Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
120/11.6GCVFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DO CARMO SILVA DIAS
Descritores: CRIME DE DANO
CÔNJUGE
SEPARAÇÃO DE FACTO
ACUSAÇÃO PARTICULAR
CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
AGRAVAÇÃO
DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA
ARMA BRANCA
VIOLAÇÃO DE DOMICÍLIO
Nº do Documento: RP20131023120/11.6GCVFR.P1
Data do Acordão: 10/23/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Sendo o arguido, na altura da consumação do crime de dano p. e p. no art. 212º, nº 1, do CP, cônjuge da vítima, apesar de estar dela separado de facto, o procedimento criminal depende de acusação particular (art. 212º, nº 1 e nº 3 conjugado com o art. 207º, al. a), do CP, na versão então vigente, hoje correspondente ao art. 207º, nº 1, al. a), do CP).
II – O legislador foi taxativo quanto à qualidade de cônjuge do agente em relação à vítima, não ressalvando a situação do agente que, sendo casado com a vítima, comete o crime quando estão separados de facto. E isso, não obstante ter tido o cuidado de incluir no mesmo preceito o agente que, não sendo casado com a vítima, viva com ela em “condições análogas às dos cônjuges” (nesse caso em que não há casamento entre o agente e a vítima, exige que ambos vivam em “condições análogas às dos cônjuges”, sendo certo que, se houver separação de facto, aquele tipo de crime cometido no decurso da separação passa apenas a depender de queixa).
III - Não tendo a vítima deduzido a respectiva acusação particular, nos termos dos arts. 48º e 50º do CPP, o Ministério Público não tem legitimidade para promover o processo penal, deduzindo acusação pública pelo referido crime de dano, pelo que o tribunal não devia, nem podia ter conhecido dessa parte da acusação pública.
IV - O crime de violência doméstica p. e p. no art. 152º, nº 1, al. a), do CP, é agravado, entre outras circunstâncias, quando o agente praticar o facto na presença de menor. Este motivo de agravação só existe desde a entrada em vigor da Lei nº 59/2007, de 4.9. Assim, consumado o crime em Março de 2009 e tendo a menor que presenciava o facto atingido a maioridade antes de 2007, não se verifica a referida agravante especial da presença da menor.
V - Provando-se que o arguido dolosamente possuía uma arma branca sem aplicação definida (no caso era um objecto artesanal contundente, tipo espeto em metal, com cerca de 30 cm de comprimento, dos quais 17,5 cm de cabo e 12,5 cm de espeto, com a ponta pontiaguda) que podia ser usada como arma de agressão, não tendo justificação para a sua posse, estão preenchidos os pressupostos do crime de detenção de arma proibida p. e p. no art. 86º, nº 1, al. d), da Lei nº 5/2006, de 23.2.
VI - Quem viola os deveres de respeito e cooperação em relação ao cônjuge (arts. 1672º e 1674º do CC), como sucedeu neste caso, em que, além do mais, o arguido cometeu o crime de violência doméstica, não pode ter a expectativa de, invocando o dever de coabitação, justificar a prática de crime de violação de domicílio, nem pode ter a expectativa de o direito civil ou o direito penal proteger esse tipo de comportamento. Não se pode deduzir que o arguido tivesse qualquer direito ou mesmo expectativa legítima (que merecesse a protecção do direito) em pernoitar naquela casa da ofendida, ainda que tivesse beneficiado desse favor de forma precária e temporária, sendo irrelevante o apelo que faz ao direito civil, uma vez que, neste aspecto, visto até a natureza e pressupostos do crime em causa, é manifesta a autonomia do direito penal em relação ao direito civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: (proc. n º 120/11.6GCVFR.P1)
*
Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:
*
I- RELATÓRIO
1. No 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira, nos autos de processo comum (Tribunal Colectivo) nº 120/11.6GCVFR, foi proferido acórdão, em 3.6.2013 (fls. 769 a 801 do 3º volume), constando do dispositivo o seguinte:
Face ao exposto, decidimos julgar a acusação procedente, nos seguintes termos:
A) condenamos o arguido B…, em autoria material e concurso real, pela prática de um crime de violência doméstica, previsto pelo art. 152º/1 a), 2 e 4 do Código Penal, na pena de 3 anos e 6 meses, de um crime de maus tratos, previsto pelo art. 152º-A/1 a) do Código Penal, na pena de 2 anos, de um crime de detenção de arma proibida, previsto pelo art. 86º/1 d), com referência à alínea m) do art. 2º/1 da Lei nº 5/2006, de 23/02, na pena de 8 meses de prisão, de um crime de violação de domicílio, previsto pelo art. 190º/1 e 3 do Código Penal, na pena de 10 meses de prisão e de um crime de dano, previsto pelo art. 212º/1 do Código Penal, na pena de 10 meses de prisão, e em cúmulo jurídico na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.
B) julgamos o pedido cível parcialmente procedente, sendo o arguido B… condenado a pagar à demandante C… a quantia de € 12.747,82 (doze mil, setecentos e quarenta e sete euros e oitenta e dois cêntimos), acrescida de juros à taxa legal, neste momento de 4% (quatro por cento), desde a notificação da dedução do pedido e até efectivo e integral pagamento.
*
O arguido manter-se-á por ora em situação de prisão preventiva.
*
Custas criminais serão suportadas pelo Arguido, fixando-se a taxa de justiça individual em três u.c. (arts. 513º, 514º, 515º/1 a) e 518º do C.P.P.].
Custas cíveis por demandante e demandada, na proporção dos respectivos decaimentos (art. 446º/1 e 2 do C.P.C., aplicável ex vi do art. 4º do C.P.P.).
(…)
*
2. O arguido B…[1] recorreu (fls. 825 a 854 do 3º volume) desse acórdão, apresentando as seguintes conclusões (conforme suporte informático facultado):
Crime de violência doméstica e ao Crime de maus tratos
1
O tribunal a quo deu como provados os factos 1 a 15, 17,18, 19, 34 a 39 acontece que estes não estão devidamente circunstânciados no tempo e lugar e remontam ao ano de 1983, (início do casamento) e de 1989 (quando a filha tinha cinco seis anos) e 1998.
Entendeu a sentença que estes factos integravam a prática do crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo nº152 nº 2 do CP e a prática do crime de maus tratos previsto e punido pelo artigo nº 152-A alínea a) do CP
2
Ora quanto ao crime de violência doméstica, este apenas existe tipificado no código penal após aprovação da lei 59/2007, de 4 de Setembro.
Assim, os referidos factos anteriores à data da entrada em vigor da nova lei, nem sequer poderiam ser apreciados nem valorados na audiência de julgamento, o que não aconteceu, pois não tem hoje relevância penal, por extinção de eventual procedimento criminal, por falta de queixa das ofendidas, acto que até á entrada em vigor da referida lei era necessário mesmo para o crime de maus tratos, então existente. Violando-se assim o artigo 152 nº 2 do CP na redacção que lhe foi dada pelo Decreto de lei nº 48 /95 de 15 de Março.
3
Por outro lado, pelas datas invocadas nos factos dados como provados, constata-mos que os mesmos já se encontram prescritos, violando-se assim os artigos 117 nº1 alínea c) e 120 nº3 do CP na redacção dada pelo Dec leinº 400/82 de 23 de Setembro e o artigo 118 nº 1 alínea c) e 121 nº 3 do CP na redacção dada pelo Dec lei 48/95 de 15 de Março.
4
Tais factos, em razão da sua escassa concretização espácio temporal, apesar de provados são inidóneos para que se considere poderem integrar núcleos de factos precisos capazes de integrarem os tipos de crime em análise.
5
O tribunal considerou provados os factos acima identificados formando a sua convicção quanto a prática do crime de violência doméstica e do crime de Maus Tratos no depoimento da demandante e no depoimento da filha que considerou inteiramente credíveis, no entanto o próprio acórdão reconhece:
● que tais depoimentos não escondem sentimentos de revolta e de amargura para com o arguido.
● que os relatos da demandante e da filha não permitem as demais das vezes uma localização temporal e precisa das condutas do arguido
● que pese embora a natureza e a frequência das agressões físicas perpetradas pelo arguido não existem nos autos documentos que suportem deslocações compatíveis a serviços hospitalares.
Pelo que tais depoimentos não deveriam ter sido considerados credíveis pois o tribunal valorou-os pela sua emoção e não pela sua objectividade.
6
Por último considerou como elemento acessório da credibilidade de tais relatos:
As declarações que o arguido supostamente fez ao cabo D…, (depoimento com a seguinte referencia 20130123171736-31177 com a duração total de11minutos e 37 segundos) que no entender da recorrente são uma reprodução através da prestação do testemunho em audiência e julgamento de um auto relativo a inquérito ou instrução e que supostamente contém declarações do arguido, e isto mais não é do que a sua leitura em audiência e julgamento, que não é legalmente admissível.
Pois só é permitida em julgamento a leitura de autos de instrução ou inquérito que não contenham declarações do arguido, do assistente, das partes civis ou de testemunhas- art 356 nº1 alinea b) do CPP
Dispondo o nº 7 do mesmo artigo” Os órgãos de policia criminal que tiverem recebido declarações cuja a leitura não for permitida, bem como quaisquer pessoas que, a qualquer título, tiverem participado na sua recolha, não podem ser inquiridos como testemunhas sobre o conteúdo daquelas.”
E relato de testemunhas que não presenciaram nenhuma situação de agressão por parte do arguido.
7
Sendo ainda certo, que o arguido sempre negou a prática dos factos de que vem acusado.
8
É verdade que as declarações da ofendida e respectiva filha são um meio de prova que o julgador pode valorizar para criar a sua convicção. Mas também é correcto que na apreciação da prova o Tribunal é livre de formar a sua convicção, desde que a mesma não contrarie as regras da experiência comum, lógica, da razão e de especiais conhecimentos.
Acontece que princípio da livre apreciação da prova, impõe um especial cuidado na valorização do depoimento das ofendidas, quando este é o único elemento decisivo de que dispõe o julgador para condenar.
Com efeito, essa livre convicção não pode ser arbitrária, insindicável ou incontrolável, pelo que se tem de fazer apelo a critérios objectivos verbalizados na sentença.
9
Por outro lado, a convicção do Tribunal sobre os meios de prova e sobre o julgamento de uma determinado facto só pode existir quando o julgador formar um juízo de certeza sobre tal facto, certeza que tem de ir para além de qualquer dúvida razoável.
10
Ora salvo o devido, respeito por opinião contrária, no caso concreto nunca a condenação poderia basear-se no depoimento das ofendidas C… e Filha E….
Em primeiro lugar porque tem interesse directo na condenação do arguido.
Em segundo lugar por que se encontram manifestamente incompatibilizadas com o arguido.
Em terceiro lugar porque “tais depoimentos não escondem sentimentos de revolta e de amargura para com o arguido”.
Em quarto porque “ os relatos da demandante e da filha não permitem as demais das vezes uma localização temporal e precisa das condutas do arguido”
Em quinto porque “pese embora a natureza e a frequência das agressões físicas perpetradas pelo arguido não existem nos autos documentos que suportem deslocações compatíveis a serviços hospitalares”
Ora tudo isto contribui para fragilizar a credibilidade do depoimento das ofendidas.
11
Para além disto as declarações da ofendida cotejadas com o facto de o casamento entre o arguido e a ofendida ter durado 25 anos, são de molde a deixar o julgador na dúvida razoável sobre se o recorrente efectivamente praticou ou não o crime de violência doméstica e consequentemente o crime de maus tratos.
12
Assim pelo princípio do “in dúbio pró reo” sempre o arguido deveria ser absolvido.
13
Decidindo como decidiu, o tribunal fez uma incorrecta aplicação do princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127 do CPP e violou o princípio da presunção da inocência do arguido, a que se reporta o artigo 32 nº 2 da CRP.
14
Não tendo sido produzida prova sobre os elementos do tipo destes crimes o recorrente deveria ter sido absolvido.
15
E absolvido o recorrente do crime de violência doméstica de que vinha acusado, terá que ser absolvido do pedido de indemnização civil em que foi condenado.
16
Pois no que respeita ao pedido cível deduzido pela demandante C…, uma vez que o mesmo assenta na responsabilidade civil extracontratual, de acordo com o disposto nos artigos 129º do Código Penal e 483 do Código Civil, e dado que não se encontram apurados todos os requisitos, torna-se evidente que o arguido não é responsável pelo pagamento dos montantes correspondentes aos danos morais.
17
Quanto ao crime de maus tratos, entende o recorrente que existe uma contradição entre os fundamentos e a decisão, pois do elenco dos factos provados não consta que a filha”por várias vezes viu ser-lhe encostada uma faca ao pescoço” (artigo 410 nº 2 alinea b) do CPP)
Na hipótese meramente académica de assim não se entender
18
O tribunal a quo entendeu estarem verificados os requisitos objectivos do tipo legal de crime da violência doméstica na sua versão agravada a que alude o nº 2 do art 152º do Código Penal.
Pelo que considerou como moldura penal do mesmo a pena de prisão entre 2 e 5 anos.
19
Acontece que esta versão agravada do crime apenas surge no direito penal Português com a redacção da lei nº 59/ 2007, de 4 de Setembro que entrou em vigor em 15 de Setembro de 2007, ora nesta data a filha do aqui arguido já era maior, pois atingiu a maioridade em Junho de 2003.
20
Assim sendo, verifica-se que na data em que o facto ocorreu e que justifica tal agravação, ou seja, presença de menor, não existia a versão agravada do crime de violência doméstica.
21
Tal crime era punido pelo artigo 152 do Código Penal com a redação dada pelo dec lei 48/95 de 15 de Março e denominado como crime de maus tratos e infração de regras de segurança e este previa como moldura penal a pena de prisão de entre 1 e 5 anos.
Como no direito Penal Português vigora o princípio de que é sempre aplicado o regime que concretamente se mostre mais favorável ao agente (artigo 2 do CP) e se entende que o facto considera-se praticado no momento que o agente actuou (artigo 3º do CP), constata-se que neste caso não se podem considerar verificados os requisitos objectivos do tipo legal de crime da violência doméstica na sua versão agravada a que alude o nº 2 do art 152º com a redacção da Lei nº 59/2007 de 4 de Setembro que entrou em vigor em 15 de Setembro de 2007.
Ao não entender assim o tribunal violou o artigo 2 e 3 do Código Penal.
22
Logo a pena a aplicar ao arguido pela prática do crime de violência doméstica terá que ser alterada e consequentemente alterado o cúmulo.
23
Com uma moldura penal de entre 1 e 5 anos e de acordo com os critérios estabelecidos no artigo 71 nº 1 e 2 do código penal, é opinião do recorrente que a pena parcelar ajustada a este caso concreto não deverá ser superior a 1 ano e seis meses de prisão.
24
Na hipótese meramente académica de se manterem as outras penas parcelares aplicadas, a pena única, apelando-se aos critérios do artigo 77 nº 1 e 2 não deverá ser superior a 3 anos.
25
Devendo esta ser suspensa na sua execução, nos termos do artigo 50 do código penal, por se verificarem no caso concreto quer o pressuposto formal quer o material de que depende a suspensão da execução da pena de prisão, ou seja, o recorrente não tem condenações anteriores, desde 2009 que não contacta com a demandante C…, em 2011 esteve em contacto com a filha e nunca praticou qualquer crime sobre a mesma, tem 62 anos de idade e sempre trabalhou, o crime não está de acordo com o seu modo de vida, a existir foi algo pontual.
Assim sendo, é de admitir ser possível formular um juízo de prognose favorável ao arguido. Até porque o momento para aferir o dito prognóstico favorável é o momento da decisão e não o da prática dos factos.
Crime de detenção de arma proibida
26
O tribunal a quo considerou provado relativamente ao recorrente a matéria de facto constante dos pontos 32, 33, 40 do douto acórdão recorrido.
Formando a sua convicção, quanto á pratica do crime de detenção de arma proibida, no depoimento do Sr Cabo da GNR D….
Acontece que o tribunal a quo não poderia ter retirado as conclusões que retirou pois o depoimento da testemunha D… (depoimento com a seguinte referencia 20130123171736-31177 com a duração total de 11minutos e 37 segundos) reproduz em grande parte o relatório de busca a fls 116 a 121, que foi elaborado pela testemunha em questão.
27
Ora a reprodução através da prestação do testemunho em audiência e julgamento de um auto relativo a inquérito ou instrução e que supostamente contém declarações do arguido, mais não é do que a sua leitura em audiência e julgamento, que não é legalmente admissível.
A lei Penal Portuguesa limita a leitura das declarações dos arguidos durante a audiência de julgamento, a casos muito pontuais, e obriga sempre sob pena de nulidade, a que constem da acta da audiência, não só a leitura, como também a sua justificação legal.
28
O que não acontece no caso em apreço.
Uma vez que tal depoimento foi feito com clara violação do disposto no art 356 nº 7 do CPP, por não ser mais do que reprodução dos autos de fls…116 121, mencionados no acórdão e se limitou a reproduzir supostas declarações prestadas pelo arguido em fase de inquérito no qual o Sr Cabo teve participação. Tal auto não está assinado pelo arguido referindo apenas a opinião do Sr Cabo.
29
Assim da simples leitura da decisão recorrida, se retira que para a convicção do tribunal relativamente a cada um dos episódios dados como provados que contém os elementos objectivos do tipo legal de crime, pelo qual o arguido foi condenado, foi valorado o depoimento do Cabo da GNR sobre declarações que lhe foram feitas pelo arguido durante diligências respeitantes à investigação e ocorridas na fase de inquérito, o que também foi reduzido a auto no processo.
30
Ora, só é permitida em julgamento a leitura de autos de instrução ou inquérito que não contenham declarações do arguido, do assistente, das partes civis ou de testemunhas - art 356 nº1 alinea b) do CPP
Dispondo o nº 7 do mesmo artigo” Os órgãos de policia criminal que tiverem recebido declarações cuja a leitura não for permitida, bem como quaisquer pessoas que, a qualquer título, tiverem participado na sua recolha, não podem ser inquiridos como testemunhas sobre o conteúdo daquelas.”
31
Ora no caso concreto, o tribunal relevou para a condenação, declarações do Cabo da GNR que participou na investigação, na parte em que relatou o que o arguido disse, na sequência ou no decorrer da diligência.
Assim fundamentar a sua convicção, no depoimento do cabo da GNR, na parte em que ouviu as declarações do arguido, o tribunal baseou-se em prova legalmente inadmissível, que nem deveria ter sido produzida em audiência, e incorre em erro notório na apreciação da prova, previsto no artigo 410 nº 2 do CPP.
32
O arguido justificou a posse do espeto (retirar pregos dos pneus do camião) justificação esta que deveria ter sido aceite, pois convém ter presente, que de acordo com os factos provados nºs 54, 56, 57 o arguido foi mecânico de automóveis de veículos pesados, trabalhou como mecânico de automóveis numa empresa alemã, e constitui a empresa F…, Lda, que se dedicava a transporte de mercadorias.
Por outro lado não ficou provado que o espeto alguma vez fosse utilizado como instrumento agressão.
33
Todos estes factores (prova legalmente inadmissível, a justificação dada pelo arguido, e a ausência de demais prova sobre o facto) na humilde opinião do recorrente, conduzem a uma dúvida insanável e intransponível quanto a esta factualidade. No entanto o tribunal entendeu valora-la, mas no nosso entendimento incorrectamente.
34
De facto entende o recorrente, que também nesta situação o principio do in dúbio pro réo não foi respeitado funcionando em prejuízo do arguido.
Crime de Dano
35
O tribunal relativamente ao crime de dano entendeu que os objectos (porta, janela portão e caixa de alarme) danificados eram alheios.
A recorrente entende que não, porque na data da prática dos factos (31 de março de 2011) o arguido, ainda era casado com a C… no regime de comunhão de adquiridos. E ainda não lhe tinha sido aplicada a medida de coação de proibição de permanecer na área da residência da demandante, esta só surge em Outubro de 2011.
36
E de acordo com o ac do STJ de 3.7.1996 que remete para o Ac. de Évora de 10 de Julho de 1986, na Colectânea de Jurisprudência, ano XI, tomo 4, páginas 27“Na comunhão matrimonial de bens há um conjunto patrimonial unitário sobre o qual incide um só direito com dois titulares. Estes não são titulares de quotas, ainda que ideais, sobre o todo, durante a vida da comunhão, e muito menos sobre bens concretos inseridos na comunhão"
No património comum dos cônjuges os direitos concorrentes incidem não apenas sobre uma coisa comum, mas sobre uma universalidade, não sendo os direitos dos consortes quantificáveis, o que só vem a acontecer quando se põe fim à comunhão e se procede à partilha dos bens que a compõem.
37
Não se pode dizer que um bem mesmo que próprio de um dos cônjuges, mas que permite satisfazer as necessidades de habitação do outro dos cônjuges, como foi no nosso caso e segundo factos dados como provados no período de Janeiro de 2011 a Março 2011, é alheio, pois qualquer um dos cônjuges o poderia usufruir mesmo sem consentimento do outro. (ver facto provado, 22, 23 e 24)
38
Na comunhão de bens do casal não existe propriedade exclusiva de cada um dos consortes mas também não existe compropriedade nos bens. A lei configura uma situação diferente que permite o uso e fruição do bem por qualquer um dos cônjuges, na totalidade, embora com alguns limites impostos quanto á sua oneração ou disposição.
De notar que apesar de a casa ser bem próprio da esposa, esta necessitaria sempre do consentimento do marido para a vender ou onerar.
39
O casamento e os respectivos deveres conjugais só cessam com a dissolução do casamento, decretado por divórcio com sentença transitada em julgado ou dissolvido por morte.
De entre os deveres conjugais, persiste o de assistência e o de coabitação não se considerando estes suspensos pela inexistência de divórcio, também a separação de facto não os faz cessar.
40
A casa … era a casa de morada de família que o arguido utilizava, e uma coisa é separação física entre os cônjuges outra diferente é o uso e fruição da casa de morada de família. Mesmo em situação de separação e de desavenças conjugais a casa pode ser fruída por ambos os cônjuges, podendo esta fruição ser em regime de coabitação pura ou apenas de partilha do mesmo espaço físico e a demais vida em separado, o que se verifica no caso dos autos.
A não ser que por acordo os cônjuges expressamente estipulem regime diferente, nomeadamente acordem que apenas um deles poderá habitar a casa.
41
Não podia a filha do arguido em consonância com a mãe, impedir que o recorrente regressa-se á sua habitação, em qualquer circunstância quer para usufruir de alguns bens pessoais que aí ainda mantivesse quer, para pernoitar. Pois não existia o acordo acima referido, sendo certo que qualquer um dos cônjuges tinha naquela altura o direito de requerer a atribuição da casa de morada de família quer a titulo provisório quer a titulo definitivo (artigo 1793 do CC e 1413 do CPC)
42
Neste enquadramento do legal direito do recorrente, em pernoitar na casa, entendemos que no fundo o arguido usou de um meio porventura o não mais desejável, mas numa lógica de estado de necessidade e acção directa para concretizar no imediato o seu direito.
43
O recorrente não pode ser considerado terceiro perante os bens que se dizem danificados, assim como não está a exercer um abuso sobre os mesmos. Quando muito está a tentar exercer um direito legítimo, que é o de entrar na habitação nos mesmos termos em que entrava.(22 e 23 dos factos provados)
44
Ao interpretar, a norma contida no artigo 212 nº 1 do CP, no sentido de considerar a alheios os objectos danificados pertencentes á casa onde o recorrente costumava pernoitar, o tribunal, salvo o devido respeito errou, pois como já se disse, tal preceito legal deve ser interpretado que não é alheia, para efeitos de punição criminal, a coisa que ambos os cônjuges usufruem.
Assim sendo, não se verificando todos os elementos do tipo de crime de dano o recorrente deveria ter sido absolvido.
45
E absolvido o recorrente do crime dano de que vinha acusado, terá que ser absolvido do pedido de indemnização civil por danos patrimoniais em que foi condenado.
