Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
12447/06.4YYPRT-B.P1
Nº Convencional: JTRP00042738
Relator: RODRIGUES PIRES
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
ACTAS
ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
INCAPACIDADE GERAL PARA O TRBALHO DE 25%
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RP2009061612447/06.4YYPRT-B.P1
Data do Acordão: 06/16/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: REVOGADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO - LIVRO 316 - FLS 88.
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTº 6º, Nº 1, DO DEC. LEI Nº 268/94, DE 25.10.
Sumário: A acta da assembleia de condóminos para constituir título executivo, nos termos do art. 6, nº 1 do Dec. Lei nº 268/94, de 25.10, terá que conter a deliberação dessa assembleia quanto à fixação do montante das contribuições devidas pelos condóminos, em função da quota-parte de cada um deles, bem como quanto ao respectivo prazo de pagamento.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 12447/06.4 YYPRT-B.P1
Juízos de Execução do Porto – .º Juízo – .ª secção
Apelação
Recorrente: B……….
Recorrido: Administração do Condomínio C……….
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Canelas Brás e Pinto dos Santos

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO
O executado B………. deduziu a presente oposição à execução nº 12447/06.4YYPRT-B em que é exequente a Administração do Condomínio C………. pedindo a extinção da execução.
Para fundamentar a sua pretensão alegou, em síntese, que inexiste título executivo, dado que na acta exequenda não consta qualquer deliberação que fixe o montante das contribuições, especificando a que despesas respeitam, a quota parte de cada condómino nessas despesas e um prazo para o pagamento. Nem a acta nem o requerimento executivo explicam a proveniência da quantia exequenda e as operações aritméticas que nela resultaram. Por outro lado, a taxa de juro estabelecida para a mora no pagamento das prestações de condomínio é usurária, pelo que a cláusula penal é manifestamente excessiva.
A exequente apresentou contestação, na qual alegou que a acta exequenda obedece aos requisitos legais exigidos para que lhe seja reconhecida força executiva. No que tange às contribuições não pagas, nem sequer o executado/condómino pôs as mesmas em questão, questionando apenas a penalização de 150% ao ano. Ora, por aplicação do art. 45 dos estatutos é calculada a penalização correspondente à taxa mensal de 10% sobre as importâncias vencidas e não pagas, até atingir o limite correspondente a 25% do rendimento colectável anual da fracção do infractor, sendo despropositada a referência a juros usurários ou cláusula penal excessiva. Terminou pedindo a improcedência da oposição.
proferido despacho saneador.
Atendendo à simplicidade da causa, não foi realizada audiência preliminar e o Mmº Juiz “a quo” absteve-se de fixar a base instrutória.
Realizou-se audiência de julgamento com observância do legal formalismo, tendo o Tribunal fixado a matéria de facto provada e não provada através do despacho de fls. 89/90, que não teve qualquer reclamação.
Foi depois proferida sentença que julgou improcedente a oposição deduzida e ordenou o prosseguimento da execução.
Inconformado, o executado interpôs recurso de apelação, tendo finalizado as suas alegações com as seguintes conclusões:
A. De facto
1ª O tribunal “a quo” ignorou por completo o documento que o recorrente apresentou no decurso da audiência de julgamento.
2ª Esse documento impunha que tivesse sido dado como não provado que o recorrente não tivesse pago a 3ª prestação respeitante a obras de recuperação do edifício, realizadas em 2003 e 2004. Ou, em alternativa, que tivesse sido dado como provado que o recorrente nada deve ao condomínio que não sejam penalizações.
3ª Visto que nem o requerimento executivo nem a acta dada à execução esclarecem quanto do total exequendo correspondia a essa prestação e quanto eram penalizações, forçoso seria considerar totalmente procedente a oposição à execução.
4ª Como o mencionado documento, só por si, implica necessariamente decisão diversa da proferida, requer-se a reforma da sentença, nos termos expostos, e de acordo com o disposto no art. 669, nº 2, al. b) e nº 3 do Cód. do Proc. Civil.
