Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0616509
Nº Convencional: JTRP00040022
Relator: MARIA DO CARMO SILVA DIAS
Descritores: BRANQUEAMENTO DE CAPITAIS
Nº do Documento: RP200702070616509
Data do Acordão: 02/07/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC. PENAL.
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE.
Indicações Eventuais: LIVRO 473 - FLS. 162.
Área Temática: .
Sumário: Não basta o simples depósito em conta própria de vantagens provenientes do crime de tráfico de estupefacientes, para se poder concluir pela verificação do crime de branqueamento na modalidade prevista nº 3 do art. 368º - A do CPP95.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam, em audiência, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:
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I- RELATÓRIO
Nos autos de processo comum (Tribunal Colectivo) nº …../04.0JAPRT do ….º Juízo Criminal de Vila Nova de Famalicão, foi proferido acórdão, em 14/6/2006 (fls. 2497 a 2525), constando do dispositivo o seguinte:
“Do exposto, decide este Tribunal Colectivo julgar parcialmente procedente a acusação do Ministério Público e, nesta medida:
Condenar o arguido B………………, pela co-autoria, de um crime de branqueamento de capitais, p. e p. no art. 368ºA, nºs 2 e 3, do Cód. Penal, na pena parcelar de 4 anos de prisão; pela autoria de um crime de detenção de arma proibida, p e p. no art. 275º, nº 1 e 3, do Cód. Penal (por referência ao art. 3º, nº 1, al. a), do nº 207-A/75, de 17.4., na pena de 12 meses de prisão; pela autoria de um outro crime, de detenção ilegal de armas de defesa, p. e p. no art. 22º da Lei nº 22/97, na pena parcelar de 10 meses de prisão, e pela autoria de um crime condução ilegal, p. e p. no art. 3º, nº 2, da Lei nº 2/98, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, e na pena única de 6 (seis) anos de prisão;
Condenar a arguida C………….., pela autoria de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. nos arts. 21º, nº 1, e 24º, al. c), do D.L. nº 15/93, na pena de 6 anos e 6 meses de prisão, e pela co-autoria de um crime de branqueamento de capitais, p. e p. no art. 368ºA, nºs 2 e 3, do Cód. Penal, na pena parcelar de 3 anos e 6 meses de prisão, sendo a pena única fixada em 8 anos de prisão.
Absolver esta arguida dos restantes crimes de que vem acusada;
Absolver o arguido D………… do crime de que vem acusado;
Condenar, cada um dos arguidos B…………… e C………… no pagamento de, respectivamente, 5 e 10 U.Cs. de taxa de justiça, e em, respectivamente, 3/5 e 2/5 das demais custas crime do processo, com procuradoria máxima, devendo ainda pagar 1% da taxa de justiça devida nos termos do artº. 13º, nº 3 do D.L. 423/91, de 30/10. (…)”
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Não se conformando com o dito acórdão, a arguida C…………. interpôs recurso dessa decisão (fls. 2613 a 2624), formulando as seguintes conclusões:
“1 – Contrariamente ao doutamente decidido, o despacho que ordenou as escutas não se encontra nem de facto nem de direito suficientemente fundamentado nos termos exigidos pelo artigo 187.° do CPP, pois, o despacho judicial que as autoriza fundamentado em informação da polícia judiciária resultante de fonte anónima, despoleta a nulidade insanável do despacho que as ordena.
2 – Na verdade, de acordo com o disposto no artigo 187.° do C.P.P., não basta alegar, como aí se alega, que as gravações das conversações se revelarão de grande interesse para a descoberta da verdade e para a prova e por via disso autorizar as escutas.
3 – Assim, o despacho que ordena as escutas não se encontra devidamente fundamentado por a formulação da justificação da necessidade de proceder às intercepções telefónicas ser meramente conclusiva e vazia de conteúdo.
4 – De acordo com a prescrição contida no artigo 97.° do C.P.P., o despacho que autorizou as intercepções telefónicas não se encontra suficientemente fundamentado nem de facto, nem de direito, pois, tal despacho para além da fundamentação de direito deve incluir a indicação, ainda que sintética, dos factos fortemente indiciados (denúncia anónima) e, a indicação dos meios de prova que fundamentam a qualidade ou grau de indiciação, bem como a justificação deste, violando, por isso, ao não o fazer, o inciso contido no artigo 97.°, n.° 4 do C.P.P.,
5 – A interpretação do artigo 189.° do CPP no sentido de que apenas a falta de despacho constitui nulidade insanável é inconstitucional, por ofensa do princípio da proporcionalidade e das direitos consagrados nos artigos artigo 26.°, n.° 1, 32.°, n.º 8 e 34.°, n.° 4 da C.R.P., na medida em que a restrição do direito fundamental em causa se limita ao estritamente necessário, à salvaguarda do interesse constitucional na descoberta de um concreto crime e punição do seu agente, não se bastando a lei fundamental com a violação daquele direito ordenando-se escutas apenas com base em denúncia anónima.
6 – Assim o despacho de fls. 13, que ordenou as intercepções das conversações telefónicas é nulo por não se encontrar suficientemente fundamentado quer de facto quer de direito, padecendo de nulidade insanável e consequentemente são nulas as provas obtidas a coberto do mesmo.
7 – Face aos factos provados constantes de 2.1.10; 2.1.11; 2.1.13 e 2.1.16, entendeu o Tribunal a quo que a conduta da arguida recorrente se reconduz a uma conversão de lucro pecuniário obtido na actividade ilícita de tráfico de estupefacientes em depósitos bancários e bens e que por via disso dissimulou e ocultou a verdadeira origem desse valor monetário e consequentemente a conduta preenche o tipo legal de crime.
8 – Para que ao agente seja imputada a prática de tal crime necessário se torna que a actuação decorra da execução de um plano finalisticamente dirigido a ocultar ou dissimular bens, ou seja, a actuação com o fim de ocultar ou dissimular a origem ilícita dos bens exprime que o desvalor da acção está em impedir a demonstração ou prova de tal origem (sem o que não se verifica branqueamento), sabendo-se que dessa prova depende a possibilidade de confiscar os bens de origem ilícita e, como tal, de afirmar o princípio político-jurídico segundo o qual o crime não deve propiciar quaisquer ganhos patrimoniais. 9 – Ainda que o agente proceda a depósito bancário em conta de que é titular não significa por si só que estejamos perante um caso de branqueamento. Isto porque não ocorre a violação do bem jurídico tutelado, na medida em que facilmente pode ser reconstituído documentalmente, como efectivamente o foram, os movimentos financeiros efectuados.
10 – Da matéria de facto tida por provada a actuação da arguida não é de molde a se concluir por a mesma ter efectuado actos de conversão e/ou transferência de modo a que o Estado não pudesse reconstituir todos os movimentos financeiros efectuados que in casu se reconduzem a simples depósito bancário e não a uma subsequente disseminação desse depósito por diversas aplicações financeiras que a final dessem a imagem de licitude.
13 – Ocorre uma dupla incriminação quando o agente é punido pelo crime de tráfico agravado pela al. c) do artigo 24.º e simultaneamente é condenado pela prática de um crime de branqueamento de capitais.
14 – A aquisição de veículos automóveis, conduzidos e utilizados pelo co-arguido e cuja propriedade se encontrava registada em nome da ora recorrente, também não permite integrar a prática do crime de branqueamento, dado que para o preenchimento do tipo legal de crime de branqueamento, necessário se torna que a finalidade da conversão ou transferência seja a de dissimular a sua origem ilícita, e não se alcança como é possível que os factos provados possam integrar, ainda que hipoteticamente, tal ilícito.
15 – Não dissimulou, pois, a arguida, ao registar a aquisição do veículo o que quer que seja, pelo contrário, apenas demonstrou que o mesmo só poderia ter sido adquirido com lucros provenientes de actividade ilícita, nomeadamente, tráfico de estupefacientes.
16 – Na verdade, ao registar a aquisição de tal veículo não procurava nem podia, atenta à sua situação económica, dissimular a sua origem ilícita.
17 – Pelo que, não se encontrando preenchidos os elementos integradores do tipo legal de crime de branqueamento p. e p. pelo artigo 368.°-A do C.P., deveria a arguida ser absolvido da prática de tal crime.
18 – O douto acórdão ora recorrido padece de um vício a que se reporta a al. b) do nº 2 do artigo 410.°, do C.P.P., o qual resulta inequívoco do texto da decisão recorrida na medida em que a matéria de facto provada constante do item 27, está em contradição com a matéria de facto não provada consignada no item 21.
19 – O sobredito vício resulta também na motivação da decisão de facto, quando o Tribunal a quo consigna no douto acórdão recorrido que: “ (…) e veículos, estes últimos confessadamente adquiridos com aquele tipo de dinheiro”.
20 – A pena unitária aplicada à recorrente, de oito anos de prisão, é manifestamente exagerada por a condenação da ora recorrente, como autora material de um crime de tráfico agravado e de um crime de branqueamento, na pena unitária de oito anos, não realizar nenhum dos fins das penas, como também não é adequado à culpa da arguida.
21 – Não atendendo, assim, a todos os elementos dosimétricos do artigo 71.°, do Código Penal, a medida concreta da pena aplicada à recorrente merece censura; dado que face à pena aplicada é nítida a violação do disposto no artigo 71.°, n.° 1, do C. P., em termos da culpa da arguida recorrente.
22 – Destarte, em nome da justiça e da equidade, impõe-se a aplicação à arguida recorrente, uma pena não superior a 6 anos de prisão, a qual realizaria as exigências decorrentes do fim preventivo geral, ligadas à contenção da criminalidade e à defesa da sociedade.
Foram violados os artigos 71.° e 368.° - A, do Código Penal, artigos 97.°, 187º, 189º e 410º nº 2, al. b) do Código Processo Penal, 26 nº 1, 32 nº 8, 34 nº 4 e 205 nº 1 da CRP, e, artigos 21.° e 24.° do D.L. 15/93, de 22.01.
Termina pedindo o provimento do recurso e, em consequência, a revogação do acórdão recorrido, com todas as consequências legais.”
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Não se conformando com o dito acórdão, o arguido B………….. interpôs recurso dessa decisão (fls. 2642 a 2650), formulando as seguintes conclusões:
“1 – Face aos factos provados constantes de 2.1.10; 2.1.11; 2.1.13 e 2.1.16, entendeu o Tribunal a quo que a conduta do arguido recorrente se reconduz a uma conversão de lucro pecuniário obtido na actividade ilícita de tráfico de estupefacientes em depósitos bancários e bens e que por via disso dissimulou e ocultou a verdadeira origem desse valor monetário e consequentemente a conduta preenche o tipo legal de crime p. e p. no artigo 368.°-A, do C. P..
2 – Para que ao agente seja imputada a prática de tal crime necessário se torna que a actuação decorra da execução de um plano finalisticamente dirigido a ocultar ou dissimular bens exprime que o desvalor da acção está em impedir a demonstração ou prova de tal origem (sem o que não se verifica branqueamento), sabendo-se que dessa prova depende a possibilidade de confiscar os bens de origem ilícita e, como tal, de afirmar o princípio político-jurídico segundo o qual o crime não deve propiciar quaisquer ganhos patrimoniais. 3 – Ainda que o agente proceda a depósito bancário em conta de que é titular a co-arguida e companheira não significa por si só que estejamos perante um caso de branqueamento. Isto porque não ocorre a violação do bem jurídico tutelado, na medida em que facilmente pode ser reconstituído documentalmente, como efectivamente o foram, os movimentos financeiros efectuados.
4 – Na verdade o agente terá que querer com a sua conduta ocultar ou dissimular a verdadeira origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens oriundos de crime precedente. Isto é o agente terá que praticar um dos actos descritos e o mesmo terá que constituir um meio de atingir o fim pré-determinado – ocultar ou dissimular a verdadeira origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens oriundos do crime de tráfico de estupefacientes.
5 – Da matéria de facto tida por provada a actuação do arguido não é de molde a se concluir por a mesma ter efectuado actos de conversão e/ou transferência de modo a que o Estado não pudesse reconstituir todos os movimentos financeiros efectuados que in casu se reconduzem a simples depósito bancário e não a uma subsequente disseminação desse depósitos por diversas aplicações financeiras que a final dessem a imagem de licitude.
6 – Na verdade o artigo 1.° da Lei n.° 11/2004, define como respectivo objecto o estabelecimento de medidas de natureza preventiva e repressiva de combate ao branqueamento de vantagens de proveniência ilícita (…) relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais.
7 – A aquisição de veículos automóveis, conduzidos e utilizados pelo arguido e cuja propriedade se encontrava registada em nome da co-arguida, também não permite integrar a prática do crime de branqueamento, dado que para o preenchimento do tipo legal de crime de branqueamento, necessário se torna que a finalidade da conversão ou transferência seja a de dissimular a sua origem ilícita, e não se alcança como é possível que os factos provados possam integrar, ainda que hipoteticamente, tal ilícito.
9 – Não dissimulou, pois, o arguido recorrente, ao adquirir o veículo o que quer que seja, pelo contrário, apenas demonstrou que o mesmo só poderia ter sido adquirido com lucros provenientes de actividade ilícita, nomeadamente, tráfico de estupefacientes.
10 – Pelo que, não se encontrando preenchidos os elementos integradores do tipo legal de crime de branqueamento p. e p. pelo artigo 368.°-A do C.P., deveria a arguida ser absolvido da prática de tal crime.
11 – O douto acórdão ora recorrido padece de um vício a que se reporta a al. b) do n.º 2 do artigo 410.°, do C.P.P., o qual resulta inequívoco do texto da decisão recorrida na medida em que a matéria de facto provada constante do item 27, está em contradição com a matéria de facto não provada consignada no item 21.
12 – A pena unitária aplicada à recorrente, de oito anos de prisão, é manifestamente exagerada por a condenação da ora recorrente, como autora material um crime de tráfico agravado e de um crime de branqueamento, na pena de unitária de oito anos, não realizar nenhum dos fins das penas, como também não é adequada à culpa da arguida.
13 – Não atendendo, assim, a todos os elementos dosimétricos do artigo 71.°, do Código Penal, a medida concreta da pena aplicada à recorrente merece censura; dado que face à pena aplicada é nítida a violação do disposto no artigo 71,°, n.° 1, do C. P., em termos da culpa da arguida recorrente.
14 – Destarte, em nome da justiça e da equidade, impõe-se a aplicação à arguida recorrente, uma pena única não superior a 6 anos de prisão, a qual realizaria as exigências decorrentes do fim preventivo especial, ligadas à reinserção social do delinquente e exigências decorrentes do fim preventivo geral, ligadas à contenção da criminalidade e à defesa da sociedade.
Foram violados os artigos 71.° e 368.° - A, do Código Penal, artigos 97.º, 187.°, 189.° e 410.°, n.° 2, al. b) Código de Processo Penal, e, 26.° n.° 1, 32.°, n.° 8, 34º nº 4 e 205.°n.° 1,da C.R.P.
Termina pedindo o provimento do recurso e, em consequência, a revogação do acórdão recorrido, com todas as consequências legais.”
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Na 1ª instância, o MºPº respondeu aos recursos interpostos pelos arguidos (fls. 2675 a 2678), pugnando pela confirmação do acórdão sob recurso.
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Tendo sido o processo remetido ao STJ, veio este Tribunal, por acórdão de 4/10/2006 (fls. 2689 e 2690), a declarar-se incompetente para conhecer dos recursos, determinando a remessa dos autos a este Tribunal da Relação do Porto.
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Nesta Relação, o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer (fls. 2695 a 2702), concluindo que os recursos não merecem provimento.
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Foi cumprido o disposto no art. 417 nº 2 do CPP.
Feito o exame preliminar a que se refere o art. 417 nº 3 do CPP e, colhidos os vistos legais, realizou-se a audiência.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
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O acórdão sob recurso, na parte em que se pronuncia sobre a questão colocada pela recorrente a fls. 2117, quanto à arguida nulidade do despacho que ordenou as intercepções telefónicas, é do seguinte teor(1):
“A fls. 2117, vieram os arguidos B…………….. e C……………. arguir a nulidade do despacho que ordenou as intercepções telefónicas e, consequentemente, estas, alegando que os presentes autos iniciaram-se com a informação de fls. 2, na qual a polícia judiciária informa que através de fonte anónima, elaborou denúncia sobre tráfico de estupefacientes a que, de acordo com essa mesma fonte anónima, os arguidos se dedicavam.
Prosseguem alegando ainda que, face a essa denúncia anónima foi promovido, sem a realização de quaisquer outras diligências tendentes a aferir da veracidade da denúncia, pelo Ministério Público a interceptação dos postos telefónicos com os n. ºs ………880, ………….052 e ……………..403.
Por despacho, ora colocado em crise o Mmº J.I.C., a fls. 13, autorizou as sobreditas intercepções telefónicas. De acordo com o disposto no artigo 187.° do C.P.P., não basta alegar como aí se alega que as gravações das conversações se revelarão de grande interesse para a descoberta da verdade e para a prova e por via disso autorizar as escutas. (…) Por isso as informações anónimas não constituem uma suspeita qualificada não sendo consequentemente suficientes para desencadear escuta telefónica.
Assim, o despacho de fls. 13, não se encontra devidamente fundamentado, pois embora seja suficiente qualquer fórmula, resumida ou sumária, é necessário que a mesma se encontre em conjugação lógica e cronológica com outros actos processuais anteriores (não mera denúncia anónima) donde se possa concluir que: a) o Juiz ponderou os motivos de facto e de direito da sua decisão; b) a decisão tem virtualidade para convencer os interessados e, os cidadãos em geral da sua correcção e justiça; e, c) o controlo da legalidade não é prejudicado pela forma como é proferida.
