Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
76/09.5T3AND.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ ANTÓNIO RODRIGUES DA CUNHA
Descritores: CONTUMÁCIA
CADUCIDADE DA CONTUMÁCIA
Nº do Documento: RP2021121576/09.5T3AND.P1
Data do Acordão: 12/15/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: A junção aos autos de um requerimento em que o arguido requer o seu julgamento na ausência, em virtude de se encontrar, por força da declaração de contumácia, impedido de obter os documentos necessários para deslocação a Portugal, não constitui causa de caducidade dessa declaração.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 76/09.5T3AND.P1

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto

I. RELATÓRIO
Por despacho de 13.05.2021, o Senhor Juiz do Juízo de Competência Genérica de Anadia não julgou cessada a contumácia e indeferiu o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo arguido.
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Inconformado, recorreu o arguido.
Termina a motivação do recurso com as seguintes conclusões (transcrição):
I- O ora recorrente foi declarado contumaz por decisão proferida em 22 de Janeiro de 2010.
II- Da declaração de contumácia resulta, conforme prescrito no artigo 335.º, n.º 3, segunda parte do C.P.P, a suspensão dos termos ulteriores do processo até à apresentação ou detenção do arguido, sem prejuízo da realização de atos urgentes nos termos do artigo 320.º.
III - Por douto despacho datado de 17-02-2021, foi proferido pelo Mm.º Juiz a quo, o seguinte: “informe o arguido que, atento o facto de ter sido declarado contumaz, o seu direito de defesa só poderá ser efetivamente exercido com a respetiva cessação daquele instituto, a qual, nos termos da legislação nacional em vigor, apenas se opera com a sua apresentação pessoal nas instalações do tribunal ou com a sua detenção (n.º 1 do artigo 336.º do Código de Processo Penal). Assim, a formalidade legal de apresentação pessoal nas instalações do tribunal somente poderá ser ultrapassada, no caso de não dispor de outro meio e/ou forma de a cumprir, atentas as suas condições socio-económicas, a sua residência se encontrar fixada em país estrangeiro, os impedimentos de obtenção de documentos válidos que lhe permitam a sua deslocação a Portugal, entre outros”. (sublinhado e negrito nosso)
IV - Em resposta ao douto despacho foi junto aos autos declaração devidamente assinada pelo arguido, em que foi expressamente mencionada a sua impossibilidade de se deslocar a Portugal, bem como foram instruídos os respetivos documentos, conforme havia sido determinado o Mm.º Juiz a quo naquele despacho.
V - Foi o arguido notificado, imediatamente a seguir, do douto despacho de acusação, bem como da possibilidade de requerer a abertura de instrução, também conforme determinado pelo Mm.º Juiz a quo.
VI - No sentido do artigo 336.º do CPP, sob a epígrafe Caducidade da declaração de contumácia, que estipula no seu n.º 3 que: Se o processo tiver prosseguido nos termos da parte final do n.º 5 do artigo 283.º, o arguido é notificado da acusação, podendo requerer abertura de instrução no prazo a que se refere o artigo 287.º, seguindo-se os demais termos previstos para o processo comum.
VII - Convicto (legitimamente) que a declaração de contumácia teria cessado com o impedimento (invocado e provado) de se deslocar a Portugal e estando representado por Advogado, o arguido exerceu o direito que lhe assistia, tendo, no dia 30/03/2021, requerido a abertura de instrução.