B. De Direito – A acta dada à execução não é título executivo
5ª A acta da reunião da assembleia de condóminos dada à execução deveria documentar uma deliberação a fixar os montantes das contribuições relativas a essas obras, a quota parte de cada condómino e um prazo para o pagamento.
6ª Não o fazendo, não reúne os requisitos necessários para constituir título executivo quanto à dívida em causa.
7ª De acordo com o princípio “nulla executio sine titulo” (art. 45, nº 1 do Cód. do Proc. Civil), deveria a execução improceder, dando-se provimento à oposição.
8ª Por outro lado, faltariam sempre a exposição dos factos que fundamentam o pedido e não constam do título executivo e a especificação das operações aritméticas que resultaram na quantia líquida reclamada, que são elementos obrigatórios do requerimento executivo.
9ª Assim sendo, o tribunal “a quo” não interpretou devidamente o art. 6 do Dec. Lei nº 268/94, de 25.10. Também não aplicou, como devia ter feito, os arts. 45, nº 1 e 810, nº 3, als. b) e c) do Cód. de Proc. Civil.
A título subsidiário:
C. De Direito – O art. 45 do regulamento do condomínio
10ª A penalização a uma taxa de 10% ao mês aí prevista corresponde a uma taxa anual de 120%.
11ª É pois forçoso considerar-se usurária essa cláusula, e por isso ilícita.
12ª Deve ainda ser considerada inconstitucional, por comprimir exagerada e desproporcionalmente o direito de propriedade protegido na Constituição (art. 62).
13ª A sanção pecuniária em causa é uma cláusula penal, ou tem ao menos função análoga à das cláusulas penais, podendo por isso ser equitativamente reduzida pelo tribunal, nos termos da lei.
14ª Assim, mesmo que o tribunal “a quo” não entendesse ser totalmente procedente a oposição, declarando-se extinta a execução, sempre deveria ter convidado a exequente a apresentar as operações aritméticas que resultaram na quantia total reclamada e, após ouvir as partes, reduzir a cláusula penal para um máximo de 7% (ao ano, naturalmente) acima dos juros legais.
15ª Não o fazendo, não aplicou como devia os arts. 559 – A, 812 e 1146 do Cód. Civil. Interpretou também erradamente o art. 1434, nº 2 do mesmo código, nos termos expostos.
Pretende assim que a sentença seja revogada e substituída por outra que julgue procedente a oposição à execução.
A exequente apresentou contra-alegações, nas quais se pronunciou pela confirmação do decidido.
Colhidos os vistos legais, cumpre então apreciar e decidir.
*
FUNDAMENTAÇÃO
Aos presentes autos, face à data da sua entrada em juízo, é ainda aplicável o regime de recursos anterior ao Dec. Lei nº 303/07, de 24.8.
*
O objecto dos recursos encontra-se balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso – arts. 684 nº 3 e 690 nº 1 do Cód. do Proc. Civil -, sendo ainda de referir que neles se apreciam questões e não razões, que não visam criar decisões sobre matéria nova e que o seu âmbito é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
*
QUESTÃO A DECIDIR
Apurar se a exequente dispõe – ou não – de título executivo que sirva de base à presente execução.
*
OS FACTOS
A matéria fáctica tal como foi fixada pela 1ª Instância é a seguinte:
A) Em 30 de Janeiro de 2006 realizou-se uma assembleia geral de condóminos do C………., nos termos e com o conteúdo constante da acta junta de fls. 9 a 19 dos autos de execução que aqui dou por integralmente reproduzido.
B) Em 28 de Janeiro de 2005 realizou-se uma assembleia geral de condóminos do C………., nos termos e com o conteúdo constante da acta junta de fls. 19 a 25 destes autos que aqui dou por integralmente reproduzido.
C) Em 26 de Setembro de 2002 realizou-se uma assembleia geral de condóminos do C………., nos termos e com o conteúdo constante da acta junta de fls. 29 a 31 destes autos que aqui dou por integralmente reproduzido.
