Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
103/05.5GCETR.C1.P1
Nº Convencional: JTRP00043021
Relator: ÂNGELO MORAIS
Descritores: PROIBIÇÃO DE PROVA
JUSTA CAUSA
Nº do Documento: RP20091014103/05.5GCETR.C1.P1
Data do Acordão: 10/14/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC. PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO - LIVRO 390 - FLS. 127.
Área Temática: .
Sumário: I- Não constitui crime a obtenção de imagens, mesmo sem consentimento do visado, sempre que exista justa causa para tal procedimento, designadamente quando sejam enquadradas em lugares públicos, visem a protecção de interesses públicos ou hajam ocorrido publicamente.
II- O exame em audiência das imagens captadas naquelas circunstâncias e condições não corresponde a qualquer método proibido de prova.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Rec.n.º 103/05.5GCETR.C1.P1 – Estarreja.
Condução ilegal e furto, simples e qualificado.

Acordam, em conferência, no tribunal da Relação do Porto:


Nos autos, com processo comum colectivo, em referência e que correm termos no …ºjuízo da comarca de Estarreja, foi proferida a seguinte decisão:

“A) – Condenar o arguido B……………pela prática, em concurso efectivo, de:
- em autoria material, um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º, n.º 2, do DL n.º 2/98, de 03/01, na pena de 10 (dez) meses de prisão;
- em co-autoria material, um crime de furto simples, p. e p. pelo art. 203º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 16 (dezasseis) meses de prisão e
- um crime de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos art.s 203º, n.º 1, e 204º, n.ºs 1, al. a), e 2, al. e), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão;
e, em cúmulo jurídico, na pena unitária de 3 (três) anos de prisão.
B) – Condenar o arguido C……………. pela prática, em concurso efectivo, em co-autoria material, de:
- um crime de furto simples, p. e p. pelo art. 203º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 16 (dezasseis) meses de prisão e
- um crime de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos art.s 203º, n.º 1, e 204º, n.ºs 1, al. a), e 2, al. e), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão;
e, em cúmulo jurídico, na pena unitária de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão.
C) - Mais condenar cada um dos arguidos, individualmente, no pagamento de 4 (quatro) unidades de conta de taxa de justiça, a que acresce 1% nos termos do art. 13º, n.º 3, do DL n.º 423/91, de 30/10, e 1/4 desse valor de procuradoria (art.s 513º e 514º do Cód. Proc. Penal e 85º, n.º 1, al. a), e 95º, n.º 1, do Cód. Custas Judiciais), bem como solidariamente nos demais encargos a que as suas actividades deram lugar”.
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Inconformados, ambos os arguidos interpuseram e motivaram o presente recurso, respectivamente concluindo, com excepção quanto ao recorrente Tiago, no que se reporta ao crime de condução sem habilitação legal, de que não fora acusado:

«1- Da matéria de facto assente como provada e não provada que decorre do texto do douto acórdão em crise entende o recorrente que:
2- O Acórdão recorrido padece de algumas inultrapassáveis e relevantes insuficiências quanto ao tratamento jurídico e valoração da prova produzida em audiência de discussão e julgamento.
3- De facto, o douto acórdão condena o arguido pela prática de crimes de condução sem habilitação legal, furto simples e furto qualificado na forma tentada, quando toda a prova produzida não sustenta tais factos e que o arguido nada teve a ver com tal.
4- Da análise do depoimento das testemunhas resulta que existe uma certa transparência, ainda que com algumas “Manchas” incongruências e também alguma disparidade nos depoimentos, o que se não apoia a sua falta de isenção, apoia a falta de credibilidade. Sem qualquer dúvida, o ora recorrente não cometeu qualquer crime que se tenha por provado, já que esta prova não o sustenta.
5- Donde resulta que os pontos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11 a 18 dos factos dados como provados no douto acórdão em crise se mostram incorrectamente julgados.
6- Sendo que, se a prova tivesse sido devidamente apreciada, o arguido teria de ser absolvido dos crimes de que vinha indiciado.
7- Assim não tendo acontecido, a douta decisão em crise mais não é do que um conjunto de presunções e ilações, mas, sendo certo que a ilação derivada de uma presunção natural não pode, porém, formular-se sem exigências de relativa segurança, especialmente em matéria de prova em processo penal em que é necessária a comprovação da existência dos factos para além de toda a dúvida razoável.
8- Teria que verificar-se um percurso intelectual, lógico, sem uma relação demasiado longínqua entre o facto conhecido e o facto adquirido. A existência de espaços vazios no percurso lógico de congruência experimental típica determina um corte na continuidade do raciocínio, e retira o juízo do domínio da presunção, remetendo-o para o campo já da mera possibilidade física mais ou menos arbitrária ou dominada pelas impressões.
9- Houve assim, com a condenação do recorrente, uma clara violação da garantia constitucional que lhe é outorgada, pelo artº32º nº2 da Constituição da República, uma vez que a acusação não realizou em fase de julgamento qualquer actividade que visasse confirmar definitivamente a indiciação que impendia sobre o arguido através do despacho de pronúncia.
10- Nesta confluência, teria o arguido de ser absolvido por ausência total de prova da sua participação nos factos que lhe são imputados.
11- Mas, mesmo que assim se não entenda, há que considerar que o douto tribunal recorrido violou o princípio do in dubio pro reo.
12- De facto, atentando-se nos argumentos já invocados supra, existem nos autos circunstâncias que permitiriam criar, pelo menos, a dúvida, quanto à participação do arguido.
13- Do mesmo modo, a “livre” ou “íntima” convicção do juiz, não poderá ser uma mera opção “voluntarista” pela certeza de um facto e contra a dúvida, ou operada em virtude da alta verosimilhança ou probabilidade do facto.
14- Donde, também por via da aplicação do invocado princípio, o arguido deverá ser absolvido.
15- Mas ainda assim, e caso assim não se entenda, o que por mera hipótese se admite, o douto acórdão enferma do vício de erro notório da apreciação da prova.
16- Existiu, sem dúvida, pelo exposto, um afastamento das regras das presunções naturais o que integra o vício de erro notório na apreciação da prova, previsto no artº410º nº2, alínea c) do CPP, que desde já se argui.
17- Por outro lado, os fotogramas não podem ser apreciados, porque nulos em função da falta de autorização para a sua captação.
18- Mas, ainda caso assim se não entenda, a (s) pena(s) aplicada (s) ao arguido é (são) manifestamente excessiva (s).
19- O douto tribunal “a quo” afastou, em relação ao recorrente, a aplicação do regime especial para jovens.
20- No douto acórdão em crise, também não é mencionado de que forma a aplicação da referida atenuação especial da pena não traria vantagens para a reinserção social dos jovens condenados.
21- Atente-se ainda que, em relação aos jovens adultos, o objectivo da reinserção social através da pena é mais cadente que o da reafirmação – mediante a pena – da validade da norma jurídica ofendida (artº4º do Dec. Lei 401/82).
22- A atenuação especial prevista no Dec. Lei nº401/82 de 23/09, tendo em conta o artº2º do citado diploma, pode fundar-se não só no princípio da culpa (artº72º e 73º do Cód. Penal) como também, ou simplesmente, em razões de prevenção especial, isto é, de reintegração do agente na sociedade.
23- Aliás, a aplicação de penas, conforme dispõe o artº 40º do Cód. Penal, visa não só a protecção de bens jurídicos, mas também a reintegração do agente na sociedade.
24- Quanto aos jovens delinquentes a finalidade da pena deve sobrepor-se à protecção dos bens jurídicos e de defesa social e deverá impor, independentemente da culpa o recurso à atenuação especial da pena desde que dessa atenuação resultem vantagens para a reinserção social dos jovens condenados.
25- “In casu” a não atenuação especial da pena nos termos do Dec. Lei nº401/82 de 23/09, importará o cumprimento de uma pena de prisão efectiva que será concretizada dentro de um estabelecimento prisional onde a convivência com reclusos com experiência de vida no mundo do crime bastante marcadas que poderão influenciar negativamente a personalidade deste jovem.
26- A inconveniência dos efeitos estigmatizantes das penas aconselha a que se pense da adopção preferencial de medidas correctivas para os delinquentes a que o diploma se destina. E a não aplicação deste regime especial, aplicado que é, em situações semelhantes a outros arguidos que, manifestamente, apresentam maiores dificuldades de reinserção se se atender aos antecedentes criminais que já possuem, cria uma situação de desigualdade relativa e, com o devido respeito, violação do princípio da equidade.
27- Assim, ao aplicar-se o artº 4º do Dec. Lei 401/82 de 23/09 ao caso vertente, o limite máximo e mínimo da pena de prisão é reduzido de um terço.
28- Pelo que, sendo aplicadas ao arguido uma pena de prisão mais adequada, justa e proporcional ao circunstancialismo descrito.
29- Do supra descrito se conclui que o douto tribunal recorrido violou os artºs 127º, 410º nº2, al. c) do Cód. Proc. Penal, 40º, 50º, 70º, 71º, 73º, 74º do Cód. Penal e 1º, 4º e 6º do Dec. Lei 401/82 de 23 de Setembro e CP e 13º, 32º da CRP».
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O Ministério Público não respondeu.
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Subindo os autos, pelo Senhor Procurador-geral adjunto foi exarado avisado parecer de não provimento dos recursos.
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Observado o disposto no artº417º nº2 do Cód. Proc. Penal, não houve resposta.
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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir, para o que se transcreve a pertinente fundamentação e motivação decisória:

“Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:
1. Na noite de 28 de Fevereiro para 01 de Março de 2005, a hora não concretamente apurada, mas seguramente antes das 03 horas da madrugada, os arguidos, B………….. e C………….., dirigiram-se à Praceta Marquês do Alegrete, em Santo António dos Cavaleiros.
2. Nesse local encontrava-se estacionado, na via pública, o veículo ligeiro de passageiros, de marca Honda, modelo Civic ESI, de cor azul e matrícula ..-..-BD, com o valor de, pelo menos, € 1.500, pertença de D……………, que aí o deixara no final do dia 28 de Fevereiro de 2005, com as respectivas portas fechadas e trancadas e sem chave na ignição.
3. Apercebendo-se da presença desse veículo automóvel, os arguidos decidiram, de comum acordo, assenhorearem-se dele, para o que se abeiraram do mesmo e, após se certificarem de que não se encontrava ninguém nas imediações, de forma não concretamente apurada, abriram uma das suas portas.
4. Acto contínuo, entraram para o interior do veículo e, após lograrem colocá-lo em funcionamento, arrombando para o efeito o canhão da ignição, abandonaram o local nele, levando-o com eles.
5. De seguida, decidiram rumar em direcção ao norte do país, pela auto-estrada n.º 1 (A1), no mencionado ligeiro de passageiros, com o propósito de se dirigirem a um estabelecimento de venda de telemóveis e acessórios e nele penetrarem, a fim de se apoderarem de telemóveis e acessórios que aí encontrassem expostos para venda.
6. Assim, actuando conforme o previamente acordado entre si, após entrarem na auto-estrada n.º 1, no sentido Sul-Norte, dirigiram-se à Área de Serviço de Aveiras, no mesmo sentido, onde, pelas 03h e 20m, abasteceram de gasolina o depósito do referido veículo e, sem efectuarem o respectivo pagamento, abandonaram a referida área de serviço em direcção a norte.
7. Pelo menos nesse momento o veículo foi conduzido pelo arguido Telmo, o qual não era titular de carta de condução ou de qualquer outro documento que o habilitasse a conduzi-lo.
8. Entre as 06h e 30m e as 07h, nesta cidade de Estarreja, após terem localizado o estabelecimento de venda de telemóveis e acessórios, agente autorizado da “E………..”, pertença da sociedade “F…………., Lda.”, sito na …….., n.º …., e apercebendo-se que no seu interior se encontravam expostos vários telemóveis e acessórios, de diferentes marcas e modelos, os arguidos, pelo menos nesta altura acompanhados por mais um ou dois indivíduos cuja identidade não foi possível apurar, escolheram o dito estabelecimento para nele entrarem e se apoderarem dos telemóveis e acessórios que conseguissem levar com eles, ali expostos para venda e cujo valor global ascendia a cerca de, pelo menos, € 15.000.
9. Acto contínuo, após terem enviado na cabeça gorros ou capuzes e se certificarem que não se aproximava ninguém, abeiraram-se da montra do referido estabelecimento e após partirem os vidros da porta de acesso e da montra do mesmo mediante a utilização de objectos não concretamente apurados, passaram a desferir sucessivas pancadas na grade interior de protecção (grade eléctrica de enrolar microperfurada), com o propósito de forçá-la e arrombá-la, por forma a permitir a entrada no interior do estabelecimento e dali retirar os telemóveis e acessórios expostos para venda.
10. Entretanto, porém, quer porque passou pelo local um veículo cujo ocupante deles se apercebera, quer porque o alarme do referido estabelecimento accionou e a dita grade interior de protecção tardava em ceder, apesar das sucessivas pancadas que lhe desferiam, e desse modo sentiram receio de serem surpreendidos ainda no local e detidos por agentes de autoridade, entraram para o interior do dito veículo e puseram-se em fuga, indo tomar a auto-estrada n.º 1 em direcção a Sul, tendo saído na barreira de portagem de Pombal, pelas 08h e 04m.
11. Tal veículo veio a ser recuperado na área de repouso de Fátima da referida auto-estrada, onde foi abandonado.
12. Ao actuarem da forma descrita, os arguidos quiseram fazer seu, como fizeram, o referido ligeiro de passageiros, que sabiam não lhes pertencer, cientes de que assim actuavam sem autorização, contra a vontade e em prejuízo do respectivo dono.
13. Pretendiam também fazer seus os telemóveis e acessórios expostos no referido estabelecimento, cujo valor conheciam, bem sabendo que não lhes pertenciam e que o faziam sem autorização e contra a vontade do respectivo dono, o que só não conseguiram por circunstâncias alheias e contrárias à sua vontade.
14. Agiram ambos os arguidos de forma livre, voluntária e consciente, de comum acordo e em conjugação de esforços, a fim de melhor alcançarem os seus intentos, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
15. O arguido B………… conhecia as características do referido veículo e dos locais onde conduziu, sabendo também que não era titular de carta de condução ou de qualquer outro documento que o habilitasse a conduzir o mesmo.
16. Não obstante, quis conduzir aquele veículo, bem sabendo que não podia fazê-lo, em vias públicas, sem possuir a necessária carta de condução.
17. Agiu igualmente de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
18. O processo de desenvolvimento do arguido B………… processou-se num contexto familiar organizado, composto pelos avós maternos, a mãe e três tios, beneficiando de uma economia desafogada.
19. Cerca dos seus três anos de idade, com o matrimónio da sua mãe, continuou entregue aos cuidados de uma tia e dos avós maternos, sendo visitado regularmente pela progenitora.
20. Abandonou a escolaridade aos 14 anos, manifestando falta de interesse e reduzida assiduidade.
21. Perante a instabilidade comportamental evidenciada e a procura incessante de grupos de pares com condutas marginais, foi internado num Centro Educativo, onde permaneceu, em regime semiaberto, até aos 18 anos, concluindo aí o 9º ano de escolaridade.
22. Regressado ao contexto familiar, continuou a demonstrar imaturidade e despreocupação quanto à sua valorização escolar e aquisição de hábitos de trabalho, apesar das oportunidades que lhe foram proporcionadas e do apoio familiar que sempre teve, evidenciando tendência para se afastar dos padrões de comportamento socialmente aceites e procurar companhia de pares com actividades marginais.
23. Encontra-se detido desde 26/05/2006, tendo já sido castigado com 8 dias de cela disciplinar, por incumprimento de normas institucionais.
24. Em suma, o arguido Telmo apresenta uma deficiente estruturação da sua personalidade e um elevado grau de permeabilidade à influência negativa de factores externos, o que dificulta a sua reinserção social futura.
25. Tem ainda pendente um outro processo, pela prática do crime de receptação, e já sofreu as seguintes condenações:
- por sentença de 18/10/2004, transitado em julgado em 17/11/2004, na pena de 40 dias de multa, à taxa diária de € 3, pela prática, em 07/10/2004, de um crime de condução sem habilitação legal;
- por sentença de 07/05/2007, transitada em julgado em 18/06/2007, na pena única de 140 dias de multa, à taxa diária de € 2, pela prática, em 11/11/2004 e 10/11/2004, respectivamente, de um crime de desobediência e um crime de condução sem habilitação legal;
- por sentença de 23/04/2007, transitado em julgado em 09/05/2007, na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de € 3, pela prática, em 10/10/2005, de um crime de furto simples na forma tentada;
- por sentença de 10/01/2008, transitada em julgado em 11/02/2008, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 5, pela prática, em 30/05/2005, de um crime de furto simples.
26. O processo de socialização do arguido C………… apresentou défices, designadamente no que se refere às suas vivências familiares, tendo-se confrontado com dinâmicas familiares conturbadas, à sua escolarização, que abandonou com cerca de 14 anos, sem terminar o 5º ano de escolaridade, apresentando elevado absentismo e falta de motivação, e à sua integração no grupo de pares.
27. À data dos factos em apreço nos autos (Março de 2005) encontrava-se desocupado profissionalmente, residindo com a progenitora.
28. Em Janeiro de 2007, altura em que foi detido em prisão preventiva à ordem de outro processo, vivia quase há dois anos com uma companheira, mantendo-se laboralmente activo. Saiu em liberdade em Janeiro de 2008, encontrando-se novamente a residir com a progenitora, com quem aparentemente mantém um relacionamento equilibrado e com cujo apoio conta, tendo abandonado a relação marital anterior, e exercendo actividades temporárias e precárias como trabalhador indiferenciado.
29. Não obstante, continua a apresentar vínculo e permeabilidade à influência de grupos de pares, nomeadamente jovens, com comportamentos desviantes e a sentir necessidade de possuir bens materiais da moda, em detrimento do cumprimento das normas e valores sociais e jurídicos vigentes, revelando dificuldades ao nível das suas competências pessoais e sociais, imaturidade, instabilidade e descontrolo emocional e atitudes agressivas e manipuladoras,
30. Não tem outros processos pendentes e já sofreu as seguintes condenações:
- por sentença de 24/06/2005, transitada em julgado em 11/07/2005, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de € 1,50, pela prática, em 23/06/2005, de um crime de condução sem habilitação legal;
- por acórdão de 07/02/2007, transitado em julgado em 22/02/2007, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, pela prática, em 25/10/2005, dos crimes de furto qualificado, condução perigosa de veículo rodoviário e condução sem habilitação legal;
- por sentença de 23/04/2007, transitado em julgado em 09/05/2007, na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de € 3, pela prática, em 10/10/2005, de um crime de furto simples na forma tentada;
- por sentença de 10/01/2008, transitada em julgado em 06/02/2008, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 5, pela prática, em 30/05/2005, de um crime de furto simples;
- por acórdão de 13/03/2008, transitado em julgado em 09/04/2008, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa por igual período de tempo, pela prática, em 16/01/2007, de um crime de tráfico agravado de estupefacientes;
- por sentença de 06/09/2008, transitada em julgado em 25/09/2008, na pena de 3 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, pela prática, em 08/08/2008, de um crime de condução sem habilitação legal.
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MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA
Para além dos que também resultam logicamente excluídos em face da factualidade provada, não se provaram os seguintes factos descritos na acusação:
- Também os factos ocorridos em Santo António dos Cavaleiros e na área de serviço de Aveiras foram praticados por mais dois indivíduos cuja identidade não foi possível apurar.
- Naquele primeiro momento, quando se ausentaram do local, e posteriormente, quando saíram da estação de serviço de Aveiras e rumaram até ao norte do país, era o arguido Telmo quem conduzia o veículo automóvel.
- Em Estarreja, o arguido B………… colocou a traseira do veículo na direcção da montra do estabelecimento comercial.
- Para partirem o vidro da montra do mesmo foram utilizadas pedras, que os arguidos já traziam consigo.
A demais matéria descrita na acusação é meramente conclusiva, de direito ou simplesmente irrelevante para a decisão da causa.
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MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
O tribunal colectivo formou a sua convicção com base na análise e valoração crítica dos meios de prova produzidos e examinados em audiência, designadamente:
1. Quanto aos factos provados:
- As declarações prestadas pelo arguido B……….., circunscritas à existência de outro processo pendente, pergunta a que estava legalmente obrigado a responder, já que quanto aos factos que lhe eram imputados negou tê-los praticado.
- O depoimento da testemunha D…………., que na qualidade de proprietário do veículo automóvel de matrícula ..-..-BD, aludiu às circunstâncias de tempo e espaço em que o mesmo lhe foi subtraído, bem como ao respectivo valor, à sua recuperação e ao facto de, aquando esta, apresentar a ignição estroncada.
- O depoimento da testemunha G………….., representante da sociedade proprietária do estabelecimento comercial objecto do assalto, para o qual foi alertado através do accionamento do respectivo alarme, tendo nomeadamente aludido aos danos causados naquele e ao valor global aproximado dos telemóveis e acessórios aí expostos.
- As fotografias juntas a fls. 264 a 266, relativamente aos estragos causados em tal estabelecimento.
- Atendeu-se ainda à informação prestada a fls. 353, quanto ao facto de o arguido B………… não ser titular de carta de condução, aos relatórios sociais juntos a fls. 416 a 420 e 448 a 452, relativamente às condições pessoais de ambos os arguidos, e aos certificados de registo criminal requisitados em audiência, devidamente actualizados, quanto aos seus antecedentes criminais.
- Quanto à autoria dos factos, não obstante o arguido B…………. ter negado a sua participação nos mesmos e de o arguido C……….. se ter remetido ao silêncio, resultou inequivocamente demonstrada em face dos seguintes elementos:
Em primeiro lugar, o “relatório de fuga” junto a fls. 493, conjugado com os fotogramas retirados a partir das imagens recolhidas pelo sistema de videovigilância instalado na zona de abastecimento de combustível da área de serviço de Aveiras da A1, no sentido sul/norte, entre as 03h e 20m e as 03h, 21m e 10s do dia 01/03/2005, dando conta do abastecimento do veículo automóvel de matrícula ..-..-BD e da subsequente fuga sem pagamento, por parte de, pelo menos, dois indivíduos. Ainda que as cópias dos dois fotogramas juntas a fls. 494 e 495 apenas permitam reconhecer inequivocamente o arguido C………… como um desses indivíduos, justamente o que está a abastecer a viatura, o certo é que os originais daqueles e também de outros fotogramas foram enviados ao tribunal, durante a audiência, em suporte digital, pela testemunha H……………, agente da GNR que procedeu à investigação e que visualizou o filme de onde foram retirados. As imagens desses suportes digitais foram visualizadas durante a audiência, tendo-se ordenado a sua reprodução em suporte de papel, não deixando aquelas, pela sua qualidade e definição, qualquer dúvida sobre a identidade também do arguido B…………. como um dos mencionados indivíduos.
Por outro lado, a testemunha I………….., que presenciou parte dos factos relativos ao assalto ao estabelecimento comercial ocorrido em Estarreja cerca de três horas depois do referido abastecimento de combustível, forneceu elementos de identificação do veículo automóvel em que os três ou quatro indivíduos que o praticaram se faziam transportar coincidentes com o veículo subtraído em Santo António dos Cavaleiros e abastecido de combustível na área de serviço de Aveiras, elementos esses que logo na altura forneceu à GNR. Ainda que esta testemunha tenha indicado a letra “I” como a primeira da matrícula da viatura, em julgamento admitiu a possibilidade de a ter confundido com a letra “B”, sendo certo que se encontrava a cerca de 20 a 50 metros do veículo e havia pouca luminosidade, para além de que numa matrícula e associadas à letra “D” são duas letras facilmente confundíveis. De todo o modo, a restante letra e os algarismos da matrícula, bem como a marca e modelo (Honda Civic) e a tonalidade (escura) do veículo coincidem, para além de que, como resulta da informação recolhida em audiência, a matrícula ..-..-ID está atribuída a um motociclo, pelo que não poderia ser a do veículo presente no local do assalto.
Acresce que, como se retira da informação prestada pela “Brisa” a fls. 131, pelas 08h e 04 m do dia 01/03/2005, o mesmo veículo Honda Civic, de matrícula ..-..-BD, saiu da A1 na zona da portagem de Pombal, o que é perfeitamente compatível com a sua presença em Estarreja à hora em que ocorreu o assalto.
Por fim, conforme resulta do relatório e das fotografias juntos a fls. 12 e ss., o veículo em questão foi abandonado na área de repouso de Fátima, na A1, sentido norte/sul, durante a manhã do mesmo dia, tendo no seu interior, espalhados pelo chão e na mala, diversos telemóveis e caixas de telemóveis, bem como um gorro, um cachecol e uma pedra, objectos estes que o permitem ligar ao assalto cometido em Estarreja. E de acordo com os elementos constantes da certidão junta a fls. 338 e ss., mais concretamente do despacho de fls. 342, na referida área de repouso, pelas 10h e 10m do dia 01/03/2005, foi roubado um veículo automóvel por uns indivíduos que se faziam transportar no veículo de matrícula ..-..-BD que deixaram ficar no local, tendo aquele primeiro vindo a ser abandonado na zona de Setúbal, ou seja, na área de residência dos arguidos, o que também reforça fortemente a ligação destes aos factos em apreço nos autos.
Assim sendo, atenta a proximidade temporal entre o momento do abastecimento de combustível, em que inequívoca e comprovadamente intervieram os dois arguidos, e o da subtracção do veículo automóvel em questão, bem como a posterior utilização dada a este (para cometimento de um assalto), as regras da experiência comum e da normalidade permitem-nos afirmar, com a segurança necessária, a participação dos dois arguidos também na subtracção do mesmo e no assalto levado a cabo em Estarreja cerca de três horas, no qual também esteve presente o referido veículo. Com efeito, se os arguidos abasteceram de combustível, pondo-se em fuga sem efectuar o respectivo pagamento, na área de Serviço de Aveiras, na A1, pelas 03h e 20m, o veículo automóvel subtraído momentos antes em Santo António dos Cavaleiros e no qual se deslocavam os indivíduos que entre as 06h e 30 e as 07h assaltaram um estabelecimento comercial de venda de telemóveis em Estarreja e que o abandonaram durante a manhã na área de repouso de Fátima da A1, subtraindo um outro veículo que veio a ser abandonado na área da residência dos arguidos (Setúbal), parece suficientemente claro que tudo nos leva a concluir que estes também participaram na subtracção do veículo e no aludido assalto.
A propósito dos mencionados fotogramas, importa precisar ter sido nosso entendimento não existir obstáculo legal à sua valoração como um válido meio de prova da participação dos arguidos nos factos em apreço. Vejamos porquê:
De acordo com o art. 32º, n.º 8, da Constituição da República Portuguesa “são nulas todas as provas obtidas mediante … abusiva intromissão na vida privada …”. E o art. 126º do Cód. Proc. Penal, que juntamente com o art. 125º do mesmo diploma estabelece o regime de proibições de prova do processo penal, indica como um dos métodos proibidos de prova “as provas obtidas mediante intromissão na vida privada”. Quanto às provas obtidas por reproduções mecânicas, nas quais se incluem os sistemas de videovigilância, preceitua o art. 167º, n.º 1, do mesmo código que só valem como prova se não forem ilícitas nos termos da lei penal, acrescentando o n.º 2 que “não se consideram, nomeadamente, ilícitas para os efeitos previstos no número anterior as reproduções mecânicas que obedecerem ao disposto no título III deste livro”, que tem a epígrafe “dos meios de obtenção da prova”.
Significa isto que o regime da legalidade da prova, ao estabelecer proibições de produção ou valoração da mesma, comprime o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art. 127º do Cód. Proc. Penal.
Acresce que, no caso de estarmos perante uma prova proibida, tal consubstancia uma nulidade que deve ser oficiosamente conhecida e declarada em qualquer fase do processo, tratando-se, pois, de uma nulidade insanável localizada fora do catálogo do art. 119º daquele código.
No caso vertente e em face do exposto, as imagens recolhidas por particulares, mediante sistema de videovigilância instalado um local de acesso público, como é a zona de abastecimento de combustível de uma área de serviço, só não poderão ser valoradas como meio de prova se a sua obtenção constituir um ilícito criminal.
Note-se que os dados em questão, porque relativos à vida privada, são considerados dados sensíveis, implicando por isso o controlo prévio por parte da Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD), através da competente notificação e autorização do seu tratamento (recolha) – cfr. art.s 7º, 8º, 27º e 28º da Lei n.º 67/98, de 26/10, que instituiu o regime jurídico de protecção das pessoas singulares no que respeita ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação dos mesmos, aplicável igualmente à videovigilância (art. 4º, n.º 4, desse diploma).
Sucede que, de acordo com as informações solicitadas em audiência (cfr. fls. 479 e ss.), a instalação do sistema de videovigilância através do qual foram recolhidos os fotogramas em questão, foi notificado à CNPD em 10/01/2003, apenas tendo sido objecto de autorização em 04/10/2005, ou seja, já depois da data dos factos, que ocorreram em 01/03/2005, sendo que aquando da prática destes a existência das câmaras de vigilância estava assinalada através da aposição de dísticos informativos no local.
Todavia, de acordo com o art. 43º da citada lei, só o não cumprimento intencional das obrigações relativas à protecção de dados, designadamente a omissão das notificações ou os pedidos de autorização a que se referem os art.s 27º e 28º, é que constituem crime, já que uma conduta negligente traduzir-se-á apenas em contra-ordenação (prevista no art. 37º).
Ora, no caso vertente não se vislumbra de modo algum essa intencionalidade, tanto mais que a notificação do sistema de videovigilância foi efectuada pelo respectivo responsável à CNPD mais de dois anos antes da data dos factos, tendo havido um atraso por parte desta última na concessão da respectiva autorização, pelo que nunca estaríamos perante o referido crime.
Há então que averiguar se a recolha das imagens em questão preenche a previsão do art. 199º do Cód. Penal, relativo a gravações, fotografias e filmagens ilícitas, que tutela o direito à imagem, com consagração constitucional no art. 26º da Constituição e legal no art. 79º, n.º 1, do Cód. Civil. Segundo o primeiro desses preceitos, na parte que agora releva, “a todos são reconhecidos os direitos … à reserva da intimidade da vida privada …”.
Todavia, tem sido entendimento da jurisprudência que não constitui crime a obtenção de imagens, mesmo sem consentimento do visado, sempre que exista justa causa para tal procedimento, designadamente quando sejam enquadradas em lugares públicos, visem a protecção de interesses públicos ou hajam ocorrido publicamente.
Aliás, o próprio art. 79º, n.º 2, do Cód. Civil prevê a desnecessidade do consentimento da pessoa retratada quando assim justifiquem exigências de polícia ou de justiça, o que, naturalmente, também deverá ser considerado extensível ao direito penal, face à sua natureza fragmentária e ao seu princípio de intervenção mínima. Aliás, consagrando o princípio de que o ordenamento jurídico deve ser encarado no seu conjunto, dispõe o art. 31º, n.º 1, do Cód. Penal, que o facto não é criminalmente punível quando a sua ilicitude for excluída pela ordem jurídica considerada na sua totalidade. Significa isto que as normas de um ramo do direito que estabelecem a licitude de uma conduta têm reflexo no direito criminal, a ponto de, por exemplo, nunca poder haver responsabilidade penal por factos que sejam considerados lícitos do ponto de vista civil.
Aquela justa causa apenas será afastada pela inviolabilidade dos direitos humanos, designadamente a inadmissibilidade de atentados intoleráveis à liberdade, dignidade e integridade moral das pessoas, como seja o direito ao respeito pela sua vida privada.
Ora, a citada norma do Cód. Civil não só afasta a ilicitude dos art.s 199º do Cód. Penal e 167º do Cód. Proc. Penal, como também não é inconstitucional, uma vez que, embora comprima o direito à reserva da vida privada, não o faz de uma forma de todo intolerável, como parece evidente à luz do mais elementar bom senso.
Em conformidade com isto, tem a jurisprudência, de um modo geral, entendido não ser proibida a prova obtida por sistemas de videovigilância colocados em locais públicos, nomeadamente em postos de abastecimento de combustíveis, com a finalidade de proteger a vida, a integridade física, o património dos proprietários dos veículos ou dos próprios postos de abastecimento perante furtos ou roubos, por as imagens não serem captadas em locais privados, total ou parcialmente restritos, nos quais, segundo as concepções morais vigentes, uma pessoa não deve ser retratada, justificando-se, pois, essa excepção aos métodos proibidos de prova por razões de polícia ou de justiça.
Por outro lado, a obtenção de imagens nas circunstâncias em apreço também não constitui qualquer crime de devassa contra a vida privada (previsto no art. 192º) ou de devassa por meio de informática (do art. 193º, ambos do Cód. Penal), uma vez que com estes ilícitos pretende-se tutelar apenas o núcleo duro da vida privada e mais sensível de cada pessoa, como seja a intimidade, a sexualidade, a saúde, a vida particular e familiar mais restrita, que se pretende reservada e fora do conhecimento das outras pessoas, o que não é manifestamente o caso da situação que nos ocupa. Com efeito, as imagens dos arguidos não foram registadas no contexto das esferas privadas e íntimas destes, mas sim enquanto normais utentes de um posto de abastecimento de combustível, numa área de acesso público, onde qualquer pessoa, seja ou não cliente, pode aceder. Acresce ainda que as imagens não foram captadas às ocultas, tanto mais que a existência das câmaras de videovigilância estava devidamente assinalada através da aposição dos competentes dísticos.
Em suma, tal como se conclui no citado acórdão da RP de 26/03/2008, as imagens captadas em circunstâncias e condições semelhantes àquelas em que foram recolhidos os fotogramas juntos aos autos e examinados em audiência, não corresponde a qualquer método proibido de prova, desde que exista uma justa causa para a sua obtenção, como é o caso de documentarem a prática de uma infracção criminal que importa punir em nome da defesa dos mais elementares interesses da vida em comunidade, e não digam respeito ao chamado núcleo duro da vida privada da pessoa visionada, condições estas que se verificam na situação vertente.
A tal conclusão não pode, como nos parece óbvio, obstar a circunstância de não estar em causa o apuramento da responsabilidade criminal relativa a qualquer crime cometido contra o próprio responsável pela recolha das imagens e para cuja protecção directa foi instalado o sistema de vigilância, in casu, a concessionária das bombas de combustível, mas sim contra terceiros, como sejam os proprietário de um veículo subtraído e de um estabelecimento assaltado pelos mesmos agentes.
2. No que concerne aos factos não provados, para além do que já resulta logicamente excluído pela matéria provada e respectiva motivação, não foi produzida qualquer prova, já que, nomeadamente, nenhuma das testemunhas inquiridas a eles aludiu”.
*
Apreciando e decidindo:

