Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0021431
Nº Convencional: JTRP00030824
Relator: EMÉRICO SOARES
Descritores: TRANSPORTE MARÍTIMO
INDEMNIZAÇÃO DE PERDAS E DANOS
CADUCIDADE DA ACÇÃO
Nº do Documento: RP200101160021431
Data do Acordão: 01/16/2001
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: CJ T1 ANOXXVI PAG179
Tribunal Recorrido: 3 J CIV MATOSINHOS
Processo no Tribunal Recorrido: 138/92
Data Dec. Recorrida: 04/18/2000
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA.
Área Temática: DIR COM - TRANSP MAR.
Legislação Nacional: DL 352/86 DE 1986/10/21 ART27 N2.
DL 37748 DE 1950/02/01.
Legislação Comunitária: CONV BRUXELAS DE 1924/08/25 ART3.
Jurisprudência Nacional: AC STJ DE 1999/03/11 IN CJSTJ T1 ANOVII PAG141.
Sumário: I - O prazo de caducidade previsto no artigo 27 n.2 do Decreto-Lei n.352/86, de 21 de Outubro é aplicável só às situações não previstas na Convenção de Bruxelas de 25 de Agosto de 1924 sobre transporte de mercadorias por mar, nomeadamente à situação de transporte de mercadoria no convés, que, não sendo regulado por esta Convenção, é-o pelo citado decreto-lei.
II - A caducidade referida no artigo 3 da Convenção de Bruxelas de 1924 beneficia também o transportador.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juizes no Tribunal da Relação do Porto:

No Tribunal Judicial da Comarca de Matosinhos, a ..... – Companhia de Seguros, S.A., com sede na Rua........., ---, Porto, propôs acção com processo sumário contra:
P....... – Transportes...., SA., com sede na Rua........, nº --, Lisboa;
A....... – Agência...., Ldª, com sucursal na Rua......., nº--, Matosinhos.
Pedindo a condenação solidária das Rés a pagar à A. a quantia de 678.426$00, acrescida dos juros vencidos, e dos vincendos, à taxa legal até efectivo e integral pagamento, alegando, fundamentalmente, o seguinte:
Em 5 de Janeiro de 1991, a 1ª Ré assumiu a obrigação de transportar, por si ou por terceiro, e a pedido e por conta da Companhia Petro........., 600 (seiscentas) toneladas de resina de P V. C. Norvic SP 1100, acondicionadas em sacos, desde Salvador, no Brasil, até Leixões e que tinham sido adquiridas pela Sociedade de Construções Ar......, Lda.. A Ré P......... contratou, para o efeito, o transporte da citada mercadoria, por via marítima, de Salvador para Leixões, com a A......-Agência....., Lda, 2ª Ré. Em 11 de Fevereiro de 1991, a mercadoria chegou ao porto de destino, Leixões, e foi entregue nos armazéns do consignatário em 20 e 21 de Fevereiro de 1991, sendo que durante o período de transporte e até á sua recepção nos armazéns do consignatário, a mercadoria sofreu perdas de produto, tendo-se constatado a existência de 6.500 Kgs. de produto em falta, no valor de 678.426$00. A A. celebrou com a Sociedade de Construções Ar......, Lda., um contrato de seguro, titulado pela Apólice nº--/---, nos termos do qual se responsabilizou pelos danos causados nas mercadorias que, entre 5 de Dezembro de 1990 e 4 de Dezembro de 1991, fossem transportadas, por via marítima, de Salvador, no Brasil, para S. João da Madeira e que devido ao predito contrato pagou à segurada a quantia de Esc. 678.426$00.
A 2ª Ré contestou a presente acção invocando a excepção da incompetência, da caducidade, e da legitimidade.
