Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
15885/20.6T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NELSON FERNANDES
Descritores: SENTENÇA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
CONTRATO DE TRABALHO
PRESUNÇÃO DE LABORALIDADE
ÓNUS DA PROVA
INDÍCIOS DE SUBORDINAÇÃO
Nº do Documento: RP2023032015885/20.6T8PRT.P1
Data do Acordão: 03/20/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - O vício de nulidade da sentença previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, como o tem afirmado a jurisprudência, só se verifica quando haja falta absoluta de fundamentos, quer no respeitante aos factos, quer no tocante ao direito e não já, pois, quando esteja apenas em causa uma motivação deficiente, medíocre ou até errada.
II - Sendo elementos constitutivos da noção de contrato de trabalho, de acordo com a norma legal, a prestação de atividade, a retribuição e a subordinação jurídica, incumbindo sobre o autor que pretende ver reconhecida a existência de um contrato de um contrato de trabalho, de acordo com o regime decorrente do n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil, o ónus de alegar e provar os factos necessários ao preenchimento desses elementos constitutivos do contrato, estabelecendo o legislador, com o objetivo de facilitar essa tarefa, uma presunção legal, vulgarmente denominada de laboralidade, atualmente prevista no artigo 12.º do CT/2009, é também sobre o autor que impende o ónus de alegar e provar a verificação dos elementos que permitam fazer operar tal presunção.
III - O núcleo diferenciador entre contrato de trabalho e de prestação de serviços assenta na existência ou não de trabalho subordinado, sendo de conferir, dentro dos indícios de subordinação, particular ênfase aos que respeitam ao chamado «momento organizatório» da subordinação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação / processo n.º 15885/20.6T8PRT.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho do Porto - Juiz 1

Autora: AA
Réus: BB, A..., S.A., Condomínio 1..., Condomínio 2... e Condomínio 3...
______
Nélson Fernandes (relator)
Teresa Sá Lopes
António Luís Carvalhão



Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I – Relatório
1. AA intentou ação declarativa de condenação, com processo comum, contra BB, A..., S.A., Condomínio 1..., Condomínio 2... e Condomínio 3..., peticionando a condenação destes no reconhecimento da existência de um contrato de trabalho entre a Autora e os Réus. desde 01/12/2011 até 030/03/2020, declarando-se ainda a ilicitude do despedimento que os Réus lhe moveram e em consequência condenar-se os mesmos no pagamento da quantia de €7.000,00 a título de indemnização pelos danos patrimoniais decorrentes dessa mesma ilicitude, €3.000,00 a título de indemnização pelos danos morais sofridos em consequência da mesma e ainda nas retribuições vencidas e vincendas desde o despedimento e na quantia de € 21.937,56 devida a título de créditos laborais que apesar de vencidos não foram liquidados.
Para o efeito invocou, em síntese: que foi admitida ao serviço dos dois primeiros demandados, para exercer funções como empregada de limpeza a partir de 01/12/2011 nos edifícios que correspondem aos condomínios igualmente aqui demandados, que aqueles dois primeiros RR. administravam, descrevendo todas as tarefas que cumpria ao seu serviço e invocando que auferia o vencimento mensal de €1.100,00, através de transferência bancária; que os Réus sem qualquer justificação lhe comunicaram a cessação do seu contrato de trabalho a partir de 03/03/2020, através de comunicação escrita que lhe enviaram para esse efeito; sofreu prejuízos, que descreve, com o despedimento que deste modo lhe foi comunicado e os créditos laborais que não lhe foram liquidados.
Concluiu no sentido da procedência da ação e da condenação dos Réus nos termos acima indicados.

Contestaram os Réus, invocando, em súmula: que a Autora iniciou a atividade de limpeza do Condomínio 1..., através duma sociedade comercial constituída em 26/02/2009, gerida pelo seu cônjuge, a B..., Lda. cuja gerência a mesma demandante assumiu a partir de maio de 2009 e que ali exerceu a sua atividade até 2011, data em que cessou por motivo alheio aos Réus; mante-se porém a Autora a prestar serviços de limpeza nos edifícios dos condomínios aqui demandados, precisamente nos mesmos termos em que anteriormente o fazia por intermédio da pessoa coletiva supra referida, sendo que enquanto esta entidade esteve em exercício de atividade eram emitidas faturas pela prestação daqueles serviços e depois do seu encerramento eram emitidas declarações de recebimento ou recibos verdes, pelo cônjuge da Autora, remetidos depois aos Réus; os Réus BB e A... não são, nem nunca tiveram qualquer relação jurídica com a Autora, tendo apenas exercido a administração dos condomínios aqui co-Réus, pelo que se deverá concluir no sentido de que os mesmos não detêm qualquer legitimidade para intervir na lide na qualidade de Réus; impugnam ainda os factos invocados pela Autora caracterizadores da sua relação laboral, já que consideram que a mesma apenas prestou serviços de limpeza como trabalhadora autónoma, primeiro sob a denominação da pessoa coletiva acima indicada e depois como pessoa singular, refutando a caracterização efetuada na petição inicial quanto à atividade desenvolvida pela Autora; a relação contratual com a Autora cessou dado que em fevereiro e março de 2020 os condomínios em causa exigiram da mesma a emissão das faturas/recibos correspondentes aos serviços de limpeza prestados e a mesma recusou-se a emitir estes documentos, o que determinou a decisão de fazer cessar esta prestação de serviços, levando à invocação pela mesma da existência dum contrato de trabalho, o que nunca aceitaram.
Concluem os Réus no sentido de que a ação deverá ser julgada improcedente por não provada e em consequência serem os mesmos absolvidos de todos os pedidos formulados, sendo ainda a Autora condenada por litigância de má-fé, por ter deduzido pretensão cuja falta de fundamento não poderia ignorar.

Por articulado de resposta à contestação a Autora veio pronunciar-se relativamente às exceções invocadas pelos Réus e ao pedido de condenação sua por litigância de má-fé, reiterando os argumentos já vertidos na petição inicial e pugnando pela procedência da ação e a condenação dos Réus nos termos ali indicados.

Fixado o valor da causa em €31.937,56, foi de seguida proferido despacho saneador, no qual se declarou improcedente a exceção da ilegitimidade invocada pelos Réus, após o que, invocando-se que a enunciação dos temas de prova se reveste de simplicidade, o Tribunal se absteve “de proferir o despacho previsto no art.º 596.º do C.P.C. – cfr. art.º 49.º, n.º 3 do C.P.T..”

2. Prosseguindo os autos os seus termos subsequentes, realizada a audiência de julgamento, veio a ser proferida sentença, de cujo dispositivo consta:
“Tudo visto e nos termos expostos, julga-se a presente acção improcedente por não provada e em consequência absolvem-se os RR. dos pedidos formulados pela A.
Face ao acima consignado relativamente à omissão do cumprimento das suas obrigações fiscais e outras determina-se que seja extraída certidão da presente sentença e se remeta aos serviços da ACT, da AT e do Min. Púb. para os fins tidos por convenientes.
Custas pela A. sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido.
Registe e notifique.”

2. Inconformada com o decidido, apresentou a Autora requerimento de interposição de recurso, apresentando as suas alegações, que findou com as conclusões seguintes:
………………………….
………………………….
………………………….
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas doutamente suprirão, deverá ser concedido provimento ao Recurso interposto e revogada a Douta Sentença recorrida, quer pela nulidade, quer pela impugnação dos factos não provados, e pelo factos provados omitidos, pela reapreciação da prova, normas jurídicas violadas, ou pelo erro de julgamento quanto aos factos e Direito aplicável:
a) substituindo-se por outra que julgue a ação procedente.
É pois o que se Requer a V. Exa.”

2.1. Contra-alegaram os Réus, concluindo do modo seguinte:
………………………….
………………………….
………………………….

“Termos em que, deverão improceder todas as conclusões da recorrente, confirmando-se a sentença recorrida na íntegra.”

2.2 O recurso foi admitido pelo Tribunal a quo como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.

3. Subido o recurso a esta Relação, foi emitido parecer pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto, no qual sustenta que o recurso deve ser rejeitado quanto impugnação da matéria e que deve improceder no mais.

3.1. A Recorrente respondeu ao aludido parecer, no sentido de defender o afastamento do entendimento desse constante.

II – Questão prévia
Não obstante as conclusões apresentadas pela Recorrente padecerem de clara prolixidade, o que poderia justificar a formulação de convite ao aperfeiçoamento, na consideração, porém, de que ainda assim se percebem sem grande dificuldade as questões que são objeto do recurso, considerou o aqui relator, essencialmente por razões de celeridade processual, não formular aquele convite, razão pela qual de seguida procederemos à apreciação.
*
Corridos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do mérito, cumpre decidir:

III – Questões a resolver
Sendo pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do Código de Processo Civil (CPC) – aplicável “ex vi” do artigo 87º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho (CPT) –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir: (1) invocada nulidade da sentença; (2) recurso sobre a matéria de facto / juízo de (in)admissibilidade / apreciação; (3) o direito do caso: juízo sobre o mérito no que se refere à qualificação ou não da relação existente entre as partes como contrato como de trabalho e consequências decorrentes da conclusão a que se chegue sobre essa questão.
*
IV – FundamentaçãoA) Fundamentação de facto
O tribunal recorrido deu como provados os factos seguidamente transcritos (procedendo-se aqui à sua numeração, por essa não ter sido feita na sentença):
“1. A Ré pessoa colectiva dedicou-se, transitoriamente, à actividade de gestão de condomínios em imóveis, nomeadamente nos ..., Estrada ..., Porto.
2. Os Réus eram desde 2011 Administradores de Condomínio, quando já seriam empreiteiros e proprietários de várias fracções e responsáveis, quanto aos ..., Estrada ..., Porto.
3. Entre 2009 e 2020 a aqui A. prestou serviços de limpeza nos edifícios a que correspondem os condomínios aqui demandados.
4. A Autora auferia da administração dos condomínios aqui demandados, como contrapartida pelos serviços prestados, em média, a quantia de €777,77, sendo que em 03-03-2020 era o valor de 1.100,00€ (mil e cem euros)
5. A A. exercia a sua actividade nos seguintes locais:
- no Lote ..., Estrada ..., ..., Rua ..., ..., Porto;
- no Lote ..., ..., Estrada ..., ..., Rua ..., ..., Porto;
6. Parte dos equipamentos e instrumentos de trabalho, eram disponibilizados pela administração dos condomínios (como chaves, comandos, aspirador, escadas, mangueiras de água), e outros como as fardas e produtos de limpeza eram adquiridos pela própria A.
7. Os Réus cessaram o trabalho da Autora com o envio de uma carta para a Autora comunicou-lhe que prescindia dos seus serviços com efeito a partir de 3 de Março de 2020.
8. Depois disso, não foi atribuída mais qualquer função, trabalho ou tarefa à Autora, vendo-se esta forçada a sair das instalações.
9. Vendo-se assim a Autora sem qualquer trabalho, salário, vencimento ou inclusivamente subsídio de desemprego.
10. Enviou várias cartas e e-mails para os Réus a pedir os seus direitos e retribuições, bem como as contribuições para a Segurança Social.
11. A Autora tem filhos menores e o seu meio de subsistência era o salário que auferia e com a situação supra descrita a autora sentiu-se angustiada, nervosa e aflita.
12. Os RR. não proporcionaram formação profissional à A.
13. A A. surge pela primeira vez no Condomínio 1... através da sociedade comercial B...– Unipessoal, Lda. cujo objeto social era a limpeza e manutenção de condomínios.
14. Essa sociedade foi constituída em 26.02.2009 e tinha como sócio e gerente o marido/companheiro da Autora, CC.
15. A Autora assumiu as funções de gerência dessa sociedade em 15.05.2009 na sequência de cessação de funções de seu marido, ocorrida no mesmo dia.
16. A sociedade B...– Unipessoal, Lda surge por intermédio da empresa C..., Lda, que administrou o Condomínio 1... entre 14.04.2008 e 10.05.2012, tendo nesta data sido substituída pela A..., SA, até 22.07.2015.
17. A sociedade B...– Unipessoal, Lda. apresentou, então, à C..., Lda. uma proposta e orçamentos de limpeza datados de julho de 2010, tendo sido nessa sequência que a B...– Unipessoal, Lda iniciou a prestação de serviços de limpeza no Condomínio 1....
18. Mais tarde, com a constituição dos Condomínios 1..., cuja administração foi assegurada pela A..., SA entre 11.10.2010 e 09.04.2014 e 08.11.2010 e 22.04.2014, respetivamente, a B...– Unipessoal, Lda. passou a assegurar também nesses Condomínios os serviços de limpeza.
19. Tendo apresentado a respetiva proposta para prestação dos serviços de limpeza.
20. A sociedade da qual a Autora era sócia gerente viria a ser dissolvida e encerrada em 30.12.2011, por razões que são alheias aos RR.
21. No entanto, os serviços de limpeza continuaram a ser prestados pela aqui demandante nos mesmos moldes.”