46
Mesmo na hipótese, que só por mera cautela de patrocínio se invoca, de se concluir que a prática dos factos invocados ao arguido consubstanciariam um crime de dano, ainda assim tal conduta do agente sempre estaria a coberto de uma causa de exclusão de ilicitude.
O arguido agiu em estado de necessidade (artigo 34 do CP).
O arguido agiu numa situação em que a consciência a vontade do dano conflituam com a convicção da existência do direito de lá dormir, conforme vinha fazendo e que a filha recusou inesperadamente sem ter dado disso conhecimento ao arguido.
47
Neste caso e atendendo ao principio in dúbio pro reo, perante duas asserções fácticas incompatíveis sempre deveria ter prevalecido aquela que mais favorece o arguido.
Crime de violação de domicilio
48
A recorrente entende que não se encontram preenchidos todos os objectivos da incriminação
A casa em causa não se pode interpretar como sendo de outra pessoa, de terceiro e isto pelos mesmos fundamentos já invocados para o crime de dano (ver Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29.01.2003 proferido no processo nº 0241283)
49
O dever de coabitação só cessa com a dissolução do casamento, decretado por divórcio com sentença transitada em julgado ou dissolvido por morte. Podendo cada cônjuge usufruir da mesma por direito próprio, não obstante existir um separação de facto do casal.
O aqui recorrente em 31 de Março de 2011, ainda não estava divorciado, pelo que se entende não existir o crime de violação de domicílio a punir nos termos do artigo 190 do CP.
50
Mesmo na hipótese, que só por mera cautela de patrocínio se invoca, de se concluir que a prática dos factos invocados ao arguido consubstanciariam um crime de violação de domicilio, ainda assim tal conduta do agente sempre estaria a coberto de uma causa de exclusão de ilicitude.
O arguido agiu em estado de necessidade (artigo 34 do CP)
51
Por outro lado a douta sentença diz que o arguido “(apenas reconhecendo que forçou a entrada na casa do Vale e ainda assim entendendo que a sua conduta era inteiramente justificada)”
O arguido agiu numa situação em que a consciência a vontade do dano conflituam com a convicção da existência do direito de lá dormir, conforme vinha fazendo e que a filha recusou inesperadamente sem ter dado disso conhecimento ao arguido.
Neste caso e atendendo ao principio in dúbio pró reo perante duas asserções fácticas incompatíveis sempre deveria ter prevalecido aquela que mais favorece o arguido.
Se assim não se entender
Escolha da espécie de pena
52
O tribunal a quo optou por aplicar aos crimes de detenção de arma proibida, de violação de domicilio, e crime de dano uma pena de prisão, o recorrente entende que o mesmo deveria ter optado por aplicar uma pena de multa.
53
O tribunal a quo ao fundamentar a opção pela pena privativa ou não privativa da liberdade referiu “…e o contexto em que o arguido actuou revela da sua parte uma postura altamente censurável, porque integrada num universo de violência e intimidação de perfil reiterado….” Ou seja utilizou a culpa ou o grau de culpa do arguido na tarefa da escolha da espécie de pena.
São pois, como ensina Figueiredo Dias[1],“finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação de culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa.”.
Acrescenta:
“Bem se compreende que assim seja: sendo a função exercida pela culpa, em todo o processo de determinação da pena, a de limite inultrapassável do quantum daquela, ela nada tem a ver com a questão da escolha da espécie de pena”.
Violando assim o artigo 70 e 40 nº 1 do Código Penal.
54
No caso concreto e não obstante as exigências de reprovação e prevenção geral dos crimes em causa serem grandes entende o recorrente que, “in casu” a condenação em prisão era desnecessária, nos crimes acima referidos, a pena de multa realizaria de forma adequada e suficiente as finalidades de punição. 55
Com efeito, e desde logo ao arguido não lhe são conhecidos antecedentes criminais, por outro lado os crimes que se dizem praticados surgiram numa fase em que o arguido se viu sem “tecto” sem local para dormir, importante também será ter em conta a idade do arguido. (62 anos) e que sempre trabalhou.
56
Entende assim o recorrente, que a aplicação de uma pena de multa devidamente doseada, será bastante e suficiente para promover a censurabilidade e reprovação do facto e as exigências de prevenção especial e geral.
Sem prescindir
Medida concreta das penas parcelares em que foi condenado.
57
Na nossa modesta opinião, tais penas foram exageradas e excessivas, como é sobejamente sabido, na determinação da medida da pena há que atender à culpa do agente e ás exigências de prevenção, devendo ainda o tribunal atender a todas as circunstâncias que não fazendo parte do crime, depuseram a favor do agente ou contra ele (artigo 71 nº 1 e 2 do Código Penal). Não se esquecendo porém, que a finalidade de aplicação de qualquer pena visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e que em caso algum a pena pode ultrapassar a culpa. (artigo 40 nº 1 e 2 do Código Penal).
58
Ora, seguindo a lição do Professor Figueiredo Dias (Direito Penal Português, Parte Geral II, as consequências jurídicas do crime, Editorial Notícias, págs. 227 e ss) “as finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, na medida possível, na reinserção do agente na comunidade. Por outro lado, a pena não pode ultrapassar, em caso algum, a medida da culpa.”
Pelo que, a medida da pena há-de ser dada, primordialmente, “pela medida da necessidade da tutela de bens jurídicos face ao caso concreto”, assumindo a proteção de bens jurídicos um “significado prospetivo, que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da vigência da norma infringida” (mesmo autor e local citados). Ou seja, uma ideia de prevenção geral positiva ou prevenção de integração, na palavras do autor citado.
Porém, “dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva ou de integração podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena.” (cfr. pág. 308). E, ponto importante, segundo a lição do mestre de Coimbra que se tem vindo a seguir, é que a “medida da pena assim encontrada, deve, em toda a extensão possível, evitar a quebra da inserção social do agente e servir a sua reintegração na comunidade, só deste modo e por esta via se alcançando uma eficácia óptima de protecção de bens jurídicos.
59
Ora no caso, a pena aplicada ao crime de violência doméstica e de maus tratos ultrapassa a medida da culpa do agente, a este deveria ter sido aplicado uma pena de prisão de 1 ano e seis meses para o crime de violência doméstica e de 1 ano de prisão para o crime de maus tratos, só estas seriam adequadas para um arguido que não tem antecedentes criminais, é uma pessoa de idade avançada, e se encontra inserido a nível profissional.
60
Pelos motivos invocados, aos quais acresce um menor grau de ilicitude, o recorrente considera também exageradas, excessivas e inadequadas, as penas parcelares aplicadas ao crime de detenção de arma proibida, ao crime de violação de domicilio e ao crime de dano. Pois considerando a moldura penal dos crimes em causa, bem como os critérios estabelecidos no artigo 71 nº 1 e 2 do Código Penal, entende o recorrente que as penas parcelares ajustadas aos crimes em causa não deverão ser superiores a um mês de prisão por cada crime, por serem estas penas que se mostram, ainda, na modesta opinião do recorrente, comunitariamente suportáveis, face à necessidade da tutela dos bens jurídicos violados em causa e á necessidade de (re) afirmação da validade e vigência da norma jurídica violada.
61
O Tribunal a quo, na determinação da medida concreta das penas parcelares atendeu em demasia a fatores de prevenção geral de integração, descurando os factores de prevenção especial de socialização, dessa forma esquecendo-se que a aplicação da pena deve visar em última instância a reintegração do agente na sociedade.
Medida da pena do concurso
62
Devendo o recorrente ser condenado, como se propugna, nas penas de:
2 anos e 6 meses de prisão pelo crime de violência doméstica
1 ano de prisão pelo crime de maus tratos
1 mês de prisão pelo crime de detenção de arma proibida
1 mês de prisão pelo crime de violação de domicilio
1 mês de prisão pelo crime de dano
Há que determinar a pena do concurso, por aplicação das regras do artigo 77 do Código Penal, e a mesma poderá situar-se entre 2 anos e seis meses de mínimo e 3 anos e 9 meses máximo (artº 77 nº 2 CP)
63
No nosso caso deverá ser valorado que o arguido abandonou o percurso escolar muito cedo, é primário, que sempre trabalhou e que tem uma idade avançada, deverá também o tribunal considerar que pelo menos os crimes de detenção de arma proibida, violação de domicilio e de dano foram delitos ocasionais.
Tudo ponderado, na opinião da recorrente, a pena justa e proporcional, não deveria ser superior a 3 anos de prisão.
Suspensão da execução da pena concretamente aplicada.
64
Aplicando-se ao recorrente uma pena não superior a 3 anos de prisão, deverá esta pena de prisão ser suspensa na sua execução, nos termos do artigo 50 do Código Penal.
65
Pois o arguido não tem condenações anteriores, desde 2009 que não contacta com a demandante C…, em 2011 esteve em contacto com a filha e nunca praticou qualquer crime sobre a mesma, tem 62 anos de idade e sempre trabalhou, o crime não está de acordo com o seu modo de vida, a existir foi algo pontual. Assim sendo, é de admitir ser possível formular um juízo de prognose favorável ao arguido. Até porque o momento para aferir o dito prognóstico favorável é o momento da decisão e não o da prática dos factos.
66
Ora salvo melhor, opinião, sempre respeitável, entende o recorrente que há fundada expectativa de que basta a ameaça de prisão, com a censura do facto que lhe é inerente, para que se realizem, no caso as finalidades da punição e consequentemente, a ressocialização em liberdade do arguido.
67
Finalmente convém dizer que, decidindo-se pela suspensão da execução da pena de prisão se estará a dar cumprimento ao mandamento politico criminal que concebe a pena de prisão como ultima ratio do sistema, bem como, de outro modo, se visará a finalidade essencial do instituto da suspensão que é o de afastar o arguido, no futuro, da prática de novos crimes.
Pedido de indemnização civil
68
O recorrente considera o montante indemnizatório em que foi condenado referente aos danos não patrimoniais, excessivo e isto porque a situação económica do arguido, como se diz na douta sentença, “é precária e sem perspectivas de melhoria substancial no futuro” .Ora indemnização justa numa situação desta nunca poderia ser superior a € 2.500.
69
Por outro lado os factos provados relativamente ao pedido civil são insuficientes e imprecisos não nos fornecem com rigor a incidência extensão dos danos.
O nº 45 dos factos provados diz” sofre de quadro depressivo pelo menos desde 2000 e recorre e recorreu a ajuda médica” mas não especifica como devia que tipo de ajuda, quais os médicos, clínicas ou hospitais que frequentou ou frequenta, quais os tratamentos que lhe são ministrados.
O nº 50 dos factos provados diz que “…quando agredida fisicamente sentiu dores…” mas não se especifica onde é que as sofreu, o tempo que as mesmas duraram.
Logo com estes factos nunca a indemnização por danos morais poderá ser de € 10.000.00
70
Assim tal montante indemnizatório, viola o artigo 496 nº 3 e 494 do Código civil que referem que os danos não patrimoniais devem ser indemnizados com recurso à equidade, o que implica que se tenha em linha de conta, em primeira linha, a sua incidência e extensão e numa segunda parte do raciocínio, o grau de censurabilidade do lesante e a condição económica do lesante e do lesado.
Termina pedindo o provimento do recurso, com a sua consequente absolvição (quer da acção penal, quer do pedido cível) ou, assim não se entendendo, que seja alterada a pena parcelar aplicada pelo crime de violência doméstica e em consequência a pena única e/ou aplicar-se pena de multa aos crimes de detenção de arma proibida, violação de domicilio e dano, alterando-se a pena única ou, caso assim não se entenda, deve reduzir-se as penas parcelares aplicadas e reduzir-se a pena única que não deverá ser superior a 3 anos e, sem prescindir, em qualquer caso deve ser suspensa a execução da pena prisão que lhe vier a ser aplicada e reduzido o montante de indemnização que foi condenado a pagar à demandante cível.
*
Entretanto, por requerimento de fls. 886 a 891 (3º volume), o arguido/recorrente veio alegar que não podia ser condenado pelo crime de dano, por o Ministério Público não ter legitimidade para promover o processo penal nessa parte e, ainda na 1ª instância, a fls. 920 (4º volume), requereu a junção aos autos do parecer jurídico de fls. 901 a 909 do 4º volume, o que foi deferido por despacho de 30.7.2013.
*
3. Na 1ª instância, o MºPº respondeu ao recurso (fls. 926 a 934 do 4º volume), concluindo pelo seu não provimento.
*
4. Nesta Relação, o Sr. PGA emitiu parecer (fls. 948), aderindo à resposta apresentada na 1ª instância, concluindo pelo não provimento do recurso.
*
5. Cumprido o disposto no art. 417º, nº 2, do CPP, o recorrente pronunciou-se nos termos que constam de fls. 956 a 958, reafirmando o exposto nas conclusões do recurso e nos requerimentos posteriores que apresentou.
Colhidos os vistos legais realizou-se a conferência.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
*
6. No acórdão sob recurso (conforme suporte informático enviado) foram considerados provados os seguintes factos:
1) O arguido B… e a demandante C… casaram entre si no dia 17 de Setembro de 1983, têm uma filha em comum, E…, nascida a 30 de Junho de 1985, e divorciaram-se por efeito de sentença transitada em julgado em 5 de Março de 2012.
2) O arguido e a demandante viveram juntos durante cerca de 25 anos e separaram-se em Março de 2009, ocasião em que a segunda saiu da casa que servia até então de casa de morada da família, sita no …, nº .., …, Vila Nova de Gaia, na companhia da filha E…, porquanto pretendia pôr um fim às constantes agressões verbais e físicas de que ambas eram vítimas, infligidas pelo arguido, passando as duas a viver numa casa que lhe fora deixada por sucessão por morte do pai da demandante, sita na …, …, Santa Maria da Feira, aquisição esta predialmente inscrita em 2001 em nome da demandante, com a menção a que era casada com o aqui arguido sob o regime da comunhão de adquiridos.
3) Desde o início do casamento e da convivência em comum que o arguido demonstrou ter uma personalidade violenta, começando desde logo a infligir na demandante agressões verbais e ainda, sensivelmente desde o fim do primeiro ano de casamento, também agressões físicas, assim como à filha, esta a partir dos cinco/seis anos de idade da mesma.
4) Assim, durante todo o período de vida em comum, em datas que não é possível concretizar, dada a frequência dos acontecimentos, praticamente diária, e no interior da casa que ambos habitavam, sita na …, Vila nova de Gaia, o arguido, muitas das vezes na presença da filha de ambos, quase diariamente, dirigia à demandante expressões como “puta, filha da puta, puta que pariu, caralho, és uma filha da puta, vais com os teus amantes”, entre outras de idêntico teor.
5) Sem que para tal houvesse algum motivo, o arguido desferia frequentemente socos e pontapés na demandante e arremessava-lhe com quaisquer objectos que tivesse à mão, tais como vasos e pratos, entre outros.
6) Costumava frequentemente e também sem qualquer motivo para tal, para além do de humilhar e amedrontar a demandante, dirigir-lhe expressões tais como que esta tinha amantes e que a matava.
7) Em casa, o arguido, na sequência de discussões que encetava com a demandante, para além do já referido, partia as mobílias, rasgava roupas e documentos pessoais.
8) A demandante nunca antes denunciou as agressões de que era vítima, por temer represálias, nomeadamente, que o arguido a espancasse até à morte.
9) Por várias vezes, a filha do arguido e da ofendida assistia às agressões de que a mãe era vítima sem que nada pudesse fazer, e quando por vezes intervinha, a fim de pôr fim às agressões, era também ela agredida pelo arguido.
10) A demandante apenas por duas vezes se dirigiu ao hospital, a fim de ser tratada aos ferimentos sofridos em virtude das agressões perpetradas pelo arguido, tendo sempre mentido acerca da origem das lesões apresentadas, porquanto o arguido dizia-lhe que se fizesse queixa dele, quando chegasse a casa ainda levava mais, se não a matasse, utilizando muitas das vezes a seguinte expressão “livra-te de fazer queixa”.
11) O arguido chegou a dizer uma vez à filha do casal, tinha esta cinco anos de idade, que o que vira e ouvira dentro de casa não podia contar a ninguém, nem à sua melhor amiga.
12) Por várias vezes o arguido ameaçou a demandante com facas e outros objectos cortantes.
13) O arguido chegou a levar uma faca para o quarto do casal, quando ele e a demandante iam dormir, a qual deixava ficar pousada na mesa-de-cabeceira.
14) Em data não concretamente apurada, o arguido levou para o quarto do casal uma faca que espetou na parede e que aí ficou durante toda a noite, tendo esta sido vista pela filha do casal espetada na parede no dia seguinte, de manhã.
15) Em dia não apurado o arguido, na sequência de mais uma discussão e no interior da casa de ambos, derramou sobre o corpo da ofendida C… uma substância líquida e quente, o que lhe provocou uma queimadura, tendo-se a ofendida ausentado imediatamente de casa, com medo do que o arguido lhe faria a seguir.
16) A partir de data não apurada do ano de 2009, o arguido passou a ficar com a correspondência dirigida à demandante para a casa desta sita no …, o que fez pelo menos até ter ficado sujeito a prisão preventiva no âmbito destes autos.
17) Em data não concretamente apurada, a demandante e a filha passaram a dormir no quarto que antes era do casal e o arguido passou a dormir no quarto que era da filha, sendo que em dia e mês não determinados o arguido, sem que nada o fizesse prever, entrou no quarto onde as ofendidas se encontravam a dormir e atirou para cima da cama de ambas candeeiros e jarras, apenas tendo parado quando a filha o conseguiu manietar.
18) Também em data não concretamente apurada, o arguido atirou a demandante abaixo de uma cadeira.
19) Em data não concretamente apurada, mas que se situa no ano de 1998, o arguido, quando se dirigia, no carro, para Lisboa, na EN ., com a demandante e a filha, na sequência de mais uma discussão, entrou na faixa de rodagem correspondente ao sentido contrário àquele em que circulava, por onde ainda circulou durante alguns metros, ao mesmo tempo que dizia à demandante “parece que queres morrer hoje”.
20) Quando a demandante saiu de casa, em Março de 2009, foi residir com a filha para uma casa da sua propriedade, sita na …, …, Santa Maria da Feira, onde permaneceu até ao dia 31 de Março de 2011.
21) Todavia, o arguido nunca aceitou a separação de bom grado.
22) E em data não concretamente apurada de Janeiro de 2011, começou a pernoitar na casa da demandante sita no …, Santa Maria da Feira, com a filha;
23) Para o efeito a demandante saía de casa ao final do dia, evitando o contacto com o arguido, com medo deste, e era a filha de ambos quem, portadora da chave dessa casa, levava o pai a lá dormir;
24) A situação descrita em 22) e 23) decorreu até a filha, no dia 31 de Março de 2011, em consonância com a demandante, deixar de proceder como indicado em 23), recusando ao arguido a abertura da porta de casa, o que levou o arguido, nessa noite, por volta das duas da madrugada, sem chave da casa e a fim de forçar a entrada, que conseguiu, a partir uma janela e a estroncar a porta de entrada.
25) Naquele dia 31 de Março de 2011 o arguido contactara telefonicamente a filha de ambos, dizendo-lhe que nessa noite iria a casa das ofendidas para matar a demandante, o que não aconteceu porque a filha avisou imediatamente a sua mãe, tendo-se ambas ausentado de casa nessa noite.
26) Contudo, tal como avisara fazer, o arguido, nessa noite, a hora não concretamente apurada, por volta das duas horas da madrugada, invadiu, sem o consentimento da demandante, a residência desta, sita na …, nº …., …, Santa Maria da Feira, nos termos descritos em 24).
27) O arguido, ainda nessa noite, cortou as ligações da água, destruiu a caixa de alarme e o portão eléctrico, tudo no valor (com IVA) de € 2.747,82.
28) Desde então e até ser sujeito a prisão preventiva no âmbito deste processo, o arguido permaneceu nesta casa, propriedade da demandante, contra a vontade desta, aí pernoitando todas as noites, desde cerca das 23 horas até à hora da manhã em que sai para ir trabalhar, fazendo aí toda a sua vida, nomeadamente, dorme, alimenta-se, veste-se e faz a sua higiene pessoal.
29) Desde o dia em que de lá saíram que a demandante e a filha nunca mais puderam regressar à casa sita …, em virtude de o arguido aí pernoitar todas as noites, encontrando-se desde então em casa de amigos ou até mesmo no carro.
30) Em Outubro de 2011 o arguido foi sujeito a interrogatório judicial, tendo-lhe sido aplicada, além de outra, a medida de coacção de proibição de permanecer na área de residência da demandante, sita em …, Santa Maria da Feira;
31) Todavia, como já se referiu, o arguido nunca cumpriu pelo menos com esta medida de coacção, porquanto desde a data de 1 de Abril de 2011 e até ser sujeito a prisão preventiva, o arguido esteve a viver na residência da demandante sita em …, Santa Maria da Feira, o que a impedia de viver na sua própria casa.
32) A 4 de Agosto de 2011, depois de o arguido mais uma vez pernoitar em casa da ofendida, sita em …, Santa Maria da Feira, saiu pelas 07h00m da manhã, tendo sido seguido por guardas da GNR, que no âmbito da investigação o abordaram em …, Santa Maria da Feira, logo após este estacionar o veículo que conduzia, com a matrícula QN-..-.., tendo-lhe sido apreendido debaixo do banco do condutor, um objecto artesanal contundente, tipo espeto em metal, com cerca de 30 cm de comprimento, dos quais 17,5 cm de cabo e 12,5 cm de espeto, com a ponta pontiaguda.
33) O arguido, irado com a descoberta do objecto acima referido e sua consequente apreensão, proferiu, na frente dos guardas que levavam a cabo tal diligência pelo menos as seguintes expressões relativamente à demandante, com quem ainda era casado: “Ela vai ter aquilo que merece, vocês levam-me o espeto, mas eu arranjo um machado e corto-a ao meio, vocês não imaginam do que eu sou capaz, aos ciganos em Espinho não lhes faltam armas para vender e arranjar alguns deles para se deslocarem a França para fazerem o serviço, é um mimo. Vou matá-la pela vergonha que me está a fazer passar, vou comer e beber na prisão, até nem tenho dinheiro e preciso de comer”.
34) A filha de arguido e demandante desde pelo menos os cinco anos de idade que assistia às agressões infligidas pelo arguido à sua mãe, começando este a agredir fisicamente a filha desde data não concretamente apurada, mas em todo o caso menor.
35) A partir de então, frequentemente, o arguido, sendo a filha menor de idade e vivendo consigo, batia-lhe, desferindo-lhe bofetadas, e chamava-a de “puta” e “filha da puta”, entre outros epítetos de idêntico teor.
36) À medida que a filha crescia e se insurgia mais contra o arguido, nomeadamente, intervindo em defesa da mãe, o arguido cada vez lhe batia mais e mais frequentemente.
37) Também a filha nunca levou por diante nenhuma queixa, porquanto o arguido, tal como fazia com a demandante, ameaçava-a dizendo-lhe que se ela fizesse queixa não voltaria a entrar em casa com vida.
38) Ao actuar da forma descrita, o arguido agiu sempre livre e conscientemente, com o propósito concretizado de reiteradamente molestar a sua mulher na sua integridade física e moral, humilhando-a, vexando-a, causando-lhe com a sua conduta receio pela sua vida, apesar de saber que lhe devia, na qualidade de esposa, particular respeito e consideração.
39) Ao actuar da forma descrita, o arguido agiu sempre livre e conscientemente, com o propósito concretizado de reiteradamente molestar a sua filha na sua integridade física e moral, humilhando-a, vexando-a, causando-lhe com a sua conduta receio pela sua vida.
40) O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que o espeto que possuía, atentas as suas características, não tinha outra utilidade que não a de ser usado como instrumento de agressão, bem sabendo que não o podia usar ou deter, porquanto se tratava de arma proibida.
41) Agiu o arguido voluntária, livre e conscientemente, bem sabendo que não podia entrar em casa da demandante, porquanto esta não lhe pertencia e nem tinha autorização daquela para nela entrar e permanecer, e no entanto não se coibiu de invadir a referida residência, com o propósito concretizado de nela permanecer e ali fazer a sua vida, sem o consentimento da ofendida.