Este Tribunal conhece de facto e de direito, sendo determinado o âmbito do recurso pelas questões suscitadas, pelos recorrentes, nas respectivas conclusões, mostrando-se impugnada a matéria de facto dada como provada e documentada a audiência.

São as questões suscitadas pelos recorrentes, as seguintes:

I) A decisão padece do vício do erro notório na apreciação da prova;
II) Erro de julgamento por errada apreciação e valoração da prova quanto aos factos provados e elencados sob os pontos 1,2,3,4,5,6,7,8, 9,10,11 a 18 da matéria de facto provada, os quais deveriam ser julgados como não provados, com ofensa do disposto no artº127º do Cód. Proc. Penal;
III) Proibição da prova e nulidade dos fotogramas por carência de autorização;
IV) Ofensa do princípio “in dubio pro reo” e presunção constitucional de inocência;
V) Medida da pena, sem atenuação especial, com ofensa do disposto no Dec.Lei nº401/82 de 23/09.
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I- É inequivocamente improcedente a impugnação da matéria de facto, desde logo por não resultarem do texto da decisão recorrida quaisquer dos vícios taxados no artº410ºnº2 do Cód. Proc. Penal, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, uma vez que não é possível para a sua demonstração, o recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, designadamente declarações ou depoimentos prestados em audiência, o que decorre directamente do corpo daquele preceito.

Na verdade, o recorrente busca os pilares do vício do erro notório na apreciação da prova tão só na procedência da por si invocada não prova dos factos que se provaram na decisão, por erro de apreciação e valoração do tribunal, transcrevendo a seu belo prazer e sem qualquer referência ao respectivo suporte técnico consignado na acta, pelo que necessariamente improcede tal alegação.

Sublinhe-se, que só ocorre erro notório na apreciação da prova quando da leitura da decisão impugnada, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, se conclua que os factos nela dados como provados não podem ter acontecido ou que os factos dados como não provados não podem deixar de ter acontecido, isto é, quando os factos dados como provados e/ou como não provados se revelam inequivocamente desconformes, impossíveis, ou seja, quando aqueles traduzem uma situação fáctica irreal ou utópica. Estaremos perante erro relevante quando se retira dum facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária, contraditória ou notoriamente violadora das regras experiência comum, o que manifestamente também não resulta da conjugação dos factos que se tiveram como provados, perfeitamente possíveis e admissíveis segundo as regras da experiência comum, assim improcedendo a respectiva arguição.

II- Por outro lado, cotejadas a fundamentação e motivação da decisão, com a motivação e conclusões dos recorrentes e, bem assim, com a audição integral da documentada prova, nenhum erro de apreciação da prova é apreensível, assim como não subsiste qualquer dúvida.

Isto é, o que acontece é que os recorrentes pretendem formatada a sua impugnação e inquinar tal factualidade apenas e através da apreciação da aludida prova pelo tribunal, que reputam obtida em violação dos princípios da sua livre apreciação e convicção e da presunção de inocência, substituindo-se, eles próprios, ao tribunal e em manifesto desprezo da sua indissociável oralidade e imediação com que decorre o julgamento em primeira instância, nela buscando a deduzida impugnação!

A ponto de, sem uma concreta enunciação e motivação dos factos, mas por absurdo, concluírem:

«Da análise do depoimento das testemunhas, resulta que, existem uma certa transparência, ainda que com algumas “Manchas” incongruências e também alguma disparidade nos depoimentos, o que se não apoia a sua falta de isenção, apoia a falta credibilidade. Sem qualquer dúvida, o ora recorrente não cometeu qualquer crime que se tenha por provado, já que esta prova não o sustenta. Donde resulta que os pontos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11 a 18 dos factos dados como provados no douto Acórdão em crise se mostram incorrectamente julgados. Sendo que, se a prova tivesse sido devidamente apreciada, o arguido teria de ser absolvido dos crimes de que vinha indiciados. Assim não tendo acontecido, a douta Decisão em crise mais não é do que um conjunto de presunções e ilações, mas, sendo certo que a ilação derivada de uma presunção natural não pode, porém, formular-se sem exigências de relativa segurança, especialmente em matéria de prova em processo penal em que é necessária a comprovação da existência dos factos para além de toda a dúvida razoável»!

Porém, cotejadas a fundamentação e motivação da decisão, com a motivação e conclusões dos recorrentes e, bem assim, com a audição integral da documentada prova, nenhum erro de apreciação da prova é apreensível, assim como não subsiste qualquer dúvida.

Não consente a audição da prova, um juízo de sua errada apreciação e valoração ou de dúvida pelo tribunal recorrido, mas antes um inequívoco respeito pelo princípio da livre apreciação da prova postulado no artº127º do cód. Proc. Penal.

O recurso da matéria de facto não se destina a postergar o referido princípio da livre apreciação da prova, a qual é indissociável da oralidade e imediação com que decorre o julgamento em primeira instância, pelo que a «prova» ou «não prova» de um facto resulta quase sempre conjugação e relacionamento de todos os meios de prova produzidos na audiência de julgamento, podendo o juízo valorativo do tribunal assentar tanto em prova directa do facto como em prova indiciária, da qual se infere o facto probando, não estando excluída a possibilidade do julgador, face à credibilidade que a prova lhe mereça e circunstâncias do caso, valorar preferencialmente a prova indiciária e esta só por si conduzir à sua convicção.

Os depoimentos das testemunhas, sejam ou não os ofendidos dos factos em apreço, são valorados pelo tribunal livremente, e de acordo com as regras da experiência, a credibilidade da testemunha, o modo como depõe e o conhecimento que revela dos factos.

Ora, bem vista a exposição de motivos que fundamenta a decisão da matéria de facto e o meticuloso exame crítico das provas, é aquela manifestamente insusceptível de reparo e inexoravelmente infundada a discordância dos arguidos/recorrentes, pois as provas de que o tribunal a quo se serviu, valorando-as livremente e de acordo com as regras da experiência comum, são bastantes para que, de forma perfeitamente lógica e coerente, se deva concluir que os factos ocorreram pela forma expressa na sentença, pelo que necessariamente improcede a deduzida impugnação.