Considerou-se por sua vez como “factos não provados” o seguinte (introduzindo-se alíneas, por não constar qualquer numeração da sentença):
“a) A Autora trabalhou para os Réus como trabalhadora de limpeza desde 01-12-2011 até 03-03-2020.
b) Esta sempre reconheceu os Réus A..., S.A. e BB, como pessoas que lhe davam as ordens e instruções.
c) No entanto, salvaguarda que desconhece se aqueles Réus intervinham em nome próprio, em nome da representação destes, ou se agiam em representação dos Réus Condomínio 1..., Condomínio 2..., Condomínio 3..., por isso também estes como Réus.
d) A Autora, desde Dezembro de 2011, era uma trabalhadora subordinada dos Réus, a Autora exerceu sob ordem, fiscalização e direcção dos Réus as funções de trabalhadora de limpeza para os Réus.
e) Verificou-se sempre a inserção da Autora na organização predisposta pelos Réus e a sujeição às regras dessa organização, com exclusividade da actividade em benefício de uma só entidade. Cumprindo as ordens e instruções dadas pelos Réus, isto quanto às funções a desempenhar e, respectivamente, todas as questões adjacentes à execução do contrato de trabalho, como sempre.
f) E todas as demais actividades e funções conexas com a sua actividade laboral que lhe eram atribuídas pelos Réus, nomeadamente quando entregaram as chaves, explicaram o que tinham que fazer, volta e meia pediam determinados trabalhos, tirar as ervas, mandar mangueirada na rampa da garagem, limpar a loja do condomínio, limpar o exterior, entre outros trabalhos.
g) A A. auferia o montante acima indicado como como contraprestação da sua prestação laboral – e que era a sua única fonte de rendimento.
h) O pagamento mensal das retribuições e salários ocorria por intermédio dos Réus por transferência bancária qualificado pelos Réus por diversas vezes como “pagamento de salário”.
i) Por sua vez, os Réus fixaram à Autora um horário de trabalho desde as 9h às 17h de Segunda a Sexta-feira, sendo que a Autora almoçava na sala de condomínio, levava a comida e aquecia no micro-ondas.
j) Determinando as horas de início e de termo do trabalho da Autora, o que resultava num período normal de trabalho de 40 horas semanais (em média durante todos os anos de trabalho prestados).
l) Sendo certo que os Réus gozaram, por outras vezes, para lhe atribuir outras tarefas similares.
m) Durante a vigência da sua relação laboral, a Autora não gozava 22 dias úteis de férias por ano.
n) O Réu entrou em discussão com a Autora desde Novembro/Dezembro de 2019 por causa de um incidente com a segurança do Edifício, sendo que este lhe era absolutamente alheio.
o) Surpreendida pelo sucedido, veio posteriormente a ser agendada uma reunião que aconteceu mas que no final o Réu ordenou a Autora para ir embora, intimidando-a que “Você vai-se embora”.
p) O comportamento engendrado pelos Réus para despedir a Autora provocou-lhe sério abalo emocional, noites sem dormir e muita preocupação, ao ver-se de um dia para o outro sem emprego, sem qualquer indemnização e ainda sem sequer subsídio de desemprego.”
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B) Discussão
1. Nulidade da sentença
Invoca a Recorrente que a Sentença padece de nulidade, por violação do disposto nos artigos 607.º, n.ºs 4 e 5, e 615.º, n.º 1, al. b), do CPC.
Para o efeito, nas suas prolixas conclusões, no essencial, invoca seguinte:
- analisando a sentença, verifica-se que o Tribunal, na fundamentação da decisão da matéria de facto, “apenas fundamentou os factos provados em termos genéricos, indicando os elementos de prova em que se baseou, nomeadamente, os depoimentos das testemunhas ouvidas em audiência”, “pelo que os factos provados e os não provados carecem por inteiro de verdadeira fundamentação, da análise crítica das provas e da especificação discriminada dos fundamentos que serviram de base à convicção do julgador” – “trata-se, de uma fundamentação muito pobre que não satisfaz plenamente o escopo do art.º 607.º n.º 4 do CPC”;
- a sentença não fundamenta devidamente por que razão considerou válido o depoimento das Testemunhas DD e EE, que mantiveram diretamente uma relação contratual com um dos Réus, bem como não fundamenta porque desconsiderou o depoimento de CC, sócio-gerente da extinta empresa B..., que mesmo depois de extinta esta empresa continuou a prestar serviços para os Requeridos nomeadamente na manutenção da limpeza das garagens, não fundamentando também devidamente por que razão considerou que não foram apresentados pela Requerente documentos relevantes, desconsiderando assim o documento n.º 5 junto com a Petição Inicial;
- no seu livre exercício de convicção, deve o Tribunal indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade da convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado, sendo que a sentença não explica por que razão lhe pareceu mais “credível” o depoimento das testemunhas apresentadas pelos Réus do que o depoimento das testemunhas apresentadas pela Autora, bem como o depoimento e declarações de parte da Autora para prova da matéria relativa à forma de prestação de trabalho e quanto à forma de cessação do mesmo – a subsunção jurídica que resultou na Sentença absolutória dos Réus assentou, assim e no essencial, na valoração extrema do depoimento das Testemunhas dos Réus e na não consideração da prova realizada pela Autora.
Pugnado os Apelados pela não verificação das nulidades invocadas, cumprindo-nos apreciar, diremos o seguinte:
Como primeira nota, importa ter presente que, conhecendo das pretensões das partes – pedido e causa de pedir –, é através da sentença que o juiz dita o direito para o caso concreto. Nesse sentido, já há muito Anselmo de Castro acentuava a importância da sentença, por representar “conceitual e historicamente o ato jurisdicional por excelência, aquele em que se traduz na sua forma mais característica a essência da jurisdictio: o ato de julgar.”[1]
Sendo pois esse o objetivo perseguido pela sentença, pode no entanto estar essa viciada em termos que obstem à eficácia ou validade do pretendido dizer do direito, assim por um lado nos casos em que ocorra erro no julgamento dos factos e do direito, do que decorrerá como consequência a sua revogação, e, por outro, enquanto ato jurisdicional que é, se atentar contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou ainda contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada, caso este em que se torna, então sim, passível do vício da nulidade nos termos do artigo 615.º do Código de Processo Civil (CPC). No fundo, trata-se do sancionamento das normas prescritivas que disciplinam no mesmo Código o ato de elaboração da sentença, assim nos artigos 131.º, n.º 3, 2.ª parte, 154.º, n.º 1, e 607.º, n.º 3 e 4, do CPC, respeitantes à clareza, especificação e coerência da fundamentação e, ainda, no caso do n.º 2 do artigo 608.º, em contraponto, o dever e a proibição de pronúncia, atentos o objeto do litígio e o princípio do dispositivo. No que ao caso importa, assim a respeito da fundamentação das decisões judiciais a que alude a Recorrente, sem esquecermos que é a própria Constituição da República que dita que todas as decisões judiciais devem ser fundamentadas (n.º 1 do artigo 205.º da CRP), estabelece em conformidade o artigo 154.º do Código de Processo Civil (CPC), sob a epígrafe “Dever de fundamentar a decisão”: “1 - As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas. 2 - A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade.”
Fazendo então uma breve abordagem ao vício invocado pela Recorrente, pode dizer-se que a nulidade da sentença prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, como o tem afirmado a jurisprudência, só se verifica quando haja falta absoluta de fundamentos, quer no respeitante aos factos, quer no tocante ao direito e não já, pois, quando esteja apenas em causa uma motivação deficiente, medíocre ou até errada. Como se pode ler no recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Junho de 2016[2] (citando), «tais vícios, radicando em erro de procedimento ou actividade (error in procedendo), revestem natureza formal ou processual, pelo que só afetam a existência, a perfectibilidade material ou a validade do ato decisório, na medida em que obstem à compreensão e reapreciação do seu mérito». No mesmo sentido, entre muitos outros, o Acórdão do mesmo Tribunal de 16 de Fevereiro de 2016[3], quando refere que «uma fundamentação mais sucinta, ou aligeirada (…), menos exaustiva ou não eivada de argumentos eruditos não basta para integrar o vício de limite em apreço, desde que as questões postas sejam abordadas e decididas». Também a doutrina aponta para o mesmo entendimento[4].
Com o aludido enquadramento, aplicado ao caso, basta atentar no que se fez constar da motivação para se extrair que não ocorre o invocado vício de nulidade por falta de fundamentação, pois que, podendo discordar-se dessa, ou porventura entender-se que se justificaria mesmo uma mais exaustiva motivação em termos de melhor explicitação das razões que teriam estado na base da criação da convicção, no entanto, como facilmente se constata, existe sem dúvidas fundamentação, em termos de se perceberem suficientemente essas razões, bastando para o efeito ter presente o que de seguida se transcreve:
“Em primeiro lugar cumpre salientar a total ausência de prova documental que demonstrasse a factualidade invocada pela demandante relativamente aos danos não patrimoniais (quanto aos filhos menores, ausência de rendimentos, etc.), sendo que a não obtenção de subsídio de desemprego sempre se deveria à sua conduta omissiva no que ao cumprimento das obrigações fiscais e de declaração de rendimentos diz respeito, tal como infra se apreciara. Quanto à demais matéria factual, o Tribunal considerou as fotos que acompanham a petição inicial absolutamente irrelevantes para a determinação da factualidade a apreciar, não se vislumbrando de que forma poderiam contribuir para a demonstração de factos pertinentes para a decisão de mérito a proferir, até porque nenhum elemento indica que as fotos correspondam sequer aos edifícios em apreço e quanto aos comprovativos das transferências bancárias, os mesmos atestam os pagamentos efectuados, já admitidos pelos RR., não tendo sido apresentado qualquer outro documento relevante pela demandante.
No que se refere à factualidade acima dada como assente indicada pelos RR. O Tribunal baseou a sua convicção na prova documental junta aos autos com a contestação - cfr. documentos 1 a 11 – os quais atestam as circunstâncias referentes à sociedade ali indicada e à sua ligação à actividade desenvolvida pela aqui A.
Tendo sempre por base que o ónus de demonstrar a factualidade em que assentava o seu direito recaía aqui integralmente sobre a A., atendeu-se ao depoimento das testemunhas infra referida, entre as quais cônjuge/companheiro da mesma, com evidente interesse no desfecho da presente lide e cujo depoimento não mereceu qualquer credibilidade ao Tribunal sendo que as duas outras testemunhas FF e GG, igualmente arroladas pela demandante, evidenciaram um conhecimento quase nulo das características da relação jurídica que vigorou entre a A. e os condomínios aqui em questão, dado que dos seus depoimentos resultou claro, em nosso entender, que as mesmas viam por vezes a demandante a trabalhar no local, desconhecendo a que título o fazia e a mando de quem ali se encontrava, pelo que os seus depoimentos, como infra se verá, pouco contribuíram para a convicção do Tribunal. Todos os demais meios probatórios foram apresentados pelos RR. e vieram evidenciar a sua tese de que inexistia qualquer vínculo laboral entre os mesmos e a aqui A.
No que se refere à prova testemunhal, o Tribunal atendeu ao depoimento das seguintes testemunhas: (…)”
Por outro lado, importa salientar, ainda, nos termos antes já ditos, que não deve confundir-se o eventual erro de julgamento, neste caso sobre a factualidade, com o vício de nulidade da sentença, sendo que quanto àquele, a existir, o meio de reação será, não o da invocação deste vício de nulidade, e sim o recurso, no caso dirigido à impugnação da matéria de facto, como afinal a aqui Recorrente o fez. Aliás, a respeito da questão levantada pela Recorrente de pretensa falta ou inadequada fundamentação, importa também recordar que existe regime próprio, previsto no artigo 662.º do CPC, nomeadamente no seu n.º 2, em que se dispõe: “2. A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente: a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento; b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova; c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta; d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.”
Por decorrência do exposto, consideramos que não ocorre o vício invocado e antes analisado.

2. Recurso sobre a matéria de facto
2.1. Critérios de admissibilidade
Dispõe o n.º 1 do artigo 662.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 87º, nº1 do CPT, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Aí se abrangem, naturalmente, as situações em que a reapreciação da prova é suscitada por via da impugnação da decisão sobre a matéria de facto feita pelo recorrente.
Nestes casos, deve porém o recorrente observar o ónus de impugnação previsto no artigo 640.º, no qual se dispõe:
“1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”.
Nas palavras de Abrantes Geraldes, “(…) a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância”[5]. Contudo, como também sublinha, “(..) a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662.º não pode confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter”[6].
Tendo por base os supra citados dispositivos legais, a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação, tendo que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância – pois que só assim poderá ficar plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição[7] –, muito embora não se trate de um segundo julgamento e sim de uma reponderação, não se basta com a mera alegação de que não se concorda com a decisão dada, exigindo antes da parte que pretende usar dessa faculdade, a demonstração da existência de incongruências na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efetivamente, no caso, foram produzidos, sem limitar porém o segundo grau de sobre tais desconformidades, previamente apontadas pelas partes, se pronunciar, enunciando a sua própria convicção – não estando, assim, limitada por aquela primeira abordagem pois que no processo civil impera o princípio da livre apreciação da prova, artigo 607.º, nº 5 do CPC[8].
Do exposto resulta, assim, que o cumprimento do ónus de impugnação, não se satisfazendo como se disse com a mera indicação genérica da prova que na perspetiva do recorrente justificará uma decisão diversa daquela a que chegou o tribunal recorrido, impõe ao recorrente que concretize quer os pontos da matéria de facto sobre os quais recai a sua discordância quer, ainda, que especifique quais as provas produzidas que, por as ter como incorretamente apreciadas, imporiam decisão diversa, sendo que, quando esse for o meio de prova, se torna também necessário que indique “com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição”.
Em face da Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, discorrendo sobre esta matéria, resulta a consideração, nomeadamente, neste âmbito, dos critérios seguintes: no Acórdão de 27 de outubro de 2016[9] que, “Como resulta claro do art. 640º nº 1 do CPCivil, a omissão de cumprimento dos ónus processuais aí referidos implica a rejeição da impugnação da matéria de facto”; no Acórdão de 7 de julho de 2016[10] que, “para que a Relação possa apreciar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, tem o recorrente que satisfazer os ónus que lhe são impostos pelo artigo 640º, nº 1 do CPC, tendo assim que indicar: os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, conforme prescreve a alínea a); os concretos meios de prova que impõem decisão diversa, conforme prescrito na alínea b); e qual a decisão a proferir sobre as questões de facto que são impugnadas, conforme lhe impõe a alínea c)” (no mesmo sentido, conclui-se no Acórdão de 27 de outubro de 2016[11]– proferido num caso em que o Tribunal da Relação não conheceu do recurso relativamente à impugnação da decisão sobre a matéria de facto não pelo incumprimento pela recorrente no corpo das alegações, dos ónus impostos pelos nºs 1 e 2, al. a) do art. 640º e sim pelo facto de se terem omitido nas conclusões a indicação de quais as alíneas da matéria de facto provada e/ou quais os números da matéria de facto não provada que se impugnam, bem como a decisão, que no entender do recorrente, deveria ser proferida sobre esses concretos pontos da factualidade provada e/ou não provada–, que o “Supremo Tribunal já por variadas vezes se pronunciou sobre a questão, tendo, de forma reiterada, decidido que, para cumprimento dos ónus impostos pelo art. 640º do CPC, o recorrente terá que indicar nas conclusões, com precisão, os pontos da matéria de facto que pretende que sejam alterados pelo tribunal de recurso e a decisão alternativa que propõe”[12]. Em conformidade com esse entendimento, aí se conclui, também, que “perante a sobredita omissão, não havia lugar ao convite ao aperfeiçoamento, mas à rejeição do recurso no tocante à impugnação da decisão sobre a matéria de facto”); no Acórdão de 5 de Setembro de 2018[13] que a “alínea b), do nº 1, do art. 640º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique “[o]s concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, impõe que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respectivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos”, sendo que “não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, divide a matéria de facto impugnada em três “blocos distintos de factos” e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna”; no Acórdão de 1 de outubro de 2015[14] que se exige que o recorrente fundamente “em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa”; no Acórdão de 20 de Fevereiro de 2019[15], como se consignou no respetivo sumário: “I. O artigo 640.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil estabelece que se especifique os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, e determina que essa concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, e quando gravados com a indicação exata das passagens da gravação em que se funda o recurso. II - Não cumpre aquele ónus o apelante que nas alegações não especificou os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, relativamente a cada um dos factos concretos cuja decisão impugna, antes se limitando a proceder a uma indicação genérica e em bloco, para aquele conjunto de factos”.
Muito recentemente, assim no Acórdão de 6 de julho de 2022, após enunciar a “jurisprudência do STJ, norteada por critérios de proporcionalidade e de razoabilidade e rejeitando abordagens desta problemática de raiz essencialmente formal”[16], veio a ser sintetizado no respetivo sumário o entendimento seguinte:
“I - As implicações das falhas evidenciadas no plano do cumprimento dos ónus de alegação previstos no art. 640.º, do CPC, avaliam-se em função das circunstâncias de cada caso concreto, tendo em conta, nomeadamente, o número de factos impugnados, o número e a conexão existente entre os factos integrantes de cada “bloco”, o número e a extensão dos meios de prova, a maior ou menor precisão na indicação dos meios de prova e na formulação das pretendidas alternativas decisórias e o grau de clareza com que tenham sido expostas as razões subjacentes ao peticionado, razões que devem ser nitidamente percecionáveis, pois não é suposto que o tribunal da Relação se dedique à descoberta de motivos e raciocínio não explicitados claramente. II - Impugnar uma decisão significa refutar as premissas e os motivos que lhe subjazem, contrapondo-lhe um pensamento (racionalidade) alternativo, que não dispensa a justificação das afirmações e a expressão de argumentos (tendentes a demonstrar a bondade dos motivos apresentados como sendo “bons motivos”). III - Independentemente das exigências especificamente contidas no art. 640.º, do CPC, o recorrente – em qualquer recurso – não pode dispensar-se de claramente explicitar os “fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão” (art. 639.º, n.º 1, do mesmo diploma), resultando da articulação destas disposições legais que o recorrente é onerado com imposições (de motivação) situadas em dois planos que, sendo complementares, têm natureza diversa: i) por um lado, impõe-se-lhe a precisa delimitação do objeto do recurso; ii) por outro lado, exige-se-lhe a efetiva e clara compreensibilidade das razões em que assenta o recurso, por forma a que na sua apreciação o tribunal não se confronte com dificuldades desmesuradas, nem demore tempo excessivo”.
Cumprindo-nos pronúncia, na consideração ainda da posição assumida pelo Ministério Público no parecer que emitiu (no sentido de que no caso “estar-se-á perante a interpretação que a recorrente dá aos elementos probatórios que foram apreciados em audiência de julgamento, deles fazendo o aproveitamento como melhor lhe convém e o que consubstancia um modo impróprio de impugnar”, “daí que este Tribunal “ad quem” não possa retirar as consequências quanto à impugnação da matéria de facto que a recorrente pretende e o que pode ser causa de rejeição do recurso neste segmento, uma vez que não logrou demonstrar o concreto erro de julgamento da sentença recorrida, nos termos do artº. 640º. nº.s 1 e 2 do CPC, por haver incumprido o ónus nele previsto, como correctamente o demostram os recorridos e o que merece a nossa concordância - cfr. Ac.s do STJ, de 18-06-2019 e deste TRPorto, de 12.7.2021”), de seguida procederemos à aplicação dos critérios antes enunciados e, no caso desses terem sido cumpridos, à apreciação do recurso quanto a cada uma das questões colocadas:

2.2. Apreciação
2.2.1. Pontos 3.º, 6.º, 18.º e 21.º, da factualidade provada (de acordo com a enumeração que introduzimos anteriormente:
Na conclusão T – em que se refere: “Quanto ao facto provado na Sentença declara que “Entre 2009 e 2020 a aqui A. prestou serviços de limpeza nos edifícios a que correspondem os condomínios aqui demandados.”, sucede que na realidade a aqui Requerente entre 2009 e 30/12/2011 prestou serviços de limpeza nos edifícios a que correspondem os condomínios aqui demandados através da empresa B..., mas posteriormente a 30/12/2011 até 03/03/2020 a aqui Requerente deixou de prestar serviços através da suprarreferida empresa, e passou a exercer o seu trabalho para os edifícios a que correspondem os condomínios demandados através de contrato trabalho verbal” –, como facilmente se extrai, está em causa o ponto 3.º da factualidade provada, de acordo com a enumeração a que antes procedemos.
Sustenta a Recorrente, assim nas conclusões U e V, que “do depoimento de parte do Autora resulta precisamente isso, conforme se transcreveu (16-03-2022, 11:45:37 – 00:00:01 a 00:52:09), concretamente 01:20 a 01:33; 01:35 a 01:38; 01:44 a 01:54; 01:58 a 01:59; 02:08 a 02:10; 02:11; 02:19 a 02:20; 02:31 a 02:39; 02:45; 02:55 a 03:08; 03:11 a 03:15; 04:13; 04:16 a 04:36; 04:47 a 04:58; 04:58 a 05:27; 05:28 a 05:30; 05:37 a 05:42; 07:27 a 07:45; 07:50 a 07:56; 08:01 a 08:03; 08:31 a 09:03; 09:05; 09:07 a 09:14; 09:26 a 09:27; 09:31 a 09:43; 09:46 a 10:06; 10:08 a 10:09; 11:44 a 11:45; 11:47 a 11:57; 12:05 a 12:07”, “bem como do documento n.º 5 junto com a Petição Inicial que se trata de um e-mail datado de 20/12/2019, enviado pelo Réu BB à aqui Autora, em que expressamente refere que “oportunamente serão enviados os contratos de trabalho”.
Considerando-se que foram aqui cumpridos de modo satisfatório os ónus antes mencionados relacionados com a identificação do facto impugnado e prova em que se suporta a alteração, já no que se refere à indicação da decisão a proferir, a que alude a alínea c) do n.º 1 do citado artigo 640.º, só com muita dificuldade se percebe a intenção da Recorrente, pois que se limita a referir que “entre 2009 e 30/12/2011 prestou serviços de limpeza nos edifícios a que correspondem os condomínios aqui demandados através da empresa B..., mas posteriormente a 30/12/2011 até 03/03/2020 a aqui Requerente deixou de prestar serviços através da suprarreferida empresa, e passou a exercer o seu trabalho para os edifícios a que correspondem os condomínios demandados através de contrato trabalho verbal”.
Ainda assim, na consideração de que a sua intenção seja no sentido de que o analisado ponto seja dado como não provado – e já não que passe a constar redação diversa, pois que neste caso se impunha que indicasse essa redação, o que não fez –, de seguida procederemos à apreciação.
O que referimos anteriormente é também aplicável ao que consta da conclusão W, pois que, extraindo-se é certo que estará em causa o ponto 6.º da factualidade provada segundo a numeração que introduzimos neste acórdão – “Parte dos equipamentos e instrumentos de trabalho, eram disponibilizados pela administração dos condomínios (como chaves, comandos, aspirador, escadas, mangueiras de água), e outros como as fardas e produtos de limpeza eram adquiridos pela própria A.” –, limita-se no entanto a Recorrente a referir que resultará do seu depoimento de parte da Autora “precisamente que a farda foi-lhe fornecida pelo Réu BB, bem como que os restantes consumíveis, como vassouras, panos entre outros seriam dos condomínio, tendo lá sido deixados por outras empresas”, o que, se bem se percebe, parece traduzir uma sua intenção de que, quanto à parte final desse ponto, assim quando consta que “as fardas e produtos de limpeza eram adquiridos pela própria A”, seja antes dado como provado que, diversamente, a farda lhe foi fornecida pelo Réu BB, bem como que os restantes consumíveis, como vassouras, panos entre outros que seriam dos condomínio, tendo lá sido deixados por outras empresas, o que, sendo essa a sua intenção, deveria ter indicado, para adequado cumprimento dos ónus antes mencionados, nomeadamente o previsto na alínea c) citada, a redação que deveria ser dada a esse ponto de facto, o que não fez. Não obstante, admitindo-se que possa considerar-se ainda assim minimamente cumprido esse ónus, por se perceber a indicada intenção, não deixaremos de proceder à apreciação – atendendo, quanto à prova indicada, o que consta da conclusão seguinte: “neste sentido o depoimento de parte da Autora que se transcreveu (16-03-2022, 11:45:37 – 00:00:01 a 00:52:09), concretamente 35:48 a 36:28; 43:04 a 43:10. E as declarações de parte da Autora que se transcreveu (16-03-2022, 14:37:15 – 00:00:01 a 00:21:19), concretamente 04:54 a 05:03; 05:06; 05:14; 05:20 a 05:21; 05:22; 18:05 a 18:17; 18:20 a 18:30; 18:34 a 18:37; 18:39 a 18:41”)
De seguida, assim na conclusão Y, dirigindo a Recorrente o recurso ao que consta do ponto 18.º da factualidade provada (“18. Mais tarde, com a constituição dos Condomínios 1..., cuja administração foi assegurada pela A..., SA entre 11.10.2010 e 09.04.2014 e 08.11.2010 e 22.04.2014, respetivamente, a B...– Unipessoal, Lda. passou a assegurar também nesses Condomínios os serviços de limpeza”), referindo que o mesmo “deve também ser considerado como facto não provado, pois os serviços prestados pela referida empresa unipessoal, só aconteceu até 2011, ano em que esta cessou atividade conforme resulta do documento n.º 10 junto com a Contestação onde consta a data de cessação da empresa”, entende-se que quanto a este estão suficientemente cumpridos os ónus de indicação do ponto impugnado, da prova em que suporta a alteração, e o sentido da decisão que se pretende.
Quanto ao que consta da conclusão Z, percebendo-se que está em causa o conteúdo do ponto 21,º da factualidade provada (“21. No entanto, os serviços de limpeza continuaram a ser prestados pela aqui demandante nos mesmos moldes”), mais especificamente a sua última parte, assim a expressão “nos mesmos moldes”, – dizendo no entanto, apenas, que “não foi nos mesmos moldes” – “conforme decorre do depoimento de parte da Autora, que se transcreveu e que supra se indicou, bem como decorre das declarações de parte da Autora que se transcreveu (16-03-2022, 14:37:15 – 00:00:01 a 00:21:19), concretamente 04:05 a 04:27; 04:32 a 04:40; 04:47; 16:09 a 16:41; 17:01 a 17:05; 17:08 a 17:09” –, importará então perguntar, pois que não o indica em termos de redação que deverá ser dada ao facto, como é seu ónus, quais teriam sido os termos em que os serviços passaram a ser prestados. Ainda assim, na consideração de que esses termos o fossem do modo como consta das alíneas da factualidade provada, sem prejuízo do que quanto a essas diremos mais tarde, não deixaremos de proceder à apreciação, esclareça-se, porém, sempre numa leitura nada formalista quanto ao que deve ser exigido sobre cumprimento dos ónus legais.
Tendo presente que a Apelada se pronuncia pela improcedência do recurso, de seguida procederemos, pois, à apreciação, o que faremos conjuntamente, por se tratar de factos com evidente relação.
Para o efeito importa ter presente que da motivação constante da sentença se fez constar o seguinte:
“(…) No que se refere à factualidade acima dada como assente indicada pelos RR. o Tribunal baseou a sua convicção na prova documental junta aos autos com a contestação - cfr. documentos 1 a 11 – os quais atestam as circunstâncias referentes à sociedade ali indicada e à sua ligação à actividade desenvolvida pela aqui A.
Tendo sempre por base que o ónus de demonstrar a factualidade em que assentava o seu direito recaía aqui integralmente sobre a A., atendeu-se ao depoimento das testemunhas infra referida, entre as quais cônjuge/companheiro da mesma, com evidente interesse no desfecho da presente lide e cujo depoimento não mereceu qualquer credibilidade ao Tribunal sendo que as duas outras testemunhas FF e GG, igualmente arroladas pela demandante, evidenciaram um conhecimento quase nulo das características da relação jurídica que vigorou entre a A. e os condomínios aqui em questão, dado que dos seus depoimentos resultou claro, em nosso entender, que as mesmas viam por vezes a demandante a trabalhar no local, desconhecendo a que título o fazia e a mando de quem ali se encontrava, pelo que os seus depoimentos, como infra se verá, pouco contribuíram para a convicção do Tribunal. Todos os demais meios probatórios foram apresentados pelos RR. e vieram evidenciar a sua tese de que inexistia qualquer vínculo laboral entre os mesmos e a aqui A.
No que se refere à prova testemunhal, o Tribunal atendeu ao depoimento das seguintes testemunhas:
- FF, disse ter trabalhado num café perto dos edifícios em referência na presente lide, tendo visto a A. a trabalhar, limpando alguns espaços comuns aos edifícios, desconhecendo elementos concretos referentes a esta actividade da demandante;
- CC disse ser companheiro da A. desde 2016, tendo dois filhos menores em comum com a mesma, e afirmou que teve uma empresa que exercia a actividade de limpezas de condomínios de 2009 a 2011, prestando serviços deste tipo nos condomínios aqui RR. e que depois desta empresa cessar a sua actividade a A. continuou ali a trabalhar; disse ainda que com a empresa emitia facturas e recibos à administração dos condomínios e depois ele próprio prestava serviços nas garagens dos mesmos edifícios e emitia recibos verdes;
- GG, disse conhecer a A. porque trabalhava em residências, situadas nestes edifícios, em serviço doméstico e viu a demandante entre os anos de 2016 e 2017 a 2020, desconhecendo quem administrava aqueles condomínios e se a A. era a única pessoa que ali fazia limpezas;
- EE, disse que trabalha na limpeza de vidros, tendo exercido esta actividade em, pelo menos, 3 dos edifícios aqui em causa, tendo sido contratado para este serviço pela aqui A. e que quando esta deixou de ali fazer limpezas continuou a prestar o mesmo serviço por conta da administração do condomínio; esclareceu que se deslocava para exercer a sua actividade, aos edifícios em questão de 15 em 15 dias e que nem sempre era a A. quem lá se encontrava a limpar, tendo sido sempre a A. quem lhe pagou os seus serviços;
- HH, disse ter efectuado há alguns anos a administração dos condomínios aqui demandados, durante cerca de 1 ano, sendo que à data quem efectuava os serviços de limpeza era a empresa B..., tendo contactado frequentemente com a mãe da A. que ali trabalhava (nesta última empresa) e que depois desta empresa ter cessado a sua actividade, a limpeza continuou a processar-se nos mesmos moldes, não tendo sido alterado o contrato verbal de prestação de serviços que vigorava com a referida sociedade;
- DD, disse que trabalhou para a aqui A., limpando os edifícios em causa na presente lide, entre 2011 e 2014, sendo que não fez qualquer diferença a cessação da actividade da empresa da A., a B... dado que continuou a trabalhar como até ali sob as ordens da A., tendo ainda indicado uma sua sobrinha para a ajudar neste serviço, dado que por serem vários edifícios não conseguia fazer a limpeza dos mesmos sozinha e a A. aceitou a contratação da mesma, II; acrescentou que os detergentes lhe eram por vezes levados para o local pelo companheiro da A., tendo ainda confirmado que este se deslocava aos edifícios em causa para limpar as garagens e que havia uma outra pessoa, também contratada pela A. para limpar os vidros. Afirmou também que para além dos edifícios em causa na presente lide a A. ainda limpava outros três, dando instruções a quem ali trabalhava, entregando as chaves para poderem aceder aos prédios e pagando os seus vencimentos; acrescentou que a A. comprava todos os materiais de que necessitavam e os deixava no local e entregou-lhe uma farda para a testemunha usar enquanto ali trabalhava;
- II, disse ter trabalhado por conta da A. nas limpezas entre 2012 e 2013, em edifícios sitos no ... e na ..., recebendo instruções sobretudo da mãe da aqui demandante, sendo também esta ou a demandante quem lhe pagava o seu salário; acrescentou que nos edifícios em causa nos autos havia uma sala de arrumos onde a A. colocava os produtos que adquiria para efectuarem as limpezas; - JJ, disse ser sobrinha da testemunha DD e afirmou que esteve a trabalhar durante alguns meses na limpeza dos edifícios em questão na presente lide, no ano de 2016, tendo sido contratada pela A. a qual se encontrava ausente, por ter tido bébé, não tendo conhecido ninguém da administração destes condomínios enquanto ali trabalhou, tendo sido a A. quem lhe pagou as suas retribuições e confirmando a existência da sala onde se arrumavam os materiais utilizados na limpeza, contactando a A. quando faltava algum produto que depois o repunha naquele mesmo local;
- KK, disse ter conhecido a A. em 2017 que a contratou para trabalhar no ... em limpezas no edifícios três vezes por semana, tendo trabalhado por conta da mesma demandante em 9 condomínios diferentes nessa ocasião, recebendo sempre instruções da A., nunca tendo falado com ninguém da administração do condomínio; confirmou também o modo como pedia produtos de limpeza que tivesse acabado, à A. ou ao seu companheiro, tendo deixado de ali trabalhar em 2019;
- LL disse ser condómino num dos edifícios em causa nestes autos e nunca soube que a A. tivesse sido funcionária do condomínio mas antes uma prestadora de serviços, que também limpava outros edifícios;
- MM, disse ser condómino num dos edifícios aqui em questão e confirmou o depoimento da testemunha anterior, sendo que a empresa que geria o condomínio não contratou nenhuma pessoa mas apenas um prestador de serviços de limpeza, correspondendo o valor pago ao indicado no orçamento do mesmo condomínio.
Por fim em sede de depoimento de parte o R. BB descreveu o modo como tem administrado os condomínios aqui demandados desde 2006, primeiro através da pessoa colectiva até que em 2014 o passou a fazer de forma individual e desde 2018 através da empresa D..., Lda. e explicitou de que modo a A. começou a fazer limpezas nestes edifícios após ter apresentado orçamentos que foram aprovados pela administração do condomínio e de que forma esta actividade da demandante se foi desenvolvendo, empregando outras pessoas que ali cumpriam as tarefas necessárias à limpeza contratada; também explicou como o companheiro da A. executava a limpeza das garagens mediante a apresentação dum orçamento autónomo, já que se tratava duma limpeza anual; a A. era também substituída nas suas tarefas por outras pessoas, sendo que o valor acordado foi sempre apenas liquidado à demandante, que tinha a limpeza de outros edifícios a seu cargo, que utilizava igualmente produtos que a própria adquiria. Acrescentou também que a A. deixou de emitir recibos dos valores que lhe eram liquidados, ficando a administração do condomínio apenas com os comprovativos das respectivas transferências bancárias e explicou a menção de “salários” no programa informático utilizado, sendo que a A. se encontrava incluída na categoria de “fornecedores”.
NN, prestou depoimento de parte na qualidade de legal representante da R. A... e afirmou que esta empresa se dedica à construção de imóveis desconhecendo em absoluto de que forma a A. exercia actividade nestes edifícios.
Por fim, a aqui demandante em sede de depoimento de parte confirmou que foi gerente da empresa B... e que fazia limpezas nestes condomínios desde 2009 até ao seu encerramento de actividade; após o encerramento daquela pessoa colectiva a A. disse que continuou ali a fazer as limpezas, pedindo ajuda a outras pessoas para esta actividade, confirmando ainda os valores que lhe foram sendo liquidados pela actividade prestada. Admitiu ainda a A. que não efectuava quaisquer contribuições para a Segurança Social, nem apresentava qualquer declaração de rendimentos para efeitos fiscais, admitindo ainda que era ela quem pagava a remuneração à pessoa que ali se deslocava para fazer a limpeza dos vidros, tendo ali permanecido nestes termos até que o R. BB lhe comunicou que ia prescindir do seu trabalho.”
Apreciando, então, desde já avançamos, sem prejuízo do que infra diremos em termos de intervenção oficiosa, que, em face de toda a prova produzida a que aliás se alude expressamente na motivação transcrita e que esteve na base da motivação firmada em 1.ª instância, não encontramos fundamento, tanto mais que a mesma esquece todo esse manancial de prova e apenas quer fazer assentar convicção diversa no que diz resultar das suas próprias declarações (e quanto ao ponto 3.º ainda no “documento n.º 5 junto com a Petição Inicial que se trata de um e-mail datado de 20/12/2019”), para afastarmos a convicção que foi firmada em 1.ª instância e que esteve na base das respostas dadas aos pontos de facto aqui reapreciados. Na verdade, baseando-se no essencial, apenas, no que possa resultar dessa prova parcelar, sequer se preocupou em fazer qualquer referência à muita outra prova que foi produzida e que atendida pelo Tribunal – em que se destaca, designadamente, no que se refere à prova testemunhal, o que resultou: do depoimento das testemunhas EE, HH, DD, II, KK, LL, MM; do depoimento de parte do Réu BB –, na qual, como se extrai da motivação, se fundou a convicção, sendo que, pretendendo evidenciar perante este Tribunal da Relação que a convicção a firmar deveria ser diversa, assim aquela que defende no presente recurso, deveria ter refutado desde logo, como dito no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de julho de 2022, antes identificado, as premissas e os motivos que subjazem à decisão que foi proferida, para lhe contrapor um pensamento / racionalidade alternativo, o que não dispensa a justificação das afirmações e a expressão de argumentos, tendentes a demonstrar a bondade dos motivos apresentados como sendo “bons motivos” – repetindo aqui o que se fez constar do sumário desse Acórdão: “I - As implicações das falhas evidenciadas no plano do cumprimento dos ónus de alegação previstos no art. 640.º, do CPC, avaliam-se em função das circunstâncias de cada caso concreto, tendo em conta, nomeadamente, o número de factos impugnados, o número e a conexão existente entre os factos integrantes de cada “bloco”, o número e a extensão dos meios de prova, a maior ou menor precisão na indicação dos meios de prova e na formulação das pretendidas alternativas decisórias e o grau de clareza com que tenham sido expostas as razões subjacentes ao peticionado, razões que devem ser nitidamente percecionáveis, pois não é suposto que o tribunal da Relação se dedique à descoberta de motivos e raciocínio não explicitados claramente. II - Impugnar uma decisão significa refutar as premissas e os motivos que lhe subjazem, contrapondo-lhe um pensamento (racionalidade) alternativo, que não dispensa a justificação das afirmações e a expressão de argumentos (tendentes a demonstrar a bondade dos motivos apresentados como sendo “bons motivos”). III - Independentemente das exigências especificamente contidas no art. 640.º, do CPC, o recorrente – em qualquer recurso – não pode dispensar-se de claramente explicitar os “fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão” (art. 639.º, n.º 1, do mesmo diploma), resultando da articulação destas disposições legais que o recorrente é onerado com imposições (de motivação) situadas em dois planos que, sendo complementares, têm natureza diversa: i) por um lado, impõe-se-lhe a precisa delimitação do objeto do recurso; ii) por outro lado, exige-se-lhe a efetiva e clara compreensibilidade das razões em que assenta o recurso, por forma a que na sua apreciação o tribunal não se confronte com dificuldades desmesuradas, nem demore tempo excessivo”.
O que referimos anteriormente visa também relembrar que impera neste âmbito o princípio da livre apreciação da prova, esse que, por apelo a Lebre de Freitas[17], “significa que o julgador deve decidir sobre a matéria de facto da causa segundo a sua íntima convicção, formada no confronto com os vários meios de prova” – “Compreende-se como este princípio se situa na linha lógica dos anteriores: é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém colhidas e com a convicção que através delas se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas da experiência que forem aplicáveis” –, sendo que, afinal, na sua aplicação ao caso, não encontramos afinal razões para considerarmos que a decisão recorrida não tenha motivado e analisado de forma ponderada a globalidade da prova produzida, toda ela, pois, não padecendo assim de desconformidade que se manifestem com os elementos probatórios disponíveis, tanto mais que não resulta a nosso ver minimamente infirmada na alegação da Recorrente.
Assim o dizemos, tendo por base o regime legal aplicável, por se haver de ter também como presente que a reapreciação da matéria de facto por parte do tribunal da relação, tendo de ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância – pois que só assim poderá ficar plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição[18] –, muito embora não se trate de um segundo julgamento e sim de uma reponderação, não se basta com a mera alegação de que não se concorda com a decisão proferida em 1.ª instância, exigindo antes da parte processual que pretende usar dessa faculdade, a demonstração da existência de incongruências na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efetivamente, no caso, foram produzidos – sem limitar, porém, o segundo grau, ou seja o tribunal de recurso, de sobre tais desconformidades, previamente apontadas pelas partes, se pronunciar, enunciando a sua própria convicção (não estando, assim, limitada por aquela primeira abordagem pois que, como o dissemos, no processo civil impera o princípio da livre apreciação da prova, artigo 607.º, nº 5 do CPC[19]).
Improcedendo, nos termos antes expostos, o recurso, importa, no entanto, o que faremos oficiosamente, por razões de melhor clareza quanto ao que consta da parte final do posto 18.º, assim quando desse consta “…a B...– Unipessoal, Lda. passou a assegurar também nesses Condomínios os serviços de limpeza”, desde logo para efeitos de adequada conciliação com o que resulta da primeira parte do ponto 20.º, quando desse resulta que “a sociedade da qual a Autora era sócia gerente viria a ser dissolvida e encerrada em 30.12.2011 …”, como ainda do ponto 3.º, assim que “entre 2009 e 2020 a aqui A. prestou serviços de limpeza nos edifícios a que correspondem os condomínios aqui demandados”, ou seja, resultando deste último que a Autora prestou a atividade de limpeza entre 2009 e 2020 e do ponto 20.º que a sociedade B... viria a ser dissolvida e encerrada em 30.12.2011, a menção que consta do ponto 18.º, a essa sociedade, deve sê-lo sem prejuízo do que daqueles consta.
Em face do exposto, oficiosamente, o ponto 18.º passa a ter a redação seguinte:
“18. Mais tarde, com a constituição dos Condomínios 1..., cuja administração foi assegurada pela A..., SA entre 11.10.2010 e 09.04.2014 e 08.11.2010 e 22.04.2014, respetivamente, a atividade de prestação dos serviços de limpeza, a que se alude supra no ponto 3.º, passou a ser assegurada em nome da sociedade B...– Unipessoal, Lda., mesmo após o referido infra no ponto 20.º.”

2.2.2. Alíneas a), b), d), e), f), h) e i), constantes como não provadas.
Estas alíneas têm a redação seguinte:
- “a) A Autora trabalhou para os Réus como trabalhadora de limpeza desde 01-12-2011 até 03-03-2020.”
- “b) Esta sempre reconheceu os Réus A..., S.A. e BB, como pessoas que lhe davam as ordens e instruções.”
- “d) A Autora, desde Dezembro de 2011, era uma trabalhadora subordinada dos Réus, a Autora exerceu sob ordem, fiscalização e direcção dos Réus as funções de trabalhadora de limpeza para os Réus.”
- “e) Verificou-se sempre a inserção da Autora na organização predisposta pelos Réus e a sujeição às regras dessa organização, com exclusividade da actividade em benefício de uma só entidade. Cumprindo as ordens e instruções dadas pelos Réus, isto quanto às funções a desempenhar e, respectivamente, todas as questões adjacentes à execução do contrato de trabalho, como sempre.”
- “f) E todas as demais actividades e funções conexas com a sua actividade laboral que lhe eram atribuídas pelos Réus, nomeadamente quando entregaram as chaves, explicaram o que tinham que fazer, volta e meia pediam determinados trabalhos, tirar as ervas, mandar mangueirada na rampa da garagem, limpar a loja do condomínio, limpar o exterior, entre outros trabalhos.”
- “h) O pagamento mensal das retribuições e salários ocorria por intermédio dos Réus por transferência bancária qualificado pelos Réus por diversas vezes como “pagamento de salário”.
- “i) Por sua vez, os Réus fixaram à Autora um horário de trabalho desde as 9h às 17h de Segunda a Sexta-feira, sendo que a Autora almoçava na sala de condomínio, levava a comida e aquecia no micro-ondas.”
Defendendo a Autora que o conteúdo das citadas alíneas deve ser considerado provado, importa, porém, desde logo, esclarecer, como melhor esclareceremos de seguida, que em grande parte aí se utilizam expressões de natureza conclusiva e ainda valorativa, com a agravante de contenderem com os destinos da ação, e não propriamente factos, quando, socorrendo-nos dos ensinamentos de Alberto dos Reis, a prova “só pode ter por objeto factos positivos, materiais e concretos; tudo o que sejam juízos de valor, induções, conclusões, raciocínios, valorações de factos, é atividade estranha e superior à simples atividade instrutória”[20]. Manuel de Andrade, por sua vez, sem deixar de afastar o Direito – ou dizer, juízos de direito – não deixava também de considerar como passível de constituir objeto de prova “tanto os factos do mundo exterior, como os da vida psíquica”, “tanto os factos reais (….) como os chamados factos hipotéticos (lucros cessantes; vontade hipotética ou conjetural das partes, para efeitos, v.g., de redução ou de conversão de negócios jurídicos, etc)», «Tanto os factos nus e crus (….) como os juízos de facto (….)”[21]. Também Anselmo de Castro referia que “toda a norma pressupõe uma situação da vida que se destina a reger, mas que não define senão tipicamente nos seus caracteres mais gerais”, como ainda que “a aplicação da norma pressupõe, assim, primeiro, a averiguação dos factos concretos, dos acontecimentos realmente ocorridos, que possam enquadrar-se na hipótese legal”, sendo “esses factos e a averiguação da sua existência ou não existência” que “constituem, respetivamente, o facto e o juízo de facto – juízo histórico dirigido apenas ao ser ou não ser do facto” – acrescentando de seguida: “E, segundo, um juízo destinado a determinar se os factos em concreto averiguados cabem ou não efetivamente na situação querida pela norma, típica e abstratamente nela descrita pelos seus caracteres gerais – juízo este já jurídico (o chamado juízo de qualificação ou subsunção), visto pressupor necessariamente interpretação da lei, isto é, do âmbito ou alcance da previsão normativa. Só por este seu diverso conteúdo, facto e direito, juízo de facto e de direito, se distinguem, pois não diferem em estrutura. Para o efeito é indiferente a natureza do facto: são factos não só os acontecimentos externos, como os internos ou psíquicos, e tanto os factos reais, como os simplesmente hipotéticos. Do conteúdo que deve revestir decidirá apenas a norma legal. Igualmente indiferente é a via de acesso ao conhecimento do facto, isto é, que a ele possa ou não chegar-se diretamente, ou somente através de regras gerais e abstratas, ou seja, por meio de juízos empíricos (as chamadas regras da experiência). Raros, aliás, são os casos em que o conhecimento do facto dispense esses juízos e possa fazer-se apenas na base de puras perceções.”[22] Não obstante, como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de fevereiro de 2015[23], importará esclarecer que “A meio caminho entre os puros factos e as questões de direito situam-se os juízos de valor sobre matéria de facto, nos quais deverá distinguir-se entre aqueles para cuja formulação se há-de recorrer a simples critérios próprios do bom pai de família, do homo prudens, e aqueles cuja emissão apela essencialmente para a sensibilidade ou intuição do jurista”.
O regime que referimos anteriormente é sem dúvidas aplicável, no caso, ao seguinte:
- Na alínea a), sendo objeto da ação a qualificação da relação existente entre as partes, assim como laboral ou de prestação de serviços, a utilização da expressão “a Autora trabalhou para os Réus como trabalhadora de limpeza”, pois que tem inerente a existência de uma relação laboral, ou seja, um juízo já sobre aquela qualificação, razão pela qual a pretensão da Recorrente terá de improceder nesta parte;
- Na alínea b), pelas mesmas razões, o dizer-se que a Autora sempre “reconheceu os Réus A..., S.A. e BB, como pessoas que lhe davam as ordens e instruções”, pois que está aqui em causa uma caraterística essencial da relação laboral, devendo assim, também neste caso, a pretensão da Recorrente improceder;
- Também todo o conteúdo das alíneas d) e e), ainda pelas mesmas razões, pois que aí se utilizam meras expressões conclusivas e valorativas, assim o dizer-se que “a Autora, desde Dezembro de 2011, era uma trabalhadora subordinada dos Réus, a Autora exerceu sob ordem, fiscalização e direcção dos Réus as funções de trabalhadora de limpeza para os Réus”, bem como que “verificou-se sempre a inserção da Autora na organização predisposta pelos Réus e a sujeição às regras dessa organização, com exclusividade da actividade em benefício de uma só entidade” “cumprindo as ordens e instruções dadas pelos Réus, isto quanto às funções a desempenhar e, respectivamente, todas as questões adjacentes à execução do contrato de trabalho, como sempre”, pelo que deve improceder, assim, em face do exposto, o recurso nesta parte;
- Ainda, sobre a alínea f), sempre pelas mesmas razões, por estar afinal em causa, como da mesma resulta, a qualificação da relação como laboral (“E todas as demais actividades e funções conexas com a sua actividade laboral que lhe eram atribuídas pelos Réus, nomeadamente …”), o que leva, assim, como dito, à necessária improcedência do recurso;
- Por último, referente à alínea h), assim o uso da expressão “o pagamento mensal das retribuições e salários…”, pois que inerente mais uma vez à natureza laboral da relação que aí se pretende, sendo no mais desnecessário, em face do que resulta do ponto 4.º provado que não foi impugnado neste recurso, deve improceder assim o recurso também quanto a esta parte;
- Por último, o mesmo se aplica quanto à expressão “trabalho” constante da alínea i), que deve assim ser excluída, apenas se apreciando no mais que essa não inclua.
Em face do que antes se expôs, o recurso terá de improceder quanto à inclusão, na factualidade provada, do conteúdo das alíneas a), b), d), e), f) e h), antes citadas, o que se decide, apreciando-se de seguida, na parte não excluída, a alínea i)
Avançando então na análise, agora sobre a alínea i), defendendo a Recorrente, assim na conclusão KK, que deve ser dado como facto provado – “por força das declarações de parte da Autora, que se transcreveu (16-03-2022, 14:37:15 – 00:00:01 a 00:21:19), concretamente 01:32 a 01:35; 01:38 a 01:39; 06:22 a 06:26; 06:29 a 06:36; 06:37 a 06:38; 07:06 a 07:13, bem como pelas declarações da Testemunha FF, que se transcreveu (16-03-2022, 15:00:35 – 00:00:01 a 00:09:54), concretamente 04:13 a 04:35; 04:44 a 04:45; 04:46; 04:48; 05:19 a 05:22; 05:22 a 05:39; 08:54 a 09:02; 09:33 a 09:46, e ainda pelas declarações da Testemunha GG, que se transcreveu (28-04-2022, 14:28:18 – 00:00:01 a 00:11:05), concretamente 04:10; 04:22 a 04:29; 04:33 a 04:37; 05:07 a 05:11; 05:30; 05:40 a 05:44; 06:43 a 07:15.” –, importa desde já assinalar que o que está aqui em causa é saber se a prova produzida permite concluir que foi fixado pelos Réus à Autora um qualquer horário para a prestação da atividade (e, se assim for, então, se esse horário era “desde as 9h às 17h de Segunda a Sexta-feira, sendo que a Autora almoçava na sala de condomínio, levava a comida e aquecia no micro-ondas”) e não, pois, o que é já coisa diversa, o horário que a Autora praticasse ou não por sua iniciativa.
Apreciando, então, com o objetivo antes mencionado, mesmo esquecendo-se o que possa resultar dos factos provados, a verdade é que a prova que é indicada, assim as transcrições que se fazem nas alegações, não dá qualquer sustentação a uma qualquer consideração de que os Réus tivessem efetivamente fixado um qualquer horário par a prestação da atividade, pois que em m omento algum dessas resulta algo relacionado com aquela eventual fixação de horário. Aliás, a respeito do depoimento das testemunhas que indica, assim FF e GG, sequer se refuta no recurso o que resulta da motivação antes transcrita sobre as mesmas, ou seja, que “evidenciaram um conhecimento quase nulo das características da relação jurídica que vigorou entre a A. e os condomínios aqui em questão, dado que dos seus depoimentos resultou claro, em nosso entender, que as mesmas viam por vezes a demandante a trabalhar no local, desconhecendo a que título o fazia e a mando de quem ali se encontrava, pelo que os seus depoimentos, como infra se verá, pouco contribuíram para a convicção do Tribunal.”
Neste contexto, valendo aqui o que referimos anteriormente a respeito do princípio da livre apreciação da prova, sem necessidade de outras considerações, o recurso improcede também nesta parte,

2.2.3. Alíneas n) e o), consideradas não provadas
Estas alíneas têm a seguinte redação:
“n) O Réu entrou em discussão com a Autora desde Novembro/Dezembro de 2019 por causa de um incidente com a segurança do Edifício, sendo que este lhe era absolutamente alheio.
o) Surpreendida pelo sucedido, veio posteriormente a ser agendada uma reunião que aconteceu mas que no final o Réu ordenou a Autora para ir embora, intimidando-a que “Você vai-se embora”.
Indica a Recorrente, como prova para suportar a alteração, apenas o que diz resultar das suas declarações, transcrevendo e localizando no corpo das alegações as passagens.
Ora, como tem sido considerado, sendo atualmente adquirido que as declarações de parte são um meio de prova válido, estando sujeitos, tal como a prova testemunhal, à livre convicção do julgador, tudo se reconduzindo assim à avaliação e ponderação que haja de ser feita, importa, porém, que essa avaliação deva ser feita com a necessária cautela e conjugada com a existência, ou não, de outros eventuais meios de prova, como se afirma, citando-se doutrina e jurisprudência em conformidade, no recente Acórdão desta Secção de 6 de fevereiro de 2023[24].
Nesse considerando, criando o Tribunal recorrido convicção, no âmbito da aplicação do princípio da livre apreciação da prova nos termos antes ditos, no sentido de que não se provou o constante das analisadas alíneas, consideramos que o que resulta das declarações indicadas não é bastante, por si só, pois que nenhuma outra prova é indicada que lhes dê suporte, para nesta sede recursiva, se afastar aquela convicção, afirmando convicção diversa, assim a pretendida pela Recorrente.
Improcede assim o recurso também nesta parte.

3. Dizendo o direito
A primeira e determinante questão a apreciar, de cuja resposta dependerá aliás a necessidade de conhecimento das demais, pretende-se, por referência às conclusões apresentadas pela Apelante, com a verificação sobre se estamos perante um contrato de trabalho, assim, desde logo, por estarem preenchidos de acordo com a factualidade provada os pressupostos para a aplicabilidade ao caso da designada presunção de laborabilidade, atualmente estabelecida no artigo 12.º do Código do Trabalho (CT/2009), sendo que, tendo concluído a decisão recorrida não ser esse o caso, desse entendimento diverge aquela, sustentando o contrário, sendo que, para o efeito, se baseia também, em face das conclusões apresentadas, assim neste âmbito da aplicação do direito, na alteração da matéria de facto por que pugnou também em sede de recurso, mas que não logrou alcançar, nos termos decididos anteriormente.
No essencial refere o seguinte:
- O contrato de trabalho não depende da observância de forma especial, salvo quando a lei determina o contrário (art.º 110.º do CT), pelo que no caso podia realizar trabalho subordinado e ser considerada trabalhadora de limpeza sem um contrato de trabalho celebrado por escrito, sendo que, vigorando o princípio da primazia da realidade sobre o nomen iuris, fazendo prevalecer a forma como, na realidade, se executa o contrato sobre a designação atribuída pelas partes ao mesmo;
- Decorrendo dos conceitos estabelecidos nos artigos 1152.º e 1154.º do Código Civil as diferenças entre os contratos de trabalho e os de prestação de serviços, decisivo para a distinção é o elemento "subordinação jurídica" que consiste na circunstância de o prestador do trabalho desenvolver a sua atividade sob a autoridade e direção do empregador, o que significa a possibilidade de o credor do trabalho determinar o modo, o tempo e o lugar da respetiva prestação, tendo-se no entanto em conta que o contrato de trabalho não é incompatível com a salvaguarda da autonomia técnica do trabalhador em regime de subordinação jurídica;
- Deveria o Tribunal recorrido ter aplicado a presunção de laboralidade prevista no artigo 12.º do Código do Trabalho, pois que verificados dois ou mais dos elementos nesse enumerados, pois que ficou provado no caso “que a Requerente trabalhou para os Requeridos como trabalhadora de limpeza desde 01-12-2011 até 03-03-2020, que esta sempre reconheceu os Requeridos como pessoas que lhe davam as ordens e instruções, bem como prestava trabalho em local determinado pelos Requeridos, que desde Dezembro de 2011 era uma trabalhadora subordinada, e que exerceu o seu trabalho sob ordem, fiscalização e direcção dos Requeridos as funções de trabalhadora de limpeza, bem como sempre cumpriu as ordens e instruções dadas pelos Requeridos, e ainda que os pagavam à Autora, como contrapartida pela prestação de trabalho, uma retribuição mensal fixa e que este pagamento mensal das retribuições e salários ocorria por intermédio dos Requeridos por transferência bancária qualificado pelos mesmo por diversas vezes como “pagamento de salário”, e ainda que os Requeridos fixaram à Requerente um horário de trabalho desde as 9h às 17h de Segunda a Sexta-feira, bem como lhe disponibilizaram os equipamentos e instrumentos de trabalho, nomeadamente fardas, chaves, comandos, aspirador, escadas, mangueiras de águas, entre outros” – “não podia o Tribunal ignorar que a Requerente prestou tais trabalhos de limpeza de uma forma constante e regular durante cerca de 9 anos, em benefício dos Requeridos e na sequência da afetação ou distribuição do respetivo trabalho pelos Requeridos”, sendo que essa prestação se traduzia “numa atividade de natureza e técnica (ainda que exercida com alguma autonomia), em local e com equipamento e instrumentos de trabalho pertencentes e fornecidos pela entidade perante a qual se obrigou a prestar os serviços de limpeza, durante todos dias úteis e os meses do ano, contra o recebimento de um montante pecuniário fixo e determinado pela entidade empregadora”.
- “Tendo em atenção a matéria de facto que deve ser dada como assente e a noção de contrato de trabalho contida nos artigos 1152.° do CC e o art.º 12º, n.º 1 do CT”, “logrou demonstrar nos autos, como lhe competia, que o seu desempenho de funções para os Requeridos, configura, efetiva e inequivocamente, a existência de um acordo “pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra pessoa, sob a autoridade e direção desta”, isto é, de um verdadeiro e genuíno contrato de trabalho subordinado celebrado entre ambas”, não tendo os Recorridos “produzido prova que abalasse a presunção do art.º 12.º, n.º 1 do CT”.
Conclui que, na procedência do recurso, seja revogada a sentença recorrida, substituindo-se por outra que julgue a ação procedente.
Defendem os Apelados, por sua vez, a adequação do julgado, no que são acompanhados pelo Exmo. Procurador junto desta Relação.
Na sentença recorrida, depois de várias considerações sobre o regime que se teve por aplicável, com recurso a doutrina e jurisprudência, na sua aplicação ao caso fez-se constar o seguinte (citação):
“(...)A realidade das circunstâncias que se apuram em cada situação concreta da vida real torna, muitas das vezes, difícil a destrinça entre estas duas formas de trabalho, mas cremos que no caso concreto existem diferenças que tornam inviável a caracterização da prestação da A. como tendo sido ao abrigo de contrato de trabalho.
Para este exercício iremos primeiro destacar quais as características que aproximam estes vínculos que aqui se apreciam, da figura jurídica do contrato de trabalho e em seguida quais as características que os diferenciam em absoluto.
Iniciando a apreciação das características similares com o contrato de trabalho, temos que a A. prestava a sua actividade sempre nos edifícios administrados pelos co-RR.; cumpria indicações dadas pela administração dos condomínios e utilizava alguns equipamentos disponibilizados pela mesma administração.
Mas aqui importa ter em conta a especificidade da actividade levada a cabo pela A., já que estamos perante a limpeza das partes comuns de edifícios geridos por uma administração nomeada pelos seus condóminos e como tal não estamos perante uma pessoa colectiva com um objecto social comercial ou industrial, com o intuito de obtenção de uma margem de lucro, mas antes perante uma organização de várias fracções em propriedade horizontal que repartes o custo de alguns serviços que são prestados em benefícios de todos os proprietários, pelo que esta característica justifica, em nosso entender, a inexistência de contabilidade organizada da administração do condomínio e a “flexibilidade” patente na justificação de despesas que são suportadas sem qualquer suporte documental, para além dos comprovativos de transferências bancárias.
Esta especificidade também justifica, por um lado, os motivos pelos quais a actividade que era levada a cabo pela demandante tenha de ser forçosamente prestada nas instalações dos RR. e se usem equipamentos disponibilizados no local de forma a facilitar o cumprimento das tarefas indispensáveis à limpeza e manutenção pretendida e por outro lado que a demandante tivesse um grau de autonomia algo limitado quanto ao modo como executava as suas tarefas, já que se pretendia que o resultado fosse sempre o mesmo.
O que nos parece verdadeiramente relevante no caso concreto em apreço é desde logo a circunstância de ser a A. quem geria o exercício da sua actividade, exercendo-a directamente ou contratando outras pessoas para a auxiliarem ou para a substituírem e a total ausência de poder disciplinar dos RR. quer sobre a A quer sobre os colaboradores que a própria contratava e a quem pagava as respectivas remunerações. A demandante também não demonstrou que tivesse de dar cumprimento a qualquer horário de trabalho, já que o objectivo pretendido era apenas o de manter os espaços comuns dos edifícios limpos e em boas condições, sendo incumbência da A. de determinar a frequência com que ali se deslocava e o tempo despendido na execução destas tarefas.
Temos, assim, em nosso entender, de concluir que não estão presentes alguns dos elementos previstos no art. 12º do Cód. do Trabalho que prevê “(…), já que a A. não trabalhava naquele local em exclusividade, podendo escolher outros locais de prestação de serviços idênticos ou não trabalhar de todo e ser substituída por outras pessoas que a própria selecionava, sem que a administração dos edifícios tivesse alguma intervenção neste processo.
Não podemos ainda deixar de salientar dois outros aspectos que nos parecem ser aqui decisivos na caracterização desta prestação profissional e que se traduzem no seguinte:
- primeiro, como se viu a A. exercia a sua actividade noutros edifícios, o que em nosso entender é demonstrativo da sua liberdade, enquanto prestadora de serviços de escolher as entidades para quem os executava e da ausência de vínculo laboral, apresentando um orçamento à administração dos condomínios como um valor pela actividade na sua totalidade e não pela disponibilidade do seu trabalho. Esta liberdade ou autonomia é ainda reforçada pela circunstância da A. não ser obrigados a justificar as suas ausências, nem a indicarem períodos de férias, substituindo-se por outras pessoas que a própria escolhia e a quem remunerava;
- em segundo lugar verifica-se que a A. a partir do momento em que encerrou a actividade da empresa que geria conjuntamente com o seu companheiro, a B... manteve-se a exercer precisamente a mesma actividade em total clandestinidade, sem dar cumprimento à suas obrigações fossem fiscais ou relativas à Segurança Social.
Pelo exposto, não resta senão reiterar a conclusão supra referida de que a A. não logrou demonstrar a existência de vínculo laboral com qualquer um dos RR. aqui intervenientes pelo que se julga este pedido improcedente e, em consequência, todos os demais pedidos deduzidos pela mesma demandante, já que dependiam da procedência daquele primeiro pedido de caracterização do seu vínculo como sendo contrato de trabalho.”
Em face da citada fundamentação, desde já avançamos que não nos merece censura a conclusão a que aí se chegou, assim no sentido, como se afirmou no seu final, de que a Autora / aqui recorrente não “logrou demonstrar a existência de vínculo laboral com qualquer um dos RR. aqui intervenientes pelo que se julga este pedido improcedente e, em consequência, todos os demais pedidos deduzidos pela mesma demandante, já que dependiam da procedência daquele primeiro pedido de caracterização do seu vínculo como sendo contrato de trabalho.”
Assim o dizemos pelas razões seguintes:
No caso, face à factualidade provada, não se nos colocam dúvidas quanto ao ser aplicável, como o foi na sentença recorrida, o regime que resulta do artigo 12.º do Código de Trabalho de 2009 (CT/2009), aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, pois que, tal como tem sido repetidamente dito pela Jurisprudência, a lei aplicável, para efeitos da qualificação do contrato, é a que vigorava à data do início da relação entre as partes, salvo alteração ocorrida nessa relação em momento posterior[25].
Porque este Tribunal já se pronunciou diversas vezes sobre o regime que resulta desse normativo, socorremo-nos do que afirmámos no acórdão de 23 de setembro de 2019[26], nos termos seguintes:
O CT/2009, assim o seu artigo 11.º, define contrato de trabalho como “aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas”.[27]’[28]
Como é em geral reconhecido, são elementos constitutivos da noção de contrato de trabalho, de acordo com a norma legal, a prestação de atividade, a retribuição e a subordinação jurídica.
Neste âmbito, sabendo-se que incumbe sobre quem pretenda ver reconhecida a existência de um contrato de um contrato de trabalho, de acordo com o regime que decorrente do n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil (CC), o ónus de alegar e provar os factos necessários ao preenchimento desses elementos constitutivos do contrato[29], o legislador, à semelhança de outros casos em que previu também a existência de presunções[30], estabeleceu, com o objetivo de facilitar essa tarefa, uma presunção legal, vulgarmente denominada de laboralidade, assim atualmente no artigo 12.º do CT/2009, do que resulta, tratando-se de presunção com assento na própria lei (ilação legal ou de direito) – ou seja, é a norma legal que, verificado certo facto, considera como provado um outro facto –, que quem a tiver a seu favor escusa de provar o facto a que a mesma conduz, sem prejuízo da possibilidade de poder ser ilidida mediante prova em contrário – presunção iuris tantum.
Quis assim o legislador, até por reconhecer que a realidade nos demonstra que muitas vezes sob a capa de outras figuras contratuais se escondem verdadeiros contratos de trabalho, estabelecer no n.º 1 do artigo 12.º do CT/2009, facilitando a tarefa interpretativa, que deve presumir-se “a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características: a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado; b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade; c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma; d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma; e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa. (…)”.
Como tem sido repetidamente afirmado, seja na Doutrina seja na Jurisprudência, a existência ou não de subordinação jurídica do prestador da atividade assume-se como fator determinante no contrato de trabalho. Recorrendo aos ensinamentos de Monteiro Fernandes[31], diremos também que “no elenco de indícios de subordinação, é geralmente conferido ênfase particular aos que respeitam ao chamado «momento organizatório» da subordinação: a vinculação a horário de trabalho, a execução da prestação em local definido pelo empregador, a existência de controlo externo do modo de prestação, a obediência a ordens, a sujeição à disciplina da empresa (…). Acrescem, elementos relativos à modalidade de retribuição (em função do tempo, em regra), à propriedade dos instrumentos de trabalho e, em geral, à disponibilidade dos meios complementares da prestação. (…). Cada um destes elementos, tomado de per si, reveste-se de patente relatividade. O juízo a fazer, nos termos expostos, é ainda e sempre um juízo de globalidade, conduzindo a uma representação sintética de tessitura jurídica da situação concreta. Não existe nenhuma fórmula que pré-determine o doseamento necessário dos índices de subordinação, desde logo porque cada um desses índices pode assumir um valor significante muito diverso de caso para caso.”
Pronunciando-se sobre a aplicação do regime que resulta do citado artigo 12.º, escreveu-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de outubro de 2017[32] o seguinte:
“(…) Tratando-se dum regime legal insatisfatório para o trabalhador, o Código do Trabalho de 2009, em vigor desde 17/2/2009, veio alterá-lo de forma substancial, conforme se colhe do seu artigo 12.º, que sob a epígrafe “Presunção de contrato de trabalho”, estabelece que: (…)
Assim, a lei não exige agora a verificação de todos estes factos para que a presunção funcione, limitando-se a exigir a ocorrência de alguns deles, referência que tem sido entendida como exigindo a ocorrência mínima de duas destas circunstâncias.
E da prova destas duas realidades caracterizadoras da relação entre o prestador e o seu beneficiário, a lei faz decorrer um efeito jurídico específico - a existência dum contrato de trabalho, ou seja, de uma relação de trabalho subordinado entre as partes envolvidas naquela prestação de actividade.
Por isso, e tratando-se de uma presunção legal, tal como refere VAZ SERRA, “se tal inferência é feita pela própria lei (presunção legal), constitui um elemento desta, e o juiz não tem senão que a aplicar, uma vez verificada a existência da base da presunção, isto é, do facto conhecido; de sorte que a presunção legal não é propriamente um meio de prova, mas a atribuição legal de certa relevância a um facto”[33].
De qualquer maneira, tratando-se de uma presunção juris tantum, nada impede a parte contrária de a ilidir, demonstrando que, a despeito de se verificarem aquelas circunstâncias, as partes não celebraram qualquer contrato de trabalho, conforme advém do nº 2 do artigo 350º do CC.
Assim, cabendo-lhe este onus probandi, não sendo a presunção ilidida, o tribunal qualificará aquele contrato como um contrato de trabalho, gerador de uma relação de trabalho subordinado.
Podemos assim concluir que o actual regime do artigo 12º do CT/2009, representa uma verdadeira vantagem para o trabalhador, pois e conforme refere JOÃO LEAL AMADO, esta presunção representa uma simplificação do método indiciário tradicional, visto que, como ponto de partida, ela dispensa o intérprete de proceder a uma valoração global de todas as características pertinentes para a formulação de um juízo conclusivo sobre a subordinação»[34].”
Resulta assim do artigo 12.º do CT/2009, cuja aplicação se defende para o caso, que se presume que as partes celebraram um contrato de trabalho desde que preenchidas, pelo menos, duas das cinco alíneas nesse previstas, prova essa cujo ónus impende, como se disse antes, sobre o autor, para fazer operar a aludida presunção, sendo que, se o fizer, impenderá então sobre a outra parte o ónus de provar que, apesar disso, não estamos perante um contrato de trabalho.
O que regime que acabou de referir-se, no que se refere às situações em que esteja em causa, como é afinal o caso que se analisa, a verificação sobre se o contrato deve ser qualificado como de trabalho ou diversamente de prestação de serviços, é também sintetizado no Acórdão desta Relação e Secção de 19 de Maio de 2014[35], quando se refere que, “em face da já aludida dificuldade de prova de elementos que distingam um contrato de trabalho de um contrato de prestação de serviço, pois que o elemento distintivo fundamental exige uma avaliação cuidada do modo como o contrato é executado e é prestada a actividade (com, autonomia ou sob os poderes de direcção e disciplina do beneficiário da actividade), cremos que a tarefa do réu passa pela alegação e prova de factos que constituam um indício relevante e consistente da autonomia do trabalhador face ao beneficiário da actividade no desenvolvimento da sua actividade ao longo da execução contratual”, sendo que, “na apreciação a efectuar, como já dito, mantém-se a exigência de o julgador interpretar a globalidade da factualidade apurada na operação de qualificação, embora com uma diferente perspectiva quanto ao ónus da prova pois que se trata, afinal, de verificar se se mostra elidida a presunção de laboralidade.(...)”
Partindo assim do enquadramento antes delineado, que acompanhamos como se disse, na consideração do que se provou e não pois o que a Recorrente invoca em sede factual no pressuposto de que viria a alcançar provimento no recurso que interpôs no âmbito da matéria de facto pois que esse não alcançou, assim quanto ao preenchimento das alíneas previstas no supra citado n.º 1 do artigo 12.º do CT, ressalvando a referência que se faz na sentença a “cumpria indicações dadas pela administração dos condomínios” pois que admitindo-se que assim pudesse ser no entanto tal sequer ressalta efetivamente dos factos provados, concordamos no entanto com o Tribunal recorrido quando fez constar, a respeito da circunstância de a atividade ser desenvolvida nos edifícios administrados pelos co-Réus e de serem alguns equipamentos disponibilizados pela mesma administração, que não poderemos deixar de ter em conta a especificidade da atividade levada a cabo e que também justifica os motivos pelos quais aquela atividade “tenha de ser forçosamente prestada nas instalações dos Réus e que se usem equipamentos disponibilizados no local de forma a facilitar o cumprimento das tarefas indispensáveis à limpeza e manutenção pretendida – incluindo que tivesse um grau de autonomia algo limitado quanto ao modo como executava as suas tarefas, já que se pretendia que o resultado fosse sempre o mesmo. Como concordamos, também, tratando-se aliás de aspeto determinante, com a afirmação de que no caso o exercício da atividade era desenvolvida pela Autora, diretamente ou contratando outras pessoas, ocorrendo uma total ausência de poder disciplinar dos Réus quer sobre a Autora quer sobre os colaboradores que a própria contratava e a quem pagava as respetivas remunerações. Como, também, que não demonstrou a Autora que tivesse de dar cumprimento a qualquer horário de trabalho, podendo assim dizer-se, como na sentença, que, sendo o objetivo pretendido apenas o de manter os espaços comuns dos edifícios limpos e em boas condições, seria incumbência da Autora determinar a frequência com que ali se deslocava e o tempo despendido na execução destas tarefas. Por último, quanto à liberdade que a Autora teria de exercer a sua atividade noutros edifícios, o que é demonstrativo da sua liberdade, enquanto prestadora de serviços de escolher as entidades para quem os executava, sendo apresentado aliás um orçamento à administração dos condomínios com um valor pela atividade na sua totalidade e não pela disponibilidade do trabalho da Autora.
Assim, muito embora não acompanhemos o Tribunal recorrido integralmente, concordamos com o mesmo, no entanto, a respeito da conclusão a que chegou sobre a não qualificação da relação existente como laboral, na consideração de que sempre importaria fazer uso do critério, também já antes enunciado, da verificação da existência ou não de subordinação jurídica no exercício da atividade, no que à Autora diz respeito, pois que, recordando o que tem sido afirmado seja na Doutrina seja na Jurisprudência, a existência ou não daquela subordinação do prestador da atividade se assume como determinante no contrato de trabalho. Chamando assim de novo à apreciação os ensinamentos de Monteiro Fernandes[36], considerando o elenco de indícios de subordinação, nos quais é geralmente conferido ênfase particular aos que respeitam ao chamado «momento organizatório» da subordinação – “a vinculação a horário de trabalho, a execução da prestação em local definido pelo empregador, a existência de controlo externo do modo de prestação, a obediência a ordens, a sujeição à disciplina da empresa (…), elementos relativos à modalidade de retribuição (em função do tempo, em regra), à propriedade dos instrumentos de trabalho e, em geral, à disponibilidade dos meios complementares da prestação (…)” –, sem esquecermos que o juízo a fazer “é ainda e sempre um juízo de globalidade, conduzindo a uma representação sintética de tessitura jurídica da situação concreta”, não se pode dizer que, no caso, no que à Autora diz respeito, se verifique essa subordinação.
Por decorrência das razões que referimos anteriormente, claudicando os argumentos da Recorrente no que se refere à analisada questão, estando o demais dependente de uma resposta positiva quanto a essa, resta-nos concluir pela improcedência do presente recurso.

Decaindo do recurso, a Recorrente é responsável pelas custas (artigo 527.º do CPC).
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Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do CPC, segue-se o sumário do presente acórdão, da responsabilidade exclusiva do relator:
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V. Decisão
Em face do exposto, acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, alterando oficiosamente a redação de um ponto da matéria de facto, em declarar improcedente o recurso, de facto e de direito, confirmando-se assim a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.


Porto, 20 de março de 2022
(acórdão assinado digitalmente)
Nelson Fernandes
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
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[1] Cf. Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, pág. 92/93
[2] In www.dgsi.pt
[3] In www.dgsi.pt
[4] Assim, de entre outros: José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado, Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, 2001, pág. 669, Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume 5.º, pág. 140, Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª ed. Ver. e act., pág. 687/688, Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos recursos em processo civil, 9.ª edição, Almedina, pág. 55/56.
[5] Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. 221/222
[6] Op. cit., p. 235/236
[7] Cf. neste sentido o Ac. STJ de 24/09/2013, in www.dgsi.pt
[8] Cf. Ac. STJ de 28 de Maio de 2009, in www.dgsi.pt
[9] www.dgsi.pt
[10] Processo nº 220/13.8TTBCL.G1.S1 (disponível igualmente em www.dgsi.pt
[11] Processo 110/08.6TTGDM.P2.S1, mais uma vez em www.dgsi.pt
[12] Constando do mesmo Acórdão, em apoio do decidido, a referência à posição também já afirmada nos Acórdãos STJ de 01/10/2015 (p.824/11.3TTLRS.L1.S1), 11.02.2016 (p. 157/12.8 TUGMR.G1.S1), 22.09.2015 (p. 29/12.6TBFAF.G1.S1) e 4.03.2015 (p. 2180/09.0TTLSB.L1.S2), 26.11.2015 (p. 291/12.4TTLRA.C1.S1), 3.12.2015 (p. 3217/12.1TTLSB.L1.S1), 3.03.2016 (p. 861/13.3TTVIS.C1.S1)
[13] Relator Conselheiro Gonçalves Rocha, também em www.dgsi.pt.
[14] Proc.º n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1, Relatora Conselheira Ana Luísa Geraldes, disponível em www.dgsi.pt
[15] proc.º 1338/15.8T8PNF.P1.S2, Relator Conselheiro Chambel Mourisco, disponível em www.dgsi.pt, acompanhando o entendimento afirmado nos acórdãos do STJ de 20-12-2017 e 5-09-2018 [respectivamente, nos processos n.ºs 299/13.2TTVRL.C1.S2 e 15787/15.8T8PRT.P1.S2, disponíveis em www.dgsi.pt
[16] que aí se considera consolidada entre outros, nos acórdãos de 13.01.2022 [Proc. nº 417/18.4T8PNF.P1.S1], 27.10.2021 [Proc. n.º 1372/19.9T8VFR.P1-A.S1], de 14.07.2021 [Proc. n.º 19035/17.8T8PRT.P1.S1], de 19-05-2021 [Proc. n.º 4925/17.6T8OAZ.P1.S1] e de 14.01.2021 [Proc. nº 1121/13.5TVLSB.L2.S1]
[17] em “Introdução ao Processo Civil, 3.ª edição, p. 196
[18] cf. neste sentido o Ac. STJ de 24/09/2013, in www.dgsi.pt
[19] cf. Ac. STJ de 28 de Maio de 2009, in www.dgsi.pt
[20] CPC ANOTADO, III, pág. 212
[21] Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora Lda, 1993, pág.194.
[22] Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina, Coimbra – 1982; pág. 268
[23] Relator Conselheiro Melo Lima, in www.dgsi.pt.
[24] Relatora Desembargadora Paula Leal de Carvalho, disponível em www.dgsi.pt.
[25] É abundante a Jurisprudência sobre esta questão, aqui se referindo, a título meramente exemplificativo, porque relatado pelo também aqui relator, o Acórdão desta Relação de 24 de Abril de 2017, in www.dgsi.pt.
[26] Relatado pelo aqui também relator e com intervenção da aqui 1.ª Adjunta – apelação 234/12.5TTPNF.P1, disponível em www.dgsi.pt.
[27] dêntica noção consta do artigo 1152.º do Código Civil, nos termos do qual contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direção desta.
[28] A noção de contrato de trabalho não sofreu, no que diz respeito à sua essência, propriamente alterações, nas definições constantes, sucessivamente, do artigo 10.º do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003 de 27 de Agosto, que entrou em vigor em 1 de Dezembro de 2003 (artigo 3.º, n.º 1 desta lei) e do artigo 11.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, que entrou em vigor em 17 de Fevereiro de 2009.
[29] Vejam-se, entre outros, afirmando-o, os Acs. STJ de de 2012.05.30, Recurso n.º 270/10.6TTOAZ.P1.S1- 4.ª Secção, e de 2010.03.03, Recurso n.º 4390/06.3TTLSB.S1 - 4.ª Secção, ambos sumariados in www.stj.pt.
[30] “Presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido” (artigo 349.º do CC).
[31] Direito do Trabalho, págs. 143 e 144.
[32] Relator Conselheiro Gonçalves Rocha, in www.dgsi.pt.
[33] Correspondente, no Acórdão, à sua nota [6]: “Provas – Direito Probatório Material”, Boletim do Ministério da Justiça, 1961, n.º 110, p. 183.
[34] Correspondente, no Acórdão, à sua nota [7]: Contrato de Trabalho, 3.ª Edição, 2011, Coimbra Editora, pp. 79, 80
[35] Relatora Desembargadora Maria José Costa Pinto.
[36] Direito do Trabalho, págs. 143 e 144.