42) O arguido ao destruir as portas, janelas, portões e caixas de alarme, agiu de forma livre e com o propósito concretizado de estragar coisas que sabia não lhe pertencerem, o que representou. 43) O arguido sabia que as suas condutas eram proibidas por lei.
*
44) Em consequência da conduta do arguido, a demandante é hoje uma pessoa triste e sem ânimo…;
45) …sofre de quadro depressivo pelo menos desde 2000 e recorreu e recorre a ajuda médica nesse contexto…;
46) …viveu e vive aterrorizada com a possibilidade de o arguido causar danos à sua vida, bem como à da sua filha…;
47) …o que a levou a refugiar-se por diversas vezes em casa de familiares e amigos…;
48) …sentiu-se prisioneira e torturada física e psicologicamente pelo arguido, que sempre actuou de forma a humilhá-la...;
49) …passou a dormir mal…;
50) …quando agredida fisicamente, sentiu dores…;
51) A demandante é uma pessoa respeitada por todos no meio social em que se move e avessa a desacatos.
*
52) O arguido cresceu junto da sua família de origem, constituída pelos pais e por uma irmã mais nova, sendo que o pai era motorista de pesados e a mãe proprietária de uma mercearia…
53) …frequentou o sistema escolar até à conclusão do 1º ano do ensino preparatório, com um percurso regular…;
54) …abandonou o percurso escolar para iniciar vida profissional como aprendiz de mecânico automóvel de veículos pesados…;
55) …cumpriu o serviço militar obrigatório durante 42 meses, 28 dos quais em Moçambique, durante a guerra colonial…;
56) …de regresso à vida civil reintegrou a actividade de mecânico de automóveis, numa empresa alemã, onde desempenhou funções durante 15 a 18 anos…;
57) …por encerramento da empresa e consequente inactividade, decidiu estabelecer-se por conta própria no ramo do transporte de mercadorias, constituindo a empresa “F…, Lda.”, indústria de transportes rodoviários de transportes de mercadorias, empresa que ultimamente se traduzia na circulação de um único veículo, conduzido pelo próprio arguido…;
58) …considera que existiam entre si, a demandante e a filha laços afectivos, gratificantes e coesos e uma dinâmica ajustada e colaborante…;
59) …quando em liberdade, e pelo menos depois de ter passado a residir no …, Santa Maria da Feira, poucos contactos estabelecia com os vizinhos por não querer confundir-se com pessoas de condição sócio-económica inferior ao seu estatuto sócio-profissional, sendo que tais vizinhos apontam-lhe uma postura de desconfiança e um discurso agressivo…;
60) …e já antes, quando residia na …, Vila Nova de Gaia, não lhe eram conhecidas significativas interacções sociais…;
61) …em reclusão, não tem tido a visita de familiares e/ou amigos, e expressou essa vontade de não ter visitas quando deu entrada no Estabelecimento Prisional junto da Polícia Judiciária, para onde foi transferido em 6 de Fevereiro de 2013…;
62) …em meio livre não dispõe de suporte familiar, nem de habitação própria…;
63) …não demonstra qualquer empatia para com as vítimas do tipo de crimes de que está acusado…;
64) …considera-se uma vítima neste processo judicial.
*
65) O arguido não padece de qualquer perturbação psiquiátrica…;
66) …tem tendência a interpretar as situações de forma auto-referente, com dificuldades em analisar as situações a partir de perspectivas diferentes…;
67) …quando convidado a analisar os seus comportamentos, recorre frequentemente a explicações que beneficiam e reforçam sempre positivamente as suas escolhas…;
68) …tem uma tendência marcada para atribuir a responsabilidade pelas suas acções aos outros e a circunstâncias externas, desresponsabilizando-se sistematicamente delas…;
69) …ao nível das relações que exigem um maior nível de intimidade, como as familiares, revela dificuldades na gestão emocional e do seu comportamento, podendo agir de forma controladora e manipuladora…;
70) …apresenta uma marcada tendência para a auto-vitimização e perante situações de contrariedade revela uma atitude genericamente centrada em si próprio e dificuldades na regulação emocional, circunstâncias em que podem surgir reacções desajustadas…;
71) …tem tendência a manter relações de domínio sobre os outros e baixa tolerância à frustração.
*
72) O arguido não tem antecedentes criminais.
*
Quanto aos factos não provados consignou-se:
Com interesse para a decisão não considerámos provados quaisquer outros factos e designadamente os seguintes:
a) que o arguido tenha dirigido à demandante as expressões “vaca” e “burra”;
b) que o arguido tenha arremessado copos e chávenas contra a demandante;
c) que o arguido, quando dizia à demandante que a matava, lhe dizia que o faria para ficar com a reforma dela;
d) que era costume o arguido dizer à filha E…, quando esta era muito pequena, que o que via e ouvia dentro de casa não podia contar a ninguém, nem à sua melhor amiga;
e) que era comum o arguido levar facas e outros objectos cortantes e contundentes para o quarto do casal, quando este ia dormir, os quais deixava ficar pousados na mesa-de-cabeceira;
f) que o derramamento da substância líquida e quente feito pelo arguido sobre o corpo da demandante ocorreu em Março de 2009;
g) que tenha sido em Março de 2009 que a filha de arguido e demandante passou a dormir com esta no antigo quarto dos pais;
h) que quando o arguido entrou no quarto onde se encontrava a demandante e a filha, lhes arremessou, além dos acima descritos, outros objectos que se encontravam em cima dos móveis;
i) que tenha sido em meados da década de 1990 que o arguido deitou a demandante abaixo de uma cadeira e que em resultado desse acto a demandante recorreu ao hospital por ter ficado com cortes numa perna e num pulso;
j) que desde que a demandante e a filha saíram da casa onde residiam, na …, o arguido tenha vindo desde então a perseguir e a ameaçar constantemente a demandante e a filha, telefonando constantemente para esta e enviando-lhe mensagens com o seguinte teor “eu mato a tua mãe, a ti desfaço-te e puxo-te os cabelos”, entre outras de semelhante teor;
k) que a demandante tenha recorrido a tratamento hospitalar em resultado de lesões sofridas com violentos murros que o arguido lhe tenha desferido no nariz;
l) que no dia 31 de Março de 2011 o arguido tenha ainda destruído roupas e electrodomésticos que pertenciam à demandante;
m) que o arguido chamava à filha “vaca”;
n) que o arguido desferiu murros na ofendida E… e pontapés por todo o corpo;
o) que o arguido tenha procedido como indicado em 27) irado, quando se apercebeu da ausência da demandante.
*
Na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto fez-se constar:
A nossa convicção resulta do conjunto da prova produzida, lida e conjugada à luz das regras da experiência comum.
Dito isto, cumpre-nos naturalmente especificar um pouco mais desenvolvidamente as razões da nossa convicção.
Vejamos.
Que o Arguido e a Demandante casaram em 17 de Setembro de 1983, que tiveram uma filha em comum (E…), nascida em 1985 e que vieram a divorciar-se entretanto, são factos que não oferecem discussão nos autos e encontram ressonância, em matéria de casamento e decretamento do divórcio, na documentação de fls. 190, 191 e 512 a 519.
*
No que respeita às circunstâncias de aquisição da casa … considerámos o que resulta do documento de fls. 32, de acordo com o qual a demandante, então casada com o arguido sob o regime da comunhão de adquiridos, terá acedido à titularidade do prédio urbano aí identificado, sito na freguesia …, no âmbito da sucessão por óbito de G…, que sabemos ser o pai da demandante a partir da certidão do assento de nascimento desta constante a fls. 190; e considerámos os assinalados documentos de forma conjugada com o que deriva dos depoimentos da demandante e da filha - de resto neste ponto não explicitamente contrariados, ao nível fáctico, pelo arguido – que corroboram a ideia de que o imóvel para onde foram habitar em Março de 2009 fora o que a demandante recebera em partilhas.
*
Quanto a ter sido o arguido sujeito a interrogatório judicial e quanto às medidas de coacção que nessa sequência lhe foram aplicadas, tivemos naturalmente em atenção o que consta dos autos – fls. 216, 217 e 253 a 255.
E no que concerne ao desrespeito por parte do arguido quanto à medida de coacção de proibição de permanecer na morada referenciada no despacho, tivemos em atenção o que resulta das declarações do próprio arguido e do depoimento da filha deste, que deu conta de por várias vezes ter passado perto da casa e constatado que a mesma estava a ser usada, ao que tudo indica pelo pai.
*
No que toca à descrição do comportamento do arguido no seio da família, incluindo o posterior à saída de casa de demandante e filha em Março de 2009, tivemos em especial atenção o depoimento destas, que nos mereceram credibilidade pelo tom com que depuseram, que nos pareceu sério, fundado, coerente e suficientemente circunstanciado.
É certo que estamos em presença de declarações que não escondem a existência de sentimentos de revolta e de amargura para com o arguido; em todo o caso, entendemos que esses sentimentos não desvirtuam a sinceridade dos relatos e a sua correspondência à realidade – ao invés, constituem até sinais que conferem uma dose de particular verosimilhança à experiência que ambas relatam ter vivido.
É certo ainda que os relatos de demandante e filha não permitem as mais das vezes uma localização temporal precisa das condutas do arguido; consideramos porém que esse singular facto não é razão para sem mais não serem valorados como credíveis tais relatos – é que estando diante situações que se foram prolongando por um significativo período de tempo e com elevada frequência, não é de esperar das directamente visadas, para mais envolvidas num ambiente de permanente tensão, que sejam capazes de individualizar cada uma das situações por referência a datas autónomas.
E é certo por fim que pese embora a natureza e a frequência das agressões físicas perpetradas pelo arguido, não temos nos autos documentos que suportem deslocações compatíveis a serviços hospitalares (cfr. fls. 160), com excepção do caso documentado a fls. 223 a 225 - é que conforme resulta dos depoimentos de demandante e filha, a vergonha que a primeira sentia e a cultura de objectiva intimidação que se vivia em casa, induzida pelo arguido, inibia-as de assumir o recurso a serviços hospitalares (e judiciais).
Em suma, a demandante e a filha mereceram-nos inteira credibilidade.
Outros elementos acessórios há, aliás, ainda que não decisivos para a nossa convicção, que reforçam a credibilidade de tais relatos: veja-se o que o arguido disse aos elementos da GNR, e consistentemente relatado em audiência pelo Cabo D…, na ocasião em que o abordaram, não escondendo um ímpeto violento para com a então ainda esposa.
E vejam-se ainda, por outro lado:
(a) os sinais físicos e psíquicos de violência infligida sobre a demandante de que se apercebeu a testemunha J… aquando de alguns dos contactos que com aquela tinha;
(b) e o relato feito pela testemunha H…, que terá trabalhado na casa de morada de família de arguido e demandante, durante anos, aos sábados, e que além de ter notado o buraco na parede do quarto (compatível com a deterioração derivada do uso de uma faca), deu conta de ter visto várias vezes partido o tampo de vidro da mesa da cozinha e sinais no corpo da demandante, como hematomas nas pernas e nos braços, e na postura psicologicamente abatida da mesma – embora não tenha presenciado nenhuma situação de agressão por parte do arguido (sendo certo que este nunca estava em casa quando a depoente lá ia fazer a limpeza), este relato foi impressivo pelos sinais indirectos de violência a que se foi referindo, ao ponto de ter dito que conhecia na altura aquela casa como a «casa do terror».
De tudo quanto vimos de dizer decorre ainda que não nos mereceram crédito as declarações do arguido, que negou praticamente na íntegra os factos de que se acha acusado (apenas reconhecendo que forçou a entrada na casa do …, e ainda assim entendendo que a sua conduta era inteiramente justificada).
Aliás, esta postura do arguido não tem em si mesma sustentação bastante já que, questionado sobre o que teria então motivado a ex-esposa e a filha a proferirem em audiência as declarações tão gravosas como as que proferiram, apontou como explicação para tanto circunstâncias que não se vê, sequer na aparência, como possam ter a virtualidade de conduzirem a tais declarações, a saber, uma suposta vingança motivada por razões que na economia da situação não podemos deixar de referenciar como manifestamente menores – divergências quanto à aquisição de um carro e quanto à hora de chegada a casa da filha.
Acresce que também nos não merece crédito a justificação que o arguido apresentou para a posse do espeto que lhe foi apreendido: em primeiro lugar pela configuração específica do objecto, que nos não parece adequado ao propósito indicado pelo arguido em audiência (retirar pregos dos pneus do camião), havendo, ao que cremos, instrumentos bem mais adequados a tanto, razão esta que já de si seria suficiente para não termos assente ao nível dos factos uma justificação plausível para a posse do objecto; e em segundo lugar há que não esquecer que o arguido, aquando da apreensão, para além de não ter dado a mesma justificação com que surgiu em audiência, deu uma outra, totalmente distinta, que vai ao encontro da perigosidade que do objecto ressalta, quando em poder do arguido.
Em suma e em sentido geral a postura assumida pelo arguido, de quase total negação, mesmo contra várias evidências, é congruente com os traços da sua personalidade que decorrem da avaliação psicológica cujo relatório está junto aos autos.
*
Quanto ao valor dos danos provocados pelo arguido na casa sita no … (danos estes que na sua materialidade, na parte respeitante à forçada entrada no imóvel, o arguido no fundo reconheceu), tivemos em atenção o orçamento de fls. 405, cujas circunstâncias de elaboração foram esclarecidas pela testemunha I…, gerente da empresa em causa.
*
Quanto às características do objecto apreendido ao arguido, relevou o auto de exame de fls. 187 e a fotografia de fls. 188.
E no que respeita às circunstâncias que rodearam essa apreensão e ao que nessa ocasião o arguido disse, tivemos em conta o que foi afirmado em audiência pelo Cabo da GNR D…, que nelas interveio, declarações essas que no seu sentido essencial vão ao encontro do teor do relatório de busca de fls. 116 a 121, subscrito.
*
Quanto à circunstância de o arguido tudo ter feito, em suma, de forma consciente, voluntária e deliberada, tivemos em atenção a natureza dos factos relatados, que faz presumir que assim era, e ainda os relatórios de psiquiatria forense e psicológico juntos aos autos a fls. 703 a 705 e 753 a 760, respectivamente.
De salientar que fundámo-nos ainda no assinalado relatório de avaliação psicológica no que toca à descrição das características gerais de personalidade que apontámos ao arguido, as quais, de resto, são congruentes com os relatos empíricos feitos pelas vítimas sobre a postura daquele na dinâmica intra-familiar.
*
Em matéria de repercussões na esfera pessoal da demandante da conduta do arguido, tivemos em atenção que todos os danos descritos são compatíveis com o que é de esperar numa situação desta natureza; mas além disso, mostram-se tais repercussões bem explícitas nos depoimentos da demandante, da filha e da testemunha J…, também esta professora e que desde que conheceu a demandante, em 2004, sempre a viu como uma pessoa triste, depoimentos esses corroborados, quanto ao actual síndrome depressivo, pelo relatório de fls. 407.
*
No que concerne à matéria que demos por não provada, a nossa posição resulta, para além do que deriva do já dito, da ausência de prova directa e com suficiente consistência.
*
No que diz respeito às condições sócio-económicas do arguido, a nossa posição estriba-se no relatório social junto a fls. 664 a 668.
*
A ausência de antecedentes criminais do arguido deriva do certificado de registo criminal de fls. 764.
*
Quanto ao enquadramento jurídico-penal escreveu-se:
Face aos termos da acusação, estão em causa nos presentes autos vários crimes imputados ao arguido, a saber:
- um crime de violência doméstica, previsto actualmente pelo art. 152º/1 a), 2 e 4 do Código Penal;
- um crime de maus tratos, previsto actualmente pelo art. 152º-A/1 a) do Código Penal;
- um crime de detenção de arma proibida, previsto pelo art. 86º/1 d), com referência à alínea m) do art. 2º/1 da Lei nº 5/2006, de 23/02, alterada pela Lei nº 12/2011, de 27/04;
- um crime de violação de domicílio ou perturbação da vida privada, previsto pelo art. 190º/1 e 3 do Código penal e
- um crime de dano, previsto pelo art. 212º/1 do Código Penal.
*
3.1.1 O crime de violência doméstica
Comete o crime de violência doméstica, previsto pelo art. 152º/1 a) e 2) do Código Penal, para o que ora releva, quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos e psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais, a cônjuge ou ex-cônjuge; e verificar-se-á a agravante do nº 2 do preceito se a conduta tiver lugar no domicílio comum ou na presença de menor.
Trata-se de um tipo legal de crime que pode traduzir-se, como decorre da letra do preceito, em condutas que consubstanciem na sua objectividade ofensas à integridade física ou injúrias, ocorrendo mesmo uma situação de concurso aparente entre as ofensas, as injúrias e a violência doméstica (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 2ª ed., pg. 470).
A distinção entre o que são uma ou várias ofensas à integridade física e uma ou várias injúrias e o que releva já de uma violência doméstica passa necessariamente pela ponderação dos bens jurídicos em causa: é que se na ofensa à integridade física apenas está em causa a integridade física e se na injúria apenas está em causa a honra, na violência doméstica já tem que estar presente algo mais, isto é, temos que estar diante um ou vários actos de violência que afectem a saúde física, psíquica ou emocional da vítima, de que resulte do mesmo modo uma afectação da sua dignidade (Ac. da RE de 3/07/2012, relatado por Sérgio Corvacho, www.dgsi.pt – todos os acórdãos doravante citados sem indicação da fonte de pesquisa deverão ser reportados a este sítio); subjacente ao crime de violência doméstica está pois um tratamento degradante ou humilhante que elimine ou limite claramente a condição e dignidade humanas da vítima (Ac. da RP de 29/02/2012, relatado por Joaquim Gomes).
Ora, é essa segundo nos parece a situação em apreço: pela natureza, reiteração e longevidade da conduta do arguido e pela repercussão que a mesma teve na actual fragilidade da ofendida C…, estamos em crer que esta esteve exposta, durante praticamente todo o período de vivência comum, a uma objectiva situação de degradação na sua dignidade que releva de um quadro de violência doméstica, a que só começou a ser posto cobro aquando da saída de casa da ofendida, em 2009.
Estão pois verificados os requisitos objectivos do tipo legal de crime da violência doméstica, e na versão agravada a que alude o nº 2 do art. 152º, por se mostrarem presentes duas circunstâncias agravantes: por um lado porque a conduta do arguido ocorria generalizadamente no interior do domicílio comum, e por outro lado porque, até ao dia 30 de Junho de 2003 (data em que a filha atingiu a maioridade), uma tal conduta ocorria por vezes na presença de uma então menor - a filha do arguido e da ofendida C….
*
3.1.2 O crime de maus tratos
Comete o crime de maus tratos, para o que ora releva, quem, tendo ao seu cuidado, à sua guarda, sob a responsabilidade da sua direcção ou educação pessoa menor e lhe infligir, de modo reiterado ou não, maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais [art. 152º-A/1 a) do Código Penal].
Ora, a filha E…, sendo então ainda menor e vivendo com o seu pai, era frequentemente agredida com bofetadas, insultada de “puta” e “filha da puta”, por várias vezes viu ser-lhe encostada uma faca ao pescoço, e seguia também ela dentro do carro conduzido pelo arguido na ocasião em que o mesmo, na Estrada Nacional nº ., circulou propositamente na hemi-faixa contrária, num contexto de conflito.
No seu conjunto, pela sua reiteração, estamos em crer que temos uma conduta que ganha autonomia em face da violência doméstica infligida à demandante – a própria filha foi pois ela própria vítima directa da conduta do arguido, em termos de crime de maus tratos.
*
3.1.3 Crime de detenção de arma proibida
Está o arguido acusado de ter praticado um crime de detenção de arma proibida, nos termos previstos pelo art. 86º/1 d) da Lei nº 5/2006, de 23/02, com referência ao art. 2º/1 m) do mesmo diploma.
Estatui o primeiro dos aludidos preceito, para o que ora releva, que comete este crime quem, sem se encontrar autorizado…usar ou trouxer consigo…arma branca…e…não justifique a sua posse, sendo que por arma branca há-de entender-se, à luz do que nos diz o art. 2º/1 m) daquele mesmo diploma, todo o objecto ou instrumento portátil dotado de uma lâmina …de comprimento igual ou superior a 10 cm.
Na situação de que curamos, é sabido que o arguido tinha em seu poder um objecto com 30 centímetros de comprimento, dos quais 12,5 centímetros em metal, com a ponta pontiaguda; e é sabido ainda que o arguido não apresentou uma justificação válida para uma tal posse, e com isso mostram-se verificados todos os requisitos objectivos do tipo legal de crime em causa.
*
3.1.4 Crime de violação de domicílio ou perturbação da vida privada
Diz-nos o art. 190º do Código Penal, no seu nº 1, que comete o crime de violação de domicílio quem, sem consentimento, se introduzir na habitação de outra pessoa ou nela permanecer depois de intimado a retirar-se; e o crime ganha uma dimensão agravada se, entre o mais que não releva, for cometido de noite, por meio de violência ou ameaça de violência ou por meio de arrombamento.
No caso, sabemos que o arguido pernoitava em casa da demandante, embora o fizesse a título objectivamente precário, posto que não tinha a chave da casa, esta era-lhe aberta todos os dias pela filha, a mãe saía para com ele não se cruzar, e a ruptura do casal já ocorrera cerca de dois anos antes.
Ora, a tolerância da demandante, materializada pela abertura da porta feita pela filha do arguido, findou no dia 31 de Março de 2009; e o arguido, não se conformando com esse desfecho, forçou a entrada na habitação durante a noite e fê-lo com arrombamento, isto é, fracturando ou destruindo dispositivos destinados a fechar e a impedir a entrada em casa (janela e porta) – art. 202º/ d) do Código Penal.
Mostram-se pois verificados os requisitos objectivos da incriminação.
*
3.1.5 Crime de dano
Perpetra o crime de dano quem destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável coisa alheia (art. 212º/1 do Código Penal).
Ora, conforme decorre da descrição fáctica de que partimos, o arguido estroncou a porta, partiu uma janela, cortou as ligações de água, destruiu a caixa de alarme e o portão eléctrico, ou seja, destruiu ou inutilizou bens que lhe não pertenciam, posto que integrados no património pessoal da demandante, dado que esta recebera o imóvel em que se achavam por herança, estando casada com o arguido sob o regime da comunhão de adquiridos [art. 1722º/1 b) do Código Civil].
Mostram-se por isso preenchidos todos os elementos objectivos do tipo de crime de dano.
*
§ único
Tendo o arguido cometido todos os factos, em síntese, de forma livre, voluntária, consciente e deliberada, conhecendo o carácter proibido dos mesmos, mostram-se verificados ainda os requisitos subjectivos de todas as incriminações, e com dolo directo (art. 14º/1 do Código Penal).
*
3.1.6 Concurso de crimes
Entre todos os crimes em apreço intercede uma relação de concurso real (cfr. 30º/1 do Código Penal).
Veja-se que a regra a atender nesta matéria é a plasmada no nº 1 do art. 30º do Código Penal, que nos diz que o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.
O critério determinante a atender é pois o dos tipos legais violados ou o do número de vezes que um mesmo tipo legal é violado – e efectivamente violado, o que nos remete para a consagração de um critério teleológico, que se prende com o bem jurídico, que o mesmo é dizer, haverá via de regra tantos crimes quantos os bens jurídicos ofendidos, ou tantos crimes quantas as vezes em que for atingido um mesmo bem jurídico (Ac. do STJ de 27.05.2010, relatado pelo Sr. Conselheiro Henriques Gaspar).
Ora, pela diversidade de bens jurídicos em apreço verifica-se uma situação de concurso real de crimes.
O arguido será então condenado pela prática dos cinco crimes que lhe vinham imputados.
*
Na fundamentação da espécie e medida da pena fez-se constar:
3.2.1 As penas parcelares
Importa fixar a pena cabida para cada um dos crimes e encontrar em seguida a pena única resultante do concurso, à luz dos critérios previstos pelo art. 77º/1 do Código Penal.