Do aludido despacho judicial apenas consta que: "atenta a informação de fls. 2 (denúncia anónima) e ss., e o crime de tráfico de estupefacientes, ..., havendo razões para crer que a intercepção e gravação de conversações telefónicas mantidas através dos telefones móveis mencionados na promoção que antecede se revelarão de grande interesse para a descoberta da verdade e para a prova ... ";
Ora, não se configura assim tal despacho suficientemente fundamentado, quer pelas razões atrás aduzidas, quer pela protecção do direito à reserva das conversações, constitucional, legal e internacionalmente protegido (artigo 26.°, nº 1, 32.°, n.º 8 e 34.°, n.º 4 da C.R.P.; artigo 18.° da Lei de Segurança Interna - Lei 20/87, de 12/06; e, Declaração Universal dos Direitos do Homem; Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e Convenção Europeia dos Direitos do Homem), que impõe que a restrição a tal direito consagrado no sobredito artigo 26.°, nº 1 da C.R.P., nos termos do disposto no artigo 187.°, do C.P.P., tem de ser suficientemente fundamentado não se bastando como sucede in casu com uma reprodução do conteúdo do preceito legal, ou seja, no despacho apenas se refere que a diligência revelar-se-á de interesse para a descoberta da verdade e para a prova. Tal formulação da justificação da necessidade de proceder às interceptações telefónicas é meramente conclusiva e vazia de conteúdo.
A Constituição da República Portuguesa impõe que as decisões dos tribunais sejam fundamentadas na forma prevista na lei ordinária (artigo 205.°, nº 1, da C.R.P.), cometendo, assim, a esta a concretização do grau de exigência que em cada caso o órgão jurisdicional deve satisfazer.
No Direito Criminal o acto decisório final obedece, nos termos da lei, a um grau de pormenorização dos requisitos de fundamentação elevado, cujo incumprimento determina a nulidade do acto (artigo 374.°, nº 3 e 379.°, aI. a), do C.P.P.). E, no contexto processual penal, a materialização do imperativo constitucional é contemplada com uma disposição genérica dirigida a qualquer acto decisório da competência do Juiz - onde, obviamente, se inclui autorização de intercepções telefónicas - obrigando-o a fundamentar de facto e de direito (art.º 97.°, do C.P.P.).
Atenta a prescrição contida no artigo 97.° do C.P.P., afigura-se-lhes que o despacho impugnado não se encontra suficientemente fundamentado nem de facto, nem de direito, pois, tal despacho para além da fundamentação de direito deve incluir a indicação, ainda que sintética, dos factos fortemente indiciados (denúncia anónima) e, a indicação dos meios de prova que fundamentam a qualidade ou grau de indiciação, bem como a justificação deste, violando, por isso, ao não o fazer, o inciso contido no artigo 97º, nº 4 do C.P.P..
Do exposto, extraem os arguentes que, sic, o despacho que ordenou as intercepções das conversações telefónicas é nulo por não se encontrar suficientemente fundamentado quer de facto quer de direito, requerendo, assim, se declare nulo tal despacho e consequentemente as provas obtidas a coberto do mesmo.
No despacho de fls. 2124, o Mmº. J.I.C., convidou os arguidos a aperfeiçoarem o seu requerimento concretizando: o interesse do arguido Licínio; os meios de prova que querem ver declarados nulos e qual a nulidade, prevista no art. 118º, que argúem.
Em aperfeiçoamento, o arguido Licínio vem dizer que o seu interesse é processual no requerimento é, sobretudo, demonstrar que a denúncia anónima de tráfico de estupefacientes, não teve, relativamente a si, embora no âmbito de outro processo em que foi julgado por esses factos, o desfecho esperado – a condenação (…) pelo que o interesse processual apresentado é, sobretudo, com referência à arguida C……….. .
Diz ainda que a nulidade pedida é a do despacho e das intercepções telefónicas e respectivas transcrições, efectuadas a coberto daquele mesmo, por referência aos arts. 187º, nº 1, 87º, 97º, nº 4, 120º, nºs 1, 2 e 3, al. c), 122º, nº 1, 118º, nº 1, e 189º, do Cód. de Proc. Penal.
Os restantes sujeitos processuais nada disseram, em tempo.
Cumpre decidir.
Antes de mais, convém relembrar que os vícios que podem determinar a nulidade de qualquer acto no nosso processo penal estão tipificados (cf. art. 118º, nº 1, do Cód. de Proc. Penal).
No caso, os vícios que o arguido invocam são, aparentemente, os relacionados com a alegada falta de fundamentação do despacho (violando o disposto no art. 97º, do C.P.P.) que determinou as escutas telefónicas consideradas na acusação e/ou (?) a violação do dispositivo dos arts. 187º e 188º, do Cód. de Proc. Penal, que tem a cominação do seu art. 189º.
Ora, em relação à primeira, cremos que carece de sustento substancial a alegação dos arguentes já que o despacho em crise está, de facto e de direito, fundamentado em conformidade com o que exige o citado art. 187º, do C.P.P., i. é, estava em investigação um crime de tráfico de estupefacientes e para tanto admite o citado art. 187º, nº 1, al. b), esse meio de recolha de prova que aliás, a final, se veio a verificar ter sido relevante para a comprovação de factos desse tipo, aliás confessados pelo arguido B………….. em declarações na audiência deste processo. Coisa diversa, é o que se passou noutros autos em que essa prova não foi considerada e que, concerteza, para aqui não releva, a não ser a favor da absolvição de que beneficiou um dos arguentes – o arguido B………….. - e impede o Ministério Público de o ver novamente julgado por esse crime.
De resto, lembram-se os arguidos de que essa simples (alegada) irregularidade – falta de fundamentação do despacho - não importaria a nulidade do despacho (cf. art. 118º, nº 1, do Cód. de Proc. Penal).
Assim, além de mais, é tecnicamente “inválida” essa “nulidade” e a actuação dos arguidos, ao vir agora invocá-la, depois da comprovada pertinência do seu resultado probatório, revela apenas um uso reprovável (mas infelizmente muito comum neste tipo de processos) de direitos processuais para formalmente tentar matar o processo na secretaria.
Igualmente insustentada é alegada violação do dispositivo do art. 187º, do Cód. de Proc. Penal, que já acima afastámos. Em tudo o resto, as alegações dos arguidos baseiam-se em interpretações restritivas dessa norma, muito em voga actualmente na senda da acusação de determinadas personalidades, mas que em nosso entender não colhem fundamento nessa lei processual (cf. art. 9º, nº 2, do Código Civil) e, portanto, não violam as citadas normais constitucionais(2) (cf. arts. 26º, nº 1, 32º, nº 8, e 34º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa) que não definem o direito à reserva da vida privada: nem como um direito absoluto, nem como o principal direito fundamental dos cidadãos.
Por tudo o exposto, consideramos improcedentes os vícios arguidos pelos arguidos e, portanto, válidas as provas recolhidas com as referidas escutas telefónicas.
Custas do incidente pelos arguidos/arguentes, com 3 U.Cs. de taxa de justiça (cada) (cf. art. 513º, nº 1, do Código Civil).”

Por sua vez, na mesma decisão sob recurso, foram considerados provados os seguintes factos:
“2.1. Matéria de Facto Provada
Da audiência de julgamento e dos elementos probatórios constantes dos autos resultaram provados os seguintes factos:
Os arguidos B……………. e C…………., de acordo com os ritos da etnia a que pertencem, são um casal entre si, vivendo em plena economia comum, numa casa sita em …………, Vila Nova de Famalicão.
O arguido D…………… é irmão do arguido B…………...
Desde, pelo menos, meados de 2003 e até à sua detenção, ocorrida em 13.01.05, a arguida C……………. dedicou-se, com regularidade, à cedência, a terceiros, mediante contrapartida monetária ou outra, para consumo ou revenda por banda destes, de heroína, cocaína, o que vinha fazendo, a partir da sua habitação, a indivíduos residentes na área desta comarca e em comarcas limítrofes.
Durante o considerado período, com uma regularidade quase diária, a arguida vendeu a toxicodependentes ou a consumidores ocasionais, para consumo e/ou para revenda por partes destes, cocaína e heroína.
6. Os indivíduos interessados na aquisição das aludidas substâncias contactavam a arguida via telefone.
A arguida mantinha contacto com os fornecedores e com os compradores de produto estupefaciente através, entre outros, do telemóvel com o nº …………….403.
Assim aconteceu entre muitas outras vezes, nos dias 15.05.04, 19.05.04, 21.05.04, 28.05.04, 31.05.04, 15.06.04, 28.10.04, 02.11.04, 03.11.04, 04.11.04, 08.11.04, 15.11.04, 24.12.04, 27.12.04 e 10.01.05, em que, através do telemóvel com o nº ……….403, a arguida contactou e foi contactada por indivíduos com quem combinou a entrega e/ou o recebimento, mediante contrapartida monetária ou outra, de quantidades variáveis de substâncias estupefacientes, designadamente, heroína e cocaína.
Durante o considerado período, a arguida vendeu heroína e cocaína a vários indivíduos, em número não apurado, sendo que alguns, de entre estes, compravam produto estupefaciente à arguida com regularidade diária ou, então, várias vezes por semana.
De resto, durante tal período a arguida recebeu avultadas quantias monetárias, provenientes, justamente, da descrita actividade de tráfico.
Com efeito, no período compreendido entre 09.10.03 e 19.04.04, a arguida depositou, na conta por si titulada, sob o nº 0882083159500, no Balcão de Vila Nova de Famalicão da …….., a quantia global de 62.500,00.
Assim: aos 09.10.03 (data da abertura da conta), efectuou um depósito no montante de € 10.000,00; aos 14.11.03, efectuou um depósito no montante de € 10.000,00; aos 25.11.03, efectuou um depósito no montante de € 5.000,00; aos 09.12.03, efectuou um depósito no montante de € 7.500,00; aos 17.12.03, efectuou um depósito no montante de € 5.000,00; aos 22.12.03, efectuou um depósito no montante de € 2.500,00; aos 26.12.03, efectuou um depósito no montante de € 7.500,00; aos 26.01.04, efectuou um depósito no montante de € 5.000,00; aos 03.03.04, efectuou um depósito no montante de € 5.000,00; aos 19.04.04, efectuou um depósito no montante de € 5.000,00.
Na assinalada conta bancária, com excepção de um levantamento, no montante de € 20.000,00, efectuado aos 15.10.04, a arguida apenas realizou operações de depósito.
A quantia de € 20.000,00, resgatada daquela conta aos 15.10.04, foi pelo arguido B………….. e pela arguida utilizada, em dia indeterminado desse mesmo mês, na aquisição de um veículo automóvel da marca Ferrari, de matrícula RQ-..-...
Para pagamento do Ferrari, no valor de € 50.000,00, a arguida e B……………. entregaram a quantia total de € 25.000,00 e o veículo automóvel da marca Mercedes, modelo CLK, de matrícula, ..-..-UF, de sua propriedade, avaliado em € 25.000,00.
O veículo dado em retoma na aquisição do Ferrari fora adquirido pelos arguidos B……………. e C……………. com quantias monetárias percebidas em razão da descrita actividade de tráfico desenvolvida pela segunda.
Na verdade, o identificado Mercedes fora adquirido por estes arguidos, aos 08.01.04, no "Stand E…………", sito em ……….., …………., Braga, pelo preço de € 29.690,00, pago imediatamente em dinheiro no acto de entrega.
No dia 15.11.04, pelas 16h30, na Rua de ……, em ….., área desta comarca, o arguido B…………… conduziu o veículo da marca Ferrari, sem que fosse titular de carta de condução ou de qualquer outro título que o habilitasse para o efeito.
No dia 11.01.05, pelas 15h30, em busca efectuada à residência dos arguidos B……………. e C……………….., sita na Rua …….., em …….., V. N. de Famalicão, foram encontrados e apreendidos: três embalagens de Cocaína, com o peso líquido global de 22,050 gr.; duas embalagens contendo heroína, com o peso líquido de 20,340 gr.; uma (1) pequena bolsa contendo no seu interior dois pedaços de canabis (resina), com o peso líquido de 8,090 gr.; uma (1) pistola com respectivo carregador, da marca STAR - Mod. 28PK de calibre 9mm, com o nº de série 1856998 e ainda com o n.o 45798 - DGP; uma (1) pistola da marca STAR - Mod. Starlet, de calibre 6,35mm, com os dizeres B. Echeveria - Eibar Espanha, com nº de série CU-711885, contendo dois carregadores e respectivo coldre em couro de cor castanha; um (1) revólver modelo NAA 22 - LR. - 22 Long Rifle (equivalente a 5,6mm no sistema métrico), com os dizeres "North American Arms Corp New Bury Park Calif' e com o n.º B 21609; uma (1) carteira de senhora de cor vermelha, que continha no seu interior a quantia € 31.950,00 (trinta e um mil novecentos e cinquenta euros), em notas do Banco Central Euros; um (1) telemóvel da marca MAXON, de cor cinzenta, com o IMEI 35107285-003556-3, que continha um cartão da Operadora de Telecomunicações Móveis VODAFONE, com o nº ………..519, sendo que este aparelho já esteve associado ao número de telefone …………..260; um (1) telemóvel da marca NOKIA, modelo 7250, de cor roxa, com o IMEI 351513002800701, que continha um cartão da Operadora de Telecomunicações Móveis TMN, com o n.º 60000103564769 95, que corresponde ao número ……….403; uma bolsa de plástico, contendo no seu interior diversos objectos de ouro, nomeadamente, três (3) voltas, uma (1) volta com um coração, dezanove (19) pulseiras, três (3) pares de brincos, vinte (20) anéis e catorze (14) peças diversas, tipo "pingentes", tudo com um peso bruto aproximado de 538 Gramas; duas (2) fotografias; uma (1) chave de um veículo automóvel da marca Mercedes; documentação diversa; um cartão da Operadora de Telecomunicações Móveis TMN, com o nº 60000070407406; diversos papeis manuscritos.
No dia 13.01.05, pelas 15h30, junto à agência da ………., em Famalicão, a arguida C……………. trazia consigo, entre o mais: sete (7) duplicados de talões de depósito referentes à conta 0882.083159500, da …………; um (1) talão de carregamento de telemóvel, relativo ao nº ………….403; uma (1) pequena saca preta, em tecido, contendo no seu interior vários objectos de ouro, designadamente, oito (8) anéis, quatro (4) pulseiras, dois (2) brincos e duas (2) voltas, com o peso bruto global de 221,85 gramas.
A arguida C…………… destinava a cocaína e heroína que lhe foram apreendidas à venda a terceiros, mediante contrapartida monetária ou outra.
As quantias monetárias apreendidas, foram obtidas pela arguida em contrapartida da venda de substâncias estupefacientes.
Os telemóveis apreendidos eram pela arguida C…………….. utilizados na sua actividade de tráfico.
Os objectos de ouro apreendidos têm valor global de € 8003,50.
A arguida conhecia a natureza e as características das substâncias estupefacientes que comprava, vendia e tinha na sua posse e não ignorava que a respectiva compra, detenção e venda lhe estavam legalmente vedadas.
Quis a arguida C……………, com a sua descrita actividade de tráfico, fazer distribuir substâncias estupefacientes por número não apurado de indivíduos e obter, por essa via, compensações monetárias e outras, para si e para o arguido B………….
Ao adquirirem os veículos automóveis referenciados em 13. e 14., agiram os arguidos B……………… e C…………. com o intuito de mascarar, convertendo em bens cuja detenção é legítima, a origem ilícita do dinheiro que aplicaram na respectiva compra.
Sabiam, pois, estes arguidos, que as quantias monetárias resultavam directa e necessariamente do tráfico de estupefacientes e, todavia, não se coibiram de, através da aquisição de veículos, procederem à respectiva camuflagem e assim tentarem obstar a que fosse conhecida a sua verdadeira natureza e origem.
De resto, e por forma a ocultarem o Ferrari e, desse modo, escaparem ao controlo das autoridades, os arguidos B……………… e C……………….. estacionaram-no, durante cerca de um mês, num parque subterrâneo existente na cidade de Braga.
O arguido B………………. conhecia as características do veículo que conduziu e não ignorava que, pelo facto de não ser titular de carta de condução ou de documento equivalente, não o podia tripular na via pública.
Os arguidos B…………….. e C………………. não são titulares de licença de uso e porte de arma de defesa.
Sabia o arguido B……………. que não podiam obter nem deter as (suas) armas que guardava na respectiva residência e, bem assim, que a pistola da marca STAR - Mod. 28PK de calibre 9mm, com o nº de série 1856998 se tratava, para além do mais, de uma arma proibida.
Agiram os arguidos C…………… e B……………., deliberada, livre e conscientemente, muito embora conhecessem o carácter proibido das suas descritas condutas (quanto à C………………. excluindo a referente às armas apreendidas).
A arguida C……………… não tem antecedentes criminais registados.
O arguido D…………… também não tem antecedentes criminais registados.
O arguido B………………….. já foi julgado e condenado: em 15.9.98, por crime de condução ilegal, praticado em 14.8.98, na pena de 120 dias multa, que lhe foi perdoada; em 17.6.00, pelo mesmo tipo de crime, praticado em 9.2.99, na pena de 220 dias de multa, que pagou; em 11.8.00, ainda por esse tipo de crime, praticado em 11.8.00, na pena de 220 dias de multa; em 13.11.2001, por crime de receptação, praticado em 13.10.94, na pena de 30 dias de multa; em 17.3.03, por crime de condução ilegal, praticado em 29.8.01, na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução; em 22.4.05, por crime de condução ilegal, praticado em 8.5.98, na pena de 12 meses de prisão.
