Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | PEDRO MARTINS | ||
| Descritores: | FUNDO DE GARANTIA DOS ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES RENOVAÇÃO ANUAL | ||
| Nº do Documento: | RP201505072196/09.7TBPVZ-B.P1 | ||
| Data do Acordão: | 05/07/2015 | ||
| Votação: | MAIORIA COM 1 VOT VENC | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA | ||
| Indicações Eventuais: | 3ª SECÇÃO | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I - A renovação anual da prova da necessidade da intervenção do FGADM (em substituição do progenitor que não paga a prestação de alimentos) é feita apenas perante o tribunal, sem exercício do contraditório pelo FGADM antes da decisão. II - A norma do art. 3/4 do DL 70/2010, na redacção dada pelo DL 133/2012, deve ser alvo de uma redução teleológica de modo a que o progenitor a quem cabe o exercício das responsabilidades parentais e que está a cumprir um contrato de trabalho de 6 meses no estrangeiro não possa ser considerado, durante este período, membro do agregado familiar do menor, se a consideração dos rendimentos do trabalho desse progenitor implicar que o menor deixe de poder beneficiar da prestação do FGADM. III - Para efeitos de capitação do rendimento per capita um menor é um menor (= 0,5) e não um requerente (= 1). | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Incidente de incumprimento 2196/09.7TBPVZ-B – J5 Instância Central, 3ª secção Família e Menores de Matosinhos ……………………………………………… ……………………………………………… ……………………………………………… Acordam no Tribunal da Relação do Porto os juízes abaixo assinados: 1. Em Julho de 2010, a mãe de duas menores veio requerer que o FGADM pagasse, em vez do pai das menores, a prestação alimentar de 100€ para cada uma a que aquele estava obrigado mas que não cumpria. 2. Em Abril de 2011, foi decidido, nos termos do disposto do art. 1º da Lei 75/98, de 19/11, fixar em 100€ a prestação de alimentos a favor de cada uma das menores, a prestar pelo FGADM. 3. Deu-se como provado nessa decisão que o pai das menores nunca pagou a prestação desde a homologação do acordo; encontra-se em parte incerta, não lhe sendo conhecidos quaisquer rendimentos ou bens; as menores vivem com a mãe e com os avós maternos; a mãe encontra-se desempregada, auferindo, a título de subsídio de desemprego, 419,10€; o agregado familiar que os menores integram tem o rendimento de 620,52€ [incluindo, como resulta do relatório do ISS, IP, que está na base da decisão, abonos familiares das menores e dois outros subsídios da mãe], tendo por despesas fixas 366,29€. 4. E concluiu-se que o rendimento do agregado familiar da mãe proporciona um rendimento per capita inferior ao salário mínimo nacional, pelo que estavam verificados os requisitos previstos nas alíneas a) e b) do art. 3 do DL 164/99, com a redacção dada pelo DL 70/2010, de 16/06. 5. A 21/06/2011 o FGADM iniciou o pagamento das prestações e a mãe passou a fazer, todos os anos, a prova da manutenção das condições económicas do seu agregado familiar, sendo que em meados de 2012 e em Set2013 o agregado familiar era apenas composto por uma avó (o avô estava a trabalhar no estrangeiro e não foi considerado como membro do agregado familiar), para além da mãe e menores, e os rendimentos eram inferiores aos de 2011, segundo relatórios do ISS (em 2012 o rendimento per capita já só era de 209,57€ e em 2013 só de 37,04€ = 100€ : [1 + 0,7 + 0,5 + 0,5]). Não há notícia de que o relatório do ISS de 2012 tenha sido comunicado ao IGFSS, IP, aquando da comunicação da renovação da obrigação, mas o de 2013 já o foi conforme pedido de fls. 157 e duplicado de fls. 161 (segunda fls. 161). 6. Em Nov2014, para que o FGADM continuasse a pagar a prestação em causa, a mãe dos menores veio dizer, em síntese, que tinha celebrado um contrato de trabalho, temporário, com inicio em 26/11/2014, no estrangeiro, passando a auferir cerca de 1900€ por mês, mas tendo despesas de 1800€, entre elas a de 300€ como contribuição para as despesas das menores que ficavam com a avó materna. Juntou fotocópia de um e-mail com aquele contrato de trabalho (em alemão, não traduzido; esta falta de tradução não tem relevo, no entanto, visto que não há dúvidas sobre aquilo que importa neste documento). 7. A promoção do MP, foi notificada a mãe dos menores para dizer quando é que terminava o contrato, e ela veio dizer, com apoio no mesmo e-mail, que terminava 6 meses depois. 8. O ISS, ainda a promoção do MP, veio informar que o pai das menores constava com a última remuneração de Julho de 2014, numa sociedade unipessoal, com o valor de 291,06€. 9. Perante isto, o MP entendeu que “pese embora o trabalho temporário actualmente conseguido pela mãe na Suíça, cujo contrato termina já em Abril do corrente ano, entende-se que continuam a subsistir os pressupostos legais que determinaram que o pagamento dos alimentos às menores […] passasse a ser suportados pelo FGADM” e por isso promoveu que se mantivesse essa prestação alimentar. 10. A 28/01/2015, depois de se citar a decisão referida em 2 e de se dizer que a mãe das menores tinha vindo “juntar prova documental da manutenção da sua situação económica”, conclui-se que “resulta dos documentos juntos aos autos pela mãe que os rendimentos líquidos mensais do agregado familiar onde se inserem as menores continuam a ser, per capita, inferiores ao valor do indexante dos apoios sociais (= IAS)”. Assim, teve-se “por efectuada a comprovação pela mãe dos pressupostos que estiveram na base” daquela decisão. 