São as seguintes as molduras penais a considerar, não esquecendo ainda o preceituado pelos arts. 41º/1 e 47º/1 do Código Penal:
- para a violência doméstica, pena de prisão entre 2 e 5 anos;
- para os maus tratos, pena de prisão entre 1 e 5 anos;
- para a detenção de arma proibida, entre 1 mês e 4 anos ou multa entre 10 e 480 dias;
- para a violação de domicílio, prisão entre 1 mês e 3 anos ou multa entre 10 e 360 dias;
- para o dano, prisão entre 1 mês e 3 anos ou multa entre 10 e 360 dias.
Sendo em tese possível, quanto a alguns dos crimes, optar entre uma pena privativa e uma pena não privativa da liberdade, tem o tribunal que escolher a última, sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (art. 70º do Código Penal).
Quais são então as finalidades da punição?
São elas a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade - arts. 1º, 13º/1, 18º/2 e 25º/1 da Constituição e o art. 40º do Código Penal.
Ora, qualquer dos crimes em presença é de verificação infelizmente frequente e o contexto em que o arguido actuou releva da sua parte uma postura altamente censurável, porque integrada num universo de violência e intimidação de perfil reiterado, em relação ao qual o arguido não denota aliás nenhuma espécie de arrependimento.
Estamos pois em crer que a intensidade das exigências de prevenção geral positiva e negativa sugere consistentemente a necessidade de uma pena de prisão, assim nos afastando da pena de multa.
*
Realizada a opção pela pena de prisão quanto aos crimes acima indicados, importa fixar a medida da pena de prisão cabida para cada um de todos os crimes em apreço.
No contexto dos ditames decorrentes do art. 71º do Código Penal, aderimos à concepção doutrinária que propugna que em sede de determinação da medida da pena o tribunal deve encontrar o quantum correspondente à culpa do agente, o qual funcionará como ponto absolutamente inultrapassável; fixado esse limite, o tribunal deve buscar o ponto mínimo aquém do qual nenhuma pena não satisfaria as exigências de protecção do bem jurídico violado, interpretadas tais exigências através da necessidade de restabelecer a confiança comunitária na validade e vigência da norma infringida; como último passo, o tribunal deve procurar, entre o mínimo e o máximo que se avançaram, a medida óptima de pena, tendo em atenção os princípios da prevenção especial positiva (Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, pgs. 227 e ss.).
Considerando a natureza e gravidade de cada uma das situações, com natural incidência para os detalhes que consubstanciam os crimes de violência doméstica e de maus tratos, pela sua reiteração, e considerando ainda os factores concretamente destacados em sede de escolha da espécie de pena quanto aos crimes aí ponderados, cremos ser ajustado concluir que são elevadas as exigências de prevenção geral e especial positivas – e no que a estas últimas concerne, sublinharíamos ainda a personalidade do arguido, auto-centrada e com dificuldade em deparar com quem se lhe oponha, o que o prefigura como alguém carecido de uma intervenção firme do sistema judicial, pois só assim, cremo-lo, será capaz de interiorizar a importância de respeitar o próximo e designadamente quem consigo viva e nomeadamente a figura feminina.
Há porém e como é óbvio que ter em atenção que o arguido é uma pessoa que nunca fora objecto de nenhuma condenação anterior (ainda que esta circunstância se compreenda apenas pelo facto de as ofendidas não terem reagido adequadamente em momento anterior, por medo do arguido), e tem hábitos de trabalho.
Em suma, fixaremos as seguintes penas parcelares:
- para a violência doméstica, pena de prisão de 3 anos e 6 meses;
- para os maus tratos, pena de prisão de 2 anos;
- para a detenção de arma proibida, pena de prisão de 8 meses;
- para a violação de domicílio, pena de prisão de 10 meses;
- para o dano, pena de prisão de 10 meses.
*
3.2.2 A pena única
Procurando neste instante fixar a pena única a aplicar, temos que poderá ela situar-se entre 3 anos e 6 meses de mínimo e 7 anos e 10 meses de máximo (cfr. art. 77º/2 do Código Penal).
Nos termos que ressaltam do art. 77º/1 do Código Penal, há que ponderar todos os factos e a personalidade do arguido.
O que se revela decisivo neste domínio é uma visão de conjunto de todos os factos, no âmbito da qual haverá que ponderar nomeadamente o seguinte: (a) a relação dos crimes entre si e no seu contexto, designadamente tendo em vista apurar se estamos diante alguém que revela uma inclinação criminosa ou antes de alguém que apenas perpetrou delitos ocasionais; (b) a forma de comissão dos crimes; (c) a natureza dos bens jurídicos atingidos e a sua maior ou menor diversidade; (d) e o efeito da pena no comportamento ulterior do arguido (Ac. do STJ de 9.01.2008, in CJSTJ 2008, t. I, pgs. 182-3).
Ora, ganham nesta sede expressão, em desfavor do arguido, o contexto de violência física e verbal que existia no seio da família, protagonizada por ele próprio, a reiterada duração de tal violência e a personalidade difícil do arguido, avesso a ser contrariado e a reconhecer as suas falhas.
Em favor do arguido militam apenas as circunstâncias de não ter nenhuma condenação averbada no seu registo criminal e de ao que tudo indica sempre ter trabalhado.
Tudo visto e ponderado, entendemos ajustado fixar a pena única em torno do meio da moldura do concurso, apontando para 5 anos e 6 meses.
*
3.3 Aplicação da lei no tempo
Uma palavra apenas neste domínio para deixar expresso que não se vislumbra que tenha havido no Código Penal alguma alteração que sequer em tese tenha a virtualidade de conduzir a uma solução em concreto mais favorável para o arguido.
*
Sobre o pedido cível escreveu-se:
Dispõe o art. 129º do Código Penal que a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil.
Ao fazer menção a lei civil, é óbvio o propósito do legislador penal de nos reconduzir sobretudo para o que deriva do Código Civil.
Situando-nos no domínio do Código Civil, parece-nos razoavelmente clara a ideia de que os preceitos relevantes para o tratamento da questão sobre a qual nos debruçamos são os atinentes à responsabilidade civil por factos ilícitos, e com particular importância o art. 483º/1, na medida em que o mesmo estabelece que aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
Ora, face à factualidade apurada, decorre do que vem supra exposto que o arguido actuou de modo ilícito - porque ofensivo do património e da integridade física e moral da demandante -, doloso - porque livre, consciente e voluntário -, e danoso – porque causador de prejuízos patrimoniais e de natureza não patrimonial dignos de relevo (cfr. quanto a estes o art. 496º/1 do Código Civil).
Dito isto, a questão que nesta fase se nos colocará é a de saber qual a medida da indemnização.
O princípio geral é o da reconstituição da lesada ao estado anterior à lesão (art. 562º do Código Civil).
Quanto aos danos patrimoniais a medida da reparação (não há razão para disso nos afastarmos) coincidirá com o valor dos danos que estão documentados e peticionados, a saber, € 2.747,82.
Quanto aos danos não patrimoniais ocorre a especificidade de o legislador preceituar que a indemnização deve ser fixada de modo equitativo, tendo em conta os danos concretamente causados, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso (arts. 496º/4, 494º e 562º do Código Civil).
O sofrimento causado à demandante, em si mesmo considerado, justificaria um valor compensatório superior àquele que fixaremos, mas a verdade é que não podemos ignorar a condição económica do arguido, critério a que a lei manda também atender, condição essa que, de acordo com os elementos disponíveis e a actual situação do arguido, é precária e sem perspectivas de melhoria substancial no futuro.
Situaremos pois o montante indemnizatório pelos danos não patrimoniais em € 10.000,00.
*
Sobre os valores encontrados acrescerão ainda juros, como peticionado, desde a notificação de que o arguido/demandado foi alvo e até efectivo e integral pagamento (arts. 804º, 805º/3, 806º/1 e 2 e 559º/1 do Código Civil e a Portaria nº 291/03, de 08/04).
*
II- FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação que apresentou (art. 412º, nº 1, do CPP).
Neste caso concreto o arguido/recorrente suscita a apreciação das seguintes questões:
1ª- Verificar se a decisão proferida sobre a matéria de facto (quer em matéria penal, quer em matéria cível) padece dos vícios previstos no art. 410º, nº 2, do CPP, viola o art. 127º do CPP e os princípios do in dubio pro reo e da presunção de inocência, para além de haver insuficiência de provas e recurso a provas proibidas;
2ª- Analisar se há erro de interpretação na subsunção dos factos ao direito;
3ª- Ponderar se são excessivas as penas, individuais e única, em que foi condenado;
4ª- Averiguar se há erro na condenação cível (por ser indevida e excessiva).
Passemos então a apreciar cada uma das questões colocadas no recurso em apreço.
1ª Questão
O recorrente (arguido), invocando que a decisão proferida sobre a matéria de facto (quer em matéria penal, quer em matéria cível) padece dos vícios previstos no art. 410º, nº 2, do CPP, viola o art. 127º do CPP e os princípios do in dubio pro reo e da presunção de inocência, para além de haver insuficiência de provas e recurso a provas proibidas, pretende que sejam dados como não provados os factos apurados relativos aos crimes pelos quais foi condenado e, nessa perspectiva, conclui pela sua absolvição quer em matéria penal, quer em matéria cível.
Vejamos então, tendo em atenção que o recorrente não impugnou amplamente a decisão sobre a matéria de facto.
Dispõe o art. 410º, nº 2, do CPP:
Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
Assim, os vícios previstos no art. 410º, nº 2, do CPP, têm de resultar do texto da decisão recorrida na sua globalidade, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum[2].
A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (artigo 410º, nº 2-a), do CPP) “supõe que os factos provados não constituem suporte bastante para a decisão que foi tomada, quer porque não permite integrar todos os elementos materiais de um tipo de crime, quer porque deixem espaços não preenchidos relativamente a elementos essenciais à determinação da ilicitude, da culpa ou outros necessários para a fixação da medida da pena. A insuficiência significa, por outro lado, que não seja também possível uma decisão diversa da que foi tomada; se não for o caso, os factos podem não ser bastantes para constituir a base da decisão que foi tomada, mas permitir suficientemente uma decisão alternativa, mesmo de non liquet em matéria de facto. Por fim, a insuficiência da matéria de facto tem de ser objectivamente avaliada perante as várias soluções possíveis e plausíveis dentro do objecto do processo, e não na perspectiva subjectiva decorrente da interpretação pessoal do interessado perante os factos provados e as provas produzidas que permitiram a decisão sobre a matéria de facto.”[3]
A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão (art. 410º, nº 2-b), do CPP) “é somente aquela que é intrínseca ao próprio teor da sentença, “considerada como peça autónoma e não também as contradições eventualmente existentes entre a decisão e o que consta do processo, no inquérito ou na instrução”.
O erro notório na apreciação da prova (art. 410º, nº 2-c), do CPP) “constitui uma insuficiência que só pode ser verificada no texto e no contexto da decisão recorrida, quando existam e se revelem distorções de ordem lógica entre os factos provados e não provados, ou que traduza uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável, e por isso incorrecta, e que, em si mesma, não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio. A incongruência há-de resultar de uma descoordenação factual patente que a decisão imediatamente revele, por incompatibilidade no espaço, de tempo ou de circunstâncias entre os factos, seja natural e no domínio das correlações imediatamente físicas, ou verificável no plano da realidade das coisas, apreciada não por simples projecções de probabilidade, mas segundo as regras da "experiência comum". Na dimensão valorativa das "regras da experiência comum" situam-se, por seu lado, as descontinuidades imediatamente apreensíveis nas correlações internas entre factos, que se manifestem no plano da lógica, ou da directa e patente insustentabilidade ou arbitrariedade; descontinuidades ou incongruências ostensivas ou evidentes que um homem médio, com a sua experiência da vida e das coisas, facilmente apreenderia e delas se daria conta.”[4]
De esclarecer que a invocação dos vícios do art. 410º, nº 2, do CPP, não se confunde com a impugnação ampla da decisão sobre a matéria de facto, efectuada no âmbito do art. 412º, nº 3 e nº 4 do CPP.
Neste caso concreto, o recorrente não impugnou amplamente a decisão proferida sobre a matéria de facto (nos termos do art. 412º, nº 3 e nº 4 do CPP), pelo que, como bem sabe, não pode socorrer-se de elementos estranhos ao texto da decisão sob recurso.
1. Começa o recorrente por argumentar que existe insuficiência de factos quanto ao crime de violência doméstica e de maus tratos por ser escassa a concretização espácio-temporal e, nessa medida, considera que os factos apurados são inidóneos para preencherem os “núcleos de factos precisos e capazes de integrarem os tipos de crime em análise”.
Olhando para os factos dados como provados susceptíveis de integrarem os ditos crimes de violência doméstica (em relação à ofendida C…, então mulher do arguido) e de maus tratos (em relação à filha E…) podemos afirmar que é suficiente o que se apurou, apesar de não ter sido possível fazer uma melhor concretização temporal e espacial.
De qualquer modo, em resumo resulta dos factos provados que sucessivas e reiteradas agressões físicas e verbais que o arguido perpetrou na pessoa da então sua mulher ocorreram, desde o início do casamento (o que aconteceu em 17.9.1983) até Março de 2009 (data esta em que a então sua mulher saiu de casa, com a filha do casal) no interior da casa que habitavam (sita na …, Vila Nova de Gaia), o mesmo se passando por exemplo com ameaças que lhe fez v.g. com facas e outros objectos cortantes (chegando mesmo a levar para o quarto do casal uma faca, que deixava pousada na mesa de cabeceira e noutra ocasião espetou uma faca na parede do quarto do casal), com o arremesso de objectos, sendo certo que, igualmente a ameaçou fora de casa, em data não apurada de 1998, numa altura em que iam de carro para Lisboa, na companhia da filha, circulando pela EN ..
Quanto à conduta do arguido em relação à filha apurou-se que aquele a começou a agredir desde data não concretamente apurada, mas enquanto ainda era menor (a partir dos seus 5/6 anos), batendo-lhe, desferindo-lhe bofetadas, chamando-a de “puta” e “filha da puta” e, à medida que a filha crescia e se insurgia mais contra o pai, nomeadamente intervindo em defesa da mãe, aquele cada vez lhe batia mais e mais frequentemente.
Depreende-se dos factos dados como provados que essas agressões cometidas na pessoa da filha ocorreram dentro de casa onde os 3 viviam, a partir dos seus 5/6 anos, designadamente, quando ela intervinha para defender a mãe e que o arguido não se inibia de mal tratar a então sua mulher, mesmo à frente da filha (chegando até a dizer-lhe, quando ela tinha 5 anos, para não contar a ninguém o que via), criando mau ambiente familiar, que necessariamente interferiu negativamente no desenvolvimento e normal crescimento da filha a partir dos 5/6 anos desta (sendo essa também uma forma de mal tratar, a nível psicológico, a filha, que estava em fase de crescimento e ia assistindo à forma como o pai tratava a mãe).
Dos factos provados também se pode extrair, articulando o que se provou quanto às agressões de que foi vítima a C…, que ocorreram até Março de 2009, e o que ficou demonstrado quanto às agressões físicas e verbais que o arguido foi dirigindo à filha enquanto esta foi menor (as quais se tornaram mais frequentes à medida que a filha crescia e se insurgia contra o arguido, v.g. quando ela intervinha em defesa da mãe), que pelo menos até a E… ter atingido os 18 anos, o que sucedeu em 30.6.2003, foi sendo agredida (verbalmente com os referidos insultos de “puta” e “filha da puta” e fisicamente com bofetadas) pelo pai (para além do mau ambiente familiar por este criado, não se coibindo de maltratar a mãe da filha, mesmo que esta estivesse presente e fosse menor, chegando mesmo a dizer-lhe, quando ela contava apenas com 5 anos, que não podia contar a ninguém o que se passava dentro de casa).
Portanto, perante a delimitação temporal e espacial que resulta dos factos dados como provados, ainda que não tivesse sido possível fazer uma melhor concretização, consegue-se decidir da causa e verificar (como adiante melhor se explicará, quando se analisar a 2ª questão colocada pelo recorrente) se estão ou não preenchidos os crimes pelos quais o arguido foi condenado (o que mostra a suficiência dos factos apurados para proferir uma decisão, não existindo, por isso, o vício previsto no art. 410º, nº 2, al. a), do CPP).
Ao contrário do que o recorrente argumenta, os factos alegados na acusação pública, anteriores à data da entrada em vigor da Lei nº 59/2007, de 4.9, podiam e deviam (como o foram) ser discutidos em audiência de julgamento e depois valorados e apreciados, como sucedeu no acórdão sob recurso.
Acrescente-se que nada impedia o tribunal de apreciar criticamente, como o fez, as declarações da demandante C… e o depoimento da testemunha E… (filha do casal), considerando-os credíveis pelos motivos que explicou no acórdão sob recurso.
Diferentemente do alegado pelo recorrente, a apreciação crítica dessas declarações e depoimento foi feita nos termos que constam da motivação de facto, de forma racional e lógica e não de forma emotiva.
Essa argumentação do recorrente vaga e genérica não tem virtualidade para por em causa a análise crítica que o tribunal fez dessa prova oral.
Diversamente do alegado pelo recorrente, o depoimento da testemunha D… (cabo da GNR) quando relatou o que o arguido verbalizou na altura em que o abordaram, não constituiu qualquer meio proibido de prova.
Note-se que essa testemunha (Órgão de Policia Criminal, abreviadamente aqui designado como OPC) pronunciou-se sobre a busca e a apreensão em que participou, como se diz na fundamentação de facto, tendo igualmente descrito a reacção do arguido que presenciou (o que não se confunde com qualquer tomada de declarações).
O que o referido OPC, na sequência das referidas busca e apreensão em que participou, relata em audiência sobre a reacção do arguido (o que este então verbalizou), constitui depoimento directo e não forma de tomada de declarações ao arguido, como este pretende fazer crer em sede de recurso.
Nada impedia a mesma testemunha (OPC que participava em diligência probatória) de se pronunciar sobre as circunstâncias em que decorreu a busca em que participou e de relatar a reacção do arguido, quando foi abordado e foi feita a apreensão.
Portanto, essa prova, ainda que acessória, é válida, lícita e podia ser valorada pelo tribunal[5].
Por outro lado, o facto das testemunhas J… e H… não terem visto o arguido a agredir as ofendidas, não as impedia de se pronunciarem nos termos em que o fizeram, podendo o tribunal fazer as considerações que fez quando avaliou esses dois depoimentos.
O facto do arguido negar os factos que lhe foram imputados também não impedia o tribunal de apreciar as demais provas que indicou e que o convenceram.
Também o Colectivo explicou a razão pela qual as declarações do arguido não o convenceram.
Por isso, ao contrário do que invoca o recorrente, foram produzidas provas bastantes, suficientes e relevantes que convenceram o Colectivo, pelos motivos indicados na fundamentação de facto, permitindo-lhe formar a sua convicção segura no sentido dos factos que deu como provados, quanto à matéria que se relaciona com os crimes de violência domestica e de maus tratos em que são vítimas as referidas ofendidas.
E, nessa apreciação crítica das provas que foi feita não se vê que o Colectivo tivesse violado o disposto no art. 127º do CPP ou que tivesse avaliado as provas produzidas de forma arbitrária, ilógica, subjectiva, insindicável ou incontrolável, como alega abstractamente e sem razão o recorrente.
A apreciação subjectiva e pessoal que o recorrente faz das declarações e depoimento das ofendidas C… e filha D… (invocando que elas tem interesse directo na condenação do arguido, estão manifestamente incompatibilizadas com o arguido, não escondem sentimentos de revolta e de amargura para com o arguido, não circunstanciaram melhor as condutas do arguido e não juntaram documentos que suportem deslocações compatíveis a serviços hospitalares) é irrelevante e não se sobrepõe à avaliação isenta e imparcial feita pelo Colectivo que explicou claramente os motivos pelos quais se convenceu no sentido dos respectivos factos que deu como provados (não deixando de ponderar com as devidas cautelas o facto daquelas serem as ofendidas nos autos e, portanto, poderem ter algum interesse no desfecho da causa, terem medo do arguido, não esconderem sentimentos de revolta e de amargura para com aquele, não circunstanciarem melhor as condutas do arguido, não haver nos autos outros documentos que suportem deslocações compatíveis a serviços hospitalares).
Do texto da decisão sob recurso não resulta que o tribunal tivesse ficado com dúvidas ou que a circunstância da ofendida C… ter vivido com o arguido desde o casamento até Março de 2009 tivesse que causar dúvidas ao Colectivo sobre a veracidade dos factos por ela relatados.
Não foi violado o princípio in dubio pro reo, visto que o tribunal a quo conseguiu obter a certeza dos factos que deu como provados, como igualmente se verifica do texto da respectiva fundamentação da decisão recorrida (não havendo sequer motivo para recorrer a esse princípio).
Esqueceu o recorrente que o que é relevante é a convicção que o tribunal forme perante as provas produzidas em audiência, e não a sua (do recorrente) convicção pessoal[6].
De resto, não se vê do texto do acórdão sob recurso que o tribunal da 1ª instância tivesse usado “pré-juízos” ou presunções ilegais para avaliar as provas que indicou e tão pouco se detecta que tivesse recorrido a provas proibidas ou tivesse violado os princípios do in dubio pro reo e da presunção de inocência.
Por isso, não há qualquer surpresa quanto ao teor da decisão proferida sobre a matéria de facto.
Alega, ainda, o recorrente que há contradição entre a fundamentação de facto e a decisão, por no elenco dos factos provados não constar que a filha “por várias vezes viu ser-lhe encostada uma faca ao pescoço”, ao contrário do que se passa na decisão.
É certo que nos factos provados não consta que a filha E… “por várias vezes viu ser-lhe encostada uma faca ao pescoço” e que, na fundamentação de direito, o Colectivo fez essa referência quando conclui que o arguido cometeu o crime de maus tratos em relação à dita ofendida.
Dessa divergência resulta que o tribunal não podia considerar factos, que não foram dados como provados, no enquadramento jurídico-penal que fez da conduta do arguido em relação à filha (e isso não obstante ter considerado a possibilidade de considerar aqueles factos - de “no interior da então residência da família sita na …, Vila Nova de Gaia, o arguido, por várias vezes, em datas não concretamente apuradas, encostou uma faca ao pescoço da filha E… e deu-lhe empurrões, sendo ela ainda menor” – como provados, tal como resulta da comunicação efectuada ao abrigo do art. 358º, nº 1 e nº 3, do CPP, na sessão de julgamento de 3.6.2013, da qual a defesa tomou conhecimento e nada requereu).
A única consequência desse erro de argumentação do Colectivo é considerar não escrita aquela referência que consta da fundamentação de direito (o que não inviabiliza que oportunamente se averigúe se os factos dados como provados integram ou não o referido crime de maus tratos).
2. Quanto aos factos relativos ao crime de detenção de arma proibida, alega o recorrente que o tribunal socorreu-se de provas ilegais, por ter conferido crédito ao depoimento da testemunha D… (cabo da GNR) que se pronunciou sobre factos que não podia, a saber, reproduziu em grande parte o relatório das buscas (o qual nem fora assinado pelo arguido) e reproduziu declarações prestadas pelo arguido.
Para além disso, invoca declarações que como arguido prestou em julgamento, referindo que apresentou justificação para a posse do “espeto” (retirar pregos dos pneus do camião), justificação essa que deveria ter sido aceite, tendo em atenção o que foi dado como provado nos pontos 54, 56 e 57 e, considerando que aquele objecto nunca foi utilizado como instrumento de agressão, o que ao menos deveria ter levado a que o tribunal ficasse com dúvida insanável e intransponível quanto a essa factualidade, o que não sucedeu, assim tendo violado o princípio in dubio pro reo.
Pois bem.
Como já acima se referiu nada impedia que a testemunha D… (cabo da GNR) relatasse a forma como decorreu a busca em que participou, descrevesse as circunstâncias em que ocorreu a apreensão do referido objecto tipo “espeto” e indicasse a reacção do arguido.
