Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
6882/16.7T8PRT-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: SOUSA LAMEIRA
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
DESPESAS DE CONDOMÍNIO
LEGITIMIDADE
LOCADOR FINANCEIRO
Nº do Documento: RP201609126882/16.7T8PRT-C.P1
Data do Acordão: 09/12/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS N.º 631, FLS.386-392)
Área Temática: .
Sumário: A responsabilidade pelo pagamento das despesas de condomínio relativas a um imóvel dado em locação financeira, ainda que pertença também ao locatário financeiro, não desonera o locador/proprietário desse pagamento, pelo que este tem legitimidade para ser demandado como executado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: RECURSO de APELAÇÃO Nº 6882/16.7T8PRT-C.P1

Relator: Dr. Sousa Lameira
Adjuntos: Dr. Oliveira Abreu
Dr. António Eleutério
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I – RELATÓRIO
1- No Tribunal da Comarca do Porto, Porto – Instância Central – 1ª Secção de Execução – J5, nos presentes autos de Execução Sumária em que é Exequente “Administração do Condomínio do Prédio sito …, nº .., …. - … …, Gondomar” e Executados B…, SA e Banco C…, SA veio a Exequente interpor recurso do despacho de 10-04-2016 que, com fundamento na excepção dilatória de ilegitimidade do executado Banco C…, SA, indeferiu parcialmente o requerimento executivo, quanto ao mesmo, formulando as seguintes conclusões:
a) A questão que aqui se coloca à douta apreciação do Meritíssimo Tribunal “ad quem”, resume-se a saber se o executado “Banco C…, S.A.” é parte legítima nos presentes autos.
b) De acordo com a alínea b), do número 1, do artigo 10º, do Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de Junho constitui obrigação do locatário pagar, em caso de locação de fracção autónoma, as despesas correntes necessárias à fruição das partes comuns de edifício e aos serviços de interesse comum.
c) Por sua vez, o número 1, do artigo 1424º, do Código Civil estabelece que, salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções.
d) Uma vez que a norma do artigo 10º, número 1, alínea b) é de natureza obrigacional, i.e., vinculativa “inter – partes”, e que a norma do artigo 1424, número 1, do Código Civil é de natureza real, i.e., vinculativa “erga omnes”, as duas disposições são conciliáveis entre si.
e) No contrato de locação financeira a obrigação resultante do artigo 10º, número 1, alínea b), do DL 149/95 é inoponível aos restantes condóminos, continuando o condómino-locador a responder directamente por esse pagamento.
f) Sendo certo que efectuando esse pagamento pelo condómino locador poderá este exigir do locatário, por via de regresso, o que tiver pago.
g) As despesas do condomínio têm muito a ver com a manutenção, conservação e reparação dos imóveis e, nessa medida, o proprietário é o principal interessado em que essas despesas se realizem pelo que a Lei impõe-lhe o dever de contribuir para essas despesas.
h) Qualquer outro entendimento deixaria os restantes condóminos numa posição enfraquecida e onerada pelos efeitos de um contrato em que não intervieram e a que são totalmente alheios, já que, se não lhes fosse permitido exigir do proprietário da fracção locada as contribuições para as despesas do condomínio que por Lei lhe cabe pagar, ficariam totalmente desprotegidos da garantia de cumprimento que neste caso é assegurada pelo valor da própria fracção.
i) Consentâneo com a posição afirmada é o disposto no artigo 6º, do Decreto-Lei nº 268/94, de 25 de Outubro, segundo o qual a “acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte”.
j) De facto, neste normativo legal refere-se expressamente que a acta constitui título executivo contra o “proprietário”.
k) Por último, importa sublinhar, ainda, que a acta constitui título executivo contra todos os proprietários das fracções, independentemente de terem ou não assistido às reuniões da Assembleia de Condóminos.
Conclui pedindo que o Recurso seja julgado procedente.

2 – O Banco C…, S.A apresentou contra-alegações, não formulando conclusões mas defendendo a manutenção do decidido.
II - FACTUALIDADE PROVADA
1- O Executado “BANCO C…, S.A. – …” é proprietário das fracções autónomas designadas pelas letras G e H do prédio urbano construído em regime de propriedade horizontal sito na Rua …, nº .., ….-… … Gondomar.
2- Por contrato de locação financeira, celebrado em 11/05/2010, o Executado, BANCO C…, SA cedeu em locação financeira à Executada “B…, S.A.” aqueles imóveis.
3- No dia 05 de Fevereiro de 2016, em Assembleia de Condóminos, devidamente convocada, procedeu-se à “Apresentação e Aprovação do Relatório de Contas de 2015”, à “Apresentação do Orçamento para o ano 2016” e à apresentação, discussão e deliberação de “Outros assuntos de interesse comum”, tendo sido lavrada a Acta nº 21, apresentada como título executivo na presente acção, onde se encontram especificadas e discriminadas as quotas em atraso da responsabilidade dos Executados, no montante de EURO 199,97, vencidas em cada um dos meses do ano 2015, no valor global de EURO 2.399,64».