11. O IGFSS veio então, na qualidade do gestor do FGADM, ainda dentro do prazo do recurso, requerer “a remessa dos relatórios sociais ou de outros documentos que serviram de substrato à referida decisão, sendo que não resulta da decisão proferida qual o valor actual dos rendimentos auferidos pelo agregado familiar em que se inserem as menores e qual composição actual do agregado familiar em causa. Mais se regista que também não resulta da decisão proferida, se na actualidade se mantém a impossibilidade de cobrança coerciva das prestações de alimentos junto do progenitor incumpridor.” 12. Uns dias depois, o IGFSS interpôs recurso da decisão referida em 10, para que fosse revogada, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões [na transcrição que se segue altera-se a ordem e evitam-se repetições]: A) Nos termos do preceituado no art. 1.º da Lei 75/98, de 19/11 e no art. 3.º do DL 164/99 de 11/05, para que o FGADM seja chamado a assegurar as prestações de alimentos atribuídas a menores residentes no território nacional é necessário que se verifiquem os pressupostos seguintes: (i) que o progenitor esteja judicialmente obrigado a alimentos; (ii) a impossibilidade de cobrança das prestações em divida nos termos do art. 189 da OTM; (iii) que o alimentado não tenha rendimento ilíquido superior ao valor do IAS, nem beneficie de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, superiores ao valor do IAS. B) A lei faz depender a obrigação do FGADM da verificação cumulativa dos requisitos/pressupostos previstos nos diplomas que o regulamentam. A prestação a assegurar pelo FGADM não é, pois, incondicional. C) No despacho nada é referido quanto à composição actual do agregado familiar em que se integram as menores, nem sobre qual o montante dos rendimentos ilíquidos auferidos por tal agregado. D) No despacho apenas se refere que “resulta dos documentos juntos aos autos pela requerente, que os rendimentos líquidos mensais do agregado familiar onde se inserem as menores continuam a ser per capita, inferiores ao valor do IAS.” E) Salvo o devido respeito, para efeitos de eventual atribuição da prestação do FGADM, o que haverá que considerar é o rendimento ilíquido. F) Não resulta do despacho proferido que se verifique a impossibilidade de cobrança coerciva das prestações de alimentos ao obrigado originário. G) A própria requerente informou nos autos que celebrou contrato de trabalho temporário, que teria início em 26/11/2014, na Suíça e que iria auferir a retribuição base equivalente a cerca de 1900€. H) Dos documentos notificados não resulta claro qual a composição actual do agregado familiar em que se inserem as menores. I) E neles não se faz qualquer referência sobre quais os rendimentos actuais dos membros do agregado familiar, para além da requerente, nem é referido a ausência deles. J) A partir de 26/11/2014, e enquanto subsistir o contrato de trabalho temporário da requerente, atendendo ao montante da remuneração base auferida (equivalente a cerca de 1900€), o rendimento per capita do agregado ascende a, pelo menos, cerca de 558,82€ [se o agregado for a mãe, os avós e as menores = 3,4], montante superior ao valor do IAS, fixado em €419,22. K) Assim, a partir de 26/11/2014 e, pelo menos, enquanto subsistir o contrato temporário da requerente, não se verifica um dos pressupostos/requisitos, cuja concretização cumulativa condiciona a intervenção do FGADM. L) O FGADM desconhece se acaso se verifica um outro pressuposto/requisito: “a impossibilidade de cobrança das prestações em divida nos termos do art. 189 da OTM. 13. Novamente uns dias depois, o IGFSS veio dizer que não mantinha, no seu recurso, o que se referia à impossibilidade de cobrança coerciva das prestações ao obrigado originário nos termos do art. 189 da OTM, sendo que dos documentos remetidos parecia resultar tal impossibilidade. Note-se que os elementos que foram enviados ao IGFSS, na sequência do que se dá conta em 11, foram os respeitantes a 6, 7, 8 e 9. 14. O MP contra-alegou, dizendo, em síntese, que [na transcrição que se segue evitam-se repetições]: A) Pese embora o despacho revele uma justificação deficiente do anúncio das razões que conduziram à decisão de manutenção do FGADM, o certo é que nessa mesma decisão se faz uma referência implícita aos elementos probatórios juntos ao processo, e que foram determinantes para a prolação da mesma, nomeadamente no que respeita à informação prestada pelo ISS, sobre a situação socioeconómico e profissional do pai, e aos documentos juntos ao processo pela requerente para a renovação da prova (fls. 166, 173, 174 e 178). B) O requerido não só incumpriu com o pagamento das prestações de alimentos devidas às suas filhas, cujo valor em dívida foi fixado em 1000€ como também não lhe são conhecidos bens e/ou rendimentos. C) O rendimento per capita do agregado familiar no qual as menores se integram, sempre foi de valor bastante inferior ao valor do IAS (419,22€), o que só deixou de acontecer durante um pequeno, escasso, e limitado período de tempo - cerca de cinco meses - ou seja, desde 26/11/2014 a 19/04/2015, altura em que cessará o contrato de trabalho temporário, da requerente na Suíça. D) O tribunal a quo, sempre poderá apreciar e suprir a alegada nulidade por falta de fundamentação, ora suscitada pelo IGFSS, nos termos previstos no art. 617, nºs 1 e 2, do CPC. E) A decisão assegura como lhe é imposto, o interesse destas, e salvaguarda o respeito a princípios constitucionais, designadamente aqueles que se encontram consignados nos arts 13, 63 e 69 da Constituição da República Portuguesa. F) No caso sub judice, estão verificados todos os pressupostos legais, nomeadamente o cumprimento do estipulado na Lei 75/98 e no DL 164/99 e ainda no art. 189 da OTM, para que o Estado através do FGADM continue a assegurar o pagamento das prestações de alimentos devidas às menores. 