A arguida C…………. nunca frequentou a escola, não sabendo ler, nem escrever. Antes da reclusão, residia com o companheiro, em casa própria, tipo anexo, inserida num aglomerado habitacional onde residem outros elementos da família.
A arguida tem efectuado um percurso prisional positivo, mantendo-se laboralmente activa e investindo na sua formação escolar.
Quando for restituída à liberdade, irá dispor de condições sóciofamiliares idênticas às que usufruía antes da reclusão, estando os familiares disponíveis para lhe prestar todo o apoio no seu processo de reinserção social.
CONTESTAÇÕES
C………………..
As armas apreendidas não pertencem à arguida C………………..
B………………….
Contra o arguido B……………. foi, nos autos de processo comum colectivo nº …../04.6 JAPRT, do …..º Juízo Criminal deste Tribunal, deduzida acusação imputando-lhe a prática de um crime de tráfico de estupefacientes, sobre o qual foi proferida sentença absolutória.
Ao arguido não era conhecida actividade profissional geradora de rendimentos.
O arguido efectivamente consumia e cedia a terceiros mediante contrapartida económica, produtos estupefacientes, nomeadamente os acima referidos, incluindo canabis.
A esquizofrenia hebefrénica (CID-IO - Classificação Internacional de Doenças da O.M.S.) ou esquizofrenia do tipo desorganizado (DSM-IV - Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais) é uma doença mental que se caracteriza essencialmente por discurso e comportamento desorganizados e o afecto embotado ou inapropriado. É, pois, uma forma de esquizofrenia na qual as mudanças afectivas são proeminentes, os delírios e alucinações fugazes e fragmentários e o comportamento irresponsável e imprevisível. É uma perturbação mental que começa normalmente na adolescência e tende a ter um prognóstico pobre por causa do rápido desenvolvimento dos sintomas "negativos" particularmente embotamento afectivo e perda de volição.
B…………….. é doente do foro psiquiátrico desde data indeterminada por uma sintomatologia compatível com um quadro de psicose relacionada com o consumo de drogas, que o torna agressivo e violento.”

E, foram dados como não provados os seguintes factos:
“2.2. Factos(3) Não Provados
Desde, pelo menos, meados de 2003 e até 13.01.05, a arguida C………….. dedicou-se, com regularidade, à cedência, a terceiros, mediante contrapartida monetária ou outra, para consumo ou revenda por banda destes, de canabis.
Em regra, após a recepção das encomendas, a arguida procedia à sua pesagem, corte e empacotamento da substância estupefaciente, retalhando-a, assim, em doses individuais ou outras.
Durante o considerado período, com uma regularidade quase diária, a arguida vendeu a toxicodependentes ou a consumidores ocasionais, para consumo e/ou para revenda por partes destes canabis.
(…) Assim aconteceu, nos dias 22.05.04 e 30.05.04.
Durante o considerado período, o arguido D…………… colaborou com a arguida, promovendo, concertadamente com esta, a venda de substâncias estupefacientes, o que fazia, em regra, a partir da sua própria residência, próxima da de C………………...
Por tal colaboração, recebia o arguido D………………… da arguida C……………. contrapartida monetária, de montante não exactamente apurado.
A arguida tinha a colaboração do arguido D………….. na venda do produto estupefaciente
Quando os consumidores não tinham consigo dinheiro para a aquisição de estupefacientes, a arguida aceitava objectos em ouro.
Os objectos de ouro apreendidos, foram obtidos pela arguida em compensação da venda a terceiros de substâncias estupefacientes e/ou adquiridos com o produto das vendas realizadas.
10. Durante o considerado período, a arguida vendeu (…) canabis a vários indivíduos, (...) em número não inferior a 100.
11.
12. A arguida C………….. destinava a canabis que lhe foi apreendida à venda a terceiros, mediante contrapartida monetária ou outra.
13. O arguido D…………….. conhecia a natureza e as características das substâncias estupefacientes que, por conta da arguida C…………, vendia a terceiros e não ignorava que a respectiva detenção e venda não lhe eram consentidas.
14. Sabia a arguida C…………….. também que não podia obter nem deter as armas que guardava na respectiva residência e, bem assim, que a pistola da marca STAR - Mod. 28PK de calibre 9mm, com o nº de série 1856998 se tratava, para além do mais, de uma arma proibida.
15. Agiu o arguido D………….. deliberada, livre e conscientemente, muito embora conhecesse o carácter proibido das suas descritas condutas.
16. Agiu a arguida C………….., deliberada, livre e conscientemente, muito embora conhecesse o carácter proibido da sua conduta - quanto às armas apreendidas.
CONTESTAÇÕES
17. A arguida C…………… é feirante.
O arguido B…………. exercia sobre a C…………… ascendente.
O arguido B……………., estacionava o referido veículo da marca Ferrari à frente da sua casa.
Não agiu o arguido com o propósito de dissimular a verdadeira origem do capital necessário à aquisição de tal veículo.
(…), ao dispor de tal veículo o mesmo só poderia ter entrado na sua posse através de aquisição efectuada com recurso a eventuais lucros provenientes do tráfico ilícito de drogas.
O arguido B………….. padece de uma Hebefrenia, ou seja, esquizofrenia hebefrénica ou esquizofrenia do tipo desorganizado.
Os antecedentes de alterações de comportamento que o arguido apresenta, condicionam-lhe ou condicionaram-lhe determinado grau de prejuízo da crítica ou da vontade do arguido, sendo que a perturbação ao nível da sua personalidade lhe condiciona prejuízo da capacidade valoratória.
O B…………… é doente do foro psiquiátrico desde Dezembro de 1995 até de 2005 por uma sintomatologia compatível com um quadro psicótico de co-morbilidade (esquizofrenia).
Que esta situação vem já desde muito jovem onde há todo um sem número de sintomas a indiciar uma anestesia afectiva e uma actividade cognitiva bastante baixa sugerindo um quadro psicótico do tipo pseudo-demencial.
Que o comportamento (hebefrénico) tornou-se, por vezes agressivo e apenas as drogas (antipsicóticas) contornam a situação onde, não raras vezes, se torna violento mesmo para os seus familiares.
Que pese o quadro clínico não ter evolução favorável, a mãe encontra-se em forte estado de labilidade emocional deprimindo ao ver o filho preso, estando disposta a cuidar dele no seu domicílio.
O B………….. sofre de uma Hebefrenia que foi potencializada com consumos de drogas ilícitas desde longa data que, após os tratamentos já feitos continua a manter grave defeito, sendo de admitir que a família poderá ser o local onde melhor se poderá situar.”

Da respectiva motivação da matéria e facto provada e não provada, fez-se constar o seguinte:
“2.3. Motivação da decisão de facto
O Tribunal fundamentou a sua convicção quanto à matéria de facto provada nos seguintes meios de prova, analisados globalmente à luz das regras da experiência comum e da norma do art. 127º, do Código de Processo Penal:
- Nas declarações confessórias do arguido B…………., que no essencial assumiu os factos objectivos (e alguns subjectivos(4)) descritos na acusação – tráfico lucrativo das drogas – compra de bens com esse lucro monetário, nomeadamente veículos automóveis – a posse das armas apreendidas – a condução ilegal do veículo Ferrari, tendo ainda admitido o envolvimento objectivo da sua companheira C………….(5); declarações essas complementadas com …
- A prova real, resultante das apreensões documentadas nos autos a fls. 737 e ss., 765 e ss., 872 e ss., 975, 981, e dos exames de fls. 1182, 1483 e ss. 1734 e ss., 2012, com destaque para apreensão de drogas, quantias avultadas em dinheiro que o arguido B………….. confessou provirem da venda daquelas, bens móveis, maxime peças de ourivesaria e veículos, estes últimos confessadamente adquiridos com aquele tipo de dinheiro, e armas, que o mesmo arguido confessou serem suas;
- O exame pericial psiquiátrico realizado em audiência, que permitiu aferir a imputabilidade do arguido e o seu estado de saúde mental;
- O documentos juntos aos autos, com destaque para os apreendidos e produzidos nas buscas e revistas acima referidas, nomeadamente aqueles que atestam a relação dos arguidos B………. e C…………….. com os bens apreendidos e quantias em dinheiro depositadas ou encontradas na sua posse e com os telemóveis usados na sua actividade criminosa;
- O documento médico de fls. 2311, no que respeita a puros juízos científicos que não foram contrariados pela perícia realizada;
- As escutas telefónicas produzidas nos autos, que confirmam o envolvimento da co-arguida C…………….. no referido tráfico, v.g. as de fls. 30, 35, 57, 60, 68, 69, 126, 127, 129, 131, 134, 169, 172, 180, onde por vezes se falam de grandes quantidades de droga na habitual gíria do tráfico (é de notar que esta prova é apenas uma confirmação daquilo que o arguido B………….. confessou objectivamente e não foi contrariado por quaisquer declarações da co-arguida – que optou pelo silêncio em julgamento);
- Relevamos ainda, essencialmente em complemento e confirmação da prova real e documental acima referida, o depoimento da testemunha F……………., que participou na investigação aos arguidos; G……………., que vendeu o veículo Ferrari aos arguidos B………….. e …………, tendo sido pago em dinheiro; H……………., empregado da I………….., responsável do parque onde esteve estacionado o dito Ferrari; J……………, consumidor de estupefacientes, que falou com o B…………….. para saber preços de droga; L……………., que vendeu o Mercedes CLK ao arguido B………………, que na matéria assente a que depuseram mereceram credibilidade.
Em especial, quanto ao facto vertido em 2.1.28., que tanta celeuma inútil gerou em audiência, acrescenta-se que, por vezes, o melhor esconderijo é centro da multidão. Em relação à matéria referida em 2.2.21., nota-se que a afirmação/alegação do arguido pode ser verdadeira mas a aparência que quer demonstrar não teve sustento.
Nos antecedentes criminais, ponderámos os C.R.Cs. e as certidões juntas aos autos.
No que diz respeito à situação sócio-profissional dos arguidos, relevamos as suas declarações, ponderadas com a restante prova produzida.
No plano subjectivo, na falta de uma confissão clara do arguido que prestou declarações e na ausência de declarações dos restantes, ponderámos o iter criminis apurado.
Existem elementos do crime que, no caso da falta de confissão, só são susceptíveis de prova indirecta como são todos os elementos de estrutura psicológica(6), os relativos ao aspecto subjectivo da conduta criminosa.
Em correcção e simultânea corroboração desta afirmação, diz-nos N. F. Malatesta(7) que exceptuando o caso da confissão, não é possível chegar-se à verificação do elemento intencional, senão por meio de provas indirectas: percebem-se coisas diversas da intenção propriamente dita, e dessas coisas passa-se a concluir pela sua existência.
Na prática, como refere este mesmo autor(8), afirma-se muitas vezes sem mais nada o elemento intencional mediante a simples prova do elemento material (...) O homem, ser racional, não obra sem dirigir a suas acções a um fim. Ora quando um meio só corresponde a um dado fim criminoso, o agente não pode tê-lo empregado senão para alcançar aquele fim.
No caso, a conduta objectiva apurada permite concluir, pelos dolos apurados em relação aos arguidos B…………. e C………….. .
Nos factos não provados, o tribunal ponderou a ausência de prova segura dos mesmos ou a produção de outra que a contrariou.
Além das provas acima indicadas supra, mais nenhuma outra foi produzida que sustentasse de forma segura e relevante a versão, não provada, da acusação. Note-se que as restantes testemunhas indicadas e ouvidas, por desconhecimento dos factos ou conhecimento incompleto, indirecto ou vago, não foram consideradas.
Em especial, em relação ao arguido Filipe, apesar de algumas declarações testemunhais incriminadoras, não foram as mesmas suficientes para relaciona-lo com os factos concretos acusados, impondo-se, na dúvida, a decisão negativa produzida.”
*
II- FUNDAMENTAÇÃO
O objecto e âmbito dos recursos, demarcados pelo teor das suas conclusões (art. 412 nº 1 do CPP), incidem sobre as seguintes questões (aqui se alterando a ordem apresentada nas conclusões dos recursos, tendo em atenção as respectivas consequências a nível processual, caso viessem a proceder):
1ª – Verificar se existe insuficiente fundamentação do despacho que ordenou as intercepções telefónicas (fls. 13), em caso afirmativo, se essa falta de fundamentação acarreta o vício da nulidade insanável e, em consequência, se devem ser declaradas nulas as provas obtidas a coberto desse mesmo despacho decisório (questão suscitada apenas no recurso da arguida C…………..);
2ª – Averiguar se ocorre o vício previsto no art. 410 nº 2-b) do CPP, por existir contradição entre o item 27 da matéria provada e o item 21 da matéria não provada da decisão recorrida, o mesmo resultando da motivação de facto da referida decisão (questão suscitada em ambos os recursos);
3ª – Apurar se houve erro de interpretação na subsunção dos factos ao direito, quanto ao crime de branqueamento de capitais, por os factos apurados não permitirem integrar os requisitos desse tipo legal e, nessa medida, deverem ser os recorrentes absolvidos desse crime (questão suscitada em ambos os recursos);
4ª – Saber (quanto à recorrente C……………..), se a condenação, em concurso real, entre o crime de branqueamento de capitais p. e p. no art. 368-A do CP e o crime de tráfico de estupefacientes agravado p. e p. nos arts. 21 nº 1 e 24-c) do DL nº 15/93 de 23/1 equivale a uma dupla incriminação sobre os mesmos factos;
5ª – Subsidiariamente, analisar se as respectivas penas impostas a cada um dos arguidos são excessivas, devendo ser reduzidas.
Passemos então a apreciar cada uma das questões colocadas nos recursos em apreço.
1ª Questão
Discordando da decisão sob recurso, na parte em que indeferiu a arguição da nulidade do despacho que ordenou as intercepções telefónicas (fls. 13), alega a recorrente B……………, a existência de tal vício por aquele despacho de fls. 13 não estar suficientemente fundamentado, devendo, em consequência, ser declaradas nulas as provas obtidas a coberto dessa mesma decisão.
Na perspectiva da recorrente a insuficiente fundamentação de facto e direito da decisão de fls. 13 prende-se com a questão de não estar justificada a necessidade das escutas, nos moldes exigidos pelo art. 187 do CPP.
Entende, ainda, que essa insuficiente fundamentação resulta do facto de tal despacho não conter a indicação, ainda que sintética, quer dos factos fortemente indiciados (denúncia anónima), quer dos meios de prova que fundamentam a qualidade ou grau de indiciação, bem como a justificação deste, violando, por isso, o disposto nos arts. 97 nº 4, 187 e 189 do CPP e 26 nº 1, 32 nº 8, 34 nº 4 e 205 nº 1 da CRP (cf. conclusões nºs 1 a 6 extraídas pela recorrente B…………).
Pois bem.
Sobre a admissibilidade das escutas telefónicas, dispõe o nº 1 do art. 187 do CPP:
1. A intercepção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas só podem ser ordenadas ou autorizadas, por despacho do juiz, quanto a crimes:
(…)
b) Relativos ao tráfico de estupefacientes;
(…)
se houver razões para crer que a diligência se revelará de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova.
Ou seja, a admissibilidade das escutas telefónicas depende, por um lado, de o crime a investigar ser um dos elencados no nº 1 do art. 187 do CPP e, por outro, de haver razões para crer que a diligência se revelará de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova.
Como ensina Costa Andrade(9), as escutas telefónicas (sendo um dos «métodos ocultos de intervenção e de investigação» para fazer face «a uma fenomenologia criminal» cada vez mais sofisticada, que vai gozando «de uma imunidade privilegiada à devassa das instâncias formais de controlo»), enquanto meio de obtenção de prova, sobressaem por serem eficazes «do ponto de vista da perseguição penal» (visando garantir o ius puniendi do Estado), embora impliquem uma manifesta e drástica danosidade social» (destacando-se a «lesão irreparável do direito à palavra falada»), razão pela qual a lei impõe determinados pressupostos materiais e formais, exigindo do juiz uma “ponderação vinculada” dos interesses em jogo («por um lado, os sacrifícios ou perigos que a escuta telefónica traz consigo; e, por outro lado, os interesses mais relevantes da perseguição penal»).
Daí que este meio de obtenção de prova assume um carácter excepcional, devendo reger-se pelos critérios da proporcionalidade, da adequação e da necessidade (art. 18 nº 2 da CRP).
É que a verdade que se visa alcançar no processo penal, não sendo um valor absoluto, só pode ser procurada através de meios justos, não podendo ser investigada a qualquer preço, mormente quando esse preço é o sacrifício dos direitos das pessoas.
E, «a protecção e garantia dos direitos fundamentais não tutelam apenas o seu titular mas a própria credibilidade, reputação e imagem do Estado de Direito.»(10)
Por isso, “a proibição de prova é uma barreira colocada à determinação dos factos que constituem objecto do processo”, isto é, trata-se de um limite à descoberta da verdade(11).
As escutas telefónicas têm de ser ordenadas por despacho do Juiz (arts. 187 nº 1 e 269 nº 1-c) do CPP).