A 1ª Ré contestou, invocando a excepção da caducidade, e impugnou a versão apresentada pela autora, alegando fundamentalmente que a mercadoria transportada quando saiu do navio estava em bom estado, e que os danos sofridos em alguns sacos ocorreram no desembarque do navio e, bem assim, que os sacos utilizados não são adequados ao transporte dessa mercadoria.
Conclui pela improcedência da acção.
A autora apresentou resposta às contestações, pugnando como na petição inicial, pela procedência da acção e pela improcedência das excepções invocadas.
A 1ª Ré juntou aos autos o documento de fls. 45, o qual foi notificado à parte contrária, que se pronunciou sobre o mesmo conforme o teor do requerimento de fls. 47
Foi proferido despacho saneador e elaborada especificação e questionário que não sofreram qualquer reclamação.
No despacho saneador foi julgada improcedente a excepção da incompetência, tendo sido julgada procedente a excepção da ilegitimidade, na sequência da qual foi a 2ª Ré, A..... - Agência....., Lda. declarada parte ilegítima e absolvida da instância, relegando-se para decisão final a excepção da caducidade.
Realizou-se o julgamento, tendo sido decidida a matéria de facto quesitada pela forma exarada no despacho de fls. 233 a 234.
Seguiu-se a prolação da sentença de fls. 237 a 247, que, declarando procedente a excepção de caducidade invocado pela R. subsistente, P...... -Transportes....., S.A., absolveu-a do pedido.
Inconformada, interpôs a A. recurso dessa decisão, recebido como de apelação, com efeito meramente devolutivo.
Apresentando, oportunamente a sua alegação, finaliza-a a Recorrente com as seguintes conclusões:
I - Afigura-se à Recorrente que a matéria de facto dada como provada é suficiente para fundamentar a condenação da Recorrida no pedido formulado. Senão vejamos:
II – O contrato de transporte de mercadorias por mar é regulado pelas disposições constantes do Decreto-Lei n.º 352/86, de 21 de Outubro.
III - Conforme resulta do número 1 dos factos provados e do conhecimento de embarque de fls. 7, em 5 de Janeiro de 1991, a Recorrida assumiu a obrigação de transportar, por si ou por terceiro, e a pedido e por conta da "Companhia Petro......", 600 toneladas de resina P.V.C. Norvic SP 1100, acondicionadas em sacos, desde Salvador, no Brasil, até Leixões.
IV - Assim, o contrato de transporte em apreço nos presentes autos encontra-se regulado pelas disposições do mencionado Decreto-Lei n.º 352/86, nos termos do qual se estabelece que os direitos de indemnização devem ser exercidos no prazo de dois anos a partir da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete (Cfr. Artº 27.º, n.º 2).
V - Neste sentido, refira-se José M. P. Vasconcelos Esteves, que estabelece que "até a publicação do Decreto-Lei n.º 352/86, de 21 de Outubro, os prazos estabelecidos no direito interno português para a propositura de acções por perdas e danos das mercadorias transportadas e em matéria de prescrição decorriam do estabelecido na Convenção de Bruxelas de 25 de Agosto de 1924.... com a entrada em vigor do novo diploma, não só o prazo de prescrição é alargado de um para dois anos ..." (in "Contratos de Utilização do Navio", Vol. II, Livraria Petrony, págs. 125 e 126).
VI - Conforme consta do n.º 4 da matéria dada como provada, a mercadoria só foi entregue nos armazéns do consignatário em 20 e 21 de Fevereiro de 1991, só tendo a lesada conhecimento do direito que lhe assiste nesta data, pelo que o direito de interpor a presente acção apenas caducava em 21 de Fevereiro de1993.
VII – Ora, tendo a presente acção sido interposta em 24 de Abril de 1992, é manifesto que o direito de interpor a mesma foi atempadamente exercido pela Recorrente.