4- Foi proferido o despacho recorrido, que é do seguinte teor:
«No que concerne ao executado Banco C…, SA, tendo o mesmo cedido a fracção em regime de locação financeira imobiliária, com todo o respeito por diferente opinião, entendemos que a exequente não dispõe de legitimidade para o demandar, pelo que, com esse fundamento, impõe-se a prolação de indeferimento liminar parcial do requerimento executivo.
Com efeito, afigura-se-nos que, na conjugação das normas que regem o pagamento das prestações condominiais com o regime jurídico da locação financeira, a responsabilidade pelo referido pagamento deverá ser imputada apenas ao respectivo locatário.
Em conformidade com o disposto no artigo 1424º, nº 1, do Código Civil, salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções.
Da norma acabada de transcrever resulta que, em princípio, deverá o condómino proprietário de fracção autónoma de edifico constituído em propriedade horizontal suportar o pagamento das despesas e serviços de interesse comum, a não ser que exista disposição em sentido contrário.
Porém, no diploma que regula a locação financeira, publicado pelo Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de Junho, estipula-se no seu artigo 10º, nº 1, alínea b), na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 265/97, de 2 de Outubro, que são, nomeadamente, obrigações do locatário pagar, em caso de locação de fracção autónoma, as despesas correntes necessárias à fruição das partes comuns de edifício e aos serviços de interesse comum.
E assim sendo, afigura-se-nos que esta última disposição legal afasta a responsabilidade do proprietário, atribuindo-a ao locatário, a quem deverá ser exigido o respectivo pagamento.
Daí que acompanhemos integralmente o teor do douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10/07/2008 (disponível na base de dados do IGFEJ, em http://www.dgsi.pt), onde se decidiu que por via do regime regra consagrado no artigo 1424º do Código Civil é ao locatário financeiro que compete o pagamento da quota-parte devida pela fracção que ocupa, em homenagem ao preceituado no artigo 10º, nº 1, alínea b) do Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de Junho, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 265/97, de 2 de Outubro
Em face de todo o exposto, com fundamento na alegada excepção dilatória de ilegitimidade do executado Banco C…, SA, decide-se indeferir parcialmente o requerimento executivo, quanto ao mesmo, prosseguindo a execução apenas contra a executada B…, SA.».
III – DA SUBSUNÇÃO – APRECIAÇÃO
Verificados que estão os pressupostos de actuação deste tribunal, corridos os vistos, cumpre decidir.
O objecto do recurso é definido pelas conclusões da alegação do recorrente, artigo 635 do Código de Processo Civil.
Lendo as alegações de recurso bem como as conclusões formuladas pela Recorrente a única questão concreta de que cumpre conhecer é a de se saber se o executado Banco C…, SA é parte legítima na presente execução (o que se reconduz à questão de se saber de quem é a responsabilidade pelo pagamento das despesas de condomínio relativas a um imóvel dado em locação financeira)?

B) Vejamos a questão
1- O Direito
Dispõe o artigo 1424.º n.º 1 do Código Civil que «salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções».
Nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 10º do decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho são, nomeadamente, obrigações do locatário «pagar, em caso de locação de fracção autónoma, as despesas correntes necessárias à fruição das partes comuns de edifício e aos serviços de interesse comum».
Estatui ainda o n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-lei n.º 268/94, de 25 de Outubro, que «A acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte».

2- Tendo em consideração a factualidade supra descrita e os princípios jurídicos sumariamente enunciados entendemos que o recorrido/executado Banco C…, SA, enquanto proprietário da fracção autónoma dada em locação financeira é parte legítima na presente execução contra ele movida para pagamento das despesas do condomínio.
Explicitemos as razões deste entendimento.
Saber de quem é a responsabilidade pelo pagamento das despesas de condomínio relativas a um imóvel dado em locação financeira é questão que tem merecido respostas antagónicas.
A Jurisprudência e a Doutrina encontram-se divididas na resposta a dar àquela questão.
Importa fazer uma breve incursão pelas decisões dos nossos Tribunais.
Uma primeira corrente defende que a responsabilidade pelo pagamento das despesas de condomínio relativas a um imóvel dado em locação financeira pertence ao locatário.