Note-se que, não tendo o recorrente impugnado amplamente a decisão sobre a matéria de facto, não faz qualquer sentido, nem tem qualquer consequência, a remissão genérica que faz para o depoimento gravado, bem como a sua apreciação pessoal do mesmo.
O que é relevante é o depoimento do referido OPC, quando se pronuncia sobre a forma como decorreu a busca em que participou e relata o que presenciou quanto à reacção do arguido na altura em que apreenderam o dito “espeto” (de esclarecer que o relatório de busca não é assinado pelo arguido; essa questão apenas se poderia colocar em relação ao auto de busca, o que, de qualquer modo, a considerar-se que era exigível a assinatura do arguido e que a mesma faltava, por constituir mera preterição de formalidade, apenas podia ser considerada como irregularidade processual que estava sanada por não ter sido arguida atempadamente).
O Colectivo podia valorar o depoimento prestado em julgamento pela referida testemunha OPC, no que se refere ao que esta relatou sobre factos do seu conhecimento pessoal e directo, que ocorreram no âmbito de diligências investigatórias autónomas em que participou.
Não se pode confundir (como o faz o recorrente quando apela ao disposto no art. 356º, nº 1, al. b), do CPP) a leitura de autos de inquérito e de instrução com autos que documentem diligências investigatórias, v.g. buscas e apreensões.
Logo por aí se percebe que nada impedia a referida testemunha (OPC) que participou na busca e posterior apreensão do referido objecto (espeto) de, em julgamento, relatar as circunstâncias em que essas diligências investigatórias decorreram, a eventual colaboração prestada pelo arguido e até a sua reacção, tal como sucedeu neste caso (portanto, nem sequer assiste razão ao recorrente quando sugere que teria sido cometida nulidade, por na acta não constar a leitura de declarações e justificação legal, esquecendo que não se procedeu à leitura de qualquer auto de inquérito ou de instrução que contivesse declarações do arguido ou depoimentos de testemunhas, sendo certo que, se tal viesse a acontecer, de imediato a respectiva Advogada do arguido reagiria, v.g. arguindo a apontada nulidade, o que também não sucedeu).
Portanto, não foi violado o disposto no art. 356º, nº 1, al. b), do CPP e também não se pode concluir que tivesse sido violado o nº 7 do mesmo artigo, uma vez que, pelo que resulta do texto da decisão, o que o referido OPC relatou, circunscreveu-se às circunstâncias em que decorreu as diligências investigatórios em que participou, incluindo descrevendo reacção do arguido, matéria do seu conhecimento pessoal e directo (não resultando do texto da decisão que o OPC tivesse daquele modo pretendido recolher declarações ao suspeito de forma ilegal).
Também o tribunal explicou o motivo pelo qual as declarações que o arguido quis prestar em julgamento sobre essa matéria, o não convenceram.
A justificação que o arguido apresentou não convenceu o Colectivo, mesmo tendo em atenção o que veio a dar como provado nos pontos 54, 56 e 57.
Para além disso, também teve em atenção as características do referido objecto (auto de exame de fls. 187) e fotografia do mesmo.
O facto de não ter ficado provado que aquele objecto (espeto) tivesse sido utilizado como instrumento de agressão, também não impedia que fossem dados como provados os respectivos factos que se apuraram nessa matéria.
De resto, perante todas as provas que analisou e valorou, não se vê que o Colectivo tivesse incorrido em erro notório na apreciação da prova, como também alega o recorrente.
E, também não havia motivos, como resulta do próprio texto da decisão, para se suscitarem quaisquer dúvidas ao tribunal.
Não foi violado o princípio in dubio pro reo, visto que o tribunal a quo conseguiu obter a certeza dos factos que deu como provados nessa matéria, conforme se alcança do texto da respectiva fundamentação da decisão recorrida.
Por isso, não procede a referida argumentação do recorrente, quando pretende questionar a decisão sobre a matéria de facto na parte aqui em apreço.
3. Relativamente ao crime de dano, em sede de motivação de recurso, defende o arguido que o mesmo não se verifica com a argumentação de que os objectos danificados não eram bens alheios acrescentando, a título subsidiário, que agiu em estado de necessidade, o que excluiria a ilicitude da conduta (invocando ainda o princípio in dubio pro reo) e, em requerimento posterior (fls. 886 a 891), veio alegar que o Ministério Público não tinha legitimidade para deduzir acusação por esse crime, dado o arguido ser então marido da ofendida, o que, nos termos dos arts. 212º, nº 3 e 207º, nº 1, al. a), do CP, impunha que houvesse acusação particular, o que não sucedeu neste caso.
Colocando-se previamente a questão de saber se o Ministério Público tinha ou não legitimidade para deduzir acusação pública pelo referido crime de dano, importa primeiro decidir essa matéria (que é de conhecimento oficioso e, caso a resposta seja afirmativa, obsta ao conhecimento do mérito) e, caso seja improcedente, é que analisaremos as demais questões colocadas em sede de recurso.
Pois bem.
Pelo que resulta dos autos o crime de dano p. e p. no art. 212º, nº 1, do CP, imputado ao arguido (que consistiu em o arguido cortar as ligações de água, destruir a caixa de alarme e o portão eléctrico da casa propriedade da ofendida C…, sita no …, Santa Maria da Feira, residência essa para a qual se mudara, juntamente com a filha, quando em Março de 2009 abandonou a casa de morada de família, situada na …, em Vila Nova de Gaia, causando danos no valor de € 2.737,82) teria sido cometido em 31.3.2011, em altura em que, apesar de haver separação de facto do casal, aquele ainda era marido/cônjuge da ofendida C… (casaram entre si em 17.9.1983 e o divórcio ocorreu mais tarde, por sentença transitada em julgado em 5.3.2012).
Ora, sendo o arguido, na altura da consumação do referido crime de dano, cônjuge da ofendida, nos termos conjugados dos arts. 212º, nº 1 e nº 3 e 207º, alínea a), do CP, na versão vigente em 31.3.2011, hoje, desde a alteração da Lei nº 19/2013, de 21.2, correspondente à alínea a) do nº 1 do mesmo artigo 207º do CP, o procedimento criminal depende de acusação particular[7].
Ou seja, o legislador entendeu que atenta a relação próxima entre o agente e o ofendido (neste caso particular eram então ainda casados entre si segundo as formas previstas na lei), o crime em questão (art. 212º, nº 1, do CP) é de natureza particular.
No art. 207º do CP (seja na versão vigente em 31.3.2011, seja na versão posterior da Lei nº 19/2013, cuja alteração, no que aqui interessa, foi apenas no sentido de que o anterior corpo e alíneas passavam a constituir o nº 1 do mesmo art. 207º), o legislador foi taxativo, no que aqui interessa, quanto à qualidade de cônjuge do agente em relação à vítima, não ressalvando a situação do agente que, sendo casado com a vítima, pode já não viver com ela e até haver separação de facto, como sucede neste caso.
E, isso não obstante ter tido o cuidado de aí incluir o agente que, não sendo casado com a vítima, viva com ela em “condições análogas às dos cônjuges” (ou seja, nesse caso em que não há casamento entre o agente e a vítima, exige que ambos vivam em “condições análogas às dos cônjuges”, sendo certo que, se houver separação de facto, deixam de viver em “condições análogas às dos cônjuges” e, portanto, aquele tipo de crime cometido no decurso da separação passa apenas a depender de queixa).
Apesar de se poder discutir essa opção de política criminal, não pode o intérprete da lei, neste caso o julgador substituir o legislador, sob pena de violação do princípio da separação de poderes e, como é obvio, igualmente do princípio da legalidade.
Daí que, por apelo às normas substantivas relativas ao “casamento” constantes do Código Civil, apenas se pode dizer que à data do cometimento do crime de dano p. e p. no art. 212º, nº 1, do CP, o arguido era ainda cônjuge da vítima, dependendo apenas da vontade desta o prosseguimento do processo penal, por esse crime, o que exigia, para além da denúncia, a constituição de assistente e a dedução atempada da respectiva acusação particular.
Não o tendo feito, nos termos dos arts. 48º e 50º do CPP[8], é manifesto que, na ausência da referida acusação particular, o Ministério Público não tinha legitimidade para promover o processo penal, deduzindo acusação pública pelo referido crime de dano.
Assim sendo, dada a ilegitimidade do Ministério Público para deduzir acusação pública pelo crime de dano p. e p. no art. 212º, nº 1, do CP, o tribunal da 1ª instância não devia, nem podia ter conhecido dessa parte da acusação pública (sendo certo que, nem genericamente, apesar de não fazer caso julgado formal, o tribunal se pronunciou sobre a legitimidade dos sujeitos processuais, sequer quando foi proferido o despacho que designou dia para julgamento).
Por isso, é manifesto que não pode subsistir a condenação relativa ao referido crime de dano, o que se repercute igualmente na condenação relativa ao pedido cível, uma vez que nesta acção penal o arguido não pode ser condenado a pagar à ofendida aquele valor de € 2.737,82 atinente aos mencionados danos patrimoniais.
Impõe-se, assim, revogar o acórdão quanto à condenação pelo dito crime de dano p. e p. no art. 212º, nº 1, do CP, bem como reduzir a indemnização que foi condenado a pagar à demandante cível, naquele valor de € 2.737,82 relativo aos mencionados danos patrimoniais.
Fica, assim, prejudicado o conhecimento das questões suscitadas em sede de recurso quanto ao dito crime de dano imputado ao arguido, pelo qual veio a ser condenado, quer penalmente, quer civilmente.
4. Quanto ao crime de violação de domicílio, invoca o recorrente que o não cometeu por na altura ainda estar casado com a ofendida, ter o dever de coabitação e, por isso, ter o direito de viver na casa …, ainda que fosse propriedade da ofendida, por aquela ser a casa de morada de família ou, assim não se entendendo, agiu ao abrigo de uma causa de exclusão da ilicitude, uma vez que estava em estado de necessidade (art. 34º do CP), convencido que lá podia dormir (não compreendendo porque a filha recusou inesperadamente a sua entrada na casa), como resulta da análise feita pelo Colectivo das declarações que a esse propósito prestou em julgamento, acrescentando também que foi violado o princípio in dubio pro reo.
Vejamos então, tendo em atenção, neste momento, que o recorrente questiona a decisão proferida sobre a matéria de facto relacionada com este crime que considera não ter cometido (os argumentos de direito invocados pelo recorrente serão apreciados quando for abordada a 2ª questão colocada em sede de recurso, relativa ao alegado erro de direito).
Pelo que se alcança do texto do acórdão sob recurso, ao contrário do que alega o recorrente, a casa de morada de família, era a residência que se situava na …, em Vila Nova de Gaia, onde a família, então constituída pelo arguido, mulher e filha, viveu até Março de 2009.
Em Março de 2009, a ofendida C…, na companhia da filha E…, saiu da casa de morada de família (sita na …, em Vila Nova de Gaia), precisamente para por termo às constantes agressões físicas e verbais de que ambas eram vítimas e foram as duas viver para a casa propriedade da ofendida C…, sita no …, Santa Maria da Feira.
Foi nessa casa sita no …, Santa Maria da Feira, que as duas ofendidas passaram a viver desde Março de 2009, quando saíram da casa de morada de família (o que acima se expôs é o que decorre das declarações da ofendida C… e da testemunha E…, que convenceram o Colectivo, tal como se extrai do acórdão sob recurso).
Também das declarações e depoimento referidos (da ofendida C… e da testemunha E…), que convenceram o Colectivo, este conseguiu formar a sua convicção no sentido dos factos que deu como provados, dos quais resulta que, desde a separação ocorrida em Março de 2009, as duas (mãe e filha) passaram a viver na casa sita …, Santa Maria da Feira, local onde residiram e permaneceram até 31.3.2011, não obstante no período entre Janeiro de 2011 e 31.3.2011 a C… não pernoitar nessa sua casa (com efeito, a partir de data não apurada de Janeiro de 2011 a demandante saía dessa casa ao final do dia – para evitar contacto com o arguido, com medo dele – deixando que a filha de ambos, portadora da chave da referida casa sita …, levasse o pai para lá dormir, passando ele a ali pernoitar com a filha até aquele dia 31.3.2011, data em que, a filha, em consonância com a mãe, recusou a abertura da porta e, portanto o acesso à casa, porque o arguido lhe telefonara dizendo que, nessa noite, iria a casa das ofendidas para matar a demandante, o que não aconteceu porque a filha avisou de imediato a mãe e ambas ausentaram-se de casa nessa noite).
O facto de posteriormente a 31.3.2011 e até ser preso preventivamente, ter permanecido na dita casa sita …, Santa Maria da Feira, no circunstancialismo dado como provado, não significa que o arguido ali vivesse também mesmo antes de 31.3.2011, nem tivesse o direito de fazer aquela ocupação.
É certo que, apesar da separação de facto do casal em Março de 2009, chegou a beneficiar do favor de ali pernoitar entre data não apurada de Janeiro de 2011 até 31.3.2011, mas isso (como até é do senso comum para o cidadão médio) não lhe conferia qualquer direito de (quando lhe foi vedada a entrada, mesmo sem a filha lhe ter dado conhecimento prévio) ali entrar contra a vontade da ofendida/demandante, durante a noite, por volta das 2 horas da madrugada, tendo para o efeito (para conseguir introduzir-se nessa residência) partido uma janela e estroncado a porta de entrada, por não ter chave de casa.
Aliás, o facto de não ter a chave de casa já evidencia (como é das regras de experiência comum em casos semelhantes) que não podia entrar (e muito menos forçar a entrada como o fez) nem invadir aquela residência sem lhe facultarem o acesso.
De todo o modo, também é uma evidência, que as declarações que o arguido quis prestar em julgamento, não convenceram o Colectivo, mesmo quando reconheceu ter forçado a entrada na casa …, Santa Maria da Feira, embora entendendo que a sua conduta era inteiramente justificada.
Da apreciação feita pelo Colectivo dessas declarações do arguido, decorre que não acreditou na versão que este apresentou (forçou a entrada da casa do Vale, entendendo que actuou justificadamente), pelos motivos que explicou.
Daí que, o apelo que o recorrente faz a essa apreciação do tribunal, que consta da fundamentação de facto, não sustente o seu ponto de vista, nem a versão que quis apresentar em julgamento (quando invoca ter agido na convicção de ter o direito de ali dormir), independentemente de dizer que não compreendeu a atitude da filha.
A circunstância do arguido negar os factos que lhe eram imputados ou apresentar diferente versão também não é bastante para descredibilizar as declarações prestadas pelas ofendidas.
Por outro lado, também não havia motivos, como resulta do próprio texto da decisão, para se suscitarem quaisquer dúvidas ao tribunal nessa matéria. Não foi violado o princípio in dubio pro reo, visto que o tribunal a quo conseguiu obter a certeza dos factos que deu como provados nessa matéria, conforme se alcança do texto da respectiva fundamentação da decisão recorrida.
Por isso, não procede a referida argumentação do recorrente, quando pretende questionar a decisão sobre a matéria de facto na parte aqui em apreço.
5. Quanto ao pedido de indemnização civil, alega o recorrente que os factos apurados “são insuficientes e imprecisos” não lhe fornecendo “com rigor a incidência da extensão dos danos.”
Argumenta que se diz “que a demandante sofreu dores, mas não se especifica onde é que as sofreu, o tempo que as mesmas duraram.”
No entanto, apesar de poder não haver a concretização relativa ao local em que a demandante sofreu dores físicas e período de tempo que duraram (ver ponto 50 dado como provado), o que é certo é que da decisão proferida sobre a matéria de facto, resultam factos bastantes que permitem ao tribunal pronunciar-se (como se pronunciou) quanto ao pedido cível formulado, v.g. quanto à indemnização a arbitrar pelos danos não patrimoniais apurados.
Do exposto se conclui que não ocorre o vício previsto no art. 410º, nº 2, al. a), do CPP.
Os factos apurados permitiam ao tribunal proferir uma decisão, inclusive no que se relaciona com o pedido de indemnização civil na parte que subsiste.
6. De resto, sempre sem prejuízo do que já acima ficou decidido (quanto ao erro cometido a nível da fundamentação de direito e quanto à ilegitimidade do Ministério Público para promover o processo penal relativamente ao crime de dano), verificamos que, no mais:
- a fundamentação da matéria de facto constante da decisão recorrida conforma-se com a apreciação crítica das provas aí indicadas;
- as provas que convenceram o Colectivo são suficientes para sustentar, de forma objectiva, racional e com a necessária segurança, os factos que foram dados como provados (tendo o tribunal obtido, por essa via, a certeza dos factos dados como provados);
- a apreciação objectiva feita pelo Colectivo (que consubstancia o exame crítico das provas produzidas em julgamento), não contraria as regras da experiência comum, baseando-se em opção aceite na imediação e oralidade;
- nem sequer há distorções de ordem lógica e tão pouco foi feita qualquer apreciação que seja ilógica, arbitrária, incongruente ou insustentável, não patenteando a decisão sob recurso qualquer erro de que o homem médio facilmente se desse conta.
- não foi violado o disposto no art. 127º do CPP, nem os princípios do in dubio pro reo e da presunção de inocência.
Sem prejuízo do acima decidido, para além dos factos apurados permitirem ao tribunal proferir uma decisão (o que mostra a sua suficiência), não se detecta qualquer contradição entre a fundamentação e a decisão, sendo certo que a apreciação feita pelo Colectivo não evidencia qualquer erro de que o homem médio facilmente se desse conta.
Esqueceu o recorrente que o que é relevante é a convicção que o tribunal forme perante as provas produzidas em audiência, e não a sua (do recorrente) convicção pessoal.
Ora, sem prejuízo do acima decidido quanto à ilegitimidade do Ministério Público para promover o processo penal quanto ao crime de dano e repercussões no pedido cível (o que implica que se considerem não escritos os factos a eles respeitantes), no mais, não ocorrendo qualquer dos vícios aludidos no art. 410º, nº 2, do CPP e, não existindo qualquer nulidade de conhecimento oficioso, está definitivamente fixada a decisão proferida sobre a matéria de facto, acima transcrita.
Improcede, pois, a demais argumentação do recorrente.
2ª Questão
Incumbe analisar se há erro de interpretação na subsunção dos factos ao direito quanto aos crimes (subsistentes) pelos quais o arguido foi condenado.
1. Entre outros argumentos abaixo analisados, refere o recorrente, que devia ser julgado extinto o procedimento criminal pelos crimes de violência doméstica (em que foi vítima a então sua mulher C…) e de maus tratos (em que foi vítima a filha E…), cometidos antes da Lei nº 59/2007, de 4.9, por falta de queixa das ofendidas, considerando que era necessária a denúncia mesmo para o crime de maus-tratos na versão existente até 1998.
Vejamos.
Desde a entrada em vigor da Lei nº 7/2000, de 27.5, que o crime então p. e p. no art. 152º do CP, cuja epigrafe era de “maus-tratos e infracções de regras de segurança”, é de natureza pública e, portanto, não depende de queixa dos respectivos ofendidos.
Apesar das posteriores alterações legislativas esse crime nunca perdeu a natureza pública desde essa Lei nº 7/2000.
A argumentação da falta de queixa das ofendidas (mulher e filha do arguido) não é motivo de extinção do procedimento criminal, quer considerando o crime p. e p. no art. 152º do CP na versão posterior à Lei nº 7/2000 e anterior à Lei nº 59/2007, de 4.9, quer considerando os crimes previstos nos arts. 152º e 152º-A do mesmo CP, na versão da mesma Lei nº 59/2007 (e, mesmo tendo em atenção, a posterior alteração introduzida pela Lei nº 19/2013, de 21.2, ao crime de violência doméstica).
Também, considerando a data da consumação dos crimes que cometeu na pessoa de cada uma das referidas ofendidas, é evidente que os crimes em questão são públicos e não se verifica a alegada prescrição do procedimento criminal.
Em relação à então sua mulher os actos praticados (v.g. agressões físicas e verbais reiteradas e sucessivas) pelo arguido começaram desde o início do casamento (que ocorreu em 17.9.1983), tendo-se prolongado nos termos indicados nos factos provados durante todo o período de vida em comum, terminando em Março de 2009, data esta em que a ofendida C… saiu da casa de morada de família (sita no …, nº .., …, Vila Nova de Gaia), com a filha do casal de nome E… (nascida em 30.6.1985), tendo ambas ido viver para a casa da primeira sita na …, …, Santa Maria da Feira (que a ofendida/demandante C… havia adquirido, por sucessão, em virtude da morte do pai, tendo registado essa aquisição por sucessão em 2001, altura em que era ainda casada com o arguido, no regime de comunhão de adquiridos).
Portanto, o crime de violência doméstica cometido em relação à ofendida/demandante C… consumou-se em Março de 2009, sendo p. e p. no art. 152º, nº 1, al. a) e nº 2 (prática do facto no domicílio comum) do CP, na versão da Lei nº 59/2007, de 4.9, já então em vigor (note-se que as alterações introduzidas pela Lei nº 19/2013, de 21.3, não interferem com essa qualificação por se relacionarem antes com o art. 152º, nº 1, als. b) e d) do CP, que aqui não são aplicáveis).
Tendo em conta a moldura abstracta do referido crime de violência doméstica e o disposto no art. 118º, nº 1, al. b) e nº 2 do CP, na versão da Lei nº 59/2007, o prazo de prescrição do procedimento criminal é de 10 anos, sendo logo por aí evidente que, atenta a data da sua consumação, ocorrida em Março de 2009 (visto o disposto no art. 119º, nº 1 e nº 2, al. b), do CP, na versão da mesma lei), ainda não decorreu (entretanto, ocorreram causas de suspensão e de interrupção - v.g. notificação da acusação ao arguido em 24.5.2012, conforme fls. 419 e 420 - que alargaram o prazo de prescrição do procedimento criminal, tal como decorre do disposto nos arts. 120º, nº 1, al. b) e nº 2 e 121º, nº 1, als. a), b) e d) do CP, o qual passou a ter o limite máximo de 15 anos, sendo ainda acrescido do prazo de suspensão).
Podemos, assim, concluir que não existem quaisquer dúvidas que o procedimento criminal pelo crime de violência doméstica em questão (de natureza pública) não prescreveu.
Quanto aos factos em que foi vítima a filha E…, as agressões (físicas e verbais) praticadas pelo arguido decorreram de forma reiterada e sucessiva enquanto aquela foi menor, mais concretamente a partir dos seus 5/6 anos até perfazer os 18 anos, o que sucedeu em 30.6.2003.
Assim, essa conduta do arguido, que se consumou em 30.6.2003, integra a prática de um crime de “maus tratos e infracção de regras de segurança” p. e p. à data dos factos no art. 152º, nº 1, al. a), do CP na versão então vigente dada pela Lei nº 7/2000, de 27.5 (cuja moldura abstracta é de pena de prisão de 1 a 5 anos) e actualmente designado simplesmente de “crime de maus tratos” p. e p. no art. 152º-A, nº 1, al. a), do CP na versão actual (mantém-se a versão da Lei nº 59/2007, de 4.9, com a Declaração de Rectificação nº 102/2007, de 31.10), punido neste caso (uma vez que não lhe cabe pena mais grave por força de outra disposição legal) com pena de prisão de 1 a 5 anos.
Tendo em conta a moldura abstracta deste crime de maus tratos (pena de prisão de 1 a 5 anos em qualquer das versões) e o disposto no art. 118º, nº 1, al. b), do CP na versão então vigente em 30.6.2003, o prazo de prescrição do procedimento criminal é de 10 anos (não havendo alteração posterior mais favorável).
No entanto, considerando por um lado que o arguido foi notificado da acusação em 24.5.2012 (fls. 419 a 421), o que suspendeu e interrompeu o prazo de prescrição do procedimento criminal e, por outro lado, tendo em vista o disposto nos arts. 119º, nº 1 e nº 2, al. b), 120º, nº 1, al. b) e nº 2, 121º, nº 1, al. a), b), nº 2 e nº 3 todos do CP, na versão mais favorável, temos que o prazo de prescrição do procedimento criminal foi alargado, passando a ter o limite máximo de 15 anos, sendo ainda acrescido do prazo de suspensão, razão pela qual ainda não ocorreu.