VIII - Sem prescindir, acresce referir que nos termos do n.º 6 do art.º 3º da Convenção de Bruxelas de 25 de Agosto de 1924, em todos os casos, o armador e o navio ficarão libertados de toda a responsabilidade por perdas e danos, não sendo instaurada a respectiva acção no prazo de um ano a contar da entrega das mercadorias ou da data em que estas deveriam ser entregues. Assim, tal prazo de caducidade aplica-se apenas à responsabilidade do armador e do navio.
IX - Como resulta do telex remetido pela Recorrida à Recorrente, doc. de fls. 45 cujo conteúdo foi dado por reproduzido, "...apesar do que fica dito e inteiramente sem prejuízo dos nossos direitos, concedemos 3 meses de prorrogação do prazo de caducidade, até 11/05/92, na condição de que V. Ex.as estejam devidamente subrogados nos direitos do segurado e, ainda, na condição de que obtenham igual prorrogação do armador do navio.
X - Tal como consta da douta sentença de fls. e do documento de fls. 45, a Recorrida não é o armador do navio, pelo que o referido n.º 6 do art.º 3º da Convenção de Bruxelas não lhe é aplicável.
XI - Não sendo a Recorrida o armador não pode a mesma aproveitar do prazo de caducidade de 1 ano estabelecido na Convenção de Bruxelas na medida em que o mesmo apenas se aplica ao armador e ao navio pelo que será aplicável aos presentes autos a prazo de caducidade de 2 anos estabelecido no n.º 2 do art.º 27º do referido Decreto-Lei n.º 352/86 de 21 de Outubro.
XII - Por outro lado, se considerarmos que o armador nos presentes autos é a Recorrida, então é manifesto que a mesma concedeu à Recorrente 3 meses de prorrogação do prazo de caducidade, ou seja até 11/05/92. Senão vejamos:
XIII - Nos termos do art.º 330º do Código Civil, são válidos os negócios pelos quais se criem casos especiais de caducidade, se modifique o regime legal desta ou se renuncie a ela, contanto que não se trate de matéria subtraída à disponibilidade das partes ou de fraude às regras legais de prescrição.
XIV - Conforme foi referido, foi dado por reproduzido o conteúdo do doc.º de fls. 45, na qual a Recorrida comunica à Recorrente que ".. apesar do que fica dito e inteiramente sem prejuízo dos nossos direitos, concedemos 3 meses de prorrogação do prazo de caducidade, até 11/05/92, na condição de que V. Ex.as estejam devidamente subrogados nos direitos do segurado e, ainda, na condição de que obtenham igual prorrogação do armador do navio" (Cfr. ponto n.º 7 e 15 dos factos provados).
XV - Sendo a Recorrida o armador, é manifesto que a mesma no fax de fls. 45 concedeu à Recorrente a prorrogação do prazo de caducidade por um período de 3 meses, ou seja. até 11/05/92, pelo que não pode a alegada excepção de caducidade proceder.
XVI - Finalmente, sem prescindir, sempre se dirá que, como bem refere o Meritíssimo Juiz "a quo", ... da matéria de facto apurada verifica-se que as partes celebraram entre si um contrato de transporte de mercadorias por mar, de S. Salvador para S. João da Madeira, o qual é regulado pelo Decreto-Lei n.º 352/ 86, de 21 de Outubro, e pela Convenção Internacional para a Unificação de certas regras em matéria de conhecimento de carga (transporte marítimo), assinada em Bruxelas em 25/08/1924...". Assim, é manifesto que a Recorrida se obrigou a efectuar o transporte da mercadoria em apreço de S. Salvador até S. João da Madeira.
XVII - Como se estabelece no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23/05/ 1985, a Convenção de Bruxelas apenas se aplica ao contrato de transporte marítimo e este só abrange o tempo decorrido desde que as mercadorias são carregadas a bordo do navio até ao momento em que são descarregadas no porto de desembarque (in “B.M.J.", 347, 428).