Alinham neste sentido, entre outros, o Ac. do STJ de 02-03-2010, podendo ler-se no seu sumário «Compete ao locatário financeiro imobiliário o pagamento dos encargos relativos ao condomínio, em caso de locação financeira imobiliária de prédio constituído em regime de propriedade horizontal» (este Ac. tem voto de vencido declarando que, da imposição legal, ao locatário financeiro, da obrigação de pagar as despesas de condomínio não decorre a exoneração do proprietário dessa fracção); Ac. do STJ de 06-11-2008, constando do seu sumário «1. O n.º 1 do art. 1424º do CC não visa indicar quem responde pelas despesas do condomínio, mas apenas definir a medida em que cada um dos condóminos responde por essas despesas, estabelecendo a regra de partilha dos encargos comuns entre os condóminos.
2. O inciso legal «Salvo disposição em contrário» refere-se, pois, ao modo, à medida, à proporção da repartição dos encargos entre os condóminos: são pagos em proporção do valor das suas fracções, salvo disposição em contrário.
3. A norma do art. 10º/1.b) do Dec-lei 149/95, de 24 de Junho – diploma que estabelece o regime jurídico da locação financeira – que estabelece, entre as obrigações do locatário, a de pagar, em caso de locação de fracção autónoma, as despesas correntes necessárias à fruição das partes comuns do edifício e aos serviços de interesse comum, e a da al. e) do n.º 2 do mesmo artigo, que lhe confere o direito de exercer, na locação de fracção autónoma, os direitos próprios do locador, com excepção dos que, pela sua natureza, somente por aquele possam ser exercidos, são regras especiais que, sem contrariarem substancialmente o regime da propriedade horizontal, o adaptam a uma situação particular, cuja especificidade reclama um tratamento jurídico também especial.
4. Estas normas não têm mera eficácia obrigacional, não relevam apenas nas relações locador-locatário, antes são de aplicação universal, impondo-se a terceiros e, consequentemente, também ao condomínio.
5. A situação do locador e locatário financeiros, quando o objecto da locação financeira é uma fracção autónoma de um prédio em regime de propriedade horizontal, assume características particulares, decorrentes da própria fisionomia do contrato entre eles celebrado: o locatário não é, juridicamente, o proprietário do bem locado, mas é o “proprietário” económico desse bem, de que, por via de regra, se tornará verdadeiro dono no termo do contrato.
6. Estando uma fracção autónoma dada em locação financeira, é do locatário financeiro que o condomínio deve exigir o pagamento dos “encargos condominiais” respectivos: o estatuto do locatário financeiro é, em tudo, idêntico ao de qualquer condómino, sendo sobre ele, e não sobre o locador, que impende a responsabilidade por esse pagamento»; Ac. do STJ de 10-07-2008, em cujo sumário se lê «1. A legitimidade do executado, demandado por alegadamente ser responsável pelo pagamento das despesas comuns do condomínio, só está assegurada se na acta da assembleia do condomínio, constar o seu nome.
2. Por via do regime-regra consagrado no artigo 1424º do Código Civil é ao locatário financeiro que compete o pagamento da quota-parte devida pela fracção que ocupa, em homenagem ao preceituado no artigo 10º, nº 1, alínea b) do Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de Junho, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 265/97, de 2 de Outubro» (este Ac. tem duas declarações de voto); Ac. R. Porto de 07-04-2016 em cujo sumário se lê «Estando as fracções a que respeitam as despesas de condomínio dadas em locação financeira é o locatário financeiro o responsável pelo respectivo pagamento»; Ac. R. Porto de 29-05-2014 «Impende sobre o locatário financeiro a obrigação de pagamento ao condomínio das despesas de fracção autónoma objecto da locação», (todos os Acórdãos supra citados encontram-se disponíveis in www.dgsi.pt).
Uma segunda corrente defende que a responsabilidade pelo pagamento das despesas de condomínio relativas a um imóvel dado em locação financeira ainda que pertença também ao locatário não desonera o locador desse pagamento.
Alinham neste sentido, entre outros, o Ac. do STJ de 19-03-2002, podendo ler-se no seu sumário «Porque a imposição legal do locatário financeiro da obrigação de pagar as despesas do condomínio não exonera o proprietário da fracção autónoma, é este, parte legítima na execução movida pela administração do condomínio para obter o pagamento da respectiva quota-parte»; Ac. R. Porto de 06-05-2008 em cujo sumário se lê «1. Na locação financeira, o locatário, enquanto não se tornar dono da coisa locada, tem apenas o direito de gozo da coisa e todos os deveres que o locador lhe impõe; o titular do direito de propriedade é o locador, que conserva em si o poder de exercer sobre a coisa todos os direitos inerentes a tal qualidade, com a ressalva dos inerentes ao direito de gozo cedido ao locatário.
2. Num quadro em que a obrigação de pagar as despesas de condomínio cabe ao locatário, seja por transferência da lei (locação financeira), seja por transferência do locador (arrendamento urbano), a Assembleia de Condóminos, se lhe for comunicada a transferência dessa obrigação, pode exigir o pagamento quer ao locatário, quer ao locador; todavia, o proprietário locador só fica desonerado da dívida se e quando o locatário