15. No despacho com que enviou este recurso para este tribunal, o tribunal recorrido disse ainda o seguinte: “Considera-se que a decisão referida em 10 não padece de nenhuma nulidade de que cumpra suprir, nem sequer da alegada falta de fundamentação. Isto porque, convém salientar que se trata de uma mera decisão a confirmar que se considera manter os pressupostos de facto que fundamentaram a sentença referida em 2, mencionando-se os meios de prova que foram tomados em consideração, dos quais o IGFSS tomou conhecimento, e remetendo-se para os pressupostos que foram tomados em consideração naquela sentença porque se mantêm, sendo certo que aquela sentença, essa sim é que condenou o FGADM a pagar a prestação de alimentos às menores, em substituição do progenitor, tal como se fez expressa referência na decisão recorrida. A lei diz que essa prestação fixada pelo tribunal perdura enquanto se verificarem as circunstâncias subjacentes à sua concessão e até que cesse a obrigação a que o devedor está obrigado (art. 3/4 da Lei 75/98 e art. 9/1 do DL 164/99) isto é, perdura desde que a pessoa que recebe a prestação renove anualmente a prova de que se mantêm os pressupostos subjacentes à sua atribuição, limitando-se a decisão de “renovação” a confirmar que foi feita prova pela requerente de que esses pressupostos se mantêm, após prévia averiguação pelo tribunal se de facto assim acontece, como se fez, conforme consta da documentação que foi enviada ao recorrente a fls. 190 [isto é, na sequência do que se diz em 11 – parênteses colocado por este acórdão]. De todo o modo, convém salientar que à luz da leitura literal do art. 9/6 do DL 164/99, o IGFSS só tem de ser notificado da decisão que determine a cessação do pagamento das prestações a cargo do FGADM, pois que a sua obrigação de pagamento do montante fixado pela sentença referida em perdura até que lhe seja comunicada a cessação.” * Questões que cumpre solucionar: se a decisão recorrida não tem razão em dizer que se mantém os pressupostos da manutenção da obrigação do FGADM de prestar os alimentos em substituição do pai.* Embora uma primeira leitura das alegações do IGFSS sugira que este está a levantar uma questão formal - falta de fundamentação, eventual nulidade da decisão recorrida -, tal como foi entendido pelo MP, levando ao despacho referido em 15, a verdade é que o IGFSS discute apenas, bem, a substância das coisas e não argui nenhuma nulidade. O que o IGFSS diz, no essencial, é apenas que os factos dados como provados não permitem o preenchimento da previsão das normas invocadas (ou seja: erro de julgamento); e utilizando os documentos que lhe foram enviados – e com isso está a aceitar discutir a questão com base neles – diz mesmo que a prova existente demonstra que um dos requisitos da obrigação cuja manutenção lhe é imposta não se verifica.Falta de fundamentação? * A decisão recorrida, no que se refere a factos, quase nada diz expressamente. Os factos e as provas Com efeito, limita-se a dizer que “os rendimentos líquidos mensais do agregado familiar onde se inserem as menores continuam a ser, per capita, inferiores ao valor do IAS.” Para além disso, diz que estes factos resultam de documentos juntos pela mãe das menores, mas, de facto, deles apenas resulta que a mãe da menor tinha um contrato de trabalho na Suíça, por seis meses, onde iria ganhar o equivalente a 1900€ mensais. No entanto, conjugando uma coisa com a outra e ainda com o teor do requerimento da mãe das menores, bem como com os factos que já decorriam das anteriores decisões - alguns deles também apenas de forma implícita e por referência a documentos juntos -, é possível reconstituir os factos que a decisão recorrida implicitamente tem como provados (e porquê), ou seja, nesta parte e para já: A mãe das menores, em 26/11/2014, iniciaria um contrato de trabalho na Suíça, para onde iria viver, deixando as menores com a avó materna; ia auferir o equivalente a 1900€ mensais, mas teria despesas de 1800€ mensais (incluindo 300€ com que contribuiria para as despesas das filhas). Estes factos (à excepção das despesas invocadas que ultrapassam os 300€ como se verá mais à frente) estão provados com base no documento (contrato de trabalho) apresentado pela mãe, conjugado com as declarações escritas da mãe das menores (através de representante judicial) dirigidas ao processo, sendo que tais factos podem ser vistos como sendo desfavoráveis às menores, pelo que não há razões para as pôr em causa. Isto com excepção quanto ao montante de despesas que a mãe das menores tem consigo, que é facto favorável e que não tem suporte probatório suficiente (arts. 352, 355/2, 356/2, 358/3, 361, 362, 363/1, 368, 373, 374 e 376/1, todos do CC). * Tem-se em conta que o documento e as declarações não foram postas em causa pelo MP, tendo o tribunal recorrido aceite os mesmos e o respectivo valor probatório, e