VIII - É ilegal o arguido ver o seu requerimento de abertura de instrução ser indeferido com a seguinte fundamentação: “juntando a declaração com a referência 11208734 o arguido foi em parte de encontro ao despacho proferido nos autos. Sucede que a declaração assinada pelo próprio deve ser acompanhada de prova do por si alegado, sob pena de poder existir a possibilidade de o mesmo se deslocar a Portugal, ao Tribunal, e não o fazer. A declaração de impossibilidade é pessoal, por isso por si assinada, mas deve ser documentada. Ademais e quanto a nós, não é a simples menção à impossibilidade de se deslocar a Portugal que justifica a cessação da contumácia fora da apresentação pessoal no Tribunal, mas o consentimento do julgamento na ausência. Consentimento esse assente nos pressupostos do artigo 334.º, n.º 2, isto é, consentimento de julgamento na ausência, então por maioria de razão, poderá aceitar-se que esse consentimento pode fazer cessar a contumácia. A não ser assim, deverá o arguido apresentar-se pessoalmente ou aguardar o decurso da contumácia. Não cessando a contumácia, não pode o arguido formular qualquer requerimento. Mas não só. Os pedidos sucessivos de julgamento na ausência e de abertura de instrução são absolutamente contraditórios, o que por si só inviabiliza a pretensão do arguido. Posto isto, não estão verificados os pressupostos para a caducidade da contumácia, que se mantém, indeferindo-se o restante peticionado”.
IX - Não se concebe o entendimento sufragado pelo Mm.º Juiz a quo, quando o arguido juntou aos autos documentos comprovativos da sua residência no estrangeiro, tal como fundamentou a impossibilidade de se deslocar a Portugal em virtude, outrossim, do contexto pandémico que se atravessa, em que as deslocações entre países estava vedada e ainda se encontra limitada ou sujeita a encargos acrescidos, mas o que realmente importa é que, ainda que quisesse, o arguido está impedido de obter documentos, por força da própria contumácia.
X - A solução protagonizada no douto despacho em crise, obsta ao cumprimento das finalidades do processo penal e desconsidera o direito ao processo equitativo, que inclui o direito a ser julgado no mais curto prazo possível, ex vi do art. 6º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e art. 32.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, pois para além do mais, parte do princípio (a nosso ver erroneamente, salvo o devido respeito por entendimento diverso) de que o consentimento do julgamento na ausência e o exercício do direito de requerer a abertura de instrução, no seguimento da notificação determinada por despacho do Mm.º Juiz a quo são contraditórios (quando não nos parece que sejam).
XI - Face à fundamentação do despacho que antecede, não vislumbramos como pode a declaração e os documentos (constantes dos autos a fls...) cuja tradução foi ordenada por despacho de fls..., não reunir os requisitos necessários para que seja cessada a contumácia e que, pela importância que tem, se transcreve:
DECLARAÇÃO
Eu, B…, residente actualmente em …, …, …, New Jersey, USA, e aquando em Portugal na Rua …, n.º .., …, ….-… …, com o B.I. n.º …….., NIF ………, DECLARO para os devidos efeitos, designadamente para complemento do requerimento apresentado no dia 11.01.2021 pelo mandatário, nos autos 76/09.13T3AND e por ter sido ordenado pelo Despacho Judicial de 16.02.2021, com a ref.ª Citius 114808216, que a minha única forma de apresentação a juízo é através de representação pelo meu mandatário ou por qualquer outro meio que não o presencial, nomeadamente por videoconferência, por me encontrar impedido de me apresentar pessoalmente nas instalações do Tribunal, pois a minha residência actual se encontra fixada nos Estados Unidos da América, não tendo a possibilidade de obter documentos válidos que me permitam a deslocação a Portugal, ao que acresce o facto de ter dois filhos menores, cujo sustento depende do meu trabalho diário, o qual obteve uma redução bastante significativa, provocada pelas consequências da pandemia da Covid 19, sendo que esta me impede também de qualquer deslocação.
Por ser verdade, assino em baixo, a 02 de março de 2021.
B….
XII - Não é justificável como os argumentos mobilizados pelo arguido não foram tidos como suficientes para se considerar cessada a contumácia.
XIII - Se não tivesse cessado a contumácia e se o requerimento de abertura de instrução fosse contraditório com o julgamento na ausência, não se compreende por que foi o arguido notificado da acusação, para a morada que o próprio indicou.