Aponta Costa Andrade(12) quatro pressupostos materiais essenciais para a admissibilidade das escutas telefónicas, pressupostos esses que aqui indicaremos de forma resumida:
1º “As escutas telefónicas hão-de estar preordenadas à perseguição dos chamados crimes do catálogo” (“enumeração taxativa e fechada” expressa no art. 187 nº 1 do CPP, onde se procura positivar o «juízo de proporcionalidade» também contido no art. 18 da CRP);
2º Exige-se “uma forma relativamente qualificada de suspeita da prática do crime” (ver a referência a «razões» do art. 187 nº 1 CPP), suspeita que terá “de atingir um determinado nível de concretização a partir de dados do acontecer exterior ou da vida psíquica”;
3º “Estão subordinadas ao princípio de subsidiariedade, no sentido de, em princípio não haver outro meio eficaz, menos gravoso, para alcançar o resultado probatório em vista, devendo ficar demonstrado que a escuta «reveste grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova», ou seja, a escuta telefónica há-de revelar-se “como um meio em concreto adequado a mediatizar aquele resultado” (portanto, há que demonstrar que a escuta telefónica a autorizar é essencial e idónea para a descoberta da factualidade em investigação, criando-se a convicção de que através dela serão alcançados resultados fecundos e substanciais);
4º As escutas telefónicas deverão ser limitadas “a um universo determinado de pessoas ou ligações telefónicas”.
Assim, a decisão judicial que se pronunciar sobre o pedido de intercepção telefónica, terá que verificar se estão preenchidos os referidos pressupostos materiais.
Precisamente para assegurar “a menor compressão possível dos direitos fundamentais afectados pela escuta telefónica” a lei exige a intervenção de um juiz, o qual irá garantir que as restrições dos direito fundamentais se limitarão “ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, sem jamais diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais (artigo 18º nºs 2 e 3 da CRP)”(13).
Para garantir tal desiderato, a intervenção jurisdicional é “dupla”(14): na primeira fase, o juiz verifica se estão preenchidos os requisitos do art. 187 do CPP e, em caso afirmativo, autoriza a intercepção telefónica; na segunda fase, o juiz acompanha (de forma próxima e continuada) a execução da operação (art. 188 do CPP) e controla as provas adquiridas por esse meio de obtenção de prova(15).
De notar que as intercepções telefónicas não são meios de prova mas antes meios de obtenção de prova.
Ou seja, enquanto meio de obtenção de prova, visa recolher prova (meios de prova).
Nessa medida compreende-se, também, que o juízo prévio de ponderação dos interesses em conflito se baseie na existência de suspeitas bastantes que justifiquem a utilidade e necessidade da intercepção telefónica, suspeitas essas que não equivalem à existência de “fortes indícios” (antes é, através da intercepção telefónica, que se vai tentar recolher indícios dos factos que, por outra via, não são ou dificilmente são alcançáveis).
Com efeito, quando o art. 187 n.º 1 do CPP condiciona a autorização das escutas telefónicas ao requisito “se houver razões para crer que a diligência se revelará de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova”, há que ter em atenção o momento em que é pedida a intercepção telefónica, pois que, ocorrendo tal pedido na fase inicial do processo de investigação, não se pode fazer corresponder à existência de suspeitas “um grau de exigência equiparável aos fortes indícios”(16).
A admissibilidade das escutas telefónicas “implica que seja proferido um juízo valorativo sobre o que está em causa no processo, exigindo-se por isso ao juiz um conhecimento mínimo do seu objecto”(17).
Questão diferente, que se prende com o segundo momento da intervenção jurisdicional (mas que não é colocada em causa pela recorrente) é a das intercepções telefónicas decorrerem pela forma legal, v.g. com observância do disposto no art. 188 do CPP.
Quanto à fundamentação da decisão judicial, como diz André Lamas Leite(18), “a sua maior ou menor densidade depende da fase das diligências investigatórias em que a escuta for ordenada, devendo o magistrado indicar, do modo mais completo possível, os dados que se visa recolher e a medida da sua relevância para a noticia criminis, ilustrando sempre de forma concreta o raciocínio que desenvolveu no sentido de considerar cumpridos os requisitos legais”.
E isso mesmo decorre do art. 97 nº 4 do CPP que dispõe que "os actos decisórios são sempre fundamentados devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão".
Mas, o vício da falta ou insuficiência de fundamentação do despacho decisório distinto da sentença não está incluído no regime das nulidades em processo criminal, ao contrário do que alega a recorrente.
Com efeito, “vigorando em processo penal, nesta matéria, o princípio da tipicidade ou da legalidade, desde logo afirmado no artigo 118º nº 1 do CPP ("a violação ou infracção das leis de processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei"), não consta daquele regime que a falta ou deficiência de fundamentação constitua vício gerador de nulidade insanável (artigo 119º) ou de nulidade dependente de arguição (artigo 120º), ficando elas, deste modo, relegadas para o plano das irregularidades nos termos dos artigos 118º nº 2 e 123º do CPP”(19).
A falta absoluta ou insuficiência de fundamentação de um despacho decisório, constitui apenas mera irregularidade, sanável se não for impugnada atempadamente nos termos do artigo 123º nº 1 do CPP.
É que, a Constituição não impõe que à falta ou insuficiência da fundamentação corresponda a nulidade do acto decisório, razão pela qual a norma do artigo 123º nº 1 do CPP “não viola o artigo 205º nº 1 da CRP, nem qualquer outra que assegure os direitos de defesa do arguido”.
Por isso, não se pode confundir, como o faz a recorrente, o vício da falta ou insuficiente fundamentação de despacho decisório que admite as escutas telefónicas, com o vício da nulidade previsto no art. 189 do CPP que estabelece que “todos os requisitos e condições referidos nos artigos 187 e 188 são estabelecidos sob pena de nulidade”.
O despacho judicial em crise (fls. 13), datado de 22/4/2004, na parte que interessa à decisão do presente recurso, é do seguinte teor:
“Nos termos doutamente promovidos, atenta a informação de fls. 2 e ss. e o crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.21°, n°.1 do D.Ln°.15/93, de 22-1, nestes autos em investigação (bem como as cautelas que na prática do referido crime se adoptam e as dificuldades daí decorrentes de recolha de prova), havendo razões para crer que as intercepções e gravações de conversações telefónicas mantidas através dos telefones móveis mencionados na promoção que antecede se revelarão de grande interesse para a descoberta da verdade e para a prova, autorizo e determino, de harmonia com o disposto no art. 187 nº 1, al. b) do C.P.P., que:
- se proceda à intercepção e gravação, até 30-6-2004, das conversações ocorridas de e para os telemóveis com os n°s. …….880, ……032 e ……403, bem como identificação dos aparelhos (IMEI) em que se encontrem a operar os cartões de acesso ao serviço móvel terrestre com aqueles números, durante o período de intercepção;
- se solicite às operadoras respectivas: - a listagem detalhada das chamadas efectuadas e recebidas, durante o período que durar a intercepção, dos números interceptados, com indicação da respectiva localização celular; - informação sobre quais os IMEI a que estiverem associados os referidos números durante o período de intercepção, bem como a identificação de eventuais novos números que venham a ser usados em tais IMEI.
Durante o período de intercepção e gravação supra autorizado e atento o disposto no art.188, n°.1 do C.P.P., deverá ser-nos, de imediato, dado conhecimento, de 15 em 15 dias, dos autos de intercepção lavrados, com indicação das passagens consideradas relevantes para a prova, acompanhados das respectivas fitas magnéticas gravadas ou elementos análogos de suporte. (…)”.
Como se verifica do teor deste despacho decisório, o mesmo, na sua fundamentação, remete para a promoção do Ministério Público e para a informação de serviço de fls. 2 e ss., razão pela qual aqui as iremos transcrever na parte que interessam ao conhecimento da questão aqui em apreço.
Consta da promoção do MºPº (fls. 10 e 11), elaborada em 21/4/2004, o seguinte:
“Faça os autos conclusos à Ma Juiz, com a seguinte promoção:
Nos presentes autos, investiga-se o crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21°, n° 1, do Decreto-Lei n° 15/93, de 22 de Janeiro, imputado a um tal M…………, uma tal N…………. e seus colaboradores conhecidos como um tal O………….. e um P………….., tendo sido possível identificar os números dos telefones por eles usados nos contactos mantidos no âmbito de tal actividade delituosa.
Assim, por se revelar de grande interesse para a descoberta dos factos em investigação e para a obtenção da prova, promove-se, nos termos do artigo 187°, n° 1, al. b), do Código de Processo Penal:
a) Que seja autorizada a intercepção e gravação, até ao próximo dia 30 de Junho de 2004, das conversações ocorridas de e para os telemóveis com os números ……..880, ……..032 e …….403, bem como dos aparelhos (IMEI) em que se encontrem a operar os cartões de acesso ao serviço móvel terrestre com aqueles números durante o período da intercepção;
b) Que seja solicitado às operadoras respectivas que informem:
quais os IMEI a que estiverem associados os números acima identificados durante o período da intercepção; a identificação de eventuais novos números que venham a ser usados em tais IMEI, e o detalhe das chamadas efectuadas de e para os números/aparelhos interceptados, com indicação da localização celular, no período em que durar a intercepção.
Das diligências levadas a cabo pela Polícia Judiciária do Porto, resultam pois, indícios da prática por parte dos indivíduos supra indicados e outros, sendo os dois primeiros de etnia cigana, de factos integradores do crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro.
Tais factos vêm ocorrendo numa habitação do …………, nesta comarca de Vila Nova de Famalicão onde residem vários agregados de etnia cigana, em ambiente fechado e de difícil acesso atentas as características desta etnia e ao facto de vários elementos dessa comunidade se encontrarem presos pela prática do ilícito de tráfico de estupefacientes.
No aludido local, afluem vários indivíduos, que aí se deslocam e funcionam como “transportadores de produtos estupefacientes” auxiliando assim a realização da actividade criminosa denunciada.
Assim sendo e por que existe a necessidade de averiguar quais as pessoas envolvidas, assim como qual ou quais as residências visadas e o “modus operandi” dos mesmos, afigura-se-nos para a descoberta da verdade necessário proceder ao registo de voz e imagem nos termos das disposições conjugadas dos artigos 1.°, al. a) e 6.°, n°s 1 e 2 da Lei n.° 5/2002 de 11 de Janeiro. (…)”.
Por sua vez, a informação de serviço elaborada, em 19/4/2004, por inspector da PJ (fls. 2 e 3) é do seguinte teor:
“Na sequência de informações várias colhidas por esta Brigada, através de diversas fontes que nos merecem o máximo crédito, tivemos conhecimento que um casal de etnia cigana, conhecidos pelos nomes de M………… e N…………….., se vêm dedicando em larga escala ao tráfico de estupefacientes, produto este que lhes é fornecido através de indivíduos de nacionalidade Colombiana, que se deslocam habitualmente ao nosso país, sendo depois escoado por vários outros indivíduos, ciganos e não ciganos.
Através de diligências encetadas por esta Brigada, foi possível apurar que o referido M………….. residirá ou utilizará uma habitação sita no …………. – V.N. Famalicão, sendo aqui neste local que ele estabelece todos os seus contactos relacionados com esta actividade ilícita.
Mais se apurou que o referido casal utiliza habitualmente para estes seus negócios vários “empregados”, indivíduos estes não ciganos, que funcionam como correios e que procedem também ao escoamento do produto estupefaciente.
Através de diligências encetadas foi possível averiguar os nomes/alcunhas por que são conhecidos dois dos principais colaboradores do referido casal cigano, tratando-se do O…………… e do P…………...
Tais indivíduos rodeiam-se de extremas cautelas nos contactos entre si estabelecidos, privilegiando os contactos pessoais, situação esta que aliada ao facto de se tratarem de elementos pertencentes a uma comunidade com características muito peculiares, extremamente fechada para o “exterior” (para a comunidade não cigana), com valores e princípios próprios e de terem visto recentemente vários familiares seus serem presos por esta Policia Judiciária, dificulta sobremaneira os meios tradicionais de recolha de elementos de prova agravado pelo facto dos mesmos utilizarem habitualmente e para os negócios relacionados com o tráfico de estupefacientes, telemóveis novos adquiridos unicamente para esta finalidade.
Segundo informações colhidas tais indivíduos utilizam actualmente os seguintes números de telemóveis:
………..880, da rede OPTIMUS
………..032, da rede OPTIMUS
(telemóveis estes a serem utilizados pelos empregados do referido casal cigano)
………..403, da rede TMN
(telemóvel este utilizado pelo tal M…………… e companheira N………….)
Assim e face a credibilidade da informação colhida, ouso sugerir a V. Exa. que se solicite ás Autoridades Judiciárias competentes as seguintes diligências:
Intercepções aos telemóveis:
…………880
…………032,
da operadora Móvel nacional OPTIMUS
e ……………..403
da Operadora Móvel Nacional TMN (…)”
No caso dos autos, ao contrário do que alega a recorrente, o despacho em crise, ainda que de forma resumida, autoriza as escutas aos referidos telemóveis, apreciando e ponderando a necessidade das intercepções telefónicas, quer de forma expressa, quer por remissão para o conteúdo da informação da PJ e para a promoção do Ministério Público que provocou a intervenção jurisdicional.
Atenta a natureza do crime em análise (tráfico de estupefacientes), a diligência de autorização de escutas telefónicas, nos termos em que foi promovida, tornava-se decisiva e imprescindível para a investigação, havendo razões objectivas para a autorizar (o interesse da eficácia da investigação do crime tráfico de estupefacientes denunciado era bem superior ao direito à privacidade e intimidade dos suspeitos, face aos factos denunciados - que não se cingiam à mera distribuição de estupefacientes para consumo - e absoluta necessidade de obter informações sobre a forma como o tráfico se desenvolvia, a identificação das pessoas com quem os suspeitos contactavam, as horas e locais de encontro, modo e momento em que era feita a encomenda, como eram recebidas ou entregues as substâncias objecto do tráfico, tal como, também, decorre de fls. 5).
Com efeito, segundo a informação da PJ de fls. 2 e ss. (para a qual a decisão em crise remete), tinha chegado ao conhecimento daquela polícia (por fonte que não identifica e, por isso, tem que ser tida por anónima) que “um casal de etnia cigana, conhecidos pelos nomes de M………….. e N…………., se vêm dedicando em larga escala ao tráfico de estupefacientes, produto este que lhes é fornecido através de indivíduos de nacionalidade Colombiana, que se deslocam habitualmente ao nosso país, sendo depois escoado por vários outros indivíduos, ciganos e não ciganos”.
Não obstante a fonte ser anónima, não deixa de existir uma denúncia da prática de um crime (art. 246 nº 1 do CPP), o que deu origem ao inquérito registado sob o nº ……./04.0JAPRT, ou seja, deu origem a um processo criminal que começou a correr termos.
Por isso, a brigada da PJ em questão (como decorre da informação de serviço de fls. 2 e ss.) iniciou (“encetando”) diligências com vista a certificar-se da credibilidade da dita informação (anónima por não ser identificada) que chegara ao seu conhecimento e, das diligências de averiguação que fez no terreno, apurou que: «o referido M………….. residirá ou utilizará uma habitação sita no ………….. – V.N. Famalicão, sendo aqui neste local que ele estabelece todos os seus contactos relacionados com esta actividade ilícita; o referido casal utiliza habitualmente para estes seus negócios vários “empregados”, indivíduos estes não ciganos, que funcionam como correios e que procedem também ao escoamento do produto estupefaciente; os nomes/alcunhas por que são conhecidos dois dos principais colaboradores do referido casal cigano, tratando-se do O………. e do P…………; tais indivíduos rodeiam-se de extremas cautelas nos contactos entre si estabelecidos, privilegiando os contactos pessoais, situação esta que aliada ao facto de se tratarem de elementos pertencentes a uma comunidade com características muito peculiares, extremamente fechada para o “exterior” (para a comunidade não cigana), com valores e princípios próprios e de terem visto recentemente vários familiares seus serem presos por esta Policia Judiciária, dificulta sobremaneira os meios tradicionais de recolha de elementos de prova agravado pelo facto dos mesmos utilizarem habitualmente e para os negócios relacionados com o tráfico de estupefacientes, telemóveis novos adquiridos unicamente para esta finalidade; tais indivíduos utilizam actualmente os seguintes números de telemóveis: ………880, da rede OPTIMUS; ……….032, da rede OPTIMUS (telemóveis estes a serem utilizados pelos empregados do referido casal cigano) e ……….403, da rede TMN (telemóvel este utilizado pelo tal M…………. e companheira N…………….)».
Isto significa (tal como decorre da informação de fls. 2 e ss.) que, foram realizadas diligências pela própria PJ para aferir da credibilidade da informação anónima que recebera e, dessas diligências efectuadas, resultaram as demais informações recolhidas directamente por aquela polícia, que complementaram a informação vaga e anónima inicial.
Desde logo daí resulta que, ao contrário do que alega a recorrente, o pedido de escutas telefónicas não se baseou em fonte anónima, antes sendo promovido pelo Ministério Público, com base nas diligências efectuadas pela própria PJ, após ter chegado ao conhecimento desta (através da tal fonte anónima) a notícia do crime.
Por isso, o Ministério Público refere na sua promoção (para a qual a decisão em crise também remete), além do mais, que: “Nos presentes autos, investiga-se o crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21°, n° 1, do Decreto-Lei n° 15/93, de 22 de Janeiro, imputado a um tal M……….., uma tal N…………… e seus colaboradores conhecidos como um tal O……….. e um P…………, tendo sido possível identificar os números dos telefones por eles usados nos contactos mantidos no âmbito de tal actividade delituosa (…). Das diligências levadas a cabo pela Polícia Judiciária do Porto, resultam pois, indícios da prática por parte dos indivíduos supra indicados e outros, sendo os dois primeiros de etnia cigana, de factos integradores do crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro.
Tais factos vêm ocorrendo numa habitação do ……….., nesta comarca de Vila Nova de Famalicão onde residem vários agregados de etnia cigana, em ambiente fechado e de difícil acesso atentas as características desta etnia e ao facto de vários elementos dessa comunidade se encontrarem presos pela prática do ilícito de tráfico de estupefacientes.