este tribunal de recurso também não vê razões para os pôr em causa (sendo que, no recurso, o IGFSS não levanta quaisquer questões quanto a eles ou ao respectivo valor probatório).A renovação anual da prova é feita apenas perante o tribunal Note-se que, como também diz o despacho referido em 15, a lei (art. 9/4 do DL 164/99, na redacção da Lei 64/2012) apenas prevê a renovação anual da prova, de que se mantêm os pressupostos subjacentes à sua atribuição, perante o tribunal competente (quase como uma simples questão administrativa). Não prevê, pois, que ela seja feita perante o FGADM. O que é compreensível, dado que, por um lado, o MP intervém sempre no incidente e pode defender os interesses públicos; por outro lado, estas prestações sociais dizem respeito a mais de 18.000 casos por mês (http://www.publico.pt/sociedade/noticia/cada-vez-mais-pais-deixam-de-poder-pagar-pensoes-de-alimentos-aos-filhos-1675555) e o legislador não terá querido que relativamente a todas elas se desenrolasse um verdadeiro processo judicial; e, por fim, a questão é relativamente simples, sendo acautelados os interesses do Estado, que tenham passado pelo crivo do MP, com a possibilidade de o IGFSS recorrer da decisão que for proferida ou de vir mais tarde requerer a cessação da prestação com base em novos factos de que venha a ter conhecimento. Aliás, mesmo o processo que pode levar à condenação do FGADM a pagar a prestação em vez do progenitor faltoso não prevê a intervenção do FGADM durante a sua tramitação, o que tem sido aceite pela prática dos tribunais (veja-se o AUJ 12/2009, do STJ, de 07/07/2009, 09A0682, o ac. do TRC de 10/07/2013, 3007/03.2TBLRA-A.C1, e a intervenção de Judite Babo publicada na RMP 133, pág. 275 e segs, especialmente pág. 293). Ou seja, o FGADM só passa a ser parte no processo com a notificação da decisão judicial (de que pode recorrer). Contra vejam-se os acs. do TRG de 19/03/2013, 1066/06.5TBPTL-B.G1, e do TRP de 29/09/2014, 2434/10.3TMPRT-A.P1, de 30/09/2014, 181/10.5TBMDL.1.P1, e de 09/10/2014, 1234/12.0TMPRT-A.P1, que consideram (ou têm implícito), sem consequências práticas nos casos concretos à excepção do 1º caso, que a prova devia ser produzida perante o FGADM, como parte requerida e susceptível de condenação. * Posto isto, a consideração daqueles factos como provados levanta, no entanto, a seguinte questão: os factos à data ainda não tinham ocorrido; a mãe das menores foi mesmo viver e trabalhar para a Suíça? O ordenado que recebeu foi mesmo do equivalente a 1900€? Ou seja, isto estava anunciado, mas não se saberia se ocorreu. No entanto, como a mãe das menores não veio posteriormente dizer que estes factos afinal não ocorreram e nem o MP, nem o IGFSS, os puseram em causa, os mesmos devem ser aceites como se tivessem de facto ocorrido, ao menos para efeitos desta decisão. De resto, tendo a mãe que ir dando conhecimento de qualquer alteração da situação (art. 4/1 da Lei 75/98, de 19/11), não se vê que, com eficácia para os fins que tal conhecimento visa, o possa fazer melhor do que fazendo-o previamente às alterações previstas. Factos hipotéticos? * Assim, tendo então em consideração aqueles factos e os que já resultavam do processo, são os seguintes os factos que se podem dizer que estiveram na base da decisão recorrida, que diz só respeito à manutenção ou não da obrigação do FGADM e já sem a questão – dada a posição ulterior do FGADM, equivalente a uma desistência – da impossibilidade do pagamento coercivo das prestações:Os factos 1. As menores viviam com a mãe e a avó materna. 2. O único rendimento que este agregado tinha era o vencimento da mãe (100€ mensais) 3. A mãe arranjou um trabalho na Suíça, por 6 meses (de 26/11/2014 a 19/04/2015), com o ordenado mensal equivalente a 1900€. 4. Nesse período de tempo, contribui com 300€ mensais para as despesas das filhas. * Com estes dados não há dúvida que o rendimento por pessoa naquele agregado familiar era, até 26/11/2014, inferior ao IAS (= 419,22€ - art. 114a da Lei 66-B/2012) já que é composto por 4 elementos (mãe, avó e 2 menores) e os rendimentos eram de apenas 100€. E que assim continuará a ser a partir de 20/04/2015, depois de cessado o contrato de trabalho.Rendimento per capita ilíquido no período do contrato de trabalho A questão é se o foi também durante o período do contrato de trabalho da mãe na Suíça. O MP e o IGFSS estão de acordo em que, durante este período – de 26/11/2014 até 19/04/2015 – o rendimento per capita foi superior ao ISA de 419,22€. E isso porque consideram que a mãe ganha 1900€ mensais e compõe o agregado familiar das duas menores, junto com a avô, o que dá 4 pessoas com o peso de 2,7. Ora, 1900€ a dividir 2,7, dá 703,70€, valor que é superior a 419,22€ (é o que resultaria por força do disposto no art. 3/3 do DL 164/99, na redacção da Lei 64/2012, que diz que “[o] agregado familiar, os rendimentos a considerar e a capitação dos rendimentos, referidos no número anterior, são aferidos nos termos do disposto no DL 70/2010, de 16/06, alterado pela Lei 15/2011, de 03/05, e pelos DL 113/2011, de 29/11, e 133/2012, de 27/06”). A decisão recorrida entende que não, porque considera o rendimento líquido (deduziu, pois, os 1800€ de despesas invocadas pela mãe aos 1900€ que esta auferiu). No mesmo sentido da consideração do rendimento líquido, vai, salvo erro sem fundamentação, a dissertação, posterior à Lei 66-B/ 2012, de 31/12, de Márcio Rafael