Assim, não existem quaisquer dúvidas que o procedimento criminal pelo crime de “maus tratos” (apesar de também se ter alterado entretanto a sua epígrafe) em qualquer das versões (sempre de natureza pública) não prescreveu.
Note-se que os factos dados como provados que o arguido cometeu nas pessoas de cada uma das duas referidas vítimas (na então sua mulher e também na sua filha, esta enquanto menor que vivia com os pais, estando a cargo deles e, portanto, também do arguido seu pai) nunca deixaram de ser crime (mesmo considerando a versão original do Código Penal, aprovado pelo DL nº 400/82, de 23.9 e o disposto no então art. 153º) apesar das sucessivas alterações que o Código Penal veio a sofrer e, mesmo depois das alterações introduzidas pelo DL nº 48/95, de 15.3, que o recorrente invoca.
Não há qualquer razão ou motivo para cindir a conduta do arguido, consoante foi praticada antes ou depois da Lei nº 59/2007 (como pretende o recorrente), tanto mais que estamos perante crimes habituais, com prática de factos/actos reiterados no tempo, reiteração essa que, neste caso, funciona como elemento constitutivo do crime[9] (por isso os crimes consumaram-se com a prática do último acto que integra a actividade criminosa em causa em relação a cada uma das ofendidas), o que também sucedia no crime de maus tratos p. e p. no art. 152º, nº 2, do CP na versão do DL nº 48/95, de 15.3, invocada pelo recorrente.
Por isso, também improcede essa argumentação do recorrente, sendo certo que não há qualquer impedimento (nem violação do princípio nullum crimen sine lege, uma vez que, neste caso concreto, a conduta do arguido em relação a qualquer das vítimas sempre foi considerada crime desde a versão original de 1982 do Código Penal) e antes impõe-se a apreciação e valoração da conduta global do arguido em relação a cada uma das vítimas, considerando a natureza dos crimes em questão, modo de execução e data da sua consumação (sendo esta aferida pela data da prática do último acto, independentemente do início da execução do crime ter ocorrido antes da Lei nº 59/2007).
A questão da sucessão de leis penais no tempo (art. 2º, nº 4, do CP) apenas se coloca em relação ao crime de maus tratos em que foi vítima a filha do arguido, uma vez que esse se consumou em 30.6.2003.
No entanto, neste caso concreto (considerando os factos apurados), a alteração que decorre da Lei nº 59/2007 não interfere com a qualificação feita da conduta do arguido em relação à filha menor, apesar do crime de “maus tratos e infracção de regras de segurança” p. e p. à data dos factos no art. 152º, nº 1, al. a), do CP na versão então vigente dada pela Lei nº 7/2000, de 27.5, ter sido subdividido em 3 incriminações com a Lei nº 59/2007 (a saber, crime de violência doméstica, crime de maus tratos e crime de violação de regras de segurança).
Neste caso particular, tendo em atenção que a vítima é a filha do arguido, quando era ainda menor e vivia na dependência dos pais e sob a sua responsabilidade, não há dúvidas que o que antes estava incluído no art. 152º, nº 1, al. a), do CP na versão então vigente dada pela Lei nº 7/2000 e lhe era aplicável, passou igualmente para o art. 152º-A, nº 1, al. a), do CP, na versão vigente desde a Lei nº 59/2007[10].
Por outro lado, importa esclarecer que os factos apurados praticados pelo arguido em relação a cada uma das referidas ofendidas, são suficientes e idóneos para se concluir que integram, quando à ofendida C… o crime de violência doméstica p. e p. no art. 152º, nº 1, al. a) e nº 2 (prática do facto no domicílio comum) do CP, na versão da Lei nº 59/2007, de 4.9, já então em vigor e quanto à ofendida E… o crime de “maus tratos e infracção de regras de segurança” p. e p. à data dos factos no art. 152º, nº 1, al. a), do CP na versão então vigente dada pela Lei nº 7/2000, de 27.5 e actualmente designado simplesmente de “crime de maus tratos” p. e p. no art. 152º-A, nº 1, al. a), do CP na versão actual (mantém-se a versão da Lei nº 59/2007, de 4.9, com a Declaração de Rectificação nº 102/2007, de 31.10).
Senão vejamos.
Pratica o crime de violência doméstica previsto no art. 152º, nº 1, al. a), do CP, “Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais ao cônjuge ou ex-cônjuge”, sendo “punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.”[11]
Nos termos do nº 2 do mesmo artigo 152º do CP, “No caso previsto no número anterior, se o agente praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.”
Está em causa a protecção da pessoa individual, da sua dignidade humana, podendo dizer-se, com Taipa de Carvalho[12], que “o bem jurídico protegido é a saúde – bem jurídico complexo, que abrange a saúde física, psíquica e mental, e bem jurídico este que pode ser afectado por toda a multiplicidade de comportamentos”, tendo em atenção as características do sujeito passivo (neste caso particular, considerando o período temporal em que os factos ocorreram, cometidos contra o seu cônjuge e a multiplicidade de actos dados como provados).
Trata-se de um crime específico por pressupor uma determinada relação entre os sujeitos activo e passivo.
Pode ser um crime habitual, caso a sua prática seja reiterada no tempo (de forma mais ou menos espaçada, dependendo das circunstâncias do caso concreto), altura em que, se assim suceder, a reiteração (que não é exigível para o preenchimento do tipo legal crime) funciona como elemento constitutivo do crime[13] (por isso o crime consuma-se com a prática do último acto que integra a actividade criminosa em causa).
No entanto, o crime em apreço também se preenche mesmo que não haja reiteração quando são infligidos maus-tratos físicos ou psíquicos.
No que aqui interessa o tipo objectivo de ilícito preenche-se com a acção de infligir “Maus-tratos físicos” (que se traduzem em ofensas à integridade física, incluindo simples, incluindo castigos corporais e mesmo ofensas sexuais) ou “Maus-tratos psíquicos” (que podem consistir em “humilhações, provocações, molestações, insultos, ameaças, mesmo que não configuradoras em si do crime de ameaça”[14]) ao cônjuge do agente.
Portanto, tendo em atenção o bem jurídico protegido (que orienta a interpretação do tipo legal aqui em causa) e o caso concreto para que ocorra a consumação do crime de violência doméstica não é necessário que a conduta do agente/arguido assuma um carácter violento, no sentido de exceder a previsão de outros tipos penais.
Agrava o crime a circunstância, entre outras, do agente praticar o facto no domicílio comum, que é o que interessa a este caso concreto.
A agravante, relativa à presença da menor, só existe desde a entrada em vigor da Lei 59/2007, sendo certo que então já a filha E… era maior (atingiu a maioridade em 30.6.2003).
Por isso e, porque à data da consumação do crime (Março de 2009), a filha já era maior (atingiu a maioridade em 30.6.2003) não se pode concluir (como o fez o Colectivo) que a conduta do arguido é também agravada pela circunstância da presença da menor.
O que significa que, neste caso, o crime apenas é qualificado por o agente ter praticado os factos, na sua essencialidade, no domicílio comum, enquanto o casal fez vida em comum.
A nível do tipo subjectivo de ilícito, exige-se o dolo em qualquer das suas modalidades.
Tendo em atenção os factos apurados não há dúvidas que o arguido bem sabia que a ofendida/demandante era seu cônjuge à data dos factos em questão, os quais ocorreram essencialmente no domicílio comum, na casa de morada de família.
Os factos concretos apurados ocorreram entre o início do casamento (ocorrido em 17.9.1983) até à separação de facto (que ocorreu em Março de 2009), quando a vítima, então sua mulher, saiu de casa.
Resumindo o comportamento do arguido em relação ao seu cônjuge naquele período de tempo em que viveram juntos, tendo em atenção os factos provados, temos que os seus actos, praticados dolosamente, se traduziram em:
- no interior da casa que habitavam em comum, agredir verbalmente e de forma quase diária, a mulher, insultando-a, chamando-lhe “puta, filha da puta, puta que pariu, caralho, és uma filha da puta, vais com os teus amantes”;
- sem que houvesse motivo, desferia na mulher frequentemente socos e pontapés e arremessava-lhe com objectos que tivesse à mão, tais como vasos e pratos;
- costumava, também, sem motivo que o justificasse, para além do de humilhar e amedrontar a mulher, dirigir-lhe expressões tais como que tinha amantes e que a matava;
- em casa, na sequência de discussões que encetava com a mulher, partia mobílias, rasgava roupas e documentos pessoais (daí podendo deduzir-se que criava um ambiente em casa que necessariamente tinha de amedrontar a mulher, tendo em atenção igualmente tudo o mais que se apurou);
- dizia à mulher que se fizesse queixa dele, quando chegasse a casa ainda levava mais, se não a matasse, usando muitas vezes a expressão “livra-te de fazer queixa”;
- por várias vezes ameaçou a mulher com facas e outros objectos cortantes, chegando a levar uma faca para o quarto do casal, quando iam dormir, a qual deixava ficar pousada na mesa de cabeceira e, em data não apurada, até chegou a espetar na parede do quarto do casal uma faca, que aí ficou durante toda a noite até ao dia seguinte;
- ainda em data não apurada, no interior da casa de ambos, na sequência de mais uma discussão, derramou sobre o corpo da mulher uma substância líquida e quente, o que lhe provocou uma queimadura, tendo aquela se ausentado de imediato de casa, com medo do que o arguido lhe faria a seguir;
- em data não concretamente apurada, quando a ofendida/demandante passou a dormir com a filha E… no quarto do casal, enquanto o arguido passou a dormir no quarto da filha, numa dada ocasião, cuja data não foi possível apurar, entrou no quarto onde as duas (mulher e filha) estavam a dormir e atirou para cima da cama delas, candeeiros e jarras, apenas tendo parado quando a filha o conseguiu manietar;
- igualmente em data que não foi possível determinar, o arguido atirou a mulher abaixo de uma cadeira;
- ainda em 1998, em data não concretamente apurada, quando seguiam os 3 (arguido, mulher e filha) de carro, para Lisboa, na EN ., na sequência de mais uma discussão, o arguido entrou na faixa de rodagem correspondente ao sentido contrário àquele em que circulava, por onde ainda circulou durante alguns metros, ao mesmo tempo que dizia à mulher “parece que queres morrer hoje”.
Ora, perante todos esses factos concretos apurados (apesar de não ter sido possível concretizar melhor espacio-temporalmente cada um desses episódios), não há dúvidas que os mesmos são suficientes e idóneos para se poder concluir que, todo esse sucessivo e repetido comportamento do arguido (portanto considerado não só individual como globalmente) em relação à então sua mulher, integra os conceitos de “maus-tratos físicos” e de “maus-tratos psíquicos”, tendo em atenção o bem jurídico protegido no crime de violência doméstica.
Todos esses episódios e actos, praticados dolosamente pelo arguido contra a ofendida/demandante (então sua mulher), na sua maioria, como se viu, no domicílio comum, eram humilhantes e rebaixavam quem fosse vítima deles, ofendendo a dignidade de qualquer pessoa, como sucedeu neste caso com a ofendida/demandante.
A descrita conduta do arguido assumiu um modo especialmente desvalioso e, por isso, penalmente censurável tendo em atenção o tipo legal em questão (crime de violência doméstica) e o bem jurídico protegido.
Não há, por isso, quaisquer dúvidas que toda a descrita conduta dolosa do arguido integra os pressupostos objectivos e subjectivos do crime pelo qual foi condenado (de notar que não se apuraram quaisquer factos que de alguma forma pudessem integrar causa de exclusão da ilicitude, da culpa ou da punibilidade do agente).
Em conclusão: relativamente ao então seu cônjuge, o arguido cometeu, em autoria material, um crime de violência doméstica p. e p. no art. 152º, nº 1, al. a) e nº 2 (prática do facto no domicílio comum) do CP, na versão da Lei nº 59/2007, de 4.9.
Do exposto resulta, como já acima foi adiantado, que ao contrário do Colectivo, entendemos que apenas se verifica uma circunstância qualificativa do crime (que é a da prática do facto no domicílio comum) e não duas (excluímos, portanto, a dos factos serem praticados até 30.6.2003 na presença de menor, uma vez que nessa altura, em 2003, a referida “presença de menor” ainda não era considerada agravante), mantendo-se, de qualquer modo, a moldura abstracta de pena de prisão de 2 a 5 anos.
A idoneidade e suficiência dos factos apurados também se verifica no que se refere à conduta praticada pelo arguido em relação à sua filha, no período aqui em causa, mais concretamente a partir dos seus 5/6 anos até perfazer os 18 anos, o que sucedeu em 30.6.2003.
Como decorre do que já acima foi exposto, também no crime de “maus tratos e infracção de regras de segurança” p. e p. à data dos factos no art. 152º, nº 1, al. a), do CP na versão então vigente dada pela Lei nº 7/2000, de 27.5 e actualmente designado simplesmente de “crime de maus tratos” p. e p. no art. 152º-A, nº 1, al. a), do CP na versão actual (mantém-se a versão da Lei nº 59/2007, de 4.9, com a Declaração de Rectificação nº 102/2007, de 31.10), está em causa a protecção da pessoa individual, da sua dignidade, nos termos acima indicados, tendo aqui em atenção as características do sujeito passivo (neste caso particular, considerando o período temporal em que os factos ocorreram, cometidos contra a sua filha menor a partir dos seus 5/6 anos até aos 18 anos e a multiplicidade de actos dados como provados).
Trata-se de um crime específico por pressupor uma determinada relação entre os sujeitos activo e passivo (neste caso a filha do arguido e mulher que vivia com eles, a cargo deles, na sua dependência e responsabilidade).
Igualmente aqui, neste caso concreto, estamos perante um crime habitual, cuja prática foi reiterado no tempo, funcionando a reiteração como elemento constitutivo do crime em qualquer dos regimes que se sucederam no tempo (não obstante, actualmente, desde a entrada em vigor da Lei nº 59/2007, o crime em apreço também se preencher mesmo que não haja reiteração quando são infligidos maus-tratos físicos ou psíquicos, questão essa que, contudo, aqui não está em causa).
No que aqui interessa o tipo objectivo de ilícito preenche-se (em qualquer dos regimes de punição, que nesse aspecto como já se viu, se mantém) com a acção de infligir “Maus-tratos físicos” ou “Maus-tratos psíquicos”, entendidos estes, no que interessa ao caso concreto, da mesma forma que acima foi adiantada quanto ao crime de violência doméstica em que foi vítima o cônjuge do arguido.
No caso concreto, em qualquer dos regimes de punição, visto o bem jurídico protegido (que orienta a interpretação do tipo legal aqui em causa), também para a consumação do crime não é necessário que a conduta do agente/arguido assuma um carácter violento, no sentido de exceder a previsão de outros tipos penais.
A nível do tipo subjectivo de ilícito, exige-se o dolo em qualquer das suas modalidades.
Note-se que, tudo o que acima se referiu aplica-se em qualquer dos regimes de punição.
Tendo em atenção os factos apurados não há dúvidas que o arguido bem sabia que a ofendida E… era sua filha, vivia a seu (e da mulher) cargo e dependência, era menor até atingir a maioridade.
Os factos concretos apurados que aqui interessam ocorreram a partir dos 5/6 anos da filha E… até a mesma perfazer os 18 anos, o que sucedeu em 30.6.2003.
Resumindo o comportamento do arguido em relação à sua filha naquele período de tempo em que viveram juntos e o arguido tinha igualmente responsabilidade pela sua educação, tendo em atenção os factos provados e o período de tempo aqui em questão (a partir dos 5/6 anos da filha E… até a mesma perfazer os 18 anos, o que sucedeu em 30.6.2003), temos que os seus actos, praticados dolosamente, se traduziram em:
- frequentemente agredir fisicamente, desferindo-lhe bofetadas, a filha E… a partir dos 5/6 anos de idade desta até perfazer os 18 anos e insultando-a chamando-a de “puta” e “filha da puta”;
- à medida que a filha crescia e se insurgia mais contra o pai, nomeadamente intervindo em defesa da mãe, aquele (o arguido) cada vez lhe batia mais e mais frequentemente (percebendo-se da articulação dos pontos 35 e 36 dados como provados que lhe batia desferindo-lhe bofetadas);
- apesar de saber que a filha, enquanto menor, assistia às agressões que o arguido infligia ao seu cônjuge (mãe daquela) o arguido não se coibia de manter aquele seu comportamento agressivo em relação ao cônjuge mesmo à frente da filha menor, chegando mesmo a dizer-lhe, quando ela tinha 5 anos, que o que vira e ouvira dentro de casa não podia contar a ninguém, nem à sua melhor amiga;
- também não se sentiu inibido de em 1998, naquela altura em que foram os 3 para Lisboa, ter o comportamento acima descrito em relação à mulher, sabendo que a filha então menor (nascida em 30.6.1985) também os acompanhava (o que igualmente mostra, aliado aos demais factos apurados, o mau ambiente que o arguido criava em casa, não se preocupando com o bem estar psíquico da filha que estava a crescer);
- igualmente a filha nunca levou por diante nenhuma queixa (mesmo quando entre os 16 anos e os 18 anos o podia fazer sozinha) por o arguido, tal como fazia com a ofendida/demandante, a ameaçar dizendo-lhe que se ela fizesse queixa não voltaria a entrar em casa com vida.
Ora, perante todos esses factos concretos apurados (apesar de não ter sido possível concretizar melhor espacio-temporalmente cada um desses episódios), não há dúvidas que os mesmos são suficientes e idóneos para se poder concluir que, todo esse sucessivo e repetido comportamento do arguido (portanto considerado não só individual como globalmente) em relação à sua filha, naquele período de tempo acima referido, integra os conceitos de “maus-tratos físicos” e de “maus-tratos psíquicos”, tendo em atenção o bem jurídico protegido no crime de maus-tratos em qualquer dos regimes de punição.
Todos esses episódios e actos, praticados dolosamente pelo arguido contra a ofendida, sua filha então menor, ofendiam a sua dignidade e colocavam em causa o seu bem estar físico e psíquico durante essa fase de crescimento.
A descrita conduta do arguido assumiu um modo especialmente desvalioso e, por isso, penalmente censurável tendo em atenção o tipo legal em questão e o bem jurídico protegido, em qualquer dos regimes de punição.
Apesar do lapso cometido pelo Colectivo, na fundamentação de direito, quando referiu indevidamente (por não constar da matéria de facto apurada) que a filha E… “por várias vezes viu ser-lhe encostada uma faca ao pescoço”, o que é certo, é que perante tudo o mais que se apurou, não há quaisquer dúvidas que toda a descrita conduta dolosa do arguido integra os pressupostos objectivos e subjectivos do crime de “maus tratos e infracção de regras de segurança” p. e p. à data dos factos no art. 152º, nº 1, al. a), do CP na versão então vigente dada pela Lei nº 7/2000, de 27.5 e actualmente designado simplesmente de “crime de maus tratos” p. e p. no art. 152º-A, nº 1, al. a), do CP na versão actual (mantém-se a versão da Lei nº 59/2007, de 4.9, com a Declaração de Rectificação nº 102/2007, de 31.10).
2. Quanto ao crime de detenção de arma proibida, defende o recorrente que atenta a justificação que apresentou (tinha na sua posse aquele espeto para retirar pregos dos pneus do camião), o que se provou nos pontos 54, 56, e 57 e ainda que não se provou que o dito “espeto” tivesse sido alguma vez utilizado como instrumento de agressão, não podia o tribunal concluir pelo preenchimento do crime pelo qual foi condenado p. e p. no art. 86º/1 d)[15], com referência à alínea m) do art. 2º/1 da Lei nº 5/2006, de 23/02.
Não tendo a versão do arguido convencido o tribunal, apenas se pode atender aos factos dados como provados.
Desses factos apurados não resulta a existência de qualquer justificação para o arguido possuir em 4.8.2011, no interior do veículo que conduzia, debaixo do banco do condutor, o objecto artesanal contundente, tipo espeto em metal, com cerca de 30 cm de comprimento, dos quais 17,5 cm de cabo e 12,5 cm de espeto, com a ponta pontiaguda, que lhe foi apreendido por guardas da GNR.
Perante as características daquele objecto artesanal contundente e o disposto no art. 2, nº 1, al. m), da Lei nº 5/2006, de 23.2, na versão então vigente, que nesse aspecto se mantém a mesma actualmente (apesar das alterações entretanto introduzidas - após a republicação pela Lei nº 12/2011, de 27.4, aqui aplicável - através da Lei nº 50/2013, de 24.7[16]), não há dúvidas que o arguido possuía, nas circunstâncias apuradas, uma arma branca.
Acresce que, aquela arma branca, tipo espeto em metal, com cerca de 30 cm de comprimento, dos quais 17,5 cm de cabo e 12,5 cm de espeto, com a ponta pontiaguda, não tinha aplicação definida, o que é evidenciado pela sua particular perigosidade (desde logo atenta as características da lâmina e sua extensão e forma como pode ser empunhada, visto o cabo que tinha), bem como pela circunstância de não ser de uso comum, nem ter uma utilização conhecida (tratando-se inclusivamente de objecto artesanal contundente, tipo espeto em metal, o que também realça que não tinha aplicação definida)[17].
Para além de ausência de aplicação definida, é também manifesta a sua capacidade para ser usada como arma de agressão, o que era do conhecimento do arguido que, também sabia das características daquele espeto em metal que possuía, o qual não tinha outra utilidade que não fosse a de ser usada como instrumento de agressão, bem sabendo que o não podia usar ou deter, por se tratar de arma proibida (ver pontos 40 e 43 dos factos provados).
Note-se que, ao contrário do que alega o recorrente, não era necessário que se provasse que aquele espeto tinha sido utilizado como instrumento de agressão.
Nesse aspecto a lei é clara quando apenas refere que “possam ser usados como arma de agressão”, o que não exige que tivessem sido utilizadas para agredir.
Portanto, perante os factos dados como provados (para além de não se colocar a questão do arguido ter incorrido em erro sobre a factualidade típica, por exp., acerca da qualidade da arma ou sobre a ilicitude da sua conduta[18]), dos quais resulta que o arguido dolosamente possuía aquela arma branca sem aplicação definida, que podia ser usada como arma de agressão, não tendo justificação para a sua posse, podemos concluir que estão preenchidos os pressupostos do crime de detenção de arma proibida pelo qual foi condenado.
3. Relativamente ao crime de violação de domicílio, entende o recorrente que não se verifica por o dever de coabitação ainda não ter cessado (visto que em 31.3.2011 ainda não estavam divorciados), para além de que sempre tinha agido em estado de necessidade (art. 34º do CP), convencido que tinha o direito de dormir naquela residência (ainda que fosse propriedade da ofendida/demandante) por ser a casa de morada de família, o que justificava a sua entrada, quando é certo que a filha recusou inesperadamente essa entrada sem lhe dar conhecimento.
Pois bem.
Como diz Costa Andrade[19], no crime de violação de domicílio p. e p. no art. 190º do CP “o bem jurídico é a privacidade/intimidade. Que só é protegida face a agressões qualificadas pela exigência de violação de uma esfera pessoal espacialmente limitada e fisicamente assegurada: a habitação. E isto num duplo e complementar sentido. Em primeiro lugar, a factualidade típica esgota-se na entrada ou permanência arbitrárias, não pressupondo a perturbação ou a frustração dos interesses em geral levadas à conta da função social do domicílio (…) Em segundo lugar, avulta a atipicidade das agressões ou perturbações que não se reconduzam à entrada ou permanência não consentidas.”
No que interessa ao presente caso, a acção típica tanto pode consistir na entrada na habitação de outra pessoa sem o consentimento desta, como em permanecer na habitação depois de intimado a retirar-se.