XIV - Parece-nos manifestamente contraditório o despacho que antecede, colocando em causa os mais elementares direitos da pessoa humana, designadamente pelo facto comprovado de não conseguir deslocar-se a Portugal, pois não consegue ter documentos para o efeito, (situação provocada pela contumácia) e dessa forma ter que ficar ad eternun a aguardar o desfecho de uma situação que se passou há 12 anos.
XV - No seguimento da notificação da acusação e por lhe ter sido comunicado o direito de requerer a abertura de instrução, veio o Mm.º Juiz a quo, emanar outro despacho, desta feita determinando que afinal não tem direito nenhum, pelo que, “ou se apresenta ou aguarda o decurso da contumácia” (?)
XVI - O que nos parece contraditório e que se invoca para todos os devidos e legais efeitos, designadamente por padecer do vício de nulidade, pois é o Mm.º Juiz de Julgamento que indefere o requerimento de abertura de instrução, cuja notificação da acusação o mesmo Mm.º Juiz de Julgamento determinou, devendo antes ser remetido ao Juiz de Instrução.
XVII - É sobejamente conhecida a dificuldade de viajar sem documentos legais e os sacrifícios desumanos com que se defrontam aqueles que se vêm forçados a ter que o fazer.
XVIII - Resulta dos próprios autos, sendo do conhecimento oficioso e notório, que o arguido não pode, ainda que o quisesse, pedir quaisquer documentos, sendo manifestamente excessivo pretender que o mesmo produza prova sobre factos negativos ou seja obrigado a práticas que colocam em causa a dignidade humana ou as finalidades do processo penal, não sendo essa a razão de ser da lei, não sendo essa a razão de ser da possibilidade de fazer cessar a contumácia, ainda que ausente.
XIX - Pelo que resulta que os argumentos aduzidos pelo arguido atestam a sua impossibilidade de se deslocar a Portugal, devendo, consequentemente, considerar-se justificada a cessação da contumácia.
XX - Dispõe o artigo 287.º, n.º 3 do C.P.P que “o requerimento só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução”.
XXI - O tribunal a quo ao indeferir o requerimento para abertura de instrução com fundamento na contrariedade dos pedidos de julgamento na ausência e de abertura de instrução extravasou os fundamentos elencados na referida norma para o indeferimento do requerimento para abertura de instrução.
XXII- O entendimento vertido no douto despacho de que ora se recorre, padece de suporte legal, tendo sustentado a sua decisão com base num pressuposto que não encontra previsão legal.
XXIII- O despacho é nulo, por violação do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), em articulação com o prescrito no artigo 613.º, n.º 3 do CPC, ex vi do artigo 4.º do CPP.
XXIV - O despacho é nulo, nos termos constantes do artigo 379.º, n.º 1 al. c) do CPP, por violação do artigo 119.º, alínea e) do CPP, pois o Requerimento de Abertura de Instrução só pode ser rejeitado pelo Mm.º Juiz de Instrução e não pelo Mm.º Juiz de Julgamento.
NESTES TERMOS BEM COMO NOS MELHORES DE DIREITO QUE V. EXA. DOUTAMENTE SUPRIRÁ, DEVE SER DADO PROVIMENTO AO RECURSO, E POR VIA DELE, SER CONSIDERADA JUSTIFICADA A CESSAÇÃO DA CONTUMÁCIA OU DETERMINADO O ENVIO DO RAI AO MM.º/ª JUIZ DE INSTRUÇÃO.
FAZENDO-SE, ASSIM, A COSTUMADA JUSTIÇA!
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O Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância apresentou resposta, pugnando no sentido de que deve negar-se provimento ao recurso, nos termos que se seguem (transcrição):
I – Introdução
Inconformado com o despacho proferido nos autos acima indicados que não julgou cessada a contumácia e indeferiu o requerimento de abertura de instrução, dele veio interpor recurso o arguido B…, no termo do qual formulou as conclusões constantes de fls. 507 a 509 que, por razões de economia processual, aqui se dão por integralmente reproduzidas.