Marques Rodrigues, Da obrigação de alimentos à intervenção do FGADM, FDUC, Coimbra, 2014, ponto 2.3, https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/28481/1/Da%20obrigacao%20de%20alimentos%20a%20intervencao%20do%20FGADM.pdf, consultada a 27/04/2015. O IGFSS diz que o que interessa não é o rendimento líquido mas o ilíquido. E, de facto, a lei impõe a consideração do rendimento ilíquido e não do líquido (para além do art. 1/1 da Lei 75/98, na redacção da Lei 66-B/2012, ver também o art. 3/1b do DL 164/99, na redacção dada pela Lei 64/2012) e a decisão recorrida nem tenta demonstrar a razão de ser de considerar o rendimento líquido. * Apesar disso, considera-se que a decisão recorrida está certa, embora com outra fundamentação. Composição do agregado familiar É que o agregado familiar que há que ter em conta é aquele que realmente exista no período em causa. Ou seja, é composto pelas pessoas que no período em causa vivam de facto em economia comum. Com efeito, integram o agregado familiar as pessoas que vivem com o requerente em economia comum, considerando-se em economia comum as pessoas que vivam em comunhão de mesa e habitação e tenham estabelecido entre si uma vivência comum de entreajuda e partilha de recursos (segundo resulta do art. 4, n.ºs 1 e 2, do DL 70/2010, de 16/06, na redacção do DL 133/2012, de 27/06, aplicável por força do n.º 3 do art. 3 do DL 164/99 na redacção). * É certo que o n.º 3 daquele art. 4 (na referida redacção de 2012), ressalvado na parte final daquele n.º 2, esclarece que se considera “que a situação de economia comum se mantém nos casos em que se verifique a deslocação, por período igual ou inferior a 30 dias, do titular ou de algum dos membros do agregado familiar e, ainda que por período superior, se a mesma for devida a razões de saúde, estudo, formação profissional ou de relação de trabalho que revista carácter temporário, ainda que essa ausência se tenha iniciado em momento anterior ao do requerimento.” O n.º 3 do art. 4 do DL 70/2010 Só que com esta norma se visa que os beneficiários das prestações e os restantes membros do respectivo agregado familiar não sejam prejudicados por uma situação que não é imputável à pura vontade do membro do agregado familiar que se vai embora mas antes, grosso modo, a um estado de coisas que lhe é imposto, e que, por isso, não pode ser utilizada em desfavor dos mesmos. Suponha-se que um agregado familiar tem 4 membros dois deles menores (com o peso relativo de 1 + 0,7, + 0,5 + 0,5), tendo esse agregado familiar um rendimento ilíquido total de 1000€ (sendo, por isso, o rendimento per capita de 370,37€). Um dos menores adoece e é internado num hospital. Se esse menor deixasse de ser considerado membro de agregado familiar (e realmente não o é, porque não vive em comunhão de mesa e habitação), o agregado (= 1 + 0,7 + 0,5) passaria a ter o rendimento per capita de 454,55€, e portanto deixaria de ter direito à prestação em causa. A norma do art. 4/3 do DL 70/2010 para evitar que tal aconteça vem dizer que esse menor deve continuar a ser considerado membro do agregado familiar. Ou, como dizia a anterior redacção, a condição de vivência em comunhão de mesa e habitação pode ser dispensada por ausência temporária de um ou mais elementos do agregado familiar, por razões laborais, escolares, formação profissional ou por motivos de saúde. Isto é, a lei permitia que aquela condição pudesse ser dispensada, naturalmente quando isso viesse a contribuir para que o agregado familiar, devido à dispensa dessa condição, continuasse a beneficiar da prestação. Não teria nenhum sentido pensar-se na hipótese contrária: dispensar-se a condição de vivência em comum para que o agregado deixasse de beneficiar da prestação. Em suma, a lei ficciona uma qualidade (a de membro de agregado familiar) para evitar que uma situação que não é imputável à pura vontade do elemento do agregado familiar que se vai embora temporariamente se traduza num prejuízo para o beneficiário da prestação e restantes membros do agregado familiar. O mesmo se passa, aliás, num caso paralelo: um arrendatário que não usa o locado está numa situação objectiva de ilícito contratual (arts. 1072/1 e 1083/2d do CC). No entanto, se tal acontecer por, por exemplo, caso de força maior ou de doença; ou se a ausência for devida ao cumprimento de deveres militares ou profissionais do próprio, do cônjuge ou de quem viva com o arrendatário em união de facto; ou se a ausência se dever à prestação de apoios continuados a pessoas com deficiência com grau de incapacidade igual ou superior a 60%, incluindo a familiares, o não uso passa a ser lícito (art. 1072/2 do CC). Ou seja, uma causa de exclusão da ilicitude: o não uso, nestes casos, não dá direito à resolução do contrato. Este tipo de normas existe, por isso, para evitar prejuízos. São normas de protecção dos seus destinatários. Não podem, por isso, ser lidas em desfavor dos mesmos. Se se compreende que, para não fazer perder o direito às prestações, se continue a considerar como membro de um agregado familiar aquele que realmente já não faz parte do mesmo, em dadas circunstâncias que se prendem, genericamente, com situações que não são imputáveis à pura vontade dos membros do agregado familiar, já não se compreenderia que se ficcionasse essa pertença para lhes retirar o direito às prestações. Por outro lado, se se compreende que, em relação a todos aqueles que vivam