XVIII - No caso em apreço, a Recorrida obrigou-se a efectuar o transporte das mercadorias até S. João da Madeira, ou seja, a Recorrida obrigou-se a efectuar não apenas o transporte marítimo da mercadoria mas, igualmente, o transporte terrestre, pelo que não pode aplicar-se o prazo de caducidade estabelecido no n.º 6 do art.º 3º da Convenção de Bruxelas o qual apenas se aplica ao transporte de mercadorias por mar.
XIX - Em face de tudo quanto ficou exposto, deve o presente recurso merecer provimento e a Recorrida condenada no pagamento à Recorrente da quantia de 678.426$ 00, acrescida dos respectivos juros de mora legais contados desde 19 de Julho de 1991.
Contra-alegou a Apelada, defendendo a confirmação da sentença em recurso.
Colhidos que se mostram os vistos dos Ex.mos Juizes Adjuntos, cumpre apreciar e decidir:
Sabido que são as conclusões da alegação da apelante que, em princípio, delimitam o objecto do recurso (arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1, do Cód. Proc. Civ.), constata-se que, nelas, a Apelante, verdadeiramente, uma única questão suscita, a qual se prende com saber que quando propôs a presente acção não estava caducado o direito que através dela pretendeu fazer valer.
Na sentença recorrida, tendo em conta a matéria especificada e as respostas aos quesitos do questionário, deram-se como assentes os seguintes factos:
1) - Em 5 de Janeiro de 1991, a 1ª Ré assumiu a obrigação de transportar, por si ou por terceiro, e a pedido e por conta da Companhia Petro......, 600 (seiscentas) toneladas de resina de P. V C. Norvic SP 1100, acondicionadas em sacos, desde Salvador, no Brasil, até Leixões – Al. A) da Esp..;
2) A Ré P......... contratou, para o efeito, o transporte da citada mercadoria, por via marítima, de Salvador para Leixões, com a A.....-Agência...., Lda - com sede na Rua......... nº -- – Matosinhos – Al. B) da Esp.;
3) - Dá-se por reproduzido, para os legais efeitos, o respectivo Bill of Lading (Conhecimento de embarque), junto por cópia a fls.7 - Al. C) da Esp.;
4) - Em 11 de Fevereiro de 1991, a mercadoria chegou ao porto de destino, Leixões - sendo certo que só foi entregue nos armazéns do consignatário em 20 e 21 de Fevereiro de 1991 – Al. D) da Esp.;
5) - Durante o período de transporte da mercadoria e até à sua recepção nos armazéns do consignatário a mercadoria sofreu perdas de produto, tendo-se constatado a existência de 6.500 Kgs. de produto em falta – Al. E) da Esp.;
6) - Até à presente data, nem a Ré nem a A.......... fizeram qualquer pagamento à A. por conta dos danos sofridos, não obstante a A. lhes haver reclamado o reembolso da quantia de Esc. 678.426$00 – Al. F) da Esp.;
7) - Em 31 de Janeiro de 1992, a Ré aceitou conceder à A. um prorrogação por três meses, do prazo de caducidade para o exercício do seu direito, ou seja, até 11 de Maio 1992, nos termos e nas condições expostas no telex junto a fls. 45 e que aqui se dá por reproduzido – Al. G) da Esp.;.
8) - A A. celebrou com a Sociedade de Construções Ar...., Lda., um contrato de seguro, titulado pela Apólice nº 80/002064, nos termos do qual se responsabilizou pelos danos causados nas mercadorias que, entre 5 de Dezembro de 1990 e 4 de Dezembro de 1991, fossem transportadas, por via marítima, de Salvador, no Brasil, para S. João da Madeira – Resp. ao quesito 1º do questionário;
9) - A segurada da A. Sociedade de Construções Ar...., Lda., comprou à Companhia Petro......, com sede na Rua ........., nº---, Brasil, as 600 (seiscentas) toneladas de resina de P.V.C. Norvic SP 1100 a que alude a especificação – Resp. ao quesito 2º;
10) – A perda de produto a que alude a alínea E) da especificação ocorreu durante as operações de carga e descarga do produto e durante o período de transporte marítimo – Resp. ao quesito 3º;
11) - A Sociedade Construções Ar...., Lda. sofreu, em consequência, um prejuízo de Esc. 678.426$00 – Resp. ao quesito 5º;
12) - Quantia que a A pagou, em 19 de Julho de 1991, por força do supra aludido contrato de seguro – Resp ao quesito 6º;.
