportunamente) em ação própria ou, pelo menos, em fase incipiente da execução (quando antes não pôde ser), os pressupostos da responsabilidade deste último e da sua sucessão à sociedade, desde logo como requisito de legitimidade passiva, por não figurar no título executivo como devedor, abrindo também o contraditório.
III - Tal alegação na execução passa pela concretização descritiva dos bens e valores da sociedade extinta partilhados em benefício do ex-sócio (potencial executado legitimável), a fim de permitir determinar a medida da sua responsabilidade relativamente ao crédito da exequente; porém, de modo compatível com as caraterísticas coercitivas do processo de execução, sem retardamento anormal ou complicação declarativa.>> [fim de transcrição]

2.3. Revertendo ao caso em apreço, do documento junto aos 08.05.2019, decorre que a Executada foi dissolvida e liquidada. Não obstante, e “dando de barato” que as pessoas identificadas no requerimento do Exequente de 07.09.2020, são os sócios da mesma [dos presentes autos de execução não consta o registo comercial da Executada], o Exequente nada alegou, todavia, no sentido da existência de partilha dos bens da sociedade executada e dos que, e em que medida, os sócios terão recebido [ainda que despiciendo, diga-se até que, relativamente aos veículos identificados no requerimento de 07.09.2020, da pesquisa efectuada pela 1ª instância e conforme despacho de 12.01.2021, que o Recorrente não pôs em causa, resulta que os mesmos não se encontram sequer registados em nome de nenhum dos mencionados sócios].
Improcedem, assim, as conclusões do recurso, sendo, ainda que por fundamento diferente, de confirmar a decisão recorrida.
***
IV. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida, ainda que por diferente fundamento ao que dela consta.

Custas pelo Recorrente.

Porto, 18.11.2021
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha
Jerónimo Freitas
_______________
[1] Relatado pelo ora 2º Adjunto, inédito ao que se supõe.