Cumpre, pois, responder às alegações do arguido.
II - Motivação:
O objeto do recurso encontra-se delimitado pelas questões sumariadas pelo recorrente nas conclusões extraídas da respetiva motivação, sem prejuízo, no entanto, das questões que sejam de conhecimento oficioso – artigos 412º nº 1 e 410º nos 2 e 3 do Código de Processo Penal.
Lidas as conclusões com que o arguido remata o recurso verificamos que as questões suscitadas no mesmo são duas:
a) Saber se a declaração de contumácia caducou e se, por isso, o tribunal recorrido deveria ter declarado a sua extinção;
b) Saber se, in casu, o tribunal recorrido deveria, como o fez, indeferir o requerimento de abertura de instrução formulado pelo arguido.
Embora sejamos sensíveis à argumentação do arguido, na parte em que alega não ter possibilidade de se deslocar a Portugal, devido à impossibilidade de obter os documentos necessários para tal viagem, entendemos que o despacho recorrido não merece qualquer reparo, encontrando-se devidamente fundamentado.
Com efeito, o artigo 336º nº 1 do Código de Processo Penal apenas prevê duas causas de caducidade da declaração de contumácia: a apresentação do arguido ou a sua detenção.
Assim, a junção aos autos de um requerimento em que o arguido requer o seu julgamento na ausência, em virtude de se encontrar, por força da declaração de contumácia, impedido de obter os documentos necessários para deslocação a Portugal, não constitui causa de caducidade da declaração de contumácia.
Efetivamente, a junção de tal requerimento aos autos não corresponde ou equivale a uma apresentação em juízo, a qual pressupõe um contato pessoal com o arguido. “É o contacto pessoal que viabiliza, por meio da prestação do TIR, a manutenção de uma ligação do arguido ao processo até ao seu termo. O TIR é o instrumento dessa ligação subsequente à caducidade da contumácia, não a causa dessa caducidade. (…) Só a apresentação pessoal do arguido ou a sua detenção asseguram a sua efectiva disponibilidade para os posteriores termos do processo”- AUJ 5/2014, de 26 de março de 2014, publicado no D.R., I Série, de 21 de Maio.
Sobre a matéria em apreço, em sentido contrário ao defendido pelo arguido, já se pronunciaram outros acórdãos dos Tribunais Superiores, nomeadamente:
a) O Acórdão da Relação de Lisboa de 05-11-2020, proferido no processo 1489/11.8 PGALM-A.L1;
b) O Acórdão da Relação de Guimarães de 22-03-2021, proferido no processo 1770/13.1TAGMR-C.G1;
c) O Acórdão da Relação do Porto de 10-03-2021, proferido no processo 2354/11.4TDPRTA.P1;
d) O Acórdão da Relação de Évora de 23-06-2020, proferido no processo 12080/12.1TDLSB-A.E1; e ainda
e) O Acórdão da Relação de Guimarães de 21-05-2018, proferido no processo 158/12.6GDGMR-A.G1, todos disponíveis em www.itij.pt.
Pelo exposto, nesta parte, entendemos que o recurso do arguido deve improceder.
Quanto à segunda questão acima enunciada, entendemos que, não tendo o tribunal recorrido julgado caducada a declaração de contumácia, também não poderia admitir o pedido de abertura de instrução formulado.
Com efeito, se o fizesse, o tribunal recorrido violaria frontalmente o disposto no artigo 335º nº 3 do Código de Processo Penal, de acordo com o qual a declaração de contumácia implica a suspensão dos termos ulteriores do processo até à apresentação ou à detenção do arguido.
Nesta parte, cumpre ainda frisar estar subjacente à referida norma a possibilidade do arguido fazer cessar tal suspensão, apresentando-se em Juízo. Assim, naturalmente, quando o arguido se apresentar (ou for detido), será admitido o seu pedido de abertura de instrução.