No aludido local, afluem vários indivíduos, que aí se deslocam e funcionam como “transportadores de produtos estupefacientes” auxiliando assim a realização da actividade criminosa denunciada. (…)”.
Ora, havendo «necessidade de averiguar quais as pessoas envolvidas, assim como qual ou quais as residências visadas e o “modus operandi” dos mesmos», o Ministério Público entendeu que se revelava de grande interesse para a descoberta dos factos em investigação e para a obtenção da prova a realização de escutas telefónicas e demais diligências que promoveu.
Assim, a afirmação constante do despacho judicial em crise, de que havia razões para crer “que as intercepções e gravações de conversações telefónicas mantidas através dos telefones móveis mencionados na promoção que antecede se revelarão de grande interesse para a descoberta da verdade e para a prova”, não é vaga, nem conclusiva, nem tão pouco vazia de conteúdo, como pretende fazer crer a recorrente, quando a desinsere do contexto em que está inserida.
A decisão em crise está alicerçada na promoção do Ministério Público, na informação de fls.2 e ss., para as quais remete (“não sendo exigível que devesse repetir o que já constava dessa informação e promoção”(20)), o que permitiu ao Sr. Juiz deferir ao promovido, por considerar verificados os requisitos que mencionou, previstos no art. 187 nº 1-b) do CPP, uma vez que nos autos se investigava um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21°, n°.1 do DL n°.15/93, de 22-1 (destacando que havia que prevenir “as cautelas que na prática do referido crime se adoptam e as dificuldades daí decorrentes de recolha de prova”), “havendo razões para crer que as intercepções e gravações de conversações telefónicas mantidas através dos telefones móveis mencionados na promoção… se revelarão de grande interesse para a descoberta da verdade e para a prova”.
Efectivamente, o crime que a Polícia Judiciária se propôs investigar com base nas pretendidas intercepções telefónicas, era o de tráfico de estupefacientes (um dos elencados no art. 187 nº1-b) do CPP), sendo o recurso à intercepção e gravação de conversas telefónicas, o meio imprescindível ao desenvolvimento da investigação, atento o tipo e natureza de crime em causa e carácter dos actos sujeitos a investigação (v.g. modus operandi).
Por isso se pode concluir que, no despacho judicial de fls. 13 foi ponderada a necessidade das intercepções telefónicas, quer de forma expressa, quer por remissão para o conteúdo da informação da PJ e para a promoção do Ministério Público.
Estavam, pois, reunidos os requisitos mínimos legalmente exigíveis para serem autorizadas as escutas telefónicas, na medida em que se estava perante a denúncia (alicerçada em diligências de investigação efectuadas pela PJ) de um crime de tráfico de estupefacientes, que requeria cuidados especiais, sob pena de se inviabilizar a investigação.
De resto, como resulta da própria decisão em crise, o Sr. Juiz, para controlar judicialmente, de forma efectiva, continua e regular, as escutas telefónicas por si autorizadas, impôs que “Durante o período de intercepção e gravação supra autorizado e atento o disposto no art.188, n°.1 do C.P.P.”, lhe fosse dado, de imediato, conhecimento, “de 15 em 15 dias, dos autos de intercepção lavrados, com indicação das passagens consideradas relevantes para a prova, acompanhados das respectivas fitas magnéticas gravadas ou elementos análogos de suporte. (…)”.
Acrescente-se que lei não exige, ao contrário do que a recorrente invoca, que o despacho decisório em questão contenha a “indicação dos factos indiciados (…) e meios de prova que fundamentam a qualidade ou grau de indiciação”.
Portanto, ainda que de forma resumida e pouco modelar, a decisão em crise mostra-se fundamentada, não havendo qualquer violação do disposto nos invocados arts. 97 nº 4, 187 e 189 do CPP e 26 nº 1, 32 nº 8, 34 nº 4 e 205 nº 1 da CRP.
Por isso, a decisão proferida a fls. 13 não padece de qualquer irregularidade e muito menos de nulidade, como foi decidido no acórdão sob recurso, não estando em causa qualquer interpretação restritiva do art. 189 do CPP.
Ainda que assim não fosse (mera hipótese que se coloca sem conceder), a eventual invalidade das escutas telefónicas nunca poderia afectar a decisão final.
É que, em face da fundamentação de facto do acórdão recorrido, perdeu todo o interesse a apreciação dessa questão.
Com efeito, consta da motivação de facto do acórdão sob recurso, que a menção aos meios de prova obtidos através das escutas telefónicas “é apenas uma confirmação daquilo que o arguido B…………. confessou objectivamente e não foi contrariado por quaisquer declarações da co-arguida – que optou pelo silêncio em julgamento”.
Ou seja, resulta inequivocamente da motivação em questão que o tribunal colectivo firmou a sua convicção, quanto aos factos dados como provados, na livre apreciação da confissão efectuada pelo arguido B……….. e de outros elementos de prova (v.g. buscas, revistas, apreensões e prova testemunhal), todos eles provas autónomos e independentes das obtidas através das escutas telefónicas, que levaram a resultado idêntico(21).
Improcede, pois, a argumentação da recorrente, não merecendo censura a decisão recorrida pelos motivos supra expostos.
2ª Questão
Alegam ambos os recorrentes que ocorre o vício do art. 410 nº 2-b) do CPP, por existir contradição entre o item 27 da matéria provada e o item 21 da matéria não provada do acórdão sob recurso.
Dispõe o art. 410 nº 2 do CPP:
Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
Assim, os vícios do art. 410 nº 2 do CPP, têm forçosamente de resultar do texto da decisão recorrida na sua globalidade, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo possível, para a sua demonstração, o recurso a quaisquer elementos que sejam externos à decisão, “designadamente, a declarações ou depoimentos exarados no processo durante o inquérito ou a instrução, ou até mesmo no julgamento”(22).
“A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (artigo 410º, nº 2, alínea a) do CPP) supõe que os factos provados não constituem suporte bastante para a decisão que foi tomada, quer porque não permite integrar todos os elementos materiais de um tipo de crime, quer porque deixem espaços não preenchidos relativamente a elementos essenciais à determinação da ilicitude, da culpa ou outros necessários para a fixação da medida da pena. A insuficiência significa, por outro lado, que não seja também possível uma decisão diversa da que foi tomada; se não for o caso, os factos podem não ser bastantes para constituir a base da decisão que foi tomada, mas permitir suficientemente uma decisão alternativa, mesmo de non liquet em matéria de facto. Por fim, a insuficiência da matéria de facto tem de ser objectivamente avaliada perante as várias soluções possíveis e plausíveis dentro do objecto do processo, e não na perspectiva subjectiva decorrente da interpretação pessoal do interessado perante os factos provados e as provas produzidas que permitiram a decisão sobre a matéria de facto.”(23)
“A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão” (art. 410 nº 2-b) do CPP) é somente aquela que é intrínseca ao próprio teor da sentença, “considerada como peça autónoma e não também as contradições eventualmente existentes entre a decisão e o que consta do processo, no inquérito ou na instrução”.
O "erro notório na apreciação da prova" (art. 410 nº 2-c) do CPP) “constitui uma insuficiência que só pode ser verificada no texto e no contexto da decisão recorrida, quando existam e se revelem distorções de ordem lógica entre os factos provados e não provados, ou que traduza uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável, e por isso incorrecta, e que, em si mesma, não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio. A incongruência há-de resultar de uma descoordenação factual patente que a decisão imediatamente revele, por incompatibilidade no espaço, de tempo ou de circunstâncias entre os factos, seja natural e no domínio das correlações imediatamente físicas, ou verificável no plano da realidade das coisas, apreciada não por simples projecções de probabilidade, mas segundo as regras da "experiência comum". Na dimensão valorativa das "regras da experiência comum" situam-se, por seu lado, as descontinuidades imediatamente apreensíveis nas correlações internas entre factos, que se manifestem no plano da lógica, ou da directa e patente insustentabilidade ou arbitrariedade; descontinuidades ou incongruências ostensivas ou evidentes que um homem médio, com a sua experiência da vida e das coisas, facilmente apreenderia e delas se daria conta.”(24)
Ora, compulsado o texto da decisão recorrida, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, este Tribunal da Relação não detecta qualquer dos vícios enunciados no art. 410 nº 2 do CPP - que, aliás, são de conhecimento oficioso(25) - mormente o indicado na sua alínea b).
Consta do item 27 da matéria de facto provada:
“Sabiam, pois, estes arguidos, que as quantias monetárias resultavam directa e necessariamente do tráfico de estupefacientes e, todavia, não se coibiram de, através da aquisição de veículos, procederem à respectiva camuflagem e assim tentarem obstar a que fosse conhecida a sua verdadeira natureza e origem. “
E, do item 21 da matéria de facto dada como não provada:
“(…), ao dispor de tal veículo o mesmo só poderia ter entrado na sua posse através de aquisição efectuada com recurso a eventuais lucros provenientes do tráfico ilícito de drogas.”
Invocam os recorrentes existir contradição entre esses dois itens, acrescentando que o mesmo resulta da motivação de facto da referida decisão (considerando o segmento onde se consigna “(…) e veículos, estes últimos confessadamente adquiridos com aquele tipo de dinheiro”) mas não apresenta justificação válida para esse entendimento.
É que basta atentar na forma como tais itens estão redigidos (o item 27 está redigido de forma afirmativa e o item 21 de forma condicional e dubitativa) e contexto em que estão inseridos, para logo se perceber que não existe qualquer contradição.
Considerando o texto do acórdão sob recurso na sua globalidade (v.g. nota de rodapé nº 2), logo se percebe que são diferentes os factos dados como provados, daqueles que foram considerados como não provados.
Trata-se de factos distintos, que não são opostos entre si, na medida em que têm sentidos diferentes.
Quer isto dizer que, os factos contidos nesses dois pontos assinalados pelo recorrente, são diferentes e não enfermam de qualquer contradição.
Também, não resulta qualquer contradição do texto da decisão, quando confrontada com a motivação de facto (v.g. segmento apontado pelo recorrente, acima transcrito), a qual está de acordo com a decisão sobre a matéria de facto.
Assim, da decisão sobre a matéria de facto e da própria fundamentação de facto não ressalta qualquer elemento que permita considerar contraditória a matéria em questão, dada como provada e como não provada.
Conclui-se, pois, que não existe a contradição assinalada pelo recorrente.
Por isso, não ocorrendo qualquer dos vícios do artº 410º, nº 2 do CPP, nem qualquer nulidade de conhecimento oficioso, está definitivamente fixada a decisão sobre a matéria de facto constante da decisão sob recurso.
3ª Questão
Alegam os recorrentes que o tribunal a quo fez uma errada qualificação jurídica dos factos dados como provados na decisão sob recurso, quanto ao crime de branqueamento de capitais, por os factos apurados (2.1.10, 2.1.11, 2.1.13 e 2.1.16) não permitirem integrar os requisitos desse tipo legal, razão pela qual deveriam ser absolvidos desse crime.
Para tanto, invocam em resumo que, quer os meros depósitos bancários em conta de que é titular a recorrente mulher, quer a aquisição dos veículos aludidos nos factos provados, não integram a previsão do crime branqueamento, por não se provar um plano finalisticamente dirigido a ocultar ou dissimular bens de origem ilícita e não haver violação do bem jurídico subjacente (invocando a situação social e económica do casal, sustentam, por um lado, quanto aos depósitos bancários, que não houve disseminação das quantias monetárias pelo sistema financeiro, sendo facilmente reconstituído documentalmente os movimentos financeiros efectuados, e, por outro lado, quanto à aquisição de veículos, que também não agiram com intenção de dissimular a verdadeira origem do capital necessário para essas operações, as quais eram facilmente detectáveis pelas autoridades).
O tribunal a quo, quando procedeu ao enquadramento jurídico-penal dos factos apurados, fez constar (no que aqui interessa analisar) o seguinte(26):
“2.3.1.1. Tendo em conta os factos enunciados em 2.1., passemos à sua subsunção aos preceitos legais aplicáveis.
Estabelece o art. 21º, nº 1, da Lei da Droga (D.L. 15/93, de 22.1.) que (1) quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser a venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer titulo receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40., plantas, substancias ou preparações compreendidas nas tabelas I(27) a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos.
Por sua vez, o art. 24º, do mesmo diploma legal, estabelece que as penas previstas nos arts. 21º, 22º e 23º são aumentadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo se: (b) As substâncias ou preparações foram distribuídas por grande número de pessoas; (c) O agente obteve ou procurava obter avultada compensação remuneratória;
No caso sub judice e perante os factos apurados, a arguida C…………… constituiu-se autora do ilícito penal agravado, previsto no citado art. 21º, nº 1, conjugado com art. 24º, al. c), dado que, consciente e voluntariamente deteve a cocaína (Tabela I-B) e heroína (Tabela I-A), além das apreendidas, que transaccionou de forma lucrativa, sabendo agir ilicitamente, com objectivo consumado de obter avultadas quantias em dinheiro, maxime as que se logrou apreender nestes autos.
Já relativamente à matéria da al. b), os factos não foram concludentes, devendo a acusação improceder nessa parte.
2.3.1.2. Outro dos ilícitos imputados a esta arguida e, em co-autoria, ao arguido B……….., é o previsto no actual art. 368ºA, nºs 2 e 3, do Cód. Penal.
Nessa norma penal estipula-se que: (1)- Para efeitos do disposto nos números seguintes, consideram-se vantagens os bens provenientes da prática, sob qualquer forma de comparticipação, dos factos ilícitos típicos de lenocínio, abuso sexual de crianças ou de menores dependentes, extorsão, tráfico de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, tráfico de armas, tráfico de órgãos ou tecidos humanos, tráfico de espécies protegidas, fraude fiscal, tráfico de influência, corrupção e demais infracções referidas no n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 36/94, de 29 de Setembro, e dos factos ilícitos típicos puníveis com pena de prisão de duração mínima superior a 6 meses ou de duração máxima superior a 5 anos, assim como os bens que com eles se obtenham. 2 - Quem converter, transferir, auxiliar ou facilitar alguma operação de conversão ou transferência de vantagens, por si ou por terceiro, directa ou indirectamente, com o fim de dissimular a sua origem ilícita, ou de evitar que o autor ou participante dessas infracções seja criminalmente perseguido ou submetido a uma reacção criminal, é punido com pena de prisão de 2 a 12 anos. 3 - Na mesma pena incorre quem ocultar ou dissimular a verdadeira natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou titularidade das vantagens, ou os direitos a ela relativos.
Na conduta apurada, consegue-se perceber-se que estes arguidos através de depósitos em contas bancárias (2.1.10. e 2.1.11.) e compras de móveis de valor elevado(28) (maxime as viaturas supra referidas - 2.1.13. a 2.1.16.) converteram o lucro pecuniário obtido na actividade ilícita de tráfico de estupefacientes em depósitos bancários e bens e assim dissimularam e ocultaram a verdadeira origem desse valor monetário, agindo por formas comuns neste tipo de ilícito.
Esta é a realidade que os factos revelam e que, sem necessidade de um dolo especial(29), permite considerar preenchido o tipo que resulta do dispositivo conjugado dos nºs 2 e 3, do citado art. 368ºA, tendo em conta a definição do seu nº 1(30). Com efeito, do iter criminis resulta que os arguidos agiram com o propósito de ocultarem a origem das quantias apuradas – se assim agiram de forma inusitadamente facilitada (?) pelas entidades bancárias e vendedores de automóveis que admitiram tais transacções sem cumprirem a obrigações decorrentes da Lei nº 11/2004, essa outra questão que, concerteza, não pode aqui “beneficiar o infractor”.
Deste modo, os arguidos B………… e C…………. deverão ser responsabilizados por este ilícito criminal (art. 26º,do Código Penal).
(…)”
Antes de nos pronunciarmos sobre a questão colocada, importa caracterizar o crime de branqueamento previsto no nºs 2 e 3 do art. 368-A do Código Penal (na redacção actual, da Lei nº 11/2004 de 27/3, já vigente à data da sua consumação, cujo último acto ocorreu no mês de Outubro de 2004, com a aquisição do Ferrari de matrícula RQ-..-..).
Em termos genéricos podemos dizer que o branqueamento supõe o desenvolvimento de actividades que, podendo integrar várias fases, visam dar uma aparência de origem legal a bens de origem ilícita, assim encobrindo a sua origem, conduzindo, na maior parte das vezes, “a um aumento de valores, que não é comunicado às autoridades legítimas”(31).
O crime de branqueamento é um crime de acção, autónomo em relação ao crime subjacente (no caso dos autos, subjacente é o crime de tráfico de estupefacientes), que pode ser cometido por qualquer pessoa, inclusive pelo autor do crime subjacente.
Embora ainda exista alguma discussão à volta da definição do bem jurídico protegido no crime de branqueamento(32), acompanhamos a tese defendida por Jorge Fernandes Godinho(33), seguida também por Pedro Caeiro(34), «segundo a qual a punição do branqueamento visa tutelar a “pretensão estadual ao confisco das vantagens do crime”, ou mais especificamente, o interesse do aparelho judiciário na detecção e perda das vantagens de certos crimes”».
Na verdade, considerando a inserção sistemática do crime de branqueamento no CP, não podemos esquecer que as “vantagens”, definidas no nº 1 do art. 368-A do CP, são o objecto da acção deste tipo legal, nas suas diferentes modalidades.