D) Em 31 de Janeiro de 2003 realizou-se uma assembleia geral de condóminos do C………., nos termos e com o conteúdo constante da acta junta de fls. 32 a 33 destes autos que aqui dou por integralmente reproduzido.
E) O condomínio do C………. rege-se pelo Estatuto e Regulamentos juntos de fls. 38 a 45 dos autos.
F) Em 20 de Fevereiro de 2006 realizou-se uma assembleia extraordinária de condóminos do C……….., nos termos e com o conteúdo constante da acta de fls. 59 e 60 destes autos que aqui dou por integralmente reproduzida.
G) Em 6 de Março de 2006 realizou-se uma assembleia extraordinária de condóminos do C………., nos termos e com o conteúdo constante da acta de fls. 61 e 62 destes autos que aqui dou por integralmente reproduzida.
*
O DIREITO
O art. 45 nº 1 do Cód. do Proc. Civil estatui que «toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva.»
Trata-se do chamado título executivo, que constitui pressuposto ou condição geral de qualquer execução (“nulla executio sine titulo”), podendo ser definido, de acordo com o ensinamento de Manuel de Andrade, como o documento de acto constitutivo ou certificativo de obrigações a que a lei reconhece a eficácia de servir de base ao processo executivo.[1]
Com referência ao caso que aqui se discute, dispõe o art. 6, nº 1, do Dec. Lei nº 268/94, de 25.10 que «a acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte.»
Verifica-se, assim, que para serem título executivo as actas das assembleias de condóminos terão que fixar os montantes das contribuições devidas ao condomínio ou das despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns ou serviços de interesse comum.
Tal como terão igualmente que conter o prazo destinado ao pagamento e a fixação da quota parte de cada condómino nessas contribuições e despesas.
Regressando ao caso “sub judice”, o que se constata, face ao teor do requerimento executivo, é que na presente execução está em causa “o valor relativo à 3ª prestação respeitante às obras de recuperação do edifício, realizadas em 2003 e 2004, e respectivas penalizações, num total de €8.171,41.”
Como título executivo apresenta a exequente a acta nº 1/06, referente à Assembleia Geral de Condóminos efectuada no dia 30.1.2006, cuja ordem de trabalhos foi a seguinte: 1. Apresentação das Contas do Condomínio relativas ao ano de 2005 e respectiva aprovação; 2. Análise e deliberação sobre a Proposta de Orçamento para o ano de 2006; 3. Análise e deliberação sobre as dívidas de alguns condóminos a este condomínio; 4. Outros assuntos de interesse para o Condomínio.
Anexa a esta acta encontra-se, com referência à data de 31.12.2005, uma relação de condóminos devedores, dos quais consta o executado B………. e o valor de €8.171,41, não se descriminando neste valor qual a parte relativa a contribuições em falta e qual a que se reporta a penalizações.
As contas relativas ao ano de 2005 foram aprovadas com um voto contra e a proposta de orçamento para 2006 foi aprovada por unanimidade. Já o ponto 3. referente às dívidas dos condóminos viria a ser objecto de ampla discussão, tendo o ora executado tomado, por diversas vezes, a palavra para se insurgir contra as penalizações previstas nos Estatutos do Condomínio e que o atingiriam. Porém, não consta da acta qualquer deliberação sobre as dívidas dos condóminos.
Por conseguinte, a acta da Assembleia Geral de Condóminos realizada em 30.1.2006, que foi dada à execução, não contem qualquer deliberação[2] quanto às dívidas dos condóminos, integrando tão somente uma lista elaborada pela Administração do Condomínio da qual constam os condóminos devedores.
A pergunta que então se colocará é a de saber se esta acta pode constituir – ou não – título executivo para os termos do art. 6, nº 1 do Dec. Lei nº 268/94, de 25.10.
E a resposta, em consonância com o que acima já se explanou, terá que ser negativa.