Pelo exposto, entendemos que, também nesta parte, o recurso apresentado não merece provimento.
III - Conclusões:
a) O artigo 336º nº 1 do Código de Processo Penal apenas prevê duas causas de caducidade da declaração de contumácia: a apresentação do arguido ou a sua detenção;
b) A apresentação em juízo pressupõe um contato pessoal com o arguido que permita a sujeição deste a termo de identidade e residência;
c) A junção aos autos de um requerimento em que o arguido requer o seu julgamento na ausência, em virtude de se encontrar, por força da declaração de contumácia, impedido de obter os documentos necessários para deslocação a Portugal, não integra o conceito de apresentação previsto no sobredito artigo 336º nº 1 do Código de Processo Penal;
d) Nos termos do artigo 335º nº 3 do Código de Processo Penal, a declaração de contumácia implica a suspensão dos termos ulteriores do processo até à apresentação ou detenção do arguido;
e) O despacho recorrido não merece qualquer reparo, não enfermando da nulidade arguida.
Nestes termos, não deve o recurso interposto pelo arguido B… merecer provimento, mantendo-se integralmente o douto despacho recorrido, assim se fazendo justiça.
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O Ministério Público junto desta Relação emitiu parecer.
Pronuncia-se no sentido da improcedência do recurso.
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Cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta.
Colhidos os vistos legais e efetuado o exame preliminar, foram os autos à conferência.
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II. FUNDAMENTAÇÃO:
A) Objeto do recurso
Atento o disposto no art.º 412.º, n.º 1, do CPP, e como é consensual na doutrina e na jurisprudência, o âmbito do recurso é definido pelas conclusões que o recorrente extrai da sua motivação, sem prejuízo do conhecimento das questões de conhecimento oficioso.
No caso concreto, considerando tais conclusões, as questões suscitadas resumem-se a saber:
a) se a declaração de contumácia caducou, devendo, consequentemente, o Tribunal recorrido declarar a sua extinção; e
b) se o indeferimento do requerimento de abertura de instrução apresentado pelo arguido é ilegal (considerando o fundamento que assentou) e nulo (por violação do disposto no art.º 615.º, n.º 1, al. c), em articulação com o prescrito no art.º 613.º, n.º 3, do CPC, ex vi do art.º 4.º do CPP, e nos termos do art.º 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, por violação do art.º 119.º, al. e) do CPP).
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Decisão recorrida (transcrição da parte relevante):
O arguido B… foi declarado contumaz por decisão proferida em 22/01/2010 – referência 6532750.
Da declaração de contumácia decorre, conforme previsto no artigo 335.º, n.º 3, segunda parte do C.P.P., a suspensão dos termos ulteriores do processo até à apresentação ou detenção do arguido, sem prejuízo da realização de actos urgentes nos termos do artigo 320.º do mesmo diploma legal.
Significa, portanto, que vigorando a contumácia o arguido já não poderá praticar quaisquer actos no processo enquanto não for detido ou enquanto se não apresentar voluntariamente.
Não obstante, através do requerimento denominado “requerimento para audiência na ausência do arguido” – referência 11005289, o arguido requereu a final “nestes termos e nos melhores de direito, requer a v. ex.º/ª mm.º/ª juiz que, seja o arguido julgado na ausência, com os fundamentos supra alegados, correndo os autos a sua normal tramitação até final”. O pedido formulado tem subjacente o pedido de cessação da contumácia.
Ainda que não se tratasse de um acto urgente, o Tribunal, visando aferir da viabilidade do pedido do arguido, notificou-o para junção de documentação, o que o mesmo fez, assim como determinou a notificação ao arguido da acusação pública, acompanhada naturalmente dos direitos subsequentes a essa notificação – considerando que tal notificação importa para dar conhecimento ao arguido do(s) crime(s) imputado(s), assim como tem reflexo nas causas de interrupção e suspensão da prescrição.