13) - Os sacos utilizados no transporte da mercadoria, eram de serapilheira plástica – Resp. ao quesito 7º;
14) - Dado o seu peso - uma tonelada - eram de manuseamento difícil, nomeadamente na sua movimentação por empilhadores – Resp. ao quesito 9º;
15) - O que consta do documento junto a fls. 45.
Estes factos não foram impugnados pelas partes. Todavia, a fixação dessa matéria factícia é-nos merecedora de um reparo.
No ponto 3º incluiu-se, como sendo facto provado, o seguinte : «dá-se por reproduzido, para os legais efeitos, o respectivo bill of lading (conhecimento de embarque) junto por cópia a fls 7». Esta matéria proveio da alínea C) da especificação, onde, salvo o devido respeito, nunca, em boa técnica processual, devia ter sido incluída. Na verdade, como resulta do disposto no art. 511º do Cód. Proc. Civ (redacção anterior ao Dec.-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro) à especificação e ao questionário devem levados, tão-somente, os factos, de entre os articulados pelas partes, que interessem á decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito. Ora, os documentos e o seu conteúdo não constituem factos mas, tão somente, o instrumento de prova de factos.
É, infelizmente, uma prática muito frequente, nos Tribunais da 1ª instância, incluir-se na especificação, como sendo facto, o conteúdo de um qualquer documento, dizendo dar-se o mesmo como reproduzido. Prática errónea, porém, contra a qual os Tribunais superiores têm reagido, mas, segundo parece, sem eco em muitos juizes da 1ª instância. Importa, não obstante, uma vez mais, aqui observar que os documentos que as partes juntam aos autos visam sempre comprovar algo que as mesmas alegam nos seus articulados, pelo que, a dever dar-se alguma coisa como provado, são esses factos e não o conteúdo dos documentos oferecidos para a sua prova.
Há, por isso, que se alterar o pretenso facto constante do ponto 3º da facticidade acima alinhada, o que se fará substituindo pelo seguinte facto:
3) A R. P......... emitiu o “bill of lading” ou conhecimento de embarque junto por cópia a fls. 8 (e não fls. 7, como, por manifesto lapso, se referiu na al. C) da especificação).
Por idênticas razões dá-se como não escrito o ponto 15º do mesma quadro factício, sendo certo, aliás, que o facto que o documento de fls 45 pretendia provar consta já da ponto 7º do mesmo quadro.
E assim se dão como definitivamente fixados os factos a ter aqui em consideração.
Apreciemos, então a questão que é submetida à resolução deste Tribunal: Quando propôs a presente acção, estava já caducado o direito que a A. através dela pretendeu fazer valer ?.
Na base da presente acção encontra-se um contrato de seguro que a A. celebrou com a Sociedade de Construções Ar......, Lda., pelo qual se responsabilizou pelos danos causados nas mercadorias que, entre 5 de Dezembro de 1990 e 4 de Dezembro de 1991, fossem transportadas, por via marítima, de Salvador (Brasil) para S, João de Madeira (Portugal). Tendo esta Sociedade Ar......, Lda. adquirido à Companhia Petro......, do Brasil, 600 toneladas de resina de P.V.C. Norvic SP 1100, assumiu a R. P...... - Transportes....., SA., realizar o transporte dessa mercadoria, por via marítima, desde Salvador até Leixões, vindo a concretizar esse transporte pelo intermédio da A..... - Agência....., Lda.. A mercadoria chegou ao Porto do destino em 11/02/91, tendo sido entregue nos armazéns do consignatário em 20 e 21 do mesmo mês e ano, sendo, porém que durante o período de transporte a mercadoria sofrido danos no valor de 678.426$00 que a A. pagou àquela Ar......, Lda.. Pela presente acção, instaurada em 24/04/92, pretende a A. ser reembolsada, pela R, P........., SA., da importância que pagou à Ar......, Lda.