em comunhão de mesa e habitação e tenham estabelecido entre si uma vivência comum de entreajuda e partilha de recursos, se considere o rendimento ilíquido que aportam para o agregado familiar, beneficiando ao mesmo tempo desse rendimento para as suas despesas, já seria de todo incompreensível que em relação a quem, de facto, não faz parte desse agregado familiar, vivendo noutro sítio qualquer, onde tem que suportar todas as despesas inerentes à sua sobrevivência (habitação, alimentação, água, luz, gás, etc.), também fosse de considerar, sem qualquer desconto, o rendimento ilíquido que tem. Ou seja, se A vive no agregado familiar X compreende-se, dentro da lógica do regime em causa, que as despesas que ele tem (com habitação, alimentação, água, luz, gás, etc.) não sejam tidas em consideração, porque são despesas do agregado e como tal ele beneficia delas; mas já não assim se A vive fora daquele agregado, porque ele terá de fazer aquelas despesas fora dele. Desconsiderar esta diferença de situações é tratar do mesmo modo situações absolutamente diferentes, com frontal violação do princípio da igualdade, o que de certeza não esteve no espírito do legislador, só podendo ter resultado de erro evidente. Assim, tendo em conta a norma que impõe a consideração do rendimento ilíquido, vê-se que a norma que ficciona a composição do agregado familiar só tem em mente evitar que esse agregado familiar seja prejudicado com a saída temporária de um dos seus membros. A norma do nº. 3 do art. 4, quando deixa de dizer que a condição ‘pode ser dispensada’ (o que revelava a necessidade da consideração da situação em concreto para evitar absurdos), esqueceu que a norma que define o rendimento a ter em conta tinha sido alterada de modo a definir que o rendimento a ter em conta era o ilíquido. Ora, se esta alteração não for tida em conta, corrigindo-se a aplicação destas normas, ela levará ao absurdo de considerar sempre o rendimento ilíquido daquele que está fora do agregado familiar, independentemente de tal poder levar à retirada do direito às prestações em casos em que tal não se justifica minimamente dentro do espírito do sistema. A norma do n.º 3 do art. 4 tem, por isso, de ser alvo de uma redução teleológica, para corrigir esta lacuna oculta do regime (ao abrigo do art. 10 do CC), por ter esquecido que, da conjugação das alterações introduzidas, resultava a potencial alteração da sua natureza: de norma de protecção dos menores e do respectivo agregado familiar, que evitava que a saída de um dos seus membros viesse prejudicar, sem razão, o menor e o restante agregado familiar, tornar-se-ia numa norma que potenciaria o absurdo de fazer entrar no cálculo, sem atender à situação concreta, o rendimento de um membro de um agregado familiar que de facto saiu desse agregado, sem ao menos considerar as despesas que esse elemento passou a ter fora do agregado familiar. Não pode ser (sobre a possibilidade da redução teleológica para integração de lacunas ocultas, veja-se, por exemplo, Karl Larenz, Metodologia da ciência do direito, 2ª edição, Gulbenkian, 1989, págs. 473 a 485, com aplicação em Januário Gomes, Assunção fidejussória de dívida, Almedina, 2000, págs. 529 e 855, Pedro Pais de Vasconcelos, Superação judicial da invalidade formal nos negócios jurídico-privados, Estudos em homenagem à prof. doutora Isabel Magalhães Collaço, vol., 2, Nov2002, págs. 337/338, André Gonçalo Dias Pereira O consentimento informado na relação médico-paciente, Coimbra Editora, págs. 220/223; e Rui Pinto Duarte, A penhora e a venda executiva do estabelecimento comercial, Themis, 9, 2004, pág. 135). De resto, a não se operar esta redução chegar-se-ia ao absurdo de considerar que o progenitor a quem cabe o exercício das responsabilidades parentais faz sempre parte do agregado familiar do menor, mesmo que esse progenitor esteja a viver noutro agregado familiar, como se pode ver no caso decidido pelo ac. do TRC de 21/10/2014, 784/08.8TBCTB-B.C1, onde o IGFSS chega mesmo a defender que o agregado familiar do menor é composto por esse progenitor e pelos membros do outro agregado familiar (interpretação que, como não podia deixar de ser, o ac. do TRC rejeitou). Aliás, foi certamente por entender que a lei não quis a consideração, em todos os casos e sem mais, do elemento ausente como membro do agregado familiar, apesar de ser esse o resultado de uma interpretação literal da lei, que o ISS (note-se: ISS e não o IGFSS) não considerou, em 2012 e 2013, como membro do agregado familiar do menor o avô materno (que estava e ainda estará a trabalhar – e por isso necessariamente, a viver – no estrangeiro; e em 2011 tinha-o considerado como membro do agregado, mas sem considerar o respectivo rendimento de trabalho). Em suma, a norma do art. 4/3 do DL 70/2010, na redacção de 2012, tem de ser alvo de uma redução teleológica de modo a não permitir considerar como membro de um agregado familiar, fazendo entrar o respectivo rendimento para o cálculo do rendimento per capita desse agregado, aquele que está fora desse agregado, quando essa consideração como membro do agregado implicar que o menor que beneficia da prestação social em causa deixe de beneficiar dela. * Assim, se a mãe das menores sai do agregado familiar para ir trabalhar - e necessariamente viver – no estrangeiro, a mesma deixa de fazer parte daquele agregado (ela realmente não faz parte do mesmo) e por isso a sua pessoa e