Posteriormente, o arguido apresentou um requerimento para abertura de instrução – referência 115458629.
Posto isto, urge referir que a declaração de contumácia está em vigor e que não estão reunidos os pressupostos para a sua cessação por caducidade, na medida em que o arguido não se apresentou em juízo, nem foi detido – artigo 336.º, n.º 1 do C.P.P.
Tenha-se igualmente em linha de conta o A.U.J. n.º 5/2014, de 26/03, disponível em www.dgsi.pt. Acresce que o arguido não invocou argumentos que ponham em causa a jurisprudência uniformizada.
Juntando a declaração com a referência 11208734 o arguido foi em parte de encontro ao despacho proferido nos autos. Sucede que a declaração assinada pelo próprio deve ser acompanhada de prova do por si alegado, sob pena de poder existir a possibilidade de o mesmo se deslocar a Portugal, ao Tribunal, e não o fazer. A declaração de impossibilidade é pessoal, por isso por si assinada, mas deve ser documentada.
Ademais e quanto a nós, não é a simples menção à impossibilidade de se deslocar a Portugal que justifica a cessação da contumácia fora da apresentação pessoal no Tribunal, mas o consentimento do julgamento na ausência. Consentimento esse assente nos pressupostos do artigo 334.º, n.º 2 do C.P.P., “sempre que o arguido se encontrar praticamente impossibilitado de comparecer à audiência, nomeadamente por idade, doença grave ou residência no estrangeiro”. Na verdade, se nos termos do artigo 335.º, n.º 1 a contumácia só é declarada ressalvados os casos previstos no artigo 334.º, n.º 2, isto é, consentimento de julgamento na ausência, então por maioria de razão, poderá aceitar-se que esse consentimento pode fazer cessar a contumácia. A não ser assim, deverá o arguido apresentar-se pessoalmente ou aguardar o decurso da contumácia.
Não cessando a contumácia, não pode o arguido formular qualquer requerimento.
Mas não só.
Os pedidos sucessivos de julgamento na ausência e de abertura de instrução são absolutamente contraditórios, o que por si só inviabiliza a pretensão do arguido.
Posto isto, não estão verificados os pressupostos para a caducidade da contumácia, que se mantém, indeferindo-se o restante peticionado.
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Decidindo as questões objeto do recurso
Como vimos, o recorrente insurge-se contra o despacho de 13.05.2021, que não julgou cessada a contumácia e indeferiu o requerimento de abertura de instrução que apresentou.
Vejamos.
O arguido foi declarado contumaz por decisão proferida em 22.01.2010.
Dispõe o n.º 3 do art.º 335.º do CPP que a declaração de contumácia implica a suspensão dos termos posteriores do processo até à apresentação ou à detenção do arguido, sem prejuízo da prática de atos urgentes, atos que a norma não define. Consequentemente, enquanto vigorar a contumácia, o arguido não pode praticar atos no processo, excetuando os conducentes à caducidade de tal declaração, em especial a sua apresentação em juízo, o seu reaparecimento processual[1]. Como é referido no Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 5/2014[2], a contumácia coloca o processo num certo estado de «letargia», mas essa imobilidade é aparente ou em todo o caso precária, uma vez que, nos termos do n.º 1 do art.º 336.º do CPP, a declaração de contumácia caduca logo que o arguido se apresentar ou for detido, sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo anterior. Em suma, como anota o referido aresto, só a apresentação pessoal do arguido ou a sua detenção asseguram a sua efectiva disponibilidade para os posteriores termos do processo, fazendo cessar a suspensão determinada pela declaração da contumácia. Mostra-se, pois, necessário, como refere o Ac. TRL de 05.11.2020[3], o contacto directo do arguido com os autos, o que pode ser feito voluntariamente, isto é, pela sua apresentação em Tribunal, ou coercivamente, através da sua detenção. Sendo a apresentação do arguido ou a sua detenção as duas únicas causas de caducidade da contumácia previstas na lei, nenhuma delas se verifica no caso concreto, visto que o arguido nem se apresentou em juízo nem foi detido.