Estes são, sumariamente os dados de facto que interessam à decisão. Mas, mais concretamente, atenta a específica questão de caducidade que é levantada pela Apelante, desses factos há que se especialmente reter que a descarga da mercadoria em Leixões ocorreu em 11/02/91, sendo entregue nos armazéns do consignatário em 21 e 22 do mesmo mês e ano e que a presente acção deu entrada em juízo em 24/04/92.
O contrato celebrado entre e Sociedade Ar......., Lda. e a P......., S.A. é manifestamente um contrato de transporte marítimo, tendo-se esta última obrigado transportar a mercadoria de Salvador (Brasil) até Leixões (Portugal) por si ou por terceiro, vindo a fazê-lo pelo intermédio da A.........., Ldª.
Não se sabendo, que relação exactamente se estabeleceu entre a P........., SA. e a A......... Lda. para que o transporte se concretizasse, terá de se considerar que esta última terá sido apenas uma auxiliar daquela, coadjuvando-a no cumprimento [Cfr. Ac. STJ, de 11/03/99, CJSTJ, Ano VII, Tomo 1, pág. 141].
O Transporte de mercadorias por mar é disciplinado pela Convenção Internacional para a unificação de certas regras em matéria de conhecimentos de carga, assinada em Bruxelas em 25 de Agosto de 1924 [Publicado no Diário do Governo, 1ª série, de 2 de Julho de 1932 e rectificada no Diário do Governo, 1ª série, de 11 de Julho do mesmo ano], que passou para o nosso direito interno por força do Dec.-Lei nº 37.748, de 1 de Fevereiro de 1950 [Publicado no Diário do Governo, 1ª série, de 1 de Fevereiro de 1950].
Ora, nos termos do nº 6 do art. 3º da referida Convenção Internacional o prazo para o exercício do direito de indemnização por perda ou deterioração da mercadoria transportada por mar é de um ano a contar da data da sua entrega no seu destino ou da data em que as mesmas deviam ser entregues, sendo unânimes a doutrina e a jurisprudência no sentido de que esse é um prazo de caducidade.
O transporte por mar inicia-se com o carregamento da mercadoria no navio no porto de origem e termina com o seu desembarque no porto do destino.
Assim sendo, tendo a mercadoria, objecto do contrato a que os presentes autos respeitam, vinda do Brasil, sido desembarcada no Porto do seu destino (Leixões), nos dias 20 e 21 de Fevereiro de 1991, é a partir dessa data que se havia de contar o prazo a que se refere o citado n.º 6 do art. 3º da referida Convenção de Bruxelas. Era dentro desse prazo que a dona das mercadorias, tinha de propor a acção de indemnização pelos danos sofridos pela mercadoria durante o transporte. Mas tendo a A. pago à Ar........., Lda. o valor dos prejuízos pela mesma sofrida em cumprimento do contrato de seguro com ela celebrado, ficou subrogado nos direitos da Ar......., Lda. e, portanto, no direito de exigir da transportadora, dentro daquele prazo de um ano a contar do dia 21 de Fevereiro de 1991, o reembolso daquilo que pagou à proprietária da mercadoria.
Ora, como atrás se disse, a A. apenas propôs a acção em 24 de Abril de 1992 e, portanto fora do prazo de um ano previsto no nº 6 do art. 3º da aludida Convenção de Bruxelas de 1924.