Como argutamente se motivou na decisão:

“- Quanto à autoria dos factos, não obstante o arguido B………….. ter negado a sua participação nos mesmos e de o arguido C………….. se ter remetido ao silêncio, resultou inequivocamente demonstrada em face dos seguintes elementos:
Em primeiro lugar, o “relatório de fuga” junto a fls. 493, conjugado com os fotogramas retirados a partir das imagens recolhidas pelo sistema de videovigilância instalado na zona de abastecimento de combustível da área de serviço de Aveiras da A1, no sentido sul/norte, entre as 03h e 20m e as 03h, 21m e 10s do dia 01/03/2005, dando conta do abastecimento do veículo automóvel de matrícula ..-..-BD e da subsequente fuga sem pagamento, por parte de, pelo menos, dois indivíduos. Ainda que as cópias dos dois fotogramas juntas a fls. 494 e 495 apenas permitam reconhecer inequivocamente o arguido C…………… como um desses indivíduos, justamente o que está a abastecer a viatura, o certo é que os originais daqueles e também de outros fotogramas foram enviados ao tribunal, durante a audiência, em suporte digital, pela testemunha H………….., agente da GNR que procedeu à investigação e que visualizou o filme de onde foram retirados. As imagens desses suportes digitais foram visualizadas durante a audiência, tendo-se ordenado a sua reprodução em suporte de papel, não deixando aquelas, pela sua qualidade e definição, qualquer dúvida sobre a identidade também do arguido B…………. como um dos mencionados indivíduos.
Por outro lado, a testemunha I…………., que presenciou parte dos factos relativos ao assalto ao estabelecimento comercial ocorrido em Estarreja cerca de três horas depois do referido abastecimento de combustível, forneceu elementos de identificação do veículo automóvel em que os três ou quatro indivíduos que o praticaram se faziam transportar coincidentes com o veículo subtraído em Santo António dos Cavaleiros e abastecido de combustível na área de serviço de Aveiras, elementos esses que logo na altura forneceu à GNR. Ainda que esta testemunha tenha indicado a letra “I” como a primeira da matrícula da viatura, em julgamento admitiu a possibilidade de a ter confundido com a letra “B”, sendo certo que se encontrava a cerca de 20 a 50 metros do veículo e havia pouca luminosidade, para além de que numa matrícula e associadas à letra “D” são duas letras facilmente confundíveis. De todo o modo, a restante letra e os algarismos da matrícula, bem como a marca e modelo (Honda Civic) e a tonalidade (escura) do veículo coincidem, para além de que, como resulta da informação recolhida em audiência, a matrícula ..-..-ID está atribuída a um motociclo, pelo que não poderia ser a do veículo presente no local do assalto.
Acresce que, como se retira da informação prestada pela “Brisa” a fls. 131, pelas 08h e 04 m do dia 01/03/2005, o mesmo veículo Honda Civic, de matrícula ..-..-BD, saiu da A1 na zona da portagem de Pombal, o que é perfeitamente compatível com a sua presença em Estarreja à hora em que ocorreu o assalto.
Por fim, conforme resulta do relatório e das fotografias juntos a fls. 12 e ss., o veículo em questão foi abandonado na área de repouso de Fátima, na A1, sentido norte/sul, durante a manhã do mesmo dia, tendo no seu interior, espalhados pelo chão e na mala, diversos telemóveis e caixas de telemóveis, bem como um gorro, um cachecol e uma pedra, objectos estes que o permitem ligar ao assalto cometido em Estarreja. E de acordo com os elementos constantes da certidão junta a fls. 338 e ss., mais concretamente do despacho de fls. 342, na referida área de repouso, pelas 10h e 10m do dia 01/03/2005, foi roubado um veículo automóvel por uns indivíduos que se faziam transportar no veículo de matrícula ..-..-BD que deixaram ficar no local, tendo aquele primeiro vindo a ser abandonado na zona de Setúbal, ou seja, na área de residência dos arguidos, o que também reforça fortemente a ligação destes aos factos em apreço nos autos.
Assim sendo, atenta a proximidade temporal entre o momento do abastecimento de combustível, em que inequívoca e comprovadamente intervieram os dois arguidos, e o da subtracção do veículo automóvel em questão, bem como a posterior utilização dada a este (para cometimento de um assalto), as regras da experiência comum e da normalidade permitem-nos afirmar, com a segurança necessária, a participação dos dois arguidos também na subtracção do mesmo e no assalto levado a cabo em Estarreja cerca de três horas, no qual também esteve presente o referido veículo. Com efeito, se os arguidos abasteceram de combustível, pondo-se em fuga sem efectuar o respectivo pagamento, na área de Serviço de Aveiras, na A1, pelas 03h e 20m, o veículo automóvel subtraído momentos antes em Santo António dos Cavaleiros e no qual se deslocavam os indivíduos que entre as 06h e 30 e as 07h assaltaram um estabelecimento comercial de venda de telemóveis em Estarreja e que o abandonaram durante a manhã na área de repouso de Fátima da A1, subtraindo um outro veículo que veio a ser abandonado na área da residência dos arguidos (Setúbal), parece suficientemente claro que tudo nos leva a concluir que estes também participaram na subtracção do veículo e no aludido assalto”.

Ora, bem vista a exposição de motivos que fundamenta a decisão da matéria de facto e o exame crítico das provas, designadamente pelo indispensável apelo às regras da experiência comum, é manifestamente coerente, lógica e fundada a motivação decisória e infundada a discordância dos arguidos recorrentes.

Apenas é verdade que o tribunal, fundadamente, diga-se, não deu crédito à versão dos arguidos…

Bem pode sintetizar-se que os recorrentes, afinal, não colocam em causa qualquer facto dado como provado, só que os valoram no seu interesse.

Como por diversas vezes tem afirmado o Prof. Germano Marques da Silva, o recurso é um remédio para os erros, não é novo julgamento; o recurso em matéria de facto não se destina a um novo julgamento, constituindo apenas um remédio para os vícios do julgamento em primeira instância: “o tribunal ad quem não procede a um novo julgamento, verifica apenas da legalidade da decisão recorrida, tendo em conta todos os elementos de que se serviu o tribunal que proferiu a decisão recorrida” (cfr. Estudos em homenagem a Cunha Rodrigues, vol I, Coimbra 2001) (no mesmo sentido o Prof. Damião da Cunha, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 8º, fasc. 2, Abril/Junho 1998, págs. 259-260).
O que se compreende: por um lado, atendendo às funções do tribunal de recurso; por outro, tendo presente que este não goza nem da oralidade nem da imediação; por outro ainda, porque, como é sabido, a expressão não verbal, na grande maioria das vezes, é decisiva para formar a convicção. Da qual não usufrui o tribunal ad quem.
Por tudo isso é que o legislador exige ao Recorrente que indique os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, e bem assim as concretas provas que impõem (e não apenas que permitam) decisão diversa – artº412º, n.º 3, alíneas a) e b) do Cód. Proc. Penal.

Ainda, como é jurisprudência constante dos tribunais superiores, porque este tribunal não goza nem da oralidade nem da imediação, a decisão quanto à matéria de facto só deve ser modificada se e quando for evidente que os meios de prova produzidos não podem conduzir à solução encontrada.

Os recorrentes não impugnam a matéria de facto, mas antes a convicção do tribunal que, na sua tese, deveria deixar-se convencer pela versão que eles próprios propugnam ser a verdadeira, e não por aquela que, na realidade, o convenceu.

Porém, o Cód. Proc. Penal consagrou, no artº127º, de forma expressa, o princípio da livre apreciação das provas, por virtude do qual a decisão quanto à matéria de facto assenta na livre convicção do julgador, que deve ser devidamente fundamentada para poder ser sindicada pelos sujeitos processuais e pelo tribunal ad quem.

A decisão quanto à matéria de facto tem de se conformar, naturalmente, com as regras da experiência, sem o que seria arbitrária.

Mas não podem os vários depoimentos ser entendidos isoladamente, retirando-os do respectivo contexto, apenas com base em passagens extraídas do respectivo suporte documental e em certas imprecisões de algum dos testemunhos - por vezes justificáveis desde logo pelas circunstâncias dialécticas em que são produzidos, durante o interrogatório cruzado, formal, surgindo sempre um novo elemento em cada questão suscitada por cada um dos sujeitos processuais.
Não se trata - na avaliação da prova - de uma mera operação voluntarista, mas de conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis).
Envolve a apreciação da credibilidade que merecem os meios de prova, onde intervêm elementos não racionalmente explicáveis, v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova em detrimento de outro e onde tem essencial relevo a imediação.
Mas ainda deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios, aspecto que já não depende substancialmente da imediação, mas deve basear-se na correcção do raciocínio, nas regras da lógica, da experiência e nos conhecimentos científicos, o que não se confunde com apreciação arbitrária da prova produzida nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador, como já sublinhara Cavaleiro de Ferreira.

Em sentido inteiramente coincidente aponta o STJ, em acórdão datado de 11-10-2007, in www.dgsi.pt:
“O artº127º do Código Processo Penal estabelece três tipos de critérios para avaliação da prova, com características e naturezas completamente diferentes: uma avaliação da prova inteiramente objectiva quando a lei assim o determinar; outra também objectiva, quando for imposta pelas regras da experiência; finalmente, uma outra, eminentemente subjectiva, que resulta da livre convicção do julgador”.
Tal como refere o Prof. Germano Marques da Silva no Curso de Processo Penal, Vol. II, pág. 131 “... a liberdade que aqui importa é a liberdade para a objectividade, aquela que se concede e que se assume em ordem a fazer triunfar a verdade objectiva, isto é, uma verdade que transcende a pura subjectividade e que se comunique e imponha aos outros. Isto significa, por um lado, que a exigência de objectividade é ela própria um princípio de direito, ainda no domínio da convicção probatória, e implica, por outro lado, que essa convicção só será válida se for fundamentada, já que de outro modo não poderá ser objectiva”, o que a motivação decisória evidencia com clarividência.

No dizer do Prof. Germano Marques da Silva “... a oralidade permite que as relações entre os participantes no processo sejam mais vivas e mais directas, facilitando o contraditório e, por isso, a defesa, e contribuindo para alcançar a verdade material através de um sistema de prova objectiva, atípica, e de valoração pela íntima convicção do julgador (prova moral), gerada em face do material probatório e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento dos homens” - Cfr. “Do Processo Penal Preliminar”, Lisboa, 1990, pág. 68”.
O princípio da imediação diz-nos que deve existir uma relação de contacto directo, pessoal, entre o julgador e as pessoas cujas declarações irá valorar, e com as coisas e documentos que servirão para fundamentar a decisão da matéria de facto.

Assim, e para respeitarmos estes princípios, se a decisão do julgador, estiver fundamentada na sua livre convicção e for uma das possíveis soluções segundo as regras da experiência comum, ela não deverá ser alterada pelo tribunal de recurso.
Como se diz no acórdão da Relação de Coimbra, de 6 de Março de 2002 (C.J., ano XXVIII, 20, página 44) “quando a atribuição da credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear na opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum”.