Essas “vantagens” tanto abrangem os bens provenientes da prática, sob qualquer forma de comparticipação, dos crimes subjacentes do catálogo legal (lenocínio, abuso sexual de crianças ou menores dependentes, extorsão, tráfico de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, tráfico de armas, tráfico de órgãos ou tecidos humanos, tráfico de espécies protegidas, fraude fiscal, tráfico de influência, corrupção e demais infracções referidas no nº 1 do art. 1 da Lei nº 36/94 de 29/9), como de crimes puníveis com pena de prisão de duração mínima superior a 6 meses ou de duração máxima superior a 5 anos, como abrangem os bens que com eles se obtenham (nº 1 do artigo 368-A do CP).
A evolução legislativa a nível da definição do objecto da acção do crime de branqueamento (tipo legal que tem vindo a ser alargado quanto ao catálogo dos crimes subjacentes abrangidos, inicialmente previsto apenas em relação ao crime de tráfico de estupefacientes, no art. 23 do DL nº 15/93 de 22/1, que veio a ser revogado pela citada Lei nº 11/2004) teve presente a Convenção de Viena de 1988(35), a Convenção de Estrasburgo do Conselho da Europa(36) e a Directiva 2001/97/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 4/12/2001(37), nomeadamente quanto à particular definição do conceito de «bens».
Assim, o conceito de “bens”, nos termos do art. 1-q) da Convenção de Viena significa “activos de qualquer natureza, corpóreos ou incorpóreos, móveis ou imóveis, tangíveis ou intangíveis, e todos os documentos ou instrumentos jurídicos que atestem a propriedade ou outros direitos sobre esses activos»(38).
Portanto, as “vantagens”, definidas no referido nº 1 do artigo 368-A do CP, abrangem o conceito de moeda (dinheiro), que “representa também a riqueza, a qual, quando olhada pelo direito penal, pode ser protegida nos momentos da sua formação, conservação e circulação”(39).
No branqueamento está incluída a “colocação (placement) – a fase de maior risco, em que o delinquente se procura desembaraçar do numerário, retirando os fundos de qualquer relação directa com o crime, nomeadamente através da sua colocação numa conta bancária; circulação (empilage) – multiplicação das operações, em mais que um país se possível, com movimentos por várias contas, cheques sobre o estrangeiro, tudo com a finalidade de ocultação; investimento (integração) – operações com vista a criar a aparência de legalidade: investimento de curto prazo, em meios de transporte e comunicação; médio prazo, aquisição de companhias de fachada com recurso a empregados qualificados; longo prazo, em actividades «inteiramente» legais ou de influência política (apoios eleitorais), económica ou social”.(40)
E, sendo a fase da “colocação” a mais vulnerável (sendo até mais fácil, nessa fase, detectar a tentativa de branqueamento), já as operações seguintes (quer relativas à fase de “circulação”, quer de “investimento”) são em geral mais difíceis de identificar, mormente quando o dinheiro já entrou no sistema bancário, tendo já sido sujeito a uma primeira conversão, reciclagem, que lhe dá a aparência legal.(41)
De qualquer forma, não é apenas por ser mais “elementar” ou menos sofisticado o modo de execução do acto de “branqueamento” ou de “reciclagem” praticado pelo agente, que se pode de imediato concluir que então essa conduta não integra o crime de branqueamento; se fosse esse o entendimento a seguir, corria-se o risco de restringir excessivamente (contra a vontade do legislador) a área de tutela típica desta incriminação, além de se esquecer a necessária articulação funcional com o conteúdo do bem jurídico que se quis proteger.
O que acima se afirmou não prejudica o entendimento de que quanto mais eficiente e sofisticada for a conduta de branqueamento mais grave e perigoso é o atentado ao bem jurídico protegido com esta incriminação.
Porém, cremos que mesmo a simples conduta do agente de apenas depositar, na sua conta bancária, quantias monetárias provenientes do crime-subjacente por si cometido, pode integrar a prática do crime de branqueamento.
Mas, claro, tudo depende do modo como, na peça acusatória, é configurado e descrito, em termos fácticos, o crime de branqueamento(42).
No caso dos autos, na acusação imputava-se a cada um dos arguidos/recorrentes, além do mais, um crime de branqueamento p. e p. no art. 368-A nº 2 e 3 do CP.
As condutas tipificadas no nº 2 do art. 368-A do CP, que integram o tipo objectivo desta modalidade específica do crime de branqueamento, “são: (i) a conversão de vantagens; (ii) a transferência de vantagens; (iii) o auxílio de alguma operação de conversão de vantagens; (iv) o auxílio de alguma operação de transferência de vantagens; (V) a facilitação de alguma operação de conversão de vantagens; (vi) a facilitação de alguma operação de transferência de vantagens. Qualquer das operações pode ser realizada de forma directa ou indirecta”(43).
A operação de «conversão» consiste “na alteração da natureza e configuração dos bens gerados ou adquiridos com a prática do facto ilícito típico subjacente”(44), enquanto a «transferência» traduz-se “quer na deslocação física dos bens, quer na alteração jurídica ao nível da titularidade ou do domínio.”(45)
Quanto ao tipo subjectivo, exige o nº 2 do artigo 368-A do CP, a intenção de dissimular a origem ilícita das vantagens ou de evitar que o autor ou participante dessas infracções seja criminalmente perseguido ou submetido a uma reacção criminal.
Por sua vez, as condutas tipificadas no nº 3 do mesmo dispositivo legal, que incidem “sobre as vantagens ou os direitos a elas relativos”, desdobram-se, a nível do tipo objectivo desta modalidade da incriminação, “em: (i) ocultar ou dissimular a sua verdadeira natureza; (ii) ocultar ou dissimular a sua verdadeira origem; (iii) ocultar ou dissimular a sua verdadeira localização; (iv) ocultar ou dissimular a sua verdadeira disposição; (v) ocultar ou dissimular a sua verdadeira movimentação; (vi) ocultar ou dissimular a sua verdadeira titularidade.”(46).
Quanto ao tipo subjectivo, a previsão do nº 3 do mesmo artigo, contenta-se com o dolo genérico (artigo 14 do CP).
Ora, os depósitos em conta bancária de vantagens provenientes do crime subjacente, podem constituir uma operação de conversão(47), de reciclagem das vantagens (cf. arts. 1206 e 1144 do CC), na medida em que “tais fundos irão ser utilizados pelas entidades financeiras junto das quais o agente do crime-base os deposita, sendo direccionados para as mais diversas actividades económicas, gerando rendimentos que o agente do crime-base irá receber, maxime sob a forma de juros, correspondentes à remuneração do respectivo capital, assim aumentando o seu próprio poder económico”(48).
Porém, a verificação do crime de branqueamento (previsão do nº 2 do art. 368-A do CP) não depende apenas do preenchimento do tipo objectivo (v.g. prova de depósitos em conta própria, de vantagens provenientes do crime subjacente, depósitos esses feitos pelo autor desse mesmo crime precedente).
Ainda que tal conduta possa ser qualificada de operação de conversão e, como tal, preencher o tipo objectivo do crime de branqueamento, é necessário, também, alegar e provar o tipo subjectivo, a saber, a intenção de dissimular a origem ilícita das vantagens ou de evitar que o autor ou participante dessas infracções seja criminalmente perseguido ou submetido a uma reacção criminal (art. 368-A nº 2).
No entanto, na acusação, quanto à conduta da recorrente C…………, de efectuar depósitos em conta própria, de vantagens provenientes do crime de tráfico de estupefacientes, nada se refere ou infere quanto ao tipo subjectivo do crime de branqueamento da previsão do art. 368-A nº 2 do CP, isto é, quanto à sua intenção de, por essa forma, querer dissimular a origem ilícita daquelas vantagens ilícitas.
E, também não basta o simples depósito em conta própria, de vantagens provenientes do crime de tráfico de estupefacientes, para se concluir pela verificação do crime de branqueamento na modalidade prevista no art. 368-A nº 3 do CP.
Com efeito, para se mostrar preenchido o tipo objectivo da modalidade de branqueamento prevista no art. 368-A nº 3 do CP, é necessário alegar factos que permitam depois extrair a conclusão de que, por essa forma (depósito em conta própria, de vantagens provenientes do crime de tráfico de estupefacientes) se está a ocultar ou dissimular a sua verdadeira origem.
Significa isto também que, não obstante serem diferentes os bens jurídicos protegidos pelo crime de branqueamento (enquanto crime autónomo) e pelo crime de tráfico de estupefacientes (crime subjacente), é necessário, em cada caso, apurar se a conduta em questão assume a autonomia necessária para, por si só, integrar o crime de branqueamento ou se antes consiste na prática de facto posterior consumido no crime precedente (no crime de tráfico de estupefacientes, aqui agravado pela alínea c) do art. 24 do DL nº 15/93).
Ora, na peça acusatória a imputação do crime de branqueamento, refere-se à autonomia da conduta dos arguidos relativa à aquisição dos dois veículos automóveis (primeiro o Mercedes e depois o Ferrari) e não quanto ao depósito, em conta própria, pela arguida C……………., de vantagens provenientes do crime de tráfico de estupefacientes.
Com efeito, os factos que interessam à decisão quanto ao imputado crime de branqueamento são, a nível do tipo objectivo, os descritos sob os nº 10 a 16 e, a nível do tipo subjectivo, os descritos sob os nºs 26 a 28 e 32, todos da decisão sobre a matéria de facto provada.
[10. Com efeito, no período compreendido entre 09.10.03 e 19.04.04, a arguida depositou, na conta por si titulada, sob o nº 0882083159500, no Balcão de Vila Nova de Famalicão da …….., a quantia global de 62.500,00.
11. Assim: aos 09.10.03 (data da abertura da conta), efectuou um depósito no montante de € 10.000,00; aos 14.11.03, efectuou um depósito no montante de € 10.000,00; aos 25.11.03, efectuou um depósito no montante de € 5.000,00; aos 09.12.03, efectuou um depósito no montante de € 7.500,00; aos 17.12.03, efectuou um depósito no montante de € 5.000,00; aos 22.12.03, efectuou um depósito no montante de € 2.500,00; aos 26.12.03, efectuou um depósito no montante de € 7.500,00; aos 26.01.04, efectuou um depósito no montante de € 5.000,00; aos 03.03.04, efectuou um depósito no montante de € 5.000,00; aos 19.04.04, efectuou um depósito no montante de € 5.000,00.
12. Na assinalada conta bancária, com excepção de um levantamento, no montante de € 20.000,00, efectuado aos 15.10.04, a arguida apenas realizou operações de depósito.
13. A quantia de € 20.000,00, resgatada daquela conta aos 15.10.04, foi pelo arguido B…………….. e pela arguida utilizada, em dia indeterminado desse mesmo mês, na aquisição de um veículo automóvel da marca Ferrari, de matrícula RQ-..-...
14. Para pagamento do Ferrari, no valor de € 50.000,00, a arguida e B……………. entregaram a quantia total de € 25.000,00 e o veículo automóvel da marca Mercedes, modelo CLK, de matrícula, ..-..-UF, de sua propriedade, avaliado em € 25.000,00. 15. O veículo dado em retoma na aquisição do Ferrari fora adquirido pelos arguidos B………….. e C………….. com quantias monetárias percebidas em razão da descrita actividade de tráfico desenvolvida pela segunda.
16. Na verdade, o identificado Mercedes fora adquirido por estes arguidos, aos 08.01.04, no "E…………..", sito em ………….., ……, Braga, pelo preço de € 29.690,00, pago imediatamente em dinheiro no acto de entrega. (…)
26. Ao adquirirem os veículos automóveis referenciados em 13. e 14., agiram os arguidos B………….. e C…………….. com o intuito de mascarar, convertendo em bens cuja detenção é legítima, a origem ilícita do dinheiro que aplicaram na respectiva compra.
27. Sabiam, pois, estes arguidos, que as quantias monetárias resultavam directa e necessariamente do tráfico de estupefacientes e, todavia, não se coibiram de, através da aquisição de veículos, procederem à respectiva camuflagem e assim tentarem obstar a que fosse conhecida a sua verdadeira natureza e origem.
28. De resto, e por forma a ocultarem o Ferrari e, desse modo, escaparem ao controlo das autoridades, os arguidos B………….. e C…………….. estacionaram-no, durante cerca de um mês, num parque subterrâneo existente na cidade de Braga. (…)
32. Agiram os arguidos C…………. e B………….., deliberada, livre e conscientemente, muito embora conhecessem o carácter proibido das suas descritas condutas (quanto à C…………….. excluindo a referente às armas apreendidas).]
Desses factos provados resulta que os arguidos ao adquiriram os veículos automóveis em questão, com quantias monetárias que ambos sabiam ser provenientes do crime de tráfico de estupefacientes (cometido pela arguida C……………….), objectivamente converteram em bens cuja detenção é legítima, a origem ilícita daquele dinheiro que aplicaram nessas aquisições.
As aquisições desses veículos automóveis, constituem operações de conversão, de reciclagem das vantagens ilícitas obtidas com o crime de tráfico de estupefacientes, tendo os arguidos agido, consoante resulta dos factos provados, com a intenção de dissimular a origem ilícita daquelas vantagens.
Assim, as descritas condutas (apenas no que se refere à aquisição dos veículos em questão) integram a prática, por cada um dos arguidos, em co-autoria material, de um crime de branqueamento previsto apenas no art. 368-A nº 2 do CP.
Perante tais factos dados como provados improcede a argumentação dos recorrentes (que, aliás, espelha alguma confusão entre os tipos objectivo e subjectivo nas modalidades do crime previstas nos nº 2 e 3 do art. 368-A do CP), quanto ao não preenchimento do crime de branqueamento no que respeita às aquisições dos mencionados veículos automóveis.
Aliás, são despropositadas as referências que fazem quanto ao acto de registo da propriedade do Ferrari em nome da arguida C………….., pretendendo daí extrair que não dissimularam a origem ilícita do mesmo veículo.
Esquecem é que os factos integradores do crime de branqueamento são relativos à aquisição (compra) ora de um ora de outro dos mencionados veículos automóveis, nos moldes acima mencionados.
Por seu turno, os factos provados relativos aos depósitos efectuados apenas pela arguida C……………., na sua conta bancária aberta na ….., balcão de Famalicão, têm pertinência no que respeita à qualificação (art. 24-c) do DL nº 15/93 de 22/1) do crime de tráfico de estupefacientes por ela cometido.
Ou seja, o tribunal colectivo errou quando pretendeu incluir no crime de branqueamento a conduta descrita nos pontos 2.1.10 e 2.1.11, apenas praticada pela arguida C……………. (e não, também, pelo arguido B……………, como se refere no acórdão sob recurso).
Os depósitos bancários das quantias obtidas do crime de tráfico de estupefacientes, estão consumidos no crime de tráfico de estupefacientes agravado cometido pela arguida C……………...
Por isso, apenas por não estarem preenchidos (nem sequer alegados), quanto a esses factos relativos aos ditos depósitos bancários, todos os demais requisitos do crime de branqueamento, em qualquer das suas modalidades, não assumem os mesmos autonomia para efeitos de punição pelo crime previsto no artigo 368-A do CP.
Assim, embora com fundamento diverso, concorda-se com os recorrentes, quando concluem que a conduta relativa aos depósitos bancários das quantias obtidas do crime de tráfico de estupefacientes, não integra o crime de branqueamento.
Porém, já não lhes assiste razão quando pedem a absolvição do crime de branqueamento, visto que a mencionada aquisição dos referidos veículos automóveis, pelas razões supra expostas, integra, a prática por cada um dos arguidos, em co-autoria material, desse mesmo crime previsto e punido no art. 368-A nº 2 do CP.
4ª Questão
Invoca a recorrente C……………. que, a sua condenação, em concurso real, pelo crime de branqueamento de capitais p. e p. no art. 368-A do CP e pelo crime de tráfico de estupefacientes agravado p. e p. nos arts. 21 nº 1 e 24-c) do DL nº 15/93 de 23/1, equivale a uma dupla incriminação sobre os mesmos factos.
Porém, não lhe assiste qualquer razão, sendo de realçar que a actual denominação do crime previsto no art. 368-A do CP é apenas “branqueamento” (e não “branqueamento de capitais”).
A recorrente chama à colação questão que, anteriormente, quando vigorava o crime de branqueamento de capitais previsto no art. 23 do DL nº 15/93, se debateu, mas que, entretanto, se esbateu e foi, nesse aspecto, ultrapassada, face à sua inserção sistemática, como incriminação autónoma, com nova designação e configuração no Código Penal (art. 368-A), no capítulo III (dos crimes contra a realização da justiça), do titulo V (dos crimes contra o Estado) do seu livro II (da parte especial).
A tese de que o bem jurídico protegido no crime de branqueamento é o mesmo que é protegido pelo crime subjacente é hoje claramente insustentável.
Com efeito, actualmente, não se suscitam dúvidas quanto à diferente natureza dos bens jurídicos protegidos pelas duas referidas incriminações.
O bem jurídico protegido pelo crime de branqueamento não é o mesmo que o atingido pelo crime-base (neste caso, o crime de tráfico estupefacientes, ainda que qualificado).(49)
No crime de tráfico de estupefacientes, o bem jurídico protegido, como tem vindo a ser aceite desde longa data, é genericamente o que se designa por saúde pública(50).
A agravação prevista no art. 24-c) do DL nº 15/93, não altera a natureza do bem jurídico protegido pelo crime de tráfico de estupefacientes; simplesmente, com essa agravação - tal como com as demais previstas no mesmo artigo - procura-se proteger de forma acrescida e mais eficiente e eficazmente o bem jurídico, genericamente designado por saúde pública, de valia incomparavelmente superior.
Hoje em dia, no crime de branqueamento a discussão à volta do bem jurídico centra-se na questão de saber se os interesses protegidos são os da “pureza da circulação de bens” ou os da “tutela da administração da justiça” ou ambos(51).