Mas, sustenta a Apelante que o prazo de caducidade, na situação em apreço, é, não o previsto no art. 3º, n.º 6 da Convenção de Bruxelas mas sim o do art. 27º n.º 2 do Dec.-Lei n.º 352/86, de 21 de Outubro, que estabelece, para a caducidade dos direitos de indemnização previstos nesse diploma, o prazo de dois anos a partir da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete.
Mas, salvo o devido respeito, não lhe assiste razão. É o próprio Dec.-Lei n.º 352/ 86, que, depois de, no seu art. 1º, definir o contrato de transporte de mercadorias por mar, refere no seu art. 2º que “este contrato é disciplinado pelos tratados e convenções internacionais vigentes em Portugal e, subsidiariamente, pelas disposições do presente diploma”. Ora, se o Dec.-lei n.º 352/86 tem apenas aplicação subsidiária aos tratados e convenções internacionais, outra conclusão não nos parece legítimo extrair senão esta: o prazo de caducidade previsto no nº 2 do art. 27º desse diploma só é aplicável às situações não previstas na referida Convenção de Bruxelas de 1924, nomeadamente à situação de transporte de mercadoria no convés, que, não sendo regulado por esta Convenção, é-o pelo Dec.-Lei nº 352/86.
Objecta a apelante que o nº 6 do art. 3º da aludida Convenção apenas fala da responsabilidade do armador e do navio, pelo que tal norma não é aplicável ao transportador.
Uma vez mais não lhe assiste razão. Como bem se explicita na sentença recorrida, citando Mário Raposo em Direito Marítimo – Uma Perspectiva [In Revista da Ordem dos Advogados, nº 43, Maio, 1983, pág. 354. Nota 15], nos termos do nº 2 da Convenção de Bruxelas, as operações de carga e descarga são da responsabilidade do transportador e não do armador já que o texto oficial da Convenção usa a expressão “transporteur”.
Alias, é jurisprudência constante do Supremo Tribunal de Justiça no sentido de que a caducidade referida no art. 3º da Convenção de Bruxelas de 1924 beneficia também o transportador [Cfr., por exemplo, Acs, do STJ, de 27/10/92, Proc. Nº 82487, e de 9/10/97, Proc. Nº 96B775, disponíveis na Base de Dados do DGSI do Ministério da Justiça], pelo que nos dispensamos de tecer outras considerações a esse respeito.
Objecta ainda a Apelante que, ao tempo em que propôs a acção não estava ainda caducado o seu direito de obter o reembolso por parte da ora Recorrida, uma vez que esta acordara, expressamente, em prorrogar o prazo de caducidade por três meses. Pelo que a Apelante tinha a possibilidade de propor a acção, atempadamente, até 11 de Maio de 1992.
Provou-se, efectivamente, que “em 31 de Janeiro de 1992, a Ré aceitou conceder à Autora uma prorrogação por três meses, do prazo de caducidade para o exercício do seu direito, ou seja, até 11 de Maio de 1992, nos termos e nas condições expostas no telex junto a fls 45 ...”
Dispõe o nº 1, do art. 330º do Cód. Civ. Que «são válidos os negócios pelos quais se criem casos especiais de caducidade, se modifique o regime legal destas ou se renuncie a ela, contanto que não se trate de matéria subtraída à disponibilidade das partes ou de fraude às regras legais da prescrição.»
Parece-nos manifesto que a matéria de transportes por mar não está subtraída à disponibilidade das partes, pelo que seria perfeitamente vinculante para as partes uma alteração consensual do prazo de caducidade previsto no citado nº 6 do art. 3º da referida Convenção de Bruxelas.
Só que as declarações negociais são para valer com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele – art. 236, nº 1, do Cód. Civ..