Assim é, com efeito.

No caso em apreciação, a matéria de facto está devidamente fundamentada; é verosímil; e conforma-se com as regras da experiência comum.

Ora, como evidencia a motivação da matéria de facto, o tribunal recorrido usou devidamente o princípio da livre apreciação da prova, valorando devidamente as provas, fundamentalmente as provas de livre apreciação, que sopesou adentro de uma visão global e crítica das mesmas, com base nas ilações e inferências que retirou das provas e nas regras da experiência comum, donde se extrai facilmente o porquê da certeza jurídica da prática dos factos, tal como os teve como provados.

Não pode, pois, ser alterada a matéria de facto, que assim se considera inexoravelmente fixada.

IV- Bem vistas as coisas, os arguidos buscam a tábua de sua salvação numa possível ofensa da sua presunção de inocência e do princípio “in dubio pro reo”.

Porém, o princípio “in dubio pro reo”, não significa dar relevância às dúvidas que os recorrentes pretextam na decisão ou na sua divergente interpretação da factualidade descrita e revelada nos autos, pois que terá também de resultar manifesto no texto da decisão.

Este princípio é uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não houver a certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa.
É à luz deste princípio de investigação que recai sobre o juiz que pode acontecer que, pese embora a busca de todos os factos relevantes, (quer sobre o facto criminoso, quer sobre a personalidade do arguido, quer quanto à pena) para decisão, o juiz não consiga ultrapassar a dúvida razoável de modo a considerar o facto como provado, com a certeza que se exige para tal; desta forma e porque não pode haver um “non liquet”, tem de valorar o facto a favor do arguido.

Esta dúvida a favor do arguido, é corolário do princípio da presunção de inocência.

A violação deste princípio pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador; o juiz terá de expressar que não logrou esclarecer, em todas as suas particularidades juridicamente relevantes, um dado substracto de facto (F. Dias, ob. cit, 150); não já quando o juiz se convence de uma comprovação alternativa dos factos e pode encontrar um enquadramento factual num quadro constitucional e processual jurídico – penalmente aceite, desde logo não incorrendo no erro notório na apreciação da prova, que, como se disse, não resulta do texto da decisão.

Não se constacta pois, em nenhum momento na decisão, a ofensa deste princípio, em desfavor do recorrentes/arguidos.

III- Da suscitada proibição da prova e nulidade dos fotogramas por carência de autorização:

Sem qualquer fundamentação de direito, motivam sinteticamente os recorrentes a nulidade dos fotogramas da seguinte forma:

«No que se refere à Prova fotográfica exaustivamente dissertada no douto acórdão, ressumimos a nossa posição no facto de que efectivamente a mesma tem que ser considerada nula, pelo simples facto de que a Estação de Serviço não estava autorizada à captação das mesmas, mais, agindo de má fé, se acreditar-mos que tinha colocado dísticos, pois que sabia não estar legalmente autorizada para o fazer».

Porque proficientemente dilucidada tal questão na motivação decisória, é inequívoca a sua improcedência, tal como, sem o mínimo reparo acolhemos e seguidamente se transcreve:

“... De acordo com o art. 32º, n.º 8, da Constituição da República Portuguesa “são nulas todas as provas obtidas mediante … abusiva intromissão na vida privada …”. E o art. 126º do Cód. Proc. Penal, que juntamente com o art. 125º do mesmo diploma estabelece o regime de proibições de prova do processo penal, indica como um dos métodos proibidos de prova “as provas obtidas mediante intromissão na vida privada”. Quanto às provas obtidas por reproduções mecânicas, nas quais se incluem os sistemas de videovigilância, preceitua o art. 167º, n.º 1, do mesmo código que só valem como prova se não forem ilícitas nos termos da lei penal, acrescentando o n.º 2 que “não se consideram, nomeadamente, ilícitas para os efeitos previstos no número anterior as reproduções mecânicas que obedecerem ao disposto no título III deste livro”, que tem a epígrafe “dos meios de obtenção da prova”.
Significa isto que o regime da legalidade da prova, ao estabelecer proibições de produção ou valoração da mesma, comprime o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art. 127º do Cód. Proc. Penal.
Acresce que, no caso de estarmos perante uma prova proibida, tal consubstancia uma nulidade que deve ser oficiosamente conhecida e declarada em qualquer fase do processo, tratando-se, pois, de uma nulidade insanável localizada fora do catálogo do art. 119º daquele código.
No caso vertente e em face do exposto, as imagens recolhidas por particulares, mediante sistema de videovigilância instalado um local de acesso público, como é a zona de abastecimento de combustível de uma área de serviço, só não poderão ser valoradas como meio de prova se a sua obtenção constituir um ilícito criminal.
Note-se que os dados em questão, porque relativos à vida privada, são considerados dados sensíveis, implicando por isso o controlo prévio por parte da Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD), através da competente notificação e autorização do seu tratamento (recolha) – cfr. art.s 7º, 8º, 27º e 28º da Lei n.º 67/98, de 26/10, que instituiu o regime jurídico de protecção das pessoas singulares no que respeita ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação dos mesmos, aplicável igualmente à videovigilância (art. 4º, n.º 4, desse diploma).
Sucede que, de acordo com as informações solicitadas em audiência (cfr. fls. 479 e ss.), a instalação do sistema de videovigilância através do qual foram recolhidos os fotogramas em questão, foi notificado à CNPD em 10/01/2003, apenas tendo sido objecto de autorização em 04/10/2005, ou seja, já depois da data dos factos, que ocorreram em 01/03/2005, sendo que aquando da prática destes a existência das câmaras de vigilância estava assinalada através da aposição de dísticos informativos no local.
Todavia, de acordo com o art. 43º da citada lei, só o não cumprimento intencional das obrigações relativas à protecção de dados, designadamente a omissão das notificações ou os pedidos de autorização a que se referem os art.s 27º e 28º, é que constituem crime, já que uma conduta negligente traduzir-se-á apenas em contra-ordenação (prevista no art. 37º).
Ora, no caso vertente não se vislumbra de modo algum essa intencionalidade, tanto mais que a notificação do sistema de videovigilância foi efectuada pelo respectivo responsável à CNPD mais de dois anos antes da data dos factos, tendo havido um atraso por parte desta última na concessão da respectiva autorização, pelo que nunca estaríamos perante o referido crime.
Há então que averiguar se a recolha das imagens em questão preenche a previsão do art. 199º do Cód. Penal, relativo a gravações, fotografias e filmagens ilícitas, que tutela o direito à imagem, com consagração constitucional no art. 26º da Constituição e legal no art. 79º, n.º 1, do Cód. Civil. Segundo o primeiro desses preceitos, na parte que agora releva, “a todos são reconhecidos os direitos … à reserva da intimidade da vida privada …”.
Todavia, tem sido entendimento da jurisprudência que não constitui crime a obtenção de imagens, mesmo sem consentimento do visado, sempre que exista justa causa para tal procedimento, designadamente quando sejam enquadradas em lugares públicos, visem a protecção de interesses públicos ou hajam ocorrido publicamente.
Aliás, o próprio art. 79º, n.º 2, do Cód. Civil prevê a desnecessidade do consentimento da pessoa retratada quando assim justifiquem exigências de polícia ou de justiça, o que, naturalmente, também deverá ser considerado extensível ao direito penal, face à sua natureza fragmentária e ao seu princípio de intervenção mínima. Aliás, consagrando o princípio de que o ordenamento jurídico deve ser encarado no seu conjunto, dispõe o art. 31º, n.º 1, do Cód. Penal, que o facto não é criminalmente punível quando a sua ilicitude for excluída pela ordem jurídica considerada na sua totalidade. Significa isto que as normas de um ramo do direito que estabelecem a licitude de uma conduta têm reflexo no direito criminal, a ponto de, por exemplo, nunca poder haver responsabilidade penal por factos que sejam considerados lícitos do ponto de vista civil.
Aquela justa causa apenas será afastada pela inviolabilidade dos direitos humanos, designadamente a inadmissibilidade de atentados intoleráveis à liberdade, dignidade e integridade moral das pessoas, como seja o direito ao respeito pela sua vida privada.
Ora, a citada norma do Cód. Civil não só afasta a ilicitude dos art.s 199º do Cód. Penal e 167º do Cód. Proc. Penal, como também não é inconstitucional, uma vez que, embora comprima o direito à reserva da vida privada, não o faz de uma forma de todo intolerável, como parece evidente à luz do mais elementar bom senso.
Em conformidade com isto, tem a jurisprudência, de um modo geral, entendido não ser proibida a prova obtida por sistemas de videovigilância colocados em locais públicos, nomeadamente em postos de abastecimento de combustíveis, com a finalidade de proteger a vida, a integridade física, o património dos proprietários dos veículos ou dos próprios postos de abastecimento perante furtos ou roubos, por as imagens não serem captadas em locais privados, total ou parcialmente restritos, nos quais, segundo as concepções morais vigentes, uma pessoa não deve ser retratada, justificando-se, pois, essa excepção aos métodos proibidos de prova por razões de polícia ou de justiça.
Por outro lado, a obtenção de imagens nas circunstâncias em apreço também não constitui qualquer crime de devassa contra a vida privada (previsto no art. 192º) ou de devassa por meio de informática (do art. 193º, ambos do Cód. Penal), uma vez que com estes ilícitos pretende-se tutelar apenas o núcleo duro da vida privada e mais sensível de cada pessoa, como seja a intimidade, a sexualidade, a saúde, a vida particular e familiar mais restrita, que se pretende reservada e fora do conhecimento das outras pessoas, o que não é manifestamente o caso da situação que nos ocupa. Com efeito, as imagens dos arguidos não foram registadas no contexto das esferas privadas e íntimas destes, mas sim enquanto normais utentes de um posto de abastecimento de combustível, numa área de acesso público, onde qualquer pessoa, seja ou não cliente, pode aceder. Acresce ainda que as imagens não foram captadas às ocultas, tanto mais que a existência das câmaras de videovigilância estava devidamente assinalada através da aposição dos competentes dísticos.
Em suma, tal como se conclui no citado acórdão da RP de 26/03/2008, as imagens captadas em circunstâncias e condições semelhantes àquelas em que foram recolhidos os fotogramas juntos aos autos e examinados em audiência, não corresponde a qualquer método proibido de prova, desde que exista uma justa causa para a sua obtenção, como é o caso de documentarem a prática de uma infracção criminal que importa punir em nome da defesa dos mais elementares interesses da vida em comunidade, e não digam respeito ao chamado núcleo duro da vida privada da pessoa visionada, condições estas que se verificam na situação vertente.
A tal conclusão não pode, como nos parece óbvio, obstar a circunstância de não estar em causa o apuramento da responsabilidade criminal relativa a qualquer crime cometido contra o próprio responsável pela recolha das imagens e para cuja protecção directa foi instalado o sistema de vigilância, in casu, a concessionária das bombas de combustível, mas sim contra terceiros, como sejam os proprietário de um veículo subtraído e de um estabelecimento assaltado pelos mesmos agentes”.