Assim sendo e, tendo presente a posição acima indicada, quanto ao entendimento de que no crime de branqueamento se protege hoje em dia, até pela sua inserção sistemática no CP, “o interesse do aparelho judiciário na detecção e perda das vantagens de certos crimes” é manifesto que não assiste qualquer razão à recorrente.
De resto, os factos (aquisição primeiro de um Mercedes e depois de um Ferrari com a retoma do Mercedes) que integram o crime de branqueamento p. e p. no art. 368-A nº 2 do CP são distintos dos factos que constituem o crime de tráfico de estupefacientes agravado, não correspondendo aqueles sequer a uma utilização ou aproveitamento normal das vantagens obtidas que, nessa medida, devessem ser considerados abrangidos pela punição do tráfico de estupefacientes agravado.
Por isso, ao contrário do que alega a recorrente, não há qualquer dupla incriminação, pelo facto de ser condenada, em concurso efectivo, pela prática do crime de tráfico de estupefacientes agravado p. e p. nos arts. 21 nº 1 e 24-c) do cit. DL nº 15/93 e pela prática de um crime de branqueamento p. e p. no art. 368-A nº 2 do CP(52).
Improcede, pois, nesta parte, a argumentação da recorrente C…………..
5ª Questão
Importa, agora, analisar se as respectivas penas impostas a cada um dos arguidos/recorrentes são excessivas e, por isso, se devem ser reduzidas.
Os recorrentes alegam, embora de forma abstracta, que as penas respectivas que lhes foram aplicadas violam o disposto no art. 71 do CP, não sendo adequadas à culpa de cada um deles, não contribuindo para realizar as finalidades da sua reinserção social.
Nas conclusões que extraíram dos respectivos recursos, ambos os recorrentes acabam por pedir a redução para penas únicas não superiores a 6 anos de prisão (no caso do recorrente B……………, trata-se de lapso de escrita, visto que no texto da motivação pede a redução para pena única não superior a 3 anos de prisão).
Na decisão sob recurso, o arguido B……………, foi condenado pela prática em:
- co-autoria, de um crime de branqueamento de capitais, p. e p. no art. 368º-A, nºs 2 e 3, do Cód. Penal, na pena parcelar de 4 anos de prisão;
- autoria de um crime de detenção de arma proibida, p e p. no art. 275º, nº 1 e 3, do Cód. Penal (por referência ao art. 3º, nº 1, al. a), do nº 207-A/75, de 17.4)(53), na pena de 12 meses de prisão;
- autoria de um outro crime, de detenção ilegal de armas de defesa, p. e p. no art. 22º da Lei nº 22/97, na pena parcelar de 10 meses de prisão;
- autoria de um crime condução ilegal, p. e p. no art. 3º, nº 2, da Lei nº 2/98, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão;
Em cúmulo jurídico foi condenado na pena única de 6 (seis) anos de prisão.
Por sua vez, a arguida C…………., foi condenada pela prática em:
- autoria de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. nos arts. 21º, nº 1, e 24º, al. c), do D.L. nº 15/93, na pena de 6 anos e 6 meses de prisão;
- co-autoria de um crime de branqueamento de capitais, p. e p. no art. 368º-A, nºs 2 e 3, do Cód. Penal, na pena parcelar de 3 anos e 6 meses de prisão;
Em cúmulo jurídico foi condenada na pena única de 8 anos de prisão.
A moldura abstracta do crime de branqueamento é de pena de prisão de 2 a 12 anos (art. 368-A nº 2 do CP), a do crime de tráfico de estupefacientes agravado é de pena de prisão de 5 anos a 15 anos (arts. 21 nº 1 e 24-c) do cit. DL nº 15/93, este último na redacção da Lei nº 11/2004 de 27/3 vigente à data da consumação do crime(53)), a do crime p e p. no art. 275º do CP (a previsão do nº 1, que seria a aplicável no caso dos autos, é de pena de prisão de 2 a 5 anos), seu nº 3 é de pena de prisão até 2 anos ou pena de multa até 240 dias, a do crime de detenção ilegal de armas de defesa (p. e p. à data dos factos no art. 6º nº 1 da Lei nº 22/97 e não no art. 22, como por lapso foi referido no dispositivo), é de pena de prisão até 2 anos ou pena de multa até 240 dias e a do crime de condução ilegal (p. e p. no art. 3º, nº 2, da Lei nº 2/98) é de pena de prisão até 2 anos ou pena de multa até 240 dias.
O tribunal a quo quando determinou a medida concreta da pena a aplicar a cada um dos arguidos consignou (no que aqui interessa analisar) o seguinte:
“2.3.2. Da Medida Concreta da Pena
Feita, pela forma descrita, a qualificação jurídico-penal da conduta dos arguidos importa agora determinar a natureza e a medida da sanção a aplicar.
No processo de concretização da sanção penal, aplicável aos arguidos, percorremos três fases: a determinação da moldura penal abstracta, a fixação da pena adequada e a indagação do tipo de pena exigido.
Aquela primeira etapa já está parcialmente cumprida, com a referência à medida abstracta com que as normas aplicáveis punem as infracções em causa.
Passemos então à análise das circunstâncias que o art. 71º, do Cód. Penal, exemplificadamente enumera e a que devemos atender para fixação da pena concreta.
Quanto à censurabilidade da conduta ilícita: no caso da arguida C……………, há a salientar negativamente a persistência no tempo e a conjugação de ilícitos que torna o crime de perigo/tráfico de estupefacientes uma actividade muito lucrativa. Esta arguida não prestou declarações e não produziu qualquer prova que abonasse a sua personalidade pelo que a censura que merece é a típica para esta conduta agravada com o benefício do seu bom comportamento actual.
No que toca ao arguido B………… a culpa é bastante acentuada pela conjugação de condutas duradouras que revelam um personalidade completamente alheia aos valores protegidos pelas normas em crise. Porém, no seu caso, revelou-se positiva a sua confissão parcial em audiência,
A ausência de antecedentes criminais, no caso da arguida C………….., desvaloriza a prevenção especial a ter em conta. No caso do arguido B……………, a multiplicidade e a reincidência exigem cuidados acrescidos.
A prevenção geral, dada a frequência de qualquer um desses géneros de ilícitos, deve ser devidamente acautelada.
Ponderados estes elementos cremos serem necessárias e adequadas as seguintes penas (cf. art. 70º, do Cód. Penal): para o crime de tráfico agravado imputado à arguida C………………, 6 anos e 6 meses de prisão; para o crime de branqueamento de capitais imputado a essa mesma, a pena de 3 anos e 6 meses de prisão; para este mesmo crime, praticado pelo arguido B……………., a pena de 4 anos de prisão; para o crime de detenção ilegal de armas de defesa praticado por este arguido, a pena de 10 meses de prisão; para o crime de detenção de arma proibida, também da autoria deste último, a pena de 12 meses de prisão, e para o crime de condução ilegal executado por este mesmo, a pena de 1 ano e 6 meses de prisão.
Encontradas as penas concretas dos crimes cometidos pelos arguidos em concurso real heterogéneo, situação enquadrável no disposto no art. 30º, nº 1, do C. Penal, há que fixar agora a pena unitária desta pluralidade de infracções (art. 77º, do Cód. Penal).
Desta forma caberá: aos factos imputados à arguida C……………, a moldura de cúmulo entre os 6 anos e 6 meses e os 10 anos de prisão, e ao arguido B…………, a moldura penal entre 4 anos e os 7 anos e 4 meses de prisão.
Na determinação concreta da pena serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente - diz o citado art. 77º, nº 1, in fine. Esta reapreciação não implica uma dupla valoração dos factos já que a sua análise é global e não especial.
Pelos motivos largamente discutidos supra, considerados agora globalmente, com destaque para pluralidade de crimes, que traduz uma grande tendência da personalidade dos arguidos para o crime, entende o Tribunal ser adequada a pena unitária concreta de 8 anos de prisão, para a arguida C…………….., e 6 anos de prisão para o arguido B…………...”
Como sabido, as finalidades da pena são, nos termos do artigo 40 do Código Penal, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade(54).
Na determinação da pena, o juiz começa por determinar a moldura penal abstracta e, dentro dessa moldura, determina depois a medida concreta da pena que vai aplicar, para, de seguida, escolher a espécie da pena que efectivamente deve ser cumprida(55).
Nos termos do artigo 71º, nºs 1 e 2, do Código Penal, a determinação da medida da pena, dentro dos limites fixados na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo-se, em cada caso concreto, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a seu favor ou contra ele.
Diz Figueiredo Dias(56), que “só finalidades relativas de prevenção, geral e especial, não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reacções específicas. (...) Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de reintegração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida.”
Mais à frente(57), esclarece que “culpa e prevenção são os dois termos do binómio com o auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena em sentido estrito”.
Acrescenta, também, o mesmo Autor(58) que, “tomando como base a ideia de prevenção geral positiva como fundamento de aplicação da pena, a institucionalidade desta reflecte-se ainda na capacidade para abranger, sem contradição, o essencial do pensamento da prevenção especial, maxime da prevenção especial de socialização. Esta (…) não mais pode conceber-se como socialização «forçada», mas tem de surgir como dever estadual de proporcionar ao delinquente as melhores condições possíveis para alcançar voluntariamente a sua própria socialização (ou a sua própria metanóia); o que, de resto, supõe que seja feito o possível para que a pena seja «aceite» pelo seu destinatário - o que, por seu turno, só será viável se a pena for uma pena suportada pela culpa pessoal e, nesta acepção, um pena «justa». (…) A pena orientada pela prevenção geral positiva, se tem como máximo possível o limite determinado pela culpa, tem como mínimo possível o limite comunitariamente indispensável de tutela da ordem jurídica. É dentro destes limites que podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial - nomeadamente de prevenção especial de socialização - os quais, deste modo, acabarão por fornecer, em último termo, a medida da pena. (…) E é ainda, em último termo, uma certa concepção sobre a ordem de legitimação e a função da intervenção penal que torna tudo isto possível: parte-se da função de tutela de bens jurídicos; atinge-se uma pena cuja aplicação é feita em nome da estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada; limita-se em seguida esta função pela culpa pessoal do agente; para se procurar atingir a socialização do delinquente como forma de excelência de realizar eficazmente a protecção dos bens jurídicos”.
Importa, pois, analisar as operações efectuadas pela 1ª Instância quanto à determinação da espécie e medida da pena aplicada a cada dos arguidos (art. 375 nº 1 do CPP).
De esclarecer que, com a entrada em vigor da Lei nº 5/2006 de 23/2 (aprova o novo regime jurídico das armas e suas munições), as condutas do arguido B………… que integravam, à data dos factos, um crime p e p. no art. 275º nº 1 do CP (e não a do seu nº 3 como decidido pelo Tribunal a quo) e um crime de detenção ilegal de armas de defesa p. e p. no art. 6º nº 1 da Lei nº 22/97 integram hoje dois crimes de detenção de arma proibida, sendo um p. e p. no art. 86 nº 1-a) da Lei nº 5/2006 (cuja moldura abstracta é de pena de prisão de 2 a 8 anos) e o outro p. e p. no art. 86 nº 1- d) e nº 3 da mesma Lei (cuja moldura abstracta é de pena de prisão até 3 anos ou pena de multa até 360 dias).
Visto que as molduras abstractas dos referidos dois crimes cometidos pelo arguido B……………. são, no novo regime jurídico de armas e munições, claramente mais gravosos, tendo em atenção o disposto no art. 2 nº 4 do CP, é manifesto que em concreto é mais favorável o regime aplicável à data dos factos, sendo por esse que se opta independentemente da determinação das respectivas penas no âmbito de Lei nº 5/2006 (o que seria, neste caso particular, uma inutilidade).
Na determinação da medida da pena a aplicar a cada um dos arguidos pelos respectivos crimes que cometerem, há que ponderar, nomeadamente, a intensidade do dolo (dolo directo), o grau superior ao médio da ilicitude das condutas de cada um dos arguidos e a gravidade dos crimes cometidos, aqui em apreciação, atendendo ao modo de actuação de cada um deles e consequências das respectivas condutas.
Particularmente, quanto à arguida B………….., como se diz na 1ª instância, importa salientar o período de tempo (desde pelo menos meados de 2003 e até à sua detenção, ocorrida em 13/1/2005) em que se dedicou ao crime de tráfico de estupefacientes e, bem assim, a maior perigosidade da sua actuação, decorrente da conjugação dos dois tipos de crime que cometeu.
Para além disso, embora tendo como limite a medida da culpa de cada um dos arguidos, importa considerar a elevada necessidade de prevenir a prática de futuros crimes, sendo certo que, as razões de prevenção geral e especial são mais elevadas, designadamente, tendo em atenção o bem jurídico primordial violado em cada um dos crimes cometidos por cada um deles, crimes esses que devem ser combatidos com maior severidade, embora de forma proporcional à maior danosidade que causam.
Por outro lado, há que atender que a arguida C………………. não tem antecedentes criminais, o que atenua de algum modo as respectivas condutas.
Quanto ao arguido B………….. agrava a sua actuação os antecedentes criminais, que revelam uma maior desatenção à advertência de conformação ao direito, daí decorrendo que é mais elevada a necessidade de o censurar pela falta de preparação para manter uma conduta lícita, particularmente no que respeita ao crime de condução ilegal.
Mas, por outro lado, ainda quanto a este arguido, não se pode esquecer a confissão parcial dos factos que fez em audiência de julgamento, circunstância esta que deve ser valorada como atenuante das respectivas condutas, já que também revelam, da sua parte, alguma sensibilidade positiva à pena a aplicar, com reflexo favorável no juízo de prognose sobre a necessidade e a probabilidade da sua reinserção social.
Finalmente, ter-se-á em atenção a situação económica, social e condições pessoais de vida de cada um dos referidos arguidos e o efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro de cada um deles.
Assim, considerando os factos apurados, a culpa de cada um dos arguidos/recorrentes, as exigências de prevenção geral e especial, bem como a gravidade dos respectivos crimes cometidos, as condições pessoais de vida de cada um deles, não esquecendo a ausência de antecedentes criminais da arguida C……………. e a existência deles quanto ao arguido C……………., o qual, por outro lado, confessou parcialmente os factos apurados, julgam-se, ajustadas e adequadas, por serem proporcionadas, as seguintes penas:
a)- Quanto ao arguido B…………:
- 3 anos de prisão quanto ao crime de branqueamento (aqui se alterando a pena aplicada pela 1ª instância);
- 1 ano de prisão quanto ao crime p. e p. à data dos factos no art. 275 nº 3 do CP (tendo atenção que não pode ser agravada tal pena de prisão, pelas razões já acima expostas e ponderando que, atento o disposto no art. 2 nº 4 do CP, sempre será de optar por aquela pena por ser a mais favorável, visto que a pena de prisão a aplicar no domínio da Lei nº 5/2006, era sempre mais gravosa por o seu limite mínimo ser de 2 anos e o máximo ser de 8 anos);
- 10 meses de prisão quanto ao crime p. e p. à data dos factos no art. 6 nº 1 da Lei nº 22/97 de 27/6 (ponderando que, atento o disposto no art. 2 nº 4 do CP, sempre será de optar por aquela pena por ser a mais favorável, visto que a pena de prisão a aplicar no domínio da Lei nº 5/2006, era sempre mais elevada, desde logo por o seu limite máximo ser de 3 anos de prisão, não se verificando os pressupostos que justificassem a opção pela pena de multa, atentas as finalidades da punição, que não eram por aquela pena alternativa, suficiente e adequadamente realizadas – cf. art. 70 do CP);
- 1 ano e 6 meses de prisão pelo crime p. e p. no art. 3 nº 1 e 2 do DL nº 2/98 de 3/1;
b)- Quanto à arguida C…………:
- 3 anos de prisão quanto ao crime de branqueamento (aqui se alterando a pena aplicada pela 1ª instância);
- 6 anos e 6 meses de prisão quanto ao crime de tráfico de estupefacientes agravado.
Resta, agora, determinar a pena do concurso (pena única) a aplicar a cada um dos arguidos C…………. e B……………. .
Resulta do art. 77 do CP que, em caso de concurso efectivo de crimes, existe um regime especial de punição, que consiste na condenação final numa única pena, considerando-se, “na medida da pena, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.
A justificação para este regime especial de punição radica nas finalidades da pena, exigindo uma ponderação da culpa e das razões de prevenção (prevenção geral positiva e prevenção especial), no conjunto dos factos incluídos no concurso, tendo presente a personalidade do agente(60).
A medida da pena única do concurso a aplicar a cada um dos arguidos situa-se entre os limites máximo e mínimo estabelecidos no nº 2 do art. 77 do CP.
Ou seja, a pena aplicável (a moldura do concurso de penas) tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes em concurso (não podendo ultrapassar os limites da pena de prisão e da pena de multa consignados no nº 2 do citado art. 77) e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos mesmos crimes em concurso.
Quer isto dizer que na determinação da pena única a aplicar, há que fazer uma nova reflexão sobre os factos em conjunto com a personalidade de cada um dos arguidos, pois só dessa forma se abandonará um caminho puramente aritmético da medida da pena para se procurar antes adequá-la à personalidade unitária que nos factos se revelou.
Esta pena única é o resultado da aplicação dos “critérios especiais” estabelecidos no mesmo art. 77 nº 2 – tendo em atenção os limites consignados no seu nº 3 – não esquecendo, ainda, os “critérios gerais” do art. 71 do CP(61).