A noção de habitação é normalmente identificada como o “espaço fisicamente fechado (de forma estereotipada: quatro paredes e um telhado) efectivamente reservadas ao alojamento (permanência, descanso, convívio, alimentação, pernoita) de uma ou várias pessoas, nomeadamente de uma família. (…) Não serão habitação as casas fechadas e vazias, v.g. as casas em construção ou acabadas de construir mas ainda não efectivamente ocupadas.[20]”
Assinala ainda Costa Andrade[21] que “O portador do bem jurídico (sc., o titular do Hausrecht) é aquele a que assiste o domínio e disposição sobre o espaço da habitação, seja qual for o seu fundamento jurídico: um direito real, uma relação obrigacional ou uma situação de direito público. Decisivo é apenas que aquela posição tenha sido adquirida de forma conforme ao direito. Não detém, por isso, Hausrecht aquele que de forma arbitrária (v.g., através de ocupação ilegal) toma posse do espaço. O direito Penal não protege este ocupante contra as acções do titular legítimo do espaço.”
Qualifica o crime em análise, previsto do art. 190º, nº 1, como resulta do seu nº 3, entre outras circunstâncias, ser cometido de noite ou por meio de arrombamento (neste último caso, conferir a definição de arrombamento contida no art. 202º, al. d), do CP, que é também aqui aplicável).
O tipo subjectivo admite qualquer das modalidades do dolo.
Feitas estas considerações genéricas, verificamos que resulta dos factos dados como provados o seguinte:
- quando em Março de 2009, a ofendida C…, na companhia da filha E…, saiu da casa de morada de família, sita na …, em Vila Nova de Gaia, foram as duas viver para a casa propriedade da primeira (ofendida C…, então ainda casada com o arguido no regime de comunhão de adquiridos, que havia adquirido aquele prédio por sucessão por morte do pai, estando essa aquisição registada desde 2001), sita …, Santa Maria da Feira;
- foi nessa casa sita …, Santa Maria da Feira, que as duas ofendidas (mãe e filha) passaram a viver desde Março de 2009 (altura em que saíram da casa de morada de família), local onde residiram e permaneceram até 31.3.2011, não obstante no período entre data não apurada de Janeiro de 2011 até 31.3.2011 a C… não pernoitar nessa sua casa, ao contrário da filha que ali continuou igualmente a pernoitar;
- a partir de data não apurada de Janeiro de 2011 a demandante saia dessa casa ao final do dia – para evitar contacto com o arguido, com medo dele – deixando que a filha de ambos, portadora da chave da referida casa sita …, Santa Maria da Feira, levasse o pai para lá dormir, passando ele a ali pernoitar com a filha até aquele dia 31.3.2011, data em que, a filha, em consonância com a mãe, recusou a abertura da porta, porque o arguido lhe havia telefonado previamente dizendo que, nessa noite, iria a casa das ofendidas para matar a demandante, o que não aconteceu porque a filha avisou de imediato a mãe e ambas ausentaram-se de casa nessa noite;
- a recusa da abertura da porta daquela casa sita ,,,, Santa Maria da Feira, levou o arguido, naquela noite de 31.3.2011, por volta das duas horas da madrugada, sem chave de casa, a fim de forçar a entrada, que conseguiu, a partir uma janela e a estroncar a porta de entrada, assim invadindo, sem consentimento da demandante, a residência desta, tendo permanecido desde então e até ser preso preventivamente (o que sucedeu em 16.1.2013) naquela casa, sempre sem consentimento da mesma demandante, ali pernoitando todas as noites e fazendo toda a sua vida, nomeadamente, dormia, alimentava-se, vestia-se e fazia a sua higiene pessoal;
- devido à referida actuação do arguido e enquanto a mesma durou, a ofendida/demandante e filha não puderam regressar à casa sita …, Santa Maria da Feira, ficando a primeira impedida de viver na sua própria casa.
Dos factos dados como provados podemos deduzir:
- que ao contrário do alegado pelo recorrente, a casa de morada de família, enquanto o arguido, a mulher e a filha fizeram vida em comum, era a residência sita na …, em Vila Nova de Gaia;
- que entre Março de 2009 e data não apurada de Janeiro de 2011, a ofendida/demandante e sua filha viveram na casa sita …, Santa Maria da Feira (prédio esse propriedade da C…, então ainda casada com o arguido no regime de comunhão de adquiridos, adquirido por sucessão por morte do pai, estando essa aquisição registada desde 2001), inclusivamente nela dormindo;
- que no período entre data indeterminada de Janeiro de 2011 e 31.3.2011 a ofendida/demandante viveu naquela mesma casa, apesar de nela não pernoitar, por ter medo do arguido e dali sair ao final do dia, dado ter permitido à filha, portadora da chave dessa residência onde ambas viviam, abrisse a porta ao pai (arguido) para ele ali pernoitar, continuando a filha também a ali dormir;
- que o arguido naquele período entre data indeterminada de Janeiro de 2011 e 31.3.2011 entrava nessa casa sita …, Santa Maria da Feira, por a filha (que ali continuou também a dormir) lhe facultar a entrada, para ali pernoitar;
- que mesmo nesse período em que ali pernoitou nas circunstâncias descritas, o arguido não tinha chave de casa, apenas tendo acesso ao interior daquela residência com a dita finalidade (pernoitar) por a filha lhe abrir a porta;
- que no período entre data indeterminada de Janeiro de 2011 e 31.3.2011 o arguido ali pernoitava com a filha (ou seja, não tinha acesso ao interior daquela casa sem a filha lhe abrir a porta e sem que ela também ali dormisse);
- que em 31.3.2011, o arguido telefonou à filha dizendo-lhe que, nessa noite, iria a casa das ofendidas para matar a demandante, o que não aconteceu porque a filha avisou de imediato a mãe e ambas ausentaram-se de casa nessa noite, tendo igualmente a filha, em consonância com a mãe, recusado a abertura da porta ao arguido;
- que a recusa da abertura da porta daquela casa sita …, Santa Maria da Feira, levou o arguido, naquela noite de 31.3.2011, por volta das duas horas da madrugada (sem chave de casa), a partir uma janela e a estroncar a porta de entrada, assim conseguindo ali entrar, sem consentimento da demandante, tendo invadido aquela casa, permanecendo nela desde então e até 16.1.2013, ali fazendo a sua vida, incluindo pernoitando, sempre sem consentimento da mesma demandante (actuação essa do arguido que, enquanto durou, obstou a que a ofendida/demandante e filha ali regressassem, ficando a primeira impedida de viver na sua própria casa).
Do exposto podemos concluir que portadora legítima do bem jurídico protegido no crime aqui em apreço, era a ofendida/demandante que vivia naquela casa (“espaço fisicamente fechado”), nas circunstâncias referidas, juntamente com a sua filha.
O facto de no período indicado (entre data não apurada de Janeiro de 2011 e 31.3.2011, ou seja, cerca de 3 meses) a ofendida/demandante, também proprietária da mesma casa, ali não pernoitar (por ter medo do arguido e ter consentido que a filha facultasse a entrada ao pai para com a filha ali pernoitar) não tem virtualidade bastante para, neste caso concreto, se poder dizer que aquela residência havia deixado de ser a sua habitação.
A circunstância do arguido, nesse período tempo, ali pernoitar, embora estando dependente da filha lhe abrir a porta e também ali dormir, não tem virtualidade para poder considerar-se que fazia daquela residência a sua habitação e também não lhe conferia qualquer direito a ali pernoitar, sem consentimento da ofendida/demandante e sem a filha lhe abrir a porta.
Aliás, o não ter a chave de casa já evidencia que o arguido não podia entrar (e muito menos forçar a entrada como o fez) nem invadir aquela residência sem lhe facultarem o acesso e, portanto, sem o consentimento da ofendida/demandante.
Ou seja, o arguido gozava apenas do favor de ali pernoitar nas circunstâncias dadas como provadas, o que era uma situação precária, não podendo desconhecer essa precariedade (por um lado, foi o arguido que com as suas condutas em relação à mulher e à filha, nos termos dados como provados, levou a que a ofendida/demandante tivesse de sair da casa de morada de família, juntamente com a filha, para por fim às constantes agressões verbais e físicas de que ambas eram vítimas e, por outro lado, foi o arguido que telefonou à filha a dizer que naquela noite de 31.3.2011 ia matar a ofendida/demandante, não podendo desconhecer que, dessa forma, colocava fim à aproximação que entretanto conseguira em relação à filha).
Portanto, o arguido não tinha (como aliás não podia desconhecer) qualquer direito a pernoitar naquela casa da ofendida/demandante, de ali entrar, de a invadir e lá permanecer, sem o consentimento daquela.
Atentos os motivos que levaram à recusa de abertura da porta daquela casa (telefonou à filha a dizer que nessa noite ia matar a ofendida/demandante), o arguido não podia ter expectativas de ali entrar para pernoitar (e, logicamente que o direito também não protege a ocupação que o arguido levou a cabo, introduzindo-se dolosamente naquela casa, de noite, mediante arrombamento, ali permanecendo e fazendo a sua vida até ser preso preventivamente, o que tudo fez sem o consentimento da ofendida/demandante, nem tendo sequer o acordo da filha para o efeito, assim as impedindo de ali regressarem).
É, no mínimo, incompreensível (até para o cidadão médio que estivesse no lugar do julgador) que o arguido venha invocar o dever de coabitação por então ainda não estar dissolvido o casamento, quando é certo que, como bem sabia, perante os factos dados como provados, havia violado frontal e claramente os deveres de respeito e de cooperação em relação à então sua mulher (chegando mesmo a cometer o crime de violência doméstica nos termos acima apontados).
Obviamente, como é do senso comum, quem viola os deveres de respeito e cooperação em relação ao cônjuge (arts. 1672º e 1674º do CC), como sucedeu neste caso, perante os factos dados como provados (integradores, além do mais, do crime de violência doméstica), não pode depois ter expectativa de invocando o dever de coabitação justificar a prática do crime de violação de domicilio (nem pode sequer ter a expectativa de o direito civil ou o direito penal proteger comportamentos como os aqui em causa, praticados pelo arguido).
Também não se apuraram factos que permitam concluir que o arguido, quando cometeu o crime de violação de domicílio, agiu em estado de necessidade (art. 34º do CP) ou que agiu convencido erradamente que se verificavam os pressupostos do estado de necessidade.
Da matéria de facto provada nem sequer se pode deduzir que o arguido tivesse qualquer direito ou mesmo expectativa legítima (que merecesse a protecção do direito) em pernoitar naquela casa da ofendida/demandante, sendo irrelevante o apelo que faz ao direito civil (uma vez que, neste aspecto, visto até a natureza e pressupostos do crime em causa, é manifesta a autonomia do direito penal em relação ao direito civil).
O facto de a partir de 31.3.2011 e até ser preso preventivamente, ter permanecido na dita casa sita …, Santa Maria da Feira, no circunstancialismo dado como provado, não significa que o arguido ali vivesse também mesmo antes de 31.3.2011, nem infirma o mais que acima se referiu.
Dos factos dados como provados também não resulta que o arguido «se viu sem “tecto”, sem local para dormir» (isso também não se pode extrair do teor do ponto 62 dado como provado, onde se refere que em meio livre não tem habitação própria, o que como é claro não o impedia de arrendar casa ou local para viver, tanto mais que antes de preso preventivamente trabalhava).
Ou seja, se é certo que o arguido chegou a beneficiar do favor de ali pernoitar entre Janeiro de 2011 até 31.3.2011, a verdade é que isso (como até é do senso comum para o cidadão médio) não lhe conferia qualquer direito de (quando lhe foi vedada a entrada, mesmo sem a filha lhe ter dado conhecimento prévio, por previamente lhe ter telefonado a dizer que nessa noite ia matar a ofendida/demandante) ali entrar sem o consentimento da ofendida/demandante, durante a noite e mediante arrombamento, como o fez, chegando mesmo a ali permanecer e a instalar-se, da forma referida nos factos dados como provados, assim impedindo aquela, bem como a filha que com ela vivia, de ali regressarem.
Em conclusão, a conduta dolosa do arguido, integra todos os pressupostos do crime de violação de domicílio p. e p. no art. 190º, nº 1 e nº 3, do CP, pelo qual foi condenado.
4. Assim, ressalvado o acima decidido (tendo ficado igualmente prejudicado o conhecimento do alegado erro de direito quanto ao crime de dano) - sendo certo que quanto aos crimes que subsistem, perante os factos dados como provados, não há qualquer causa que excluía a ilicitude ou culpa do arguido - no mais, improcede a argumentação do recorrente.
3ª Questão
Importa, agora, ponderar se são excessivas as penas, individuais e única, em que o recorrente foi condenado, tendo em atenção que não subsiste a condenação (pena individual de 10 meses de prisão) quanto ao crime de dano (e, portanto, quanto a esse crime de dano, fica prejudicado o conhecimento dos argumentos que invoca).
Em resumo, alega o recorrente, por um lado, que o tribunal devia ter optado pela moldura penal alternativa da pena de multa quanto aos crimes de detenção de arma proibida e de violação de domicílio, não podendo recorrer a considerações relativas à culpa para dar preferência à alternativa da pena de prisão e, por outro lado, que as penas individuais que lhe foram aplicadas são excessivas e inadequadas por ultrapassarem a medida da sua culpa e por não terem atendido a todo o circunstancialismo atenuativo apurado, concluindo que a pena única não pode ser superior a 3 anos, devendo a que lhe vier a ser concretamente aplicada ser suspensa na sua execução.
Vejamos.
Como sabido, as finalidades da pena são, nos termos do artigo 40º do Código Penal, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade[22].
Na determinação da pena, o juiz começa por determinar a moldura penal abstracta e, dentro dessa moldura, determina depois a medida concreta da pena que vai aplicar, para, de seguida, escolher a espécie da pena que efectivamente deve ser cumprida[23].
No que respeita à escolha da espécie das penas alternativas abstractas previstas para os crimes em questão (alternativa da pena de prisão ou da pena de multa) o tribunal apenas pode utilizar o critério da prevenção, como determina o art. 70º do CP.
Com efeito, ao momento da escolha da pena alternativa são alheias considerações relativas à culpa. Esta (a culpa) apenas funciona como limite (e não como fundamento) no momento da determinação da medida concreta da pena já escolhida[24].
Por sua vez, nos termos do artigo 71º, nºs 1 e 2, do Código Penal, a determinação da medida da pena, dentro dos limites fixados na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo-se, em cada caso concreto, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a seu favor ou contra ele.
Diz Figueiredo Dias[25], que “só finalidades relativas de prevenção, geral e especial, não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reacções específicas. (...) Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de reintegração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida.”
Mais à frente[26], esclarece que “culpa e prevenção são os dois termos do binómio com o auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena em sentido estrito”.
Acrescenta, também, o mesmo Autor[27] que, “tomando como base a ideia de prevenção geral positiva como fundamento de aplicação da pena, a institucionalidade desta reflecte-se ainda na capacidade para abranger, sem contradição, o essencial do pensamento da prevenção especial, maxime da prevenção especial de socialização. Esta (…) não mais pode conceber-se como socialização «forçada», mas tem de surgir como dever estadual de proporcionar ao delinquente as melhores condições possíveis para alcançar voluntariamente a sua própria socialização (ou a sua própria metanoia); o que, de resto, supõe que seja feito o possível para que a pena seja «aceite» pelo seu destinatário - o que, por seu turno, só será viável se a pena for uma pena suportada pela culpa pessoal e, nesta acepção, um pena «justa». (…) A pena orientada pela prevenção geral positiva, se tem como máximo possível o limite determinado pela culpa, tem como mínimo possível o limite comunitariamente indispensável de tutela da ordem jurídica. É dentro destes limites que podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial - nomeadamente de prevenção especial de socialização - os quais, deste modo, acabarão por fornecer, em último termo, a medida da pena. (…) E é ainda, em último termo, uma certa concepção sobre a ordem de legitimação e a função da intervenção penal que torna tudo isto possível: parte-se da função de tutela de bens jurídicos; atinge-se uma pena cuja aplicação é feita em nome da estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada; limita-se em seguida esta função pela culpa pessoal do agente; para se procurar atingir a socialização do delinquente como forma de excelência de realizar eficazmente a protecção dos bens jurídicos”.
Uma vez determinada a pena concreta, em caso de concurso efectivo de crimes, resulta do disposto no art. 77º do CP que existe um regime especial de punição, que consiste na condenação final numa única pena, considerando-se, “na medida da pena, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.
A justificação para este regime especial de punição radica nas finalidades da pena, exigindo uma ponderação da culpa e das razões de prevenção (prevenção geral positiva e prevenção especial), no conjunto dos factos incluídos no concurso, tendo presente a personalidade do agente[28].
Determinada a pena única, sendo aplicada pena de prisão, consoante o seu quantum, impõe-se ao tribunal apurar se é caso de a substituir por uma pena não detentiva ou por uma pena detentiva prevista na lei.
Com efeito, as penas de substituição “podendo substituir qualquer uma das penas principais concretamente determinadas (…) se não são, em sentido estrito, penas principais (porque o legislador não as previu expressamente nos tipos de crime) …[são] penas que são aplicadas e executadas em vez de uma pena principal (penas de substituição)”[29].
Como diz Jorge Figueiredo Dias, as penas de substituição radicam “tanto histórica como teleologicamente, no (…) movimento político-criminal de luta contra a aplicação de penas privativas de liberdade”[30].
Considerações relativas à culpa não podem ser ponderadas para justificar a não aplicação de uma pena de substituição[31].
Para ponderar se é caso de aplicar a suspensão da execução da pena de prisão (o que implica que a pena de prisão, embora efectivamente pronunciada pelo tribunal, não chega a ser cumprida, por se entender que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para realizar as finalidades da punição), o tribunal deverá efectuar um juízo de prognose favorável em relação ao arguido, tendo em atenção a sua personalidade, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste (art. 50º, nº 1, do CP).
Sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos, o julgador tem o dever (trata-se de um poder-dever vinculado) de suspender a execução da pena de prisão, suspensão essa que, como pena autónoma é uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico[32], devendo ser ponderada no momento da decisão.
Este juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido, terá de assentar numa expectativa razoável de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Portanto, tem o tribunal igualmente de ponderar se essa medida de substituição da pena de prisão é ou não suportada comunitariamente, isto é, se satisfaz ou não aquele limiar mínimo da prevenção geral da defesa do ordenamento jurídico.
Assim.
No âmbito das molduras penais previstas para o crime de violência doméstica (pena de prisão entre 2 anos e 5 anos), para o crime de maus tratos (que em qualquer dos regimes de punição é de pena de prisão entre 1 ano e 5 anos), para o crime de detenção de arma proibida (pena de prisão entre 1 mês e 4 anos ou pena de multa entre 10 dias e 480 dias) e para o crime de violação de domicílio (pena de prisão entre 1 mês e 3 anos ou pena de multa entre 10 dias e 360 dias), o tribunal da 1ª instância, pelas razões que explicou, entendeu dar preferência à alternativa da pena de prisão quanto aos crimes que admitiam também a alternativa da pena de multa (ou seja, quanto aos crimes de detenção de arma proibida e de violação de domicílio subsistentes) e, ponderadas as agravantes e atenuantes, condenou o arguido respectivamente nas penas individuais de 3 anos e 6 meses de prisão (pelo crime de violência doméstica), de 2 anos de prisão (pelo crime de maus tratos), de 8 meses de prisão (pelo crime de detenção de arma proibida) e de 10 meses de prisão (pelo crime de violação de domicílio) e, em cúmulo jurídico (atendendo a uma visão conjunta de todos os factos, ponderando os factores que indicou), condenou-o na pena única de 5 anos e 6 meses de prisão.
Pois bem.
Invocando acrescidas exigências de prevenção geral positiva e negativa e simultaneamente referindo-se à postura altamente censurável do arguido, o Colectivo entendeu dar preferência à alternativa da pena de prisão quanto aos crimes de detenção de arma proibida e de violação de domicílio.
No domínio da 1ª operação, quanto à escolha da espécie das penas alternativas abstractas previstas em relação aos crimes de detenção de arma proibida e de violação de domicílio, havia que ponderar se a alternativa da moldura da pena principal de multa devia ou não preferir em relação à moldura da pena de prisão.
Considerando as prementes razões de prevenção geral positiva e de prevenção especial, reveladas pelos factos assentes neste caso concreto, compreende-se o afastamento, em relação aos referidos crimes, da alternativa da moldura da pena principal de multa e preferência manifestada pela moldura da pena principal de prisão.
De facto, atentas as particularidades do caso concreto ressaltam prementes razões de prevenção geral positiva (suficiente advertência) e mesmo de prevenção especial (carência de socialização do arguido), mostrando-se mais conveniente e adequada às finalidades da punição a opção pela moldura abstracta da pena de prisão em detrimento da alternativa da pena de multa.
Importando restabelecer a confiança na validade das normas violadas (“reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida”) e promover a ressocialização do arguido (o que se prende com razões de prevenção especial e com a sua carência de socialização) no caso em análise (quanto aos crimes de detenção de arma proibida e de violação de domicílio) as mesmas não se satisfazem apenas com a pena de multa (desde logo, tendo em atenção por um lado a necessidade de uma eficaz protecção e tutela dos bens jurídicos violados e, por outro, a própria reinserção social do arguido, não obstante a sua idade – nasceu em 24.5.1950, segundo consta da sua identificação no acórdão – não ter antecedentes criminais e trabalhar antes de ser preso preventivamente, o que não tem relevo especial por ser o que é de esperar de qualquer cidadão[33]).
As elevadas razões de prevenção (prevenção geral positiva e prevenção especial) impõem a preferência pela moldura abstracta da pena de prisão, quanto aos crimes de detenção de arma proibida e de violação de domicílio, apesar de se poder contestar (como o faz o recorrente) parte da argumentação da 1ª instância (v.g. quando apela ao contexto em que o arguido actuou, postura altamente censurável porque integrado num universo de violência e intimidação de perfil reiterado), dada a sua ambiguidade, parecendo que faz apelo a considerações relativa à culpa, as quais neste momento (de escolha das penas alternativas abstractas) não podem ser atendidas.
Passando, agora, à 2ª operação, impunha-se ao tribunal da 1ª instância fundamentar de modo concreto o quantum da pena a aplicar por cada um dos acima referidos crimes cometidos pelo arguido.
Assim, importa considerar que o arguido agiu com dolo directo, a forma mais intensa do dolo.
É elevada a ilicitude dos factos quanto aos crimes cometidos subsistentes, tendo em atenção o seu modo de execução (que é grave em relação a qualquer um deles) e período de tempo em que os cometeu particularmente nos crimes de violência doméstica[34], maus tratos e violação de domicílio.
Por outro lado, embora tendo como limite a medida da sua culpa, atender-se-á à necessidade de prevenir a prática de futuros crimes, sendo certo que não tem antecedentes criminais.
São elevadas as razões de prevenção geral (necessidade de restabelecer a confiança na validade da norma penal violada) e de prevenção especial (carência de socialização, revelada pela personalidade que tem), atenta a gravidade de cada um dos crimes cometidos.
Ainda, considerando a matéria de facto provada, haverá que atender às condições de vida do arguido, quer à data da prática dos diferentes crimes aqui em apreço, quer antes, quer depois, o que tudo analisado revela que tinha hábitos de trabalho, o que significa que estava inserido profissionalmente, apresentando alguma sensibilidade positiva à pena a aplicar.
Haverá ainda que ponderar as características da personalidade do arguido, que revela adequação aos factos cometidos e dificuldades em interagir com os outros, particularmente, no que aqui interessa, a nível familiar, com a sua ex-mulher e com a filha (não obstante quanto a esta ter havido um período de tempo de aproximação, particularmente entre data indeterminada de Janeiro de 2011 e 31.3.2011, logo quebrado por aquele telefonema que lhe fez a dizer que ia matar a mãe dela naquela noite de 31.3.2011).
A idade do arguido (que nasceu, como já referido, em 24.5.1950) à data dos factos e mesmo actualmente não se pode classificar como sendo a correspondente a “uma pessoa de avançada idade”, como alega o recorrente.
De resto, é de esperar que pessoas com a idade do arguido tenham hábitos de trabalho, o que significa inserção profissional e não tenham antecedentes criminais (daí que não se possam atribuir a essas circunstâncias o valor que o recorrente lhes pretende dar).