É pois manifesta a improcedência da suscitada nulidade e proibição da prova através dos aludidos fotogramas, tal como fundadamente se decidiu.

V- Da medida da pena e sua atenuação especial ao abrigo do disposto no artº4º do Dec. Lei nº401/82, de 23/09:

O tribunal “ a quo” fundamentou a concreta determinação da espécie e medida das penas aplicadas e a sua não atenuação especial nos seguintes termos:
“1. Cumpre agora determinar a natureza e a medida das sanções a aplicar aos arguidos, sendo que ao crime de condução sem habilitação legal corresponde a pena abstracta de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias (art. 3º, n.º 2, do DL n.º 02/98), ao crime de furto simples a pena de prisão até 3 anos ou multa até 360 dias (art.s 203º, n.º 1, e 47º, n.º 1, do Cód. Penal) e ao crime de furto qualificado, na forma tentada, a pena de prisão de 1 mês a 5 anos e 4 meses (art.s 204º, n.º 2, al. e), 23º, n.º 2, e 73º, n.º 1, al.s a) e b), do mesmo código).
1.1 - Nos termos do disposto no art. 70º do Código Penal “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa da liberdade e pena não privativa da liberdade, o tribunal dará preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Segundo o art. 40º, n.º 1, do mesmo diploma, tais finalidades são, por um lado, de prevenção especial de ressocialização, visando a reintegração do agente na sociedade e prevenindo-se a prática de futuros crimes, atendendo-se a diversas variáveis como por exemplo a conduta, a idade, a vida familiar e profissional e os antecedentes do agente, e, por outro, de prevenção geral ou de integração, que, dirigida à satisfação da consciência colectiva com o objectivo de repor a conformidade para com o direito, procura restabelecer a confiança da comunidade na validade da norma infringida. Atende-se sobretudo ao sentimento que o crime causa na comunidade, tendo em conta diversos índices, como a frequência e o espaço em que o mesmo ocorre e o alarme que está a provocar na comunidade.
O crime de furto simples cometido por ambos os arguidos e o crime de condução sem habilitação perpetrado pelo arguido B………….. são ambos puníveis alternativamente com prisão ou multa. Todavia, à data dos factos já o arguido B………… havia sofrido uma condenação, em pena de multa, também pelo crime de condução sem habilitação legal, a qual não surtiu o desejado efeito dissuasor da prática de novos crimes. Além disso, havia já praticado um outro crime de condução sem habilitação legal e um crime de desobediência, pelos quais veio a ser punido posteriormente, também em pena de multa. E posteriormente aos factos dos presentes autos, o arguido cometeu mais dois crimes de furto, um deles tentado, ambos punidos com pena não privativa da liberdade, o que tudo revela uma propensão para a delinquência, fazendo-se, pois, sentir assinaláveis exigências de prevenção especial de ressocialização, para cuja salvaguarda as penas de multa são manifestamente insuficientes, antes se exigindo a opção pelas penas de prisão.
Por seu lado, apesar de à data dos factos, o arguido C………… ser delinquente primário, o certo é que posteriormente veio a cometer vários crimes, designadamente de condução sem habilitação legal (três), condução perigosa de veículo rodoviário, furto qualificado, furto simples na forma tentada, furto simples consumado e tráfico agravado de estupefacientes agravado, pelos quais foi condenado não só em penas de multa, mas também em três penas de prisão suspensas na sua execução, o que também evidencia uma personalidade deformada, pondo a descoberto notórias exigências de prevenção especial de ressocialização, que igualmente reclamam a opção pela pena de prisão no que concerne ao crime de furto simples.
1.2 - Tendo em conta que os arguidos tinham à data dos factos 18 anos (o B……….) e 16 anos (o C…………..), há que averiguar se existem razões para lhes aplicar o regime especial para jovens que tenham completado 16 anos sem ter ainda atingido os 21 anos, criado pelo DL n.º 401/82, de 23/09.
Este regime tem subjacente a filosofia humanista do nosso legislador penal iluminado pelas publicações do Conselho da Europa e que, como se lê no preâmbulo respectivo, tenta, nessa área, instituir “um direito mais reeducador do que sancionador, sem esquecer que a reinserção social, para ser conseguida, não poderá descurar os interesses fundamentais da comunidade, e de exigir, sempre que a pena prevista seja a de prisão, que esta possa ser especialmente atenuada, nos termos gerais, se para tanto concorrerem sérias razões no sentido de que, assim, se facilitará aquela reinserção”. Todavia, nessa própria apresentação preambular se reconhece que o tratamento preferencial para jovens delinquentes nem sempre é susceptível de atingir os efeitos desejáveis, termos em que, embora como ultima ratio, a pena de prisão é recomendada mesmo para os mais jovens quando tal se torne necessário para uma adequada e firme defesa da sociedade e prevenção da criminalidade. Assim, a atenuação especial prevista no art. 4º do citado diploma, tem como substracto objectivo ou como pressuposto genérico, a existência de sérias razões para crer que da atenuação resultam vantagens para a reinserção social do jovem condenado.
Ora, considerando o já descrito percurso criminal de ambos os arguidos, o B……….. quer antes quer depois dos factos em apreço nos autos e o C……….. somente depois desses factos, afigura-se-nos não existirem elementos suficientes no sentido de se poder concluir que da atenuação especial em função da idade podem resultar assinaláveis vantagens para a sua reintegração social.
1.3 - Será, assim, dentro das apontadas molduras abstractas que se determinarão as penas concretas, seguindo o modelo que comete à culpa a função (única) de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena, cabendo à prevenção geral fornecer uma moldura cujo limite máximo é dado pela medida óptima da tutela dos bens jurídicos (dentro do que é consentido pela culpa) e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico, cumprindo, por último, à prevenção especial encontrar o quantum exacto da pena dentro da referida moldura de prevenção, que melhor sirva as exigências de ressocialização do delinquente.
Para tanto, atender-se-à a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor e contra o agente (art. 71º, n.º 2, do Código Penal).
O dolo revestiu em todas as situações a forma mais intensa (directo), revelador de um grau de culpa acentuado, embora sem se afastar da média comum aos tipos de crime em questão.
Quanto ao crime de furto simples, o grau de ilicitude foi mediano, atento o valor do veículo automóvel subtraído (pelo menos € 1.500), o qual veio a ser recuperado pelo respectivo proprietário, limitando o prejuízo sofrido pelo mesmo, acarretando uma menor gravidade das consequências dos factos.
No que concerne ao crime de furto qualificado tentado, o valor global dos telemóveis e acessórios de que os arguidos se pretendiam apropriar ascendia já a um valor considerável (pelo menos € 15.000), podendo essa circunstância ser valorada nesta sede, uma vez que a qualificação do furto já foi feita pela circunstância do arrombamento. A forma de execução dos factos revela especial censurabilidade, uma vez que os arguidos se deslocaram num veículo furtado, pela A1, até Estarreja, a centenas de quilómetros da sua área de residência (Setúbal), para praticarem um assalto a uma loja de telemóveis, dessa forma dificultando a sua identificação, usando ainda gorros ou capuzes no momento do assalto.
Ambos os arguidos evidenciam imaturidade e tendência para se afastarem dos padrões de comportamento socialmente aceites, procurando a companhia de grupos de pares conotados com comportamentos marginais.
A favor de ambos os arguidos destacam-se as suas modestas condições sócio-culturais, possuindo o Telmo o 9º ano de escolaridade e o Tiago apenas o 4º ano completo, e a juventude, possuindo, respectivamente, 19 e 16 anos à data dos factos, circunstância esta que pode ser aqui atendida posto que foi afastado o funcionamento da atenuação especial das penas em função da idade.
As exigências de prevenção geral são bastante sensíveis, dada a frequência com que são praticados crimes de furto, causadora de alarme e intranquilidade social, sendo igualmente frequentes os crimes de condução sem habilitação legal.
E considerando as condenações criminais já sofridas pelos arguidos, inclusivamente por crimes de furto e o arguido B…………. também por crimes de condução sem habilitação legal, fazem-se sentir relativamente a ambos particulares exigências de prevenção especial de ressocialização.
Ponderando os factores acabados de referir, afiguram-se-nos adequadas as seguintes penas:
A) – Para o arguido B………….:
- pelo crime de condução sem habilitação legal: 10 meses de prisão;
- pelo crime de furto simples: 16 meses de prisão;
- pelo crime de furto qualificado na forma tentada: 2 anos de prisão.
B) – Para o arguido C…………..:
- pelo crime de furto simples: 16 meses de prisão;
- pelo crime de furto qualificado na forma tentada: 2 anos de prisão.
1.4 - Há agora que efectuar o cúmulo jurídico destas penas parcelares, ao abrigo dos critérios estabelecidos no art. 77º do Cód. Penal, ponderando em conjunto a gravidade dos factos e a personalidade do agente.
Para tal, importa obter uma visão conjunta dos factos, a relação existente entre eles e o seu contexto, a sua maior ou menor autonomia, a frequência e a forma de comissão dos delitos, bem como a diversidade ou igualdade dos bens jurídicos violados e a natureza e gravidade dos crimes cometidos. Por seu lado, na avaliação (unitária) da personalidade do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos, particularmente o número de infracções cometidas, a sua perduração no tempo e a dependência de vida em relação à actividade desenvolvida é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo uma carreira criminosa), ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade, sendo que só no primeiro caso e já não no segundo se poderá atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante. Importante será também atender aos motivos e objectivos do agente no denominador comum dos ilícitos praticados e a eventuais estados de dependência.
Ora, a totalidade dos factos ocorreu no mesmo contexto e num curto espaço de tempo, havendo uma ligação de interdependência entre eles, de forma a que os crimes de furto do automóvel e de condução sem habilitação legal foram instrumentais do crime de furto qualificado tentado, na medida em que se destinaram a permitir o cometimento deste.
A gravidade dos factos concentra-se nos dois crimes contra o património, crimes estes em que o grau de compressão no cúmulo deve ser mais elevado comparativamente, por exemplo, com os crimes contra as pessoas.
Desconhece-se a motivação concreta dos arguidos, bem como uma eventual ligação a qualquer estado de dependência, não se descortinando nos crimes agora em concurso uma tendência ou carreira criminosa.
Assim, para o arguido B…………, numa moldura abstracta de 2 anos a 4 anos e 2 meses de prisão, afigura-se-nos correcta a pena única de 3 anos de prisão.
Para o arguido C…………, numa moldura abstracta de 2 anos a 3 anos e 4 meses de prisão, cremos adequada a pena única de 2 anos e 8 meses de prisão.
2. Posto isto, cumpre equacionar a possibilidade de suspender a execução destas penas.
A suspensão da execução da pena une o juízo de desvalor ético-social contido na sentença penal ao chamamento, pela ameaça de executar no futuro a pena, à própria vontade do condenado para reintegrar-se na sociedade. É uma pena, porque oriunda de condenação produtora de antecedentes criminais. É uma medida de correcção, enquanto busca, v.g., a reparação do delito ou “prestações socialmente úteis”. Aproxima-se das medidas de ajuda social, se no domínio respectivo se desenham instruções que “afectam o comportamento futuro do condenado”. E tem uma coloração sócio-pedagógica activa, pelo “estímulo ao condenado para que seja ele mesmo quem com as suas próprias forças possa durante o regime de prova reintegrar-se na sociedade”.
Este instituto insere-se num conjunto de medidas não institucionais que, não determinando a perda da liberdade física, importam sempre uma intromissão mais ou menos profunda na condução da vida dos delinquentes, pelo que, embora funcionem como medidas de substituição, não podem ser vistas como formas de clemência legislativa, pois podem e devem constituir autênticas medidas de tratamento bem definido, com uma variedade de regimes aptos a dar adequada respostas a problemas específicos. Daí que, tratando-se de um substitutivo particularmente adequado das penas privativas da liberdade que importa tornar maleável na sua utilização, há que o libertar, na medida do possível, de limites formais, de modo a com ele cobrir uma apreciável gama de infracções puníveis com pena de prisão.
Aliás, este propósito foi expressamente assumido pelo legislador na recente revisão do Código Penal (pela Lei n.º 59/2007, de 04/09), ao alargar de 3 para 5 anos as penas de prisão que poderão ser suspensas na sua execução, sendo aplicável ao caso concreto o novo regime, por ser mais favorável (art. 2º, n.º 4, do Código Penal).
Todavia, esta medida de conteúdo pedagógico e reeducativo só deve ser decretada quando o tribunal concluir, em face da personalidade do agente, das condições da sua vida, da conduta anterior e posterior ao facto punível e das circunstâncias do mesmo ser essa medida adequada a afastar o delinquente da criminalidade.
A suspensão da execução da pena que, embora efectivamente pronunciada pelo tribunal, não chega a ser cumprida, por se entender que a simples censura facto e a ameaça da pena bastarão para realizar as finalidades da punição, deverá ter na sua base uma prognose social favorável ao arguido, ou seja, a esperança de que este sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime. O tribunal deverá correr um risco prudente, uma vez que esperança não é seguramente certeza, mas se tem sérias dúvidas sobre a capacidade do arguido para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa.
Para decidir sobre a suspensão da execução da pena, o tribunal começará, pois, por um juízo de prognose sobre o comportamento futuro do agente, decidindo depois em conformidade com o que resultar dessa previsão, só devendo decretar a suspensão da execução quando concluir, face aos apontados elementos, reportados ao momento da decisão, que essa é a medida adequada a afastar o delinquente da criminalidade. Trata-se de um poder-dever, ou seja, um poder vinculado do julgador, que terá de decretar a suspensão da execução da pena, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização das finalidades da punição, sempre que se verifiquem os necessários pressupostos. Todavia, há um limite inultrapassável nesta consideração: a defesa do ordenamento jurídico. Como escreve Figueiredo Dias, “apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável - à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização -, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem as necessidades de reprovação e prevenção do crime. Estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por essas exigências se limita - mas por elas se limita sempre - o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto ora em análise”.
No caso vertente, à data dos factos já o arguido B………… havia cometido dois crimes de condução sem habilitação legal (e estava já condenado por um deles) e um crime de desobediência, tendo posteriormente vindo a cometer mais dois crimes, desta feita de furto. Acresce que não obstante ter beneficiado, no seu processo de desenvolvimento, de um contexto familiar organizado e de uma economia desafogada, cedo manifestou instabilidade comportamental e procura incessante de grupos de pares com condutas marginais, o que motivou o seu internamento, em regime semiaberto, num Centro Educativo, onde permaneceu até aos 18 anos. Não obstante, mesmo depois continuou a demonstrar imaturidade e despreocupação quanto à aquisição de hábitos de trabalho, revelando uma deficiente estruturação da sua personalidade e um elevado grau de permeabilidade à influência negativa de factores externos, o que dificulta a sua reinserção social. Aliás, mesmo no Estabelecimento Prisional onde se encontra detido já sofreu um castigo por incumprimento de normas institucionais.
Em face destes dados, cremos não estarem criadas as condições para suspender a execução da pena aplicada ao arguido B………….., por não se conseguir fazer um juízo de prognose favorável sobre o seu comportamento futuro, pois que, acima de tudo, continua a manifestar os problemas de socialização que desde muito cedo revelou.
Por seu lado, o arguido C………….apresentou um processo de socialização com défices, desde cedo abandonando a escola e integrando-se em grupos de pares com comportamentos desviantes, demonstrando dificuldades ao nível das suas competências pessoais e sociais, imaturidade, instabilidade e descontrolo emocional e atitudes agressivas e manipuladoras. E embora presentemente exerça actividades temporárias e precárias como trabalhador indiferenciado e se encontre a residir com a progenitora, com quem aparentemente mantém um relacionamento equilibrado e com cujo apoio conta, o certo é que aquelas dificuldades e deficiências que apresenta, associadas à sua conduta posterior aos factos, também não permitem fazer um juízo de prognose favorável sobre o seu comportamento futuro. Note-se que o arguido mantém-se permeável à influência de grupos de pares conotados com comportamentos desviantes e sente necessidade de possuir bens materiais da moda, em detrimento do cumprimento das normas e valores sociais e jurídicos vigentes. E para além dos crimes de condução sem habilitação legal (dois), condução perigosa de veículo rodoviário, furto qualificado e furto simples (dois), todos cometidos ainda no ano de 2005, mais recentemente, já em 2007 e em 2008, cometeu, respectivamente, um crime de maior gravidade, mais concretamente de tráfico agravado de estupefacientes, sem que lhe seja conhecida uma qualquer dependência da droga, e um novo crime de condução sem habilitação legal. Aliás, a prática deste último crime ocorreu em pleno período de suspensão de duas penas de prisão, uma delas, inclusive, também por um crime de igual natureza, o que demonstra que o juízo de prognose favorável subjacente à decisão de suspender tais penas não estava correcto. Acresce que a prática deste últimos e recentes crimes infirma a conclusão de que as suas condutas desviantes se concentraram num determinado período (anos de 2005) menos bom e já ultrapassado da sua vida.
Em face do exposto, cremos que também em relação ao arguido C……….., e não obstante a sua juventude, não estão criadas as condições para suspender a execução da pena.
É certo que o relatório social junto a fls. 448 e ss. conclui no sentido de parecer estarem reunidas as condições que permitem propor uma pena alternativa à de prisão, nomeadamente com acompanhamento do IRS com imposição de obrigações, o que parece apontar para uma eventual suspensão de execução da pena com regime de prova.
Todavia, em face dos próprios elementos constantes do relatório, não nos parece suficientemente seguro concluir por um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do arguido. Com efeito, o relatório refere expressamente que a prossecução de um modo de vida normativo pelo arguido dependerá da sua adesão a medidas que coadjuvem um melhor enquadramento ou organização pessoal e social, nomeadamente ao nível do acompanhamento psicológico e da integração em projectos de formação sócio-profissional. Ora, os traços de personalidade descritos no referido relatório, nomeadamente as dificuldades ao nível das competências pessoais e sociais, a permeabilidade à influência de grupos de pares com comportamentos desviantes, a instabilidade e descontrolo emocional, a necessidade de possuir produtos da moda, as atitudes manipuladoras, os problemas de contenção dos seus comportamentos, etc., não permitem encarar como altamente provável ou pelo menos suficientemente segura uma adesão por parte do arguido às referidas medidas de que dependerá a adopção de um modo de vida normativo”.

Ora, dispõe o artº4º do Dec. Lei nº401/82, de 23/09 que “se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artigos 73º e 74º do Código Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado”.

Como se deixou transcrito, o tribunal recorrido fundamentou exaustivamente, e com manifesto acerto, diga-se, quer a concreta medida das penas aplicadas aos recorrentes, quer a não aplicação do regime penal previsto no Dec. Lei nº401/82 de 23/09, por não resultar, da personalidade dos arguidos e factos que enumera, o indispensável juízo de prognose favorável à reivindicada atenuação especial das penas, como vantajosa para a reinserção social dos recorrentes que, como sintetiza ainda o Senhor Procurador-geral adjunto no seu parecer, «... não revelam qualquer arrependimento, continuando a não assumir a responsabilidade pelos actos dados como provados, sendo talvez o momento exacto para, com as penas aplicadas, tentar inverter um percurso tendente a fazer incorrer os arguidos na prática de crimes mais graves».

Não basta, para que se faça uso da pretendida atenuação especial das penas a singela alegação, avocada pelos recorrentes, da «inconveniência dos efeitos estigmatizantes das penas», mas antes a fundada convicção do tribunal da interiorização pelos arguidos do desvalor das suas condutas e o seu assumido propósito de não delinquirem no futuro.

Não merece, pois, a decisão o mínimo reparo, quanto à escolha e determinação das penas aplicadas e não suspensão da sua execução, pois que no escrupuloso cumprimento das normas que, sem razão, os recorrentes reputam de violadas.

Decisão:

Acordam os juízes, desta Relação, na confirmação da douta decisão, em negar provimento a ambos os recursos.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC.

Porto, 14/10/2009.
Ângelo Augusto Brandão Morais
José Carlos Borges Martins