Assim, atendendo aos respectivos factos no conjunto em relação a cada um dos arguidos e à sua (de cada um deles) personalidade, bem como a tudo o mais que acima já referimos quando foi determinada a medida concreta da pena aplicada por cada um dos respectivos crimes cometidos (a culpa de cada um deles, as exigências de prevenção geral e especial, bem como a gravidade dos respectivos crimes cometidos, as condições pessoais de vida de cada um deles, não esquecendo a ausência de antecedentes criminais da arguida C…………. e a existência deles quanto ao arguido B…………., o qual, por outro lado, confessou parcialmente os factos apurados), julgam-se ajustadas e adequadas, a pena unitária de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão para a arguida C…………… e a pena unitária de 5 (cinco) anos de prisão para o arguido B…………..
Procedem, pois, parcialmente, quanto à medida das penas impostas aos arguidos, os recursos interpostos pelos mesmos.
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III- DISPOSITIVO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação:
a)- em conceder parcial provimento aos recursos interpostos pelos arguidos e, consequentemente, alterar o acórdão recorrido, nos moldes acima mencionados, reduzindo a pena imposta a cada um deles, pelo crime de branqueamento, p. e p. no art. 368-A nº 2 do CP, para 3 (três) anos de prisão, e, bem assim, reduzindo a pena unitária que lhes foi aplicada, sendo a arguida C…………. condenada na pena única de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão e o arguido B…………… condenado na pena única de 5 (cinco) anos de prisão.
b)- no mais, confirma-se o acórdão recorrido, nos moldes assinalados supra, negando-se provimento ao mais suscitado nos recursos interpostos pelos arguidos.
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Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça devida por cada um deles em 7 UCs.
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(Processado em computador e revisto pela 1ª signatária – art. 94 nº 2 do CPP)
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Porto, 07 DE Fevereiro de 2007
Maria do Carmo Saraiva de Menezes da Silva Dias
António Augusto de Carvalho
António Guerra Banha
José Manuel Baião Papão
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(1) As notas de rodapé que aqui assumem os nºs 2 a 8 são as que constam sob os nºs 1 a 7 da decisão sob recurso.
(2) Que essa mesma respeita sem mácula aquando da apreciação da sua constitucionalidade quanto foi aprovado o actual Cód. de Proc. Penal.
(3) Tenha-se em atenção que nos “factos” não provados tivemos em conta o contexto histórico e teleológico das acções, actos ou estados descritos, da forma como são alegados e enquadrados pela acusação e contestações e, em certos casos, não separamos o que poderão ser dados adquiridos no processo (por si só irrelevantes e penalmente inócuos) da acção/acto ou estado relevante que resulta indemonstrada nos termos alegados.
(4) Nomeadamente os relacionados com a venda lucrativa de estupefacientes.
(5) No que diz respeito a esta última, a sua versão dava a entender que exerceria um domínio castrador ou inibidor da vontade da co-arguida, que no entanto, na prova produzida não foi além das suas declarações de natureza ilibatória, contrariadas também pelas conversações telefónicas infra citadas em que a co-arguida é detectada a negociar droga com uma desenvoltura que deixa pouca margem para essa tese.
(6) M. Cavaleiro Ferreira, in Curso de Proc. Penal. vol. II, 1981, p. 292.
(7) In “A Lógica das Provas em Matéria Criminal”, p. 172 e 173.
(8) Ibidem, p. 176 e 177.
(9) Manuel da Costa Andrade, «Sobre o regime processual penal das escutas telefónicas», in RPCC ano I, fasc. 3, Julho-Setembro 1991, pp. 370, 378, 381 e 382.
(10) Susana Aires de Sousa, «Agent provocateur e meios enganosos de prova. Algumas reflexões», in Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, org. por Manuel da Costa Andrade, José de Faria Costa, Anabela Miranda Rodrigues, Maria João Antunes, Coimbra Editora, 2003, p. 1212.
(11) Manuel da Costa Andrade, Sobre as proibições de prova em processo penal, Coimbra Editora, 1992, pp. 83 e 84.
(12) Manuel da Costa Andrade, «Sobre o regime processual penal das escutas telefónicas», pp. 386 a 390. Acrescenta o mesmo Autor que a fórmula legal (“suspeita da prática de crime”) “tem sido interpretada no sentido de não reclamar, v.g., o limiar dos fortes indícios da prática do crime (de que o artigo 202º, faz depender a prisão preventiva)”, mas também que “não se basta em qualquer caso «com meras suposições ou boatos não confirmados»”.
(13) Assim, entre outros, Acórdãos do TC nº 426/2005, DR II Série de 5/12/2005 e nº 232/2006, DR II Série de 23/5/2006.
(14) Assim, José António Mouraz Lopes, A Tutela da Imparcialidade Endoprocessual no Processo Penal Português, Coimbra Editora, 2005, pp. 145 e 146.
(15) Neste sentido, entre outros, Ac. do TC nº 4/2006, DR II Série de 14/2/2006.
(16) Assim, Ac. do TRC de 25/10/2006, proferido no proc. nº 433/05.6JACBR-A.C1 (relatado por Inácio Monteiro), consultado no site do ITIJ.
(17) José Mouraz Lopes, “Escutas telefónicas: seis teses e uma conclusão”, in RMP nº 104 (Out/Dez 2005), p. 146.
(18) André Lamas Leite, “As Escutas Telefónicas – Algumas reflexões em redor do seu regime e das consequências processuais derivadas da respectiva violação”, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Coimbra Editora, Ano I, 2004, p. 24.
(19) Assim, entre outros, Ac. do TC nº 147/2000 (consultado no site do Tribunal Constitucional), também se pronunciando sobre “o despacho judicial que remete para as razões expressas noutras peças processuais”, concluindo que, nesse caso, o que sucede é “que a leitura do despacho em causa não é directa e imediata, como o seria se o acto decisório contivesse, ele mesmo, as razões do decidido; ela só se completa com o conhecimento das outras peças processuais para que o despacho remete, o que, de todo, não compromete as garantias de defesa do arguido.” A razão da falta ou insuficiência da fundamentação ser apenas sancionada com o vício da irregularidade radica na circunstância do “artigo 205º nº 1 da CRP deixar ao legislador ordinário a conformação da matéria relativa à forma da fundamentação, dispondo aquele de uma margem de determinação apenas condicionada pelo respeito do núcleo essencial do dever de fundamentação.” No mesmo sentido, Ac. do TC nº 281/2005, DR II Série de 6/7/2005.
(20) Assim, Ac. do TRP de 11/1/2006, proferido no proc. nº 0515276 (relatado por Guerra Banha) e jurisprudência aí citada (consultado no site do ITIJ).
(21) Neste sentido, entre outros, Ac. do STJ de 7/6/2006, proferido no proc. nº 06P650 (relatado por Henriques Gaspar), consultado no site do ITIJ e Ac. do TC nº 198/2004, DR II Série de 2/6/2004.
(22) Cf., entre outros, Ac. do STJ 19/12/1990, BMJ nº 402/232 ss.
(23) Assim, entre outros, cit. Ac. do STJ de 13/7/2005.
(24) Ibidem.
(25) De acordo com jurisprudência fixada pelo STJ no acórdão nº 7/95, publicado no DR I-A de 28/12/1995.
(26) As notas de rodapé que aqui assumem os nºs 27 a 30 são as que constam sob os nºs 9 a 11 da decisão sob recurso.
(27) Nessa Tabela I-A insere-se a referência à heroína; na I-B a cocaína e na I-C, a canabis resina.
(28) Note-se que neste quadro factual o apurado parqueamento em local longe do domicílio dos arguidos é apenas um facto instrumental, complementar dos mencionados actos de branqueamento.
(29) Diversamente do que exige o nº 2 – vide nesse sentido Januário Lourenço, in Branqueamento de Capitais, 2002, publicado em www.verbojuridico.net.
(30) Coisa diversa é
(31) Ver Jorge Fernandes Godinho, Do Crime de «Branqueamento” de Capitais. Introdução e Tipicidade, Almedina, 2001, p. 40, Nuno Brandão, Branqueamento de Capitais: O Sistema Comunitário de Prevenção, Coimbra Editora, 2002, p. 16, realçando ser o branqueamento de capitais “o lado negro do processo de globalização” e A. G. Lourenço Martins, “Branqueamento de Capitais: Contra-medidas e nível internacional e Nacional”, in RPCC ano 9º, fasc. 3º (Julho-Setembro 1999), p. 451, acrescentando que “o branqueamento seria uma receptação específica em que a finalidade primeira é encobrir ou dissimular a origem ilícita do capital e não a de conseguir um lucro ilegítimo patrimonial característico da receptação”.
(32) Na altura em que o crime, então designado de “branqueamento de capitais”, era previsto no artigo 23 do DL nº 15/93 de 22/1, discutia-se se o bem jurídico protegido era, nomeadamente, o mesmo que o do tráfico de estupefacientes, se era antes o “património”, ou se era a “concorrência”, ou a “circulação de bens” ou a “administração da justiça”.
(33) Jorge Fernandes Godinho, ob. cit., p. 143.
(34) Pedro Caeiro, “A Decisão-Quadro do Conselho, de 26 de Junho de 2001, e a Relação entre a punição do branqueamento e o facto precedente: necessidade e oportunidade de uma reforma legislativa, in Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, p. 1086.
(35) Trata-se da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas, assinada em Viena, em 20/12/1988, aprovada para ratificação por Resolução da Assembleia da República nº 29/91 (publicada no DR I Série de 6/9/1991) e ratificada por Decreto do Presidente da República nº 45/91 de 6/9.
(36) Trata-se da Convenção Relativa ao Branqueamento, Detecção, Apreensão e Perda dos Produtos do crime, do Conselho da Europa, assinada em Estrasburgo, em 8/11/1990, aprovada para ratificação por Resolução da Assembleia da República nº 70/97 (publicada no DR I Série de 13/12/1997) e ratificada por Decreto do Presidente da República nº 73/97 de 13/12.
(37) Directiva 2001/97/CE publicada no JO L 344 de 28/12/2001, pp. 76-82, que altera a Directiva 91/308/CEE do Conselho relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais - Declaração da Comissão, publicada no JO L 166 de 28.6.1991, pp. 77-83. Sobre a mesma matéria ver, ainda, Decisão-Quadro do Conselho de 26/6/2001, relativa ao branqueamento de capitais, identificação, detecção, congelamento ou apreensão e perda dos instrumentos e produtos do crime, publicada no JO L 182 de 5/7/2001, p. 1 e Acção Comum 98/699/JAI de 3/12/98 adoptada pelo Conselho com base no artigo K.3 do Tratado da União Europeia, relativa ao branqueamento de capitais, identificação, detecção, congelamento, apreensão e perda dos instrumentos e produtos do crime, publicada no JOCE L 333 de 9/12/98, pp. 1-3. Cf., ainda, com interesse, o segundo relatório da Comissão com base no artigo 6º da Decisão-Quadro do Conselho de 26/6/2001, Bruxelas, 21/2/2006, COM (2006) 72 final.
(38) Também, segundo o art. 1-b) da Convenção Relativa ao Branqueamento, Detecção, Apreensão e Perda dos Produtos do crime, do Conselho da Europa (1990) a expressão “«Bem» compreende um bem de qualquer natureza, quer seja corpóreo ou incorpóreo, móvel ou imóvel, bem como actos jurídicos ou documentos certificando um título ou um direito sobre o bem”. Igualmente a Directiva 2001/97/CE define (artigo 1-D) «bens» como “activos de qualquer espécie, corpóreos ou incorpóreos, móveis ou imóveis, tangíveis ou intangíveis, bem como documentos legais ou outros instrumentos comprovativos da propriedade desses activos ou dos direitos a eles relativos”.
(39) Assim, José Faria Costa, “O Branqueamento de Capitais (Algumas reflexões à luz do Direito Penal e da Política Criminal)”, in Direito Penal Económico e Europeu: Textos Doutrinários, Vol. II, Coimbra Editora, 1999, p. 303.
(40) A. G. Lourenço Martins, ob. cit., p. 455. Acrescenta o mesmo Autor que a “regra cardeal consiste em aproximar o dinheiro o mais possível das transacções legais. E quanto mais o dinheiro sujo penetra no sistema mais difícil se torna identificar a sua origem”.
(41) Neste sentido, Luís Goes Pinheiro, “O branqueamento de capitais e a globalização (facilidades na reciclagem, obstáculos à repressão e algumas propostas de política criminal”, in RPCC ano 12º, fasc. 4º (Outubro-Dezembro 2002), p. 608.
(42) Neste sentido, cf., entre outros, Ac. do TRP de 7/11/2001, proferido no proc. nº 0110598 (relatado por Marques Salgueiro) e Ac. do STJ de 20/6/2002, proferido no proc. nº 02P472 (relatado por Pereira Madeira), consultados no site do ITIJ - Bases Jurídicas Documentais.
(43) Vitalino Canas, O Crime de Branqueamento: Regime de Prevenção e Repressão, Almedina, 2004, p. 158.
(44) Vitalino Canas, ob. cit., p. 159.
(45) Ibidem.
(46) Vitalino Canas, ob. cit., pp. 159 e 160.
(47) Jorge Dias Duarte, Branqueamento de Capitais, O regime do DL 15/93, de 22 de Janeiro, e a normativa internacional, P.U.C., Porto, 2002, p. 130, considera que o conceito de «conversão» “englobará todas as operações de transformação dos bens gerados directamente pelo crime-base ou adquiridos em resultado da respectiva prática em bens de outra natureza ou tipo. E, mais à frente (ob. cit., p. 131), adianta que a operação de conversão “surge como elemento preponderante nas diversas fases de branqueamento (mas principalmente na sua fase inicial), pois, se bem sucedida, conduz à «legitimação» do bem convertido, que assim passa a ser ou, pelo menos, a ter a aparência de um bem lícito, desta forma passando mesmo a beneficiar da segurança da tutela legal conferida aos legítimos proprietários de quaisquer bens regularmente adquiridos, podendo ser introduzido no circuito económico e financeiro.”
(48) Neste sentido, também, Jorge Dias Duarte, ob. cit., p. 111.
(49) Assim, Pedro Caeiro, ob. cit., p. 1083, considerando hoje ultrapassada a argumentação que defende “a possibilidade de o bem jurídico ser o mesmo que o atingido pelo facto precedente, construção que podia sustentar-se quando a punição do branqueamento se encontrava exclusivamente ligada ao tráfico de estupefacientes mas que deve hoje considerar-se ultrapassada.” No mesmo sentido, Vitalino Canas, ob. cit., p. 157.
(50) Ver Acórdão do STJ de 30/10/1996, proferido no processo nº 154/96, onde se defende que, o bem jurídico primordialmente protegido com esta incriminação é a saúde e a integridade física dos cidadãos, ou mais sinteticamente, a saúde pública. No mesmo sentido, de que há uma pluralidade de bens jurídicos protegidos com esta incriminação, entre outros, ver do mesmo Tribunal, Acórdão de 07/05/1997, proferido no proc. nº 139/97, Acórdão de 18/09/1997, proferido no proc. nº 466/97, Acórdão de 15/10/1997, proferido no proc. nº 1185/97, Acórdão de 12/11/1997, proferido no proc. nº 908/97 e Acórdão de 04/11/1998, proferido no proc. nº 933/98.
(51) Neste sentido, Pedro Caeiro, ob. cit., pp. 1081-1087.
(52) Neste sentido, também, mesmo no domínio do art. 23 do DL nº 15/93, o Ac. do STJ de 30/5/96, proferido no proc. nº 96P035 (relatado por Costa Pereira).
(53) O Tribunal Colectivo errou na qualificação jurídico-penal deste crime, visto que a detenção dolosa de pistola de calibre 9 mm. - arma de fogo absolutamente proibida - integrava à data da prática dos factos a previsão do art. 275 nº 1 (e não a do nº 3, sequer cumulativamente, por ser incompatível com o nº 1, sendo deficiente e equívoca, nesse aspecto, a redacção dessa parte da decisão sob recurso), cuja moldura abstracta é de pena de prisão de 2 a 5 anos (razão pela qual o Colectivo, com a justificação que apresentou a nível da fundamentação concreta da pena, não podia ter aplicado pena inferior a 2 anos). Porém, uma vez que o Ministério Público na 1ª instância não recorreu da decisão ora em apreço, nos termos do art. 409 nº 1 do CPP, não pode este Tribunal da Relação agravar essa pena concretamente aplicada ao arguido/recorrente.
(54) Também aqui o Tribunal Colectivo errou ao transcrever, na parte relativa ao enquadramento jurídico-penal, o art. 24 do cit. DL nº 15/93 na versão anterior à Lei nº 11/2004.
(55) Anabela Rodrigues, «O modelo da prevenção na determinação da medida concreta da pena», in RPCC ano 12º, fasc. 2º (Abril-Junho de 2002), 155, refere que o art. 40 CP condensa “em três proposições fundamentais, o programa político-criminal - a de que o direito penal é um direito de protecção de bens jurídicos; de que a culpa é tão só um limite da pena, mas não seu fundamento; e a de que a socialização é a finalidade de aplicação da pena”.
(56) Neste sentido, Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Parte geral II, As consequências jurídicas do crime, Editorial Noticias, 1993, p.198.
(57) Figueiredo Dias, ob. cit., p. 72.
(58) Figueiredo Dias, ob. cit., p. 214.
(59) Figueiredo Dias, "Sobre o estado actual da doutrina do crime”, RPCC, ano 1º, fasc. 1º (Janeiro-Março de 1991), 29.
(60) Neste sentido, Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, Parte Geral, III, Teoria das Penas e das Medidas de Segurança, Editorial Verbo, 1999, p. 167 e Jorge Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Parte Geral, II, As consequências jurídicas do crime, p. 291. Acrescenta este último Autor que “tudo se deve passar como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só, a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).
(61) Ver Jorge Figueiredo Dias, ob. cit., p. 291.