Com efeito, a acta da assembleia de condóminos que vale como título executivo é a que tiver deliberado sobre o montante das contribuições devidas pelos condóminos e que fixa o prazo de pagamento. Encontrando-se vencidas e não pagas tais contribuições, essa acta será, desde logo, título executivo.
Ou seja, o que se torna imprescindível é que a acta da assembleia expresse que os condóminos deliberaram a fixação de um montante, tanto para despesas ordinárias ou extraordinárias, a serem comparticipadas pelos condóminos, em função da sua quota-parte, bem como o prazo e o seu modo de pagamento.[3]
Não é o que ocorre no presente caso em que a acta, no seu anexo, refere a dívida que foi apurada pela Administração, mas não documenta qualquer deliberação sobre as contribuições a cargo dos condóminos que estiveram na base dessa dívida.
Conforme afirma o recorrente, a acta dada à execução contem o que se pode designar como elemento acessório – a menção da dívida concreta[4] -, mas falta-lhe, de acordo com o art. 6, nº 1 do Dec. Lei nº 268/94, de 25.10, o elemento principal, que é a deliberação da assembleia de condóminos quanto à fixação do montante das contribuições e respectivo prazo de pagamento.
Como tal, só por si, essa acta não pode servir de base à presente execução e, assim sendo, impõe-se a revogação da sentença recorrida, com a consequente procedência da oposição e a extinção da acção executiva (cfr. arts. 816 e 814, al. a) do Cód. do Proc. Civil).
Sintetizando a argumentação:
- A acta da assembleia de condóminos para constituir título executivo, nos termos do art. 6, nº 1 do Dec. Lei nº 268/94, de 25.10, terá que conter a deliberação dessa assembleia quanto à fixação do montante das contribuições devidas pelos condóminos, em função da quota-parte de cada um deles, bem como quanto ao respectivo prazo de pagamento.
*
[Antes de finalizar, refira-se que a apreciação da questão referente à excessividade da cláusula constante do art. 45 do Regulamento do Condomónio, também suscitada pelo recorrente nas suas alegações, se encontra prejudicada pela solução entretanto dada à causa, tal como prejudicada está a questão relativa à inconsideração por parte do tribunal recorrido do documento junto aos autos aquando da audiência de julgamento (cfr. art. 660 nº 2 do Cód. do Proc. Civil)]
*
DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar procedente o recurso de apelação interposto pelo executado/opoente B………., revogando-se a sentença recorrida, que se substitui por outra que julga procedente a oposição e declara, em consequência, extinta a correspondente acção executiva.
Custas a cargo da exequente/recorrida.

Porto, 16.6.2009
Eduardo Manuel B. Martins Rodrigues Pires
Mário João Canelas Brás
Manuel Pinto dos Santos

________________________
[1] Cfr. Amâncio Ferreira, “Curso de Processo de Execução”, 10ª ed., pág. 23; Manuel de Andrade, “Noções Elementares de Processo Civil”, 1979, pág. 58.
[2] Entendida esta como a declaração colegial em que se fundem as declarações singulares maioritárias, no mesmo sentido, dos sujeitos componentes de um órgão colegial – cfr. Pinto Furtado, “Curso de Direito das Sociedades”, 5ª ed., pág. 392.
[3] Cfr. Ac. Rel. Porto de 19.2.2004, p. 0450201, disponível in www.dgsi.pt.; Ac. Rel. Lisboa de 25.11.1999, CJ, Ano XXIV, tomo V, págs. 105/6.
[4] Que, aliás, não foi aceite pelo executado, o qual, entendendo que a dívida se circunscrevia a penalizações, se insurgiu, na reunião, apenas quanto ao montante destas (e quanto a este ponto não será demais lembrar que na lista anexa à acta não se descrimina nas dívidas qual a parte referente às contribuições em falta e qual a parte respeitante às penalizações, tal como não se menciona se tais dívidas se restringem tão só a penalizações).