Tudo ponderado, considerando a gravidade dos factos apurados (especialmente em relação aos crimes de violência doméstica, maus tratos e violação de domicílio) e tendo em atenção o limite máximo consentido pelo grau de culpa do arguido, atentos os princípios político-criminais da necessidade e da proporcionalidade, julgam-se adequadas e ajustadas as penas aplicadas pela 1ª instância, a saber:
- para o crime de violência doméstica, a pena de prisão de 3 anos e 6 meses;
- para o crime de maus tratos (em qualquer dos regimes de punição, uma vez que a moldura penal abstracta é a mesma), a pena de prisão de 2 anos;
- para o crime de detenção de arma proibida, a pena de prisão de 8 meses; e,
- para o crime de violação de domicílio, a pena de prisão de 10 meses.
Do exposto resulta que se entende que a 1ª instância, para além de ter atendido a todo o circunstancialismo atenuativo apurado, não ultrapassou o limite máximo consentido pelo grau de culpa do arguido.
Impõe-se, agora, como 3ª operação a realizar, proceder a cúmulo jurídico das 4 penas individuais aplicadas, nos termos do art. 77º do CP revisto.
Resulta do art. 77º do CP que, em caso de concurso efectivo de crimes, existe um regime especial de punição, que consiste na condenação final numa única pena, considerando-se, “na medida da pena, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.
A pena aplicável (a moldura abstracta do concurso de penas) tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos crimes em concurso (ou seja, 7 anos de prisão = 3 anos e 6 meses + 2 anos + 8 meses + 10 meses) e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos crimes subsistentes em concurso (ou seja, 3 anos e 6 meses de prisão).
Na determinação da pena única a aplicar, há que fazer uma nova reflexão sobre os factos em conjunto com a personalidade do arguido, pois só dessa forma se abandonará um caminho puramente aritmético da medida da pena para se procurar antes adequá-la à personalidade unitária que nos factos se revelou.
Esta pena única é o resultado da aplicação dos “critérios especiais” estabelecidos no mesmo art. 77º, nº 2 – tendo em atenção os limites consignados no seu nº 3 – não esquecendo, ainda, os “critérios gerais” do art. 71º do CP[35] em relação ao ilícito global.
Assim, atendendo aos respectivos factos no conjunto (conexão entre os crimes cometidos e gravidade do ilícito global) e à sua personalidade (que evidencia tendência criminosa para o tipo de crimes cometidos, dadas as suas dificuldades em interagir ao nível de relações que exigem maior nível de intimidade, como as familiares, tendo dificuldades na gestão emocional e do seu comportamento, tendência a manter relações de domínio sobre os outros e baixa tolerância à frustração, podendo em situações de contrariedade surgir reacções desajustadas), bem como não esquecendo, relativamente ao ilícito global, quer as exigências de prevenção geral e especial, quer as condições de vida do arguido (à data dos factos aqui em apreço, e mesmo antes e depois), a sua idade e efeito previsível da pena sobre o seu comportamento futuro, julga-se ajustada e adequada a pena única de 5 (cinco) anos de prisão.
Na perspectiva do direito penal preventivo, as penas, individuais subsistentes e a única, aqui aplicadas mostram-se adequadas, equilibradas e proporcionadas em relação à gravidade dos factos cometidos.
Apesar de, perante a pena única de 5 anos prisão aplicada, ser admissível a suspensão da sua execução (art. 50º do CP), ainda que com regime de prova obrigatório (art. 53º, nº 3, do CP), sempre se dirá, agora já no âmbito da 4ª operação a realizar, que razões de prevenção especial e de prevenção geral impõem o seu cumprimento efectivo.
Atenta a personalidade do arguido, adequada aos factos que cometeu, mesmo considerando a sua idade, podemos dizer que o mesmo revela indiferença pelos bens jurídicos que violou, não se vislumbrando dos factos apurados (apesar de ter hábitos de trabalho, estar inserido profissionalmente e não ter antecedentes criminais) a possibilidade de formular um juízo de prognose favorável no sentido de conseguir alcançar a sua socialização em liberdade.
As condições de vida do arguido (quer à data em que cometeu os crimes aqui em apreço, quer antes, quer depois) também não permitem deduzir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, tanto mais que em meio livre não dispõe de suporte familiar e igualmente não demonstra qualquer empatia com as vítimas destes autos.
Não é possível concluir que será viável conseguir a ressocialização do arguido em liberdade, funcionando a condenação como uma advertência para evitar a prática de futuros crimes (v.g. de maus tratos) em relação à sua ex-mulher e à filha.
Dos factos apurados não se vê que aquela pena de substituição (suspensão da execução da pena de prisão, com regime de prova, mesmo que ainda sujeita a deveres e regras de conduta) seja suficiente para evitar que o arguido/recorrente reincida (dissuadir o agente da prática de novos crimes), uma vez que o mesmo apresenta uma personalidade adequada aos factos que cometeu.
Além disso, essa medida de substituição da pena de prisão já não é suportada comunitariamente uma vez que não satisfaz aquele limiar mínimo da prevenção geral da defesa do ordenamento jurídico (desde logo tendo em atenção os bens jurídicos violados e a necessidade de reafirmar a validade das normas violadas).
Compreende-se, por isso, que não seja possível formular um juízo de prognose favorável à suspensão da execução da pena de prisão, ainda que com regime de prova (como a própria lei impõe no art. 53º, nº 3, do CP na versão actual) e sujeita a deveres e regras de conduta.
Impõe-se, pois, o cumprimento efectivo da pena única de 5 (cinco) anos de prisão, só assim se realizando as finalidades da punição.
No mais, como resulta do acima exposto, improcede a argumentação do recorrente[36].
4ª Questão
Resta averiguar se há erro (por ser indevida e excessiva) na condenação cível, tendo presente que agora apenas está em causa a indemnização arbitrada a título de danos não patrimoniais (ficou sem efeito a condenação pelo crime de dano, por ilegitimidade do Ministério Público e, consequentemente, a indemnização arbitrada sempre tinha de ser reduzida em € 2.747,82, que é o valor dos danos patrimoniais a esse crime respeitantes).
De esclarecer que (ao contrário do que alega o recorrente), os factos concretos apurados são suficientes, tendo a “precisão” ou concretização necessária para poder ser proferida decisão sobre o pedido cível no que respeita aos danos não patrimoniais.
Argumenta o recorrente que a indemnização por danos não patrimoniais deveria ser reduzida para valor não superior a € 2.500,00, por aplicação dos critérios apontados nos arts. 496º, nº 3 e 494º do CC, que teriam sido violados pelo Colectivo, por não ter calculado a indemnização com recurso à equidade, levando em linha de conta a incidência e extensão dos danos, o grau de censurabilidade da conduta do lesante e a condição económica do lesado e do lesante, sendo certo que como se diz na fundamentação relativa à condenação civil, a sua (do arguido) situação económica “é precária e sem perspectivas de melhoria substancial no futuro.”
Vejamos então.
O pedido cível deduzido pela demandante C… contra o arguido, foi enviado por fax em 25.5.2012 (fls. 394 a 399), tendo sido pedida a indemnização total de € 23.747,82, sendo € 2.747,82 por danos patrimoniais e os restantes € 21.000,00 por danos não patrimoniais, acrescidos de juros à taxa de 4% desde a data da respectiva notificação até efectivo e integral pagamento.
O Tribunal da 1ª instância condenou o arguido a pagar à lesada, na parte que ainda subsiste a decisão sob recurso, a quantia de € 10.000,00 a título de danos não patrimoniais.
Ao contrário do alegado pelo recorrente, verificam-se todos os pressupostos do crime pelo qual foi condenado.
Também nesta matéria (tal como em relação ao enquadramento jurídico e à determinação da pena concreta) apenas se pode atender aos factos dados como provados, já considerados definitivamente fixados (sendo, por isso, irrelevante a argumentação do recorrente que não encontre apoio na decisão proferida sobre a matéria de facto).
De igual forma, pelos motivos indicados no acórdão sob recurso, mostram-se preenchidos todos os pressupostos de responsabilidade civil por facto ilícito, que sustentam a condenação relativamente à parte do pedido cível que subsiste, relacionada com a indemnização por danos não patrimoniais.
Para além disso, as considerações feitas pelo Colectivo quando arbitrou a quantia de € 10.000,00 a titulo de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pela demandante civel, não merecem censura uma vez que se mostram de acordo com os critérios da jurisprudência em casos semelhantes, tendo sido determinada em conformidade com o disposto no art. 496º, nº 3, do CC, por recurso a critérios de equidade, considerando igualmente a remissão feita para o artigo 494º do mesmo código, mostrando-se adequada à gravidade do dano, grau de culpa do agente e à situação económica do lesante e do lesado, tudo conforme a matéria de facto dada como provada.
Improcede, pois, a argumentação conclusiva do recorrente quanto a esta questão, subsistindo assim a condenação do arguido a pagar à demandante a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros), acrescida de juros à taxa legal, desde a notificação da dedução do pedido até efectivo e integral pagamento.
*
Em conclusão final: procede parcialmente, embora apenas nos termos aqui apontados, o recurso ora em apreço, alterando-se o acórdão da 1ª instância nos moldes acima assinalados.
No mais, como resulta do acima exposto, improcede o recurso do arguido.
*
III- DISPOSITIVO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em:
a)- conceder parcial provimento ao recurso do arguido B…, embora em parte por fundamento diverso, decidindo-se:
1. Por aplicação do disposto no artigo 212º, nº 1 e nº 4 do CP, conjugado com o art. 207º, alínea a), do CP, na versão vigente em 31.3.2011, hoje, desde a alteração da Lei nº 19/2013, de 21.2, correspondente à alínea a) do nº 1 do mesmo artigo 207º do CP, declarar a ilegitimidade do Ministério Público para deduzir acusação pelo crime de dano referido e, consequentemente, revogar o acórdão impugnado quanto à condenação imposta (pena individual de dez meses) por esse mesmo crime de dano e quanto à condenação no pagamento da indemnização civel, que é reduzido no valor de € 2.747,82 (dois mil setecentos e quarenta e sete euros e oitenta e dois cêntimos) relativo aos danos patrimoniais;
2. Alterar o acórdão proferido pela 1ª instância, nos moldes acima assinalados, assim condenando o mesmo arguido, em autoria material e em concurso real, pela prática de um crime de violência doméstica p. e p. no art. 152º, nº 1, al. a) e nº 2 do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, de um crime de “maus tratos e infracção de regras de segurança” p. e p. à data dos factos no art. 152º, nº 1, al. a), do CP na versão da Lei nº 7/2000, de 27.5 e, actualmente designado de “crime de maus tratos” p. e p. no art. 152º-A, nº 1, al. a), do CP na versão actual, na pena de 2 (dois) anos de prisão, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. no art. 86º, nº 1, al. d), com referência à alínea m) do nº 1, do art. 2º da Lei nº 5/2006, de 23.2, na redacção da Lei nº 12/2011, de 27.4 (ainda vigente nesta parte), na pena de 8 (oito) meses de prisão e de um crime de violação de domicílio, p. e p. no art. 190º, nº 1 e nº 3 do Código Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão e, em cúmulo jurídico, condenando-o na pena única de 5 (cinco) anos de prisão, que assim é reduzida;
3. Alterar o acórdão proferido pela 1ª instância quanto à condenação no pedido cível, nos termos acima indicados, isto é condenar o mesmo arguido a pagar à demandante cível C… a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros), acrescida de juros à taxa legal, neste momento de 4% (quatro por cento), desde a notificação da dedução do pedido e até efectivo e integral pagamento, devendo ser levado em conta, na 1ª instância, a proporção do respectivo decaimento a nível das custas cíveis.
b)- no mais negar provimento ao recurso em apreço.
c)- Sem custas.
*
(Processado em computador e revisto pela 1ª signatária. O verso das folhas encontra-se em branco – art. 94º, nº 2, do CPP)
*
Porto, 23/10/2013
Maria do Carmo Silva Dias (relatora)
Ernesto Nascimento (Adjunto)
__________________
[1] O arguido/recorrente encontra-se em prisão preventiva à ordem deste processo desde 16 de Janeiro de 2013 (fls. 586 a 588 e 628 do 2º volume).
[2] Cf., entre outros, Ac. do STJ de 19/12/1990, BMJ nº 402/232ss.
[3] Assim, entre outros, Ac. do STJ de 13/7/2005, proferido no processo nº 2122/05, relatado por Henriques Gaspar (consultado no site do ITIJ – Bases Jurídicas Documentais).
[4] Ibidem.
[5] como se diz no Ac. do TRP de 7.3.2007, proferido no processo nº0642960, relatado por Isabel Pais Martins, publicado no site do ITIJ, há “que distinguir entre as chamadas «conversas informais» mantidas pelos órgãos de polícia criminal com arguidos e suspeitos - as quais, em rigor, são processualmente inexistentes e incognoscíveis(6) - e a actividade investigatória realizada pelo mesmos órgãos de polícia criminal (as diligências probatórias realizadas e as provas obtidas) na sequência dessas «conversas», desde que autónomas delas. Os órgãos de polícia criminal, na estrita medida em que deponham sobre a actividade investigatória que realizaram, nomeadamente buscas e apreensões, ainda que levada a cabo com a colaboração ou a informação de suspeitos, não depõem sobre matérias proibidas, já que depõem, não sobre factos que lhes tenham sido transmitidos, antes, sobre o resultado da sua percepção directa, colhida durante a realização da actividade investigatória autónoma, embora sequencial. Portanto, nesta perspectiva, não se trata de depoimento indirecto, sujeito ao regime do artigo 129.º do CPP(7). Nessa estrita medida, os depoimentos dos agentes policiais constituem meio de prova processualmente válido e admissível, a valorar, como a demais prova testemunhal, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova.
[6] Aliás, como tem vindo a ser decidido por esta Relação, “o recurso da matéria de facto não se destina a postergar o princípio da livre apreciação (…) e também não pode destinar-se a substituir a convicção formada pelo tribunal recorrido, objectivamente motivada, plausível segundo as regras da lógica, da experiência da vida e do senso comum e coerente com o sentido das provas produzidas” (assim, Ac. proferido no proc. nº 4133/05-1, relatado por Guerra Banha, citando outra jurisprudência).
[7] Artigo 212º (Dano) do Código Penal
1 - Quem destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável coisa alheia, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
2 - A tentativa é punível.
3 - O procedimento criminal depende de queixa.
4 - É correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 206.º e 207.º
Artigo 207º (Acusação particular) do Código Penal na versão vigente em 31.3.2011
No caso do artigo 203º e do nº 1 do artigo 205º, o procedimento criminal depende de acusação particular se:
a) O agente for cônjuge, ascendente, descendente, adoptante, adoptado, parente ou afim até ao 2º grau da vítima, ou com ela viver em condições análogas às dos cônjuges; ou
b) A coisa furtada ou ilegitimamente apropriada for de valor diminuto e destinada a utilização imediata e indispensável à satisfação de uma necessidade do agente ou de outra pessoa mencionada na alínea a).
Artigo 207º (Acusação particular) do Código Penal na versão da Lei nº 19/2013, de 21.2
1 - No caso do artigo 203º e do nº 1 do artigo 205º, o procedimento criminal depende de acusação particular se:
a) O agente for cônjuge, ascendente, descendente, adoptante, adoptado, parente ou afim até ao 2º grau da vítima, ou com ela viver em condições análogas às dos cônjuges; ou
b) A coisa furtada ou ilegitimamente apropriada for de valor diminuto e destinada a utilização imediata e indispensável à satisfação de uma necessidade do agente ou de outra pessoa mencionada na alínea a).
2 - No caso do artigo 203.º, o procedimento criminal depende de acusação particular quando a conduta ocorrer em estabelecimento comercial, durante o período de abertura ao público, relativamente à subtracção de coisas móveis expostas de valor diminuto e desde que tenha havido recuperação imediata destas, salvo quando cometida por duas ou mais pessoas.
[8] Artigo 48º (Legitimidade) do CPP
O Ministério Público tem legitimidade para promover o processo penal, com as restrições constantes dos artigos 49º a 52º.
Artigo 49º (Legitimidade em procedimento dependente de queixa) do CPP
1 - Quando o procedimento criminal depender de queixa, do ofendido ou de outras pessoas, é necessário que essas pessoas dêem conhecimento do facto ao Ministério Público, para que este promova o processo.
2 - Para o efeito do número anterior, considera-se feita ao Ministério Público a queixa dirigida a qualquer outra entidade que tenha a obrigação legal de a transmitir àquele.
3 - A queixa pode ser apresentada pelo titular do direito respectivo, por mandatário judicial ou por mandatário munido de poderes especiais.
4 - O disposto nos números anteriores é correspondentemente aplicável aos casos em que o procedimento criminal depender da participação de qualquer autoridade.
Artigo 50º (Legitimidade em procedimento dependente de acusação particular) do CPP
1 - Quando o procedimento criminal depender de acusação particular, do ofendido ou de outras pessoas, é necessário que essas pessoas se queixem, se constituam assistentes e deduzam acusação particular.
2 - O Ministério Público procede oficiosamente a quaisquer diligências que julgar indispensáveis à descoberta da verdade e couberem na sua competência, participa em todos os actos processuais em que intervier a acusação particular, acusa conjuntamente com esta e recorre autonomamente das decisões judiciais.
3 - É correspondentemente aplicável o disposto no nº 3 do artigo anterior.
[9] Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2008, p. 112, parte final da anotação 1.
[10] Artigo 152º do Código Penal na redacção da Lei nº 7/2000:
1- Quem, tendo ao seu cuidado, à sua guarda, sob a responsabilidade da sua direcção ou educação (…) pessoa menor (…) e:
a) Lhe infligir maus tratos físicos ou psíquicos ou a tratar cruelmente; (…)
é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos, se o facto não for punível pelo artigo 144º.
Artigo 152º - A do Código Penal na versão actual:
1- Quem, tendo ao seu cuidado, à sua guarda, sob a responsabilidade da sua direcção ou educação (…) pessoa menor (…) e:
a) Lhe infligir (…), maus tratos físicos ou psíquicos (…) ou a tratar cruelmente; (…)
é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
[11] De notar que o art. 152º, nº 1, al. a) e nº 2 do CP, não sofreu alterações com a entrada em vigor da Lei nº 19/2013, de 21.2.
[12] Comentário Conimbricense do Código Penal, Volume I, Coimbra Editora, 1999, pág. 332.
[13] Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2008, p. 112, parte final da anotação 1.
[14] Taipa de Carvalho, ob. cit., p. 333.
[15] Artigo 86º (detenção de arma proibida e crime cometido com arma) do Regime Jurídico das Armas e Munições
1 - Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, importar, transferir, guardar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação, transferência ou exportação, usar ou trouxer consigo:
(…)
d) Arma da classe E, arma branca dissimulada sob a forma de outro objeto, faca de abertura automática, estilete, faca de borboleta, faca de arremesso, estrela de lançar, boxers, outras armas brancas ou engenhos ou instrumentos sem aplicação definida que possam ser usados como arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse, (…) é punido com pena de prisão até 4 anos ou com pena de multa até 480 dias.
[16] A Lei nº 50/2013 alterou os artigos 2º, 86º, 89º, 91º e 92º, mas em segmentos que não contendem com este caso concreto. Mesmo no que se refere ao art. 86º, nº 1, al. d), a alteração consistiu apenas na introdução do segmento “exceto os fogos-de-artifício de categoria 1” que não se relaciona com este caso em apreço.
[17] Ver, também, artigo 3º (Classificação das armas, munições e outros acessórios) do Regime Jurídico das Armas e Munições
(…)
2 - São armas, munições e acessórios da classe A:
(…)
d) As armas brancas ou de fogo dissimuladas sob a forma de outro objecto;
(…)
f) As armas brancas sem afectação ao exercício de quaisquer práticas venatórias, comerciais, agrícolas, industriais, florestais, domésticas ou desportivas, ou que pelo seu valor histórico ou artístico não sejam objecto de colecção;
(…)
[18] Fazemos esta referência porque, também, como não podia deixar de ser, lemos o parecer jurídico (elaborado por Ilustre Jurista, também Docente Universitária) junto aos autos pelo arguido/recorrente.
[18] Manuel da Costa Andrade, em anotação ao artigo 190º do CP, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, pp. 701 e 702.
[20] Assim, Manuel da Costa Andrade, ob. cit., pp. 702 e 703.
[21] Manuel da Costa Andrade, ob. cit., p. 703.
[22] Anabela Rodrigues, «O modelo da prevenção na determinação da medida concreta da pena», in RPCC ano 12º, fasc. 2º (Abril-Junho de 2002), 155, refere que o art. 40 CP condensa “em três proposições fundamentais, o programa político-criminal - a de que o direito penal é um direito de protecção de bens jurídicos; de que a culpa é tão só um limite da pena, mas não seu fundamento; e a de que a socialização é a finalidade de aplicação da pena”.
[23] Neste sentido, v.g. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Parte geral II, As consequências jurídicas do crime, Editorial Noticias, 1993, p.198.
[24] Anabela Rodrigues, «Pena de prisão substituída por pena de prestação de trabalho a favor da comunidade (prática de um crime de receptação dolosa) Sentença do Tribunal de Círculo da Comarca da Figueira da Foz de 29 de Maio de 1998», in RPCC ano 9º, fasc. 4º (Outubro-Dezembro de 1999), p. 644, a propósito da aplicação em alternativa de duas penas principais, esclarece que “(…) a opção pela aplicação de uma ou outra pena à disposição do tribunal não envolve um juízo, feito em função das exigências preventivas, sobre a necessidade da execução de pena de prisão efectiva – que o juiz sempre terá que demonstrar para fundamentar a aplicação da pena de prisão -, mas sim um juízo de maior ou menor conveniência ou adequação de uma das penas em relação à outra, em nome da realização das referidas finalidades preventivas.”
[25] Figueiredo Dias, ob. cit., p. 72.
[26] Figueiredo Dias, ob. cit., p. 214.
[27] Jorge Figueiredo Dias, "Sobre o estado actual da doutrina do crime”, RPCC, ano 1º, fasc. 1º (Janeiro-Março de 1991), p. 29.
[28] Neste sentido, Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, Parte Geral, III, Teoria das Penas e das Medidas de Segurança, Editorial Verbo, 1999, p. 167 e Jorge Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Parte Geral, II, As consequências jurídicas do crime, p. 291. Acrescenta este último Autor que “tudo se deve passar como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só, a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).
[29] Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, p. 91.
[30] Ibidem.
[31] Anabela Rodrigues, “A determinação da medida concreta da pena privativa de liberdade e a escolha da pena”, anotação ao Ac. do STJ de 21 de Março de 1990 (3ª secção – processo nº 40 639), in RPCC ano I, nº 2, Abril – Junho de 1991, p. 256.
[32] Neste sentido, entre outros, Ac. do STJ de 27/6/1996, in CJ 1996, II, 204.
[33] Ao contrário do que alega o recorrente, dos factos dados como provados não resulta, nem se pode deduzir que o mesmo se tivesse visto “sem tecto, sem local para dormir”, estando este Tribunal da Relação vinculado aos factos dados como provados, já declarados assentes.
[34] Para que não restem dúvidas, assinala-se que sendo o crime de violência doméstica agravado apenas por o facto ter sido cometido essencialmente no domicilio comum, a circunstância do arguido ter actuado contra a sua mulher muitas das vezes na presença da filha, mesmo quando esta era menor, também agrava, embora em termos gerais (e não nos termos previstos no art.152º, nº 2, do CP, como acima se referiu) a sua conduta.
[35] Ver Figueiredo Dias, ob. cit., p. 291.
[36] De resto, como assinalado pelo Colectivo, é evidente (tendo em atenção também o que acima já se expôs) que, mesmo em relação ao crime de maus tratos cometido na pessoa da filha, quando ela era menor a partir dos seus 5/6 anos até aos 18 anos, apesar das alterações introduzidas ao Código Penal, a moldura abstracta da pena era a mesma (quer à data dos factos, quer actualmente) e, só tendo em atenção o regime penal na versão actual, é que foi possível ponderar se era ou não viável suspender a pena única aplicada de 5 anos de prisão.