Nestes termos, nenhuma censura merece o despacho recorrido por não ter declarado a caducidade da contumácia, sendo evidente, face à letra da lei, que, como sublinha o Ministério Público na resposta ao recurso, a junção aos autos de um requerimento em que o arguido requer o seu julgamento na ausência, em virtude de se encontrar, por força da declaração de contumácia, impedido de obter os documentos necessários para deslocação a Portugal, não constitui causa de caducidade da declaração de contumácia.
Improcedendo o recurso no que concerne à primeira questão, é inevitável a sua improcedência também quanto à segunda.
Como vimos, o arguido questiona o indeferimento do requerimento de abertura da instrução.
Sustenta, em primeira linha, que o fundamento apresentado pelo Tribunal a quo (contraditoriedade dos pedidos de julgamento na ausência e de abertura de instrução), não se enquadra na previsão do art.º 287.º, n.º 3, do CPP, nos termos do qual o requerimento só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução. Assim seria efetivamente se os termos posteriores do processo não estivessem suspensos em virtude da declaração da contumácia. Estando suspensos, porque não foi, e bem, declarada a caducidade da contumácia, não podia, por imposição legal, ser requerida a abertura da instrução. Consequentemente, o despacho que indeferiu a abertura da instrução não padece de qualquer nulidade, designadamente por violação do disposto no art.º 615.º, n.º 1, al. c), em articulação com o prescrito no art.º 613.º, n.º 3, do CPC, ex vi do art.º 4.º do CPP. De todo o modo, é inequívoco que o arguido não pode requerer em simultâneo a abertura da instrução e o seu julgamento, dado que a instrução é o meio previsto na lei para a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento. Requerer os dois em simultâneo é incompatível.
Sustenta também o recorrente que o despacho recorrido padece da nulidade prevista no art.º 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, por violação do art.º 119.º, al. e), do CPP, pois, segundo, ele, o requerimento de abertura de instrução só pode ser rejeitado pelo Juiz de instrução e não pelo Juiz de julgamento. Em primeiro lugar, importa lembrar que as nulidades previstas no art.º 379.º do CPP dizem respeito às sentenças e não aos despachos, como resulta da referida norma e tem sido entendimento unânime da jurisprudência[4]. Por outro lado, como resulta do disposto no art.º 17.º do CPP, compete ao juiz de instrução proceder à instrução, decidir quanto à pronuncia e exercer todas as funções jurisdicionais até à remessa do processo para julgamento, nos termos prescritos neste Código. Porém, no caso concreto, tendo sido indeferido o requerimento de abertura da instrução, como se impunha, dado que os termos posteriores do processo se encontram suspensos até à apresentação ou à detenção do arguido, estando inviabilizada a instrução, é manifesto que não cabia ao Juiz de instrução apreciar o requerido.
Em conclusão, nenhuma censura merece o despacho recorrido, devendo ser confirmado.
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III - DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso, e, em consequência, confirmam o despacho recorrido, que não padece de nenhum vício.
Custas a cargo do recorrente, fixando-se em 5 UC a taxa de justiça.
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Porto, 15 de dezembro de 2021
José António Rodrigues da Cunha
William Themudo Gilman
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[1] Decisão sumária do TRP de 18-11-2020, proferida pelo Desembargador William Themudo Gilmam, in www.dgsi.pt.
[2] AUJ 5/2014, de 26 de março de 2014, publicado no D.R., I Série, de 21 de maio.
[3] Relatado pela Desembargadora Maria Leonor Botelho, in www.dgsi.pt.
[4] Vide, entre outros, Ac. TRL de 30.06.2015, relatado pelo Desembargador Artur Varges, in www.dgsi.pt.