Ocorre que, no caso em apreço, se é verdade que a Transportadora, aqui Apelada, declarou conceder à Autora, aqui Apelante, uma prorrogação do prazo de caducidade por três meses, também é verdade que o fez nos termos e nas condições expostas no documento junto a fls. 45, que é um “telex” no qual, a dado passo, se diz “Apesar do que fica dito e inteiramente sem prejuízo dos nossos direitos, concedemos 3 meses de prorrogação do prazo de caducidade, até 11/05/92, na condição de que V. Exas estejam devidamente subrogados nos direitos do segurado e, ainda, na condição de que obtenham igual prorrogação do armador do navio”.
Este texto, além de não deixar a mínima dúvida de que, pelo menos em mente de quem o redigiu, estava presente a ideia de que o prazo de caducidade era de um ano, não contém ele uma declaração, pura e simples, de prorrogação desse prazo Tal prorrogação foi subordinada à verificação de duas condições: 1ª - subrogar-se a A. nos direitos da segurada; 2º- Obter a A. do armador do navio a prorrogação do prazo de caducidade por três meses.
A primeira condição ficava, naturalmente, preenchida com a prova do pagamento à dona da mercadoria do valor dos danos por esta sofridos. A segunda tinha de ser demonstrada através da exibição de uma declaração do armador do navio de que também ele havia concedido a prorrogação, por três meses, do aludido prazo de caducidade.
Esta condição, imposta pela Transportadora à Demandante, antolha-se-nos perfeitamente compreensível e legítima, uma vez que traduz a intenção de salvaguarda do direito da mesma Transportadora de, no caso de ter de pagar à Demandante, poder, posteriormente, agir, por via de regresso, contra o armador do navio em que o transporte foi feito, sem que pudesse, por este, ser-lhe oposta a caducidade desse seu direito.
Ora, estando a declaração de prorrogação do prazo de caducidade, subordinada a essas condições, de natureza suspensiva, ela só ganharia plena eficácia com a verificação dessas condições, sendo que a prova da sua verificação cabia a quem quisesse prevalecer-se da eficácia daquela declaração, ou seja, à aqui Apelante – art. 342º, nº 1, do Cód. Proc. Civ.
Não tendo a Apelante feito essa prova, não pode beneficiar da prorrogação do prazo da caducidade constante da declaração contida no “telex” junto a fls 45.
Finalmente, alega a Apelante que a Recorrida se obrigou a efectuar o transporte das mercadorias até S. João da Madeira, e, portanto, não só por barco como também por terra, razão porque, afirma, não pode aplicar-se o prazo de caducidade estabelecido no nº 6 do art. 3º da Convenção de Bruxelas, pois esta aplica-se apenas ao transporte de mercadorias por mar.
Parece-nos evidente que estamos em presença de um argumento de recurso, em cuja eficácia, segundo pensamos, a própria Apelante verdadeiramente não acreditará. Foi a própria Apelante quem, no item 3º da seu articulado inicial, alegou que a 1ª Ré, aqui Apelada, “assumiu a obrigação de transportar, por si e por terceiro, e a pedido e por conta da Companhia Petro......, 600 (seiscentas) toneladas de resina de P.V.C Norvic SR 1.100, acondicionada em sacos desde Salvador até Leixões”. O que, aliás, é confirmado pelo conhecimento de embarque junto por cópia a fls 21, que indica, como porto de embarque da carga, Salvador-Brazil e, como Porto do destino, Leixões. Isso mesmo foi dado como assente na alínea A) da especificação, sem qualquer reacção da Autora, reacção, aliás, que, se tivesse havido, teria sido muito de estranhar como muito de estranhar é que agora, em recurso, a Apelante venha com este argumento que, salvo o devido respeito, não tem ponta por onde se lhe pegue
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Por tudo quanto exposto ficou, acorda-se em, na improcedência da Apelação, confirmar da sentença em recurso.
Custas pela Apelante.
Porto, 16 de Janeiro de 2001
Pedro Silvestre Nazário Emérico Soares
Eurico Augusto Ferreira de Seabra
Afonso Moreira Correia