o seu rendimento não podem ser considerados para o cálculo do rendimento per capita. O que passa a contar é a sua contribuição para as despesas com as filhas (300€ - este facto, considerado como factor que vai aumentar o rendimento per capita, é desfavorável para a requerente, pelo que pode ser também considerado como provado, sem prejuízo de o IGFSS vir a fazer prova, em incidente posterior a esta decisão, de que a contribuição afinal era maior).Aplicação ao caso Ora, se antes as filhas viviam num agregado familiar de 4 pessoas (com um peso de 2,7) com um rendimento de 100€ mensais, equivalente a 37,04€ por pessoa, agora passaram a viver num agregado familiar com 3 pessoas (com um peso de 2 – a avó, pessoa a cuja guarda de facto as menores se encontram com a saída da mãe para o estrangeiro, passa a ter o peso de 1, por força do nº. 3 do art. 3 do DL 164/99 na redacção da Lei 64/2012, e cada uma das menores o peso de 0,5) com um rendimento global de 300€ mensais, equivalente a 150€ per capita [300€ : (1 + 0,5 + 0,5)]. Uma melhoria significativa, conseguida à custa do sacrifício da mãe das menores, que teve de renunciar, para o efeito, à satisfação de viver com as filhas, mas mesmo assim insuficiente para que o rendimento per capita ultrapassasse o IAS de 419,22€. * Note-se que alguns acórdãos (do TRC de 11/12/2012, 1184/11. 8TBMGR.C1, de 21/10/2014, 784/08.8TBCTB-B.C1, de 10/07/2013, 3007/03.2TBLRA-A.C1, e do TRE de 19/01/2012, 859/08.37TMFAR.E1) têm considerado que os menores beneficiários da prestação devem ser considerados requerentes para efeitos de capitação, o que, no caso, se traduziria no seguinte: 1 + 1 + 0,7 (= uma menor + uma menor + avó) = 2,7. Pelo que o rendimento per capita seria de 111,11€, em vez dos 150€ achados acima. Um menor não é um requerente para efeitos de cálculo do rendimento per capita Mas, embora esta tese tenha algum suporte nas normas legais por ela invocadas, já que são os menores que são os requerentes das prestações, a verdade é que, pela lógica das coisas, não pode ser assim. O art. 5 do DL 70/2019, na redacção do DL 133/2012, consagra a tese da existência de economias de escala no seio dos elementos de um agregado familiar, inclu-indo a ideia de que um menor tem menores necessidades a satisfazer de que um adulto. Ora, fazer entrar um menor com o peso de 1 e um pai ou mãe – ou outro adulto - com o peso de 0,7 inverte toda a lógica daquelas ideias. No caso dos autos, por exemplo, cada uma das menores teria o peso de 1 e a avó de 0,7. Não pode ser. De resto, o art. 3/4 do DL 164/99, resolve expressamente a questão em sentido contrário, ao dizer que “Para efeitos da capitação do rendimento do agregado familiar do menor, considera-se como requerente o representante legal do menor ou a pessoa a cuja guarda este se encontre.” * Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida, embora com fundamentos diferentes dos adoptados por esta.Sem custas. Porto, 07/05/2015 Pedro Martins Judite Pires Aristides Rodrigues de Almeida (Vencido, nos termos do voto que segue em separado) ____________ Vencido. Com todo o devido respeito pela posição sufragada no Acórdão, não podemos concordar com a interpretação do art. 4.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 70/2010, segundo a qual o progenitor a quem cabe o exercício das responsabilidades parentais e que está a cumprir um contrato de trabalho de 6 meses no estrangeiro não deverá ser considerado, durante este período, membro do agregado familiar do menor, se a consideração dos rendimentos do trabalho desse progenitor implicar que o menor deixe de poder beneficiar da prestação do FGADM. Nos termos do artigo 1.º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida e o alimentado não tiver rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações. O artigo 2º acrescenta que para a determinação do montante referido no número anterior, o tribunal atenderá à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades específicas do menor. Por sua vez o n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, que regula a garantia de alimentos devidos a menores, estabelece que o Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores (FGADM) assegura o pagamento das prestações de alimentos quando o menor não tiver rendimento ilíquido superior ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre. O n.º 2 acrescenta que se entende que o alimentado não beneficia de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, superiores ao valor do IAS, quando a capitação do rendimento do respectivo agregado familiar não seja superior àquele valor. E o n.º 3 estatui que o agregado familiar, os rendimentos a considerar e a capitação dos rendimentos, são aferidos nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de Junho. Este diploma, segundo o seu artigo 1.º, tem precisamente por objecto a definição das regras para a determinação dos rendimentos, composição do agregado familiar e capitação dos rendimentos do agregado familiar para a verificação das condições de recursos a ter em conta no reconhecimento e manutenção do direito à prestação de alimentos a cargo do FGAM. O artigo 2.º, n.º 3, estabelece que na verificação da condição de recursos são considerados os rendimentos do requerente e dos elementos que integram o seu agregado familiar. O n.º 1 do artigo 4.º define o conceito de agregado familiar relevante para este efeito, prescrevendo que além do requerente, integram o respectivo agregado familiar as pessoas que com ele vivam em economia comum e tenham com ele as relações de afinidade elencadas na norma O n.º 2 acrescenta que se consideram em economia comum as pessoas que vivam em comunhão de mesa e habitação e tenham estabelecido entre si uma vivência comum de entreajuda e partilha de recursos. E o n.º 3 estabelece uma presunção legal de que se mantém a situação de economia comum nos casos em que se verifique a deslocação, por período igual ou inferior a 30 dias, do titular ou de algum dos membros do agregado familiar e, ainda que por período superior, se a mesma for devida a razões de saúde, estudo, formação profissional ou de relação de trabalho que revista carácter temporário, ainda que essa ausência se tenha iniciado em momento anterior ao do requerimento. Tanto quanto vemos, resulta deste conjunto normativo que a lei elegeu, e bem, como realidade a cujos rendimentos se deve atender para a verificação da condição de recursos, a realidade do agregado familiar onde se integra o menor carecido dos alimentos, e definiu como critério de determinação dessa realidade as relações de afinidade que especificou (e a que equiparou depois as situações de união de facto que perduram há mais de 2 anos) e o conceito de economia comum. Vivem em economia comum as pessoas que comungam de mesa e habitação e estabeleceram entre si uma vivência comum de entreajuda e partilha de recursos. A economia comum não se quebra, em regra, quando de forma transitória e por motivos ponderosos um dos seus elementos se afasta da habitação comum desde que à distância continue a interessar-se e preocupar-se com o conjunto de pessoas com as quais deixou temporariamente de partilhar a habitação, mas com os quais continua a partilhar os respectivos rendimentos, projecto de vida, preocupações e motivações pessoais. O n.º 3 do artigo 4.º é assim perfeitamente natural e compreensível já que a presunção legal de que se mantém a situação de economia comum nos casos em que se verifique a deslocação de algum dos membros do agregado familiar por razões de trabalho que revista carácter temporário, absorve a presunção natural de que assim sucederia mesmo. Pode não suceder, mas para assim se concluir terá de se demonstrar que no caso o afastamento não é meramente temporário, serve o objectivo da ruptura com o agregado familiar e é acompanhado pela cessação do envolvimento e da preocupação com o interesse e as necessidades comuns do grupo. No caso em apreço, não está demonstrada nenhuma dessas situações e é absolutamente improvável que alguma ocorra tratando-se afinal da mãe dos menores que foi trabalhar para a Suíça durante 6 meses deixando os menores entregue à avó materna com a qual até aí vivia. Ora a nosso ver a tarefa do intérprete da norma é a de procurar descobrir qual é exactamente a previsão normativa, qual é, na opção do legislador, a concreta situação factual a que se aplica o teor da disposição legal, independentemente de saber se o resultado do preenchimento dessa situação factual redunda em benefício ou em prejuízo dos titulares do direito consagrado na norma. O que releva para o preenchimento da norma e a verificação da condição de recursos não é se o familiar saiu ou não da casa onde habita o agregado familiar, é se o menor deixou de beneficiar dos rendimentos que esse familiar até aí lhe proporcionava, sendo certo que a manter-se a economia comum (a qual, repete-se, pode manter-se mesmo que o familiar passe temporária e transitoriamente a dormir debaixo de outro tecto por razões ponderosas) se deve presumir que esse beneficio não é interrompido. Eis, em resumo, porque nos parece que o artigo 4.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 70/2010 não ficciona qualquer realidade (pelo contrário, está em conformidade com a realidade prática dos agregados familiares), nem padece de qualquer lacuna que justifique proceder à sua redução teleológica, e que, em conformidade com a realidade da vida, se deve entender que a mãe dos menores continuou a viver em economia comum apesar de ter ido transitoriamente trabalhar para a Suíça, com as inerentes consequências ao nível da decisão. Admito isso sim que se possa questionar e tentar encontrar uma solução para o facto de subjacente ao valor do IAS e à opção pela ponderação dos rendimentos ilíquidos sem atenção ao nível das despesas reais e, portanto, afastando a determinação da capacidade económica real, estar afinal uma ponderação normativa do valor das despesas que normalmente um cidadão nacional a viver em Portugal suportará, de modo que uma coisa (valor da condição de recursos) é função da outra (capacidade de satisfação das necessidades proporcionada pelos rendimentos auferidos por quem vive em território nacional e aí suporta as despesas que lhe permitem viver). Nesse caso, podemos interrogarmo-nos sobre como considerar os rendimentos obtidos no estrangeiro por quem para os obter aí necessita de viver, de se alimentar e suportar todas as despesas inerentes à via quotidiana, no que despenderá seguramente quantia bem superior à que gastaria vivendo em Portugal (razão pela qual também obtém rendimentos que aqui não obteria) e que, como vimos, subjaz à fixação do montante da condição de recursos. De todo o modo, essa não é a questão decidida no Acórdão e, como tal, também não cabe abordá-la aqui. Aristides Rodrigues de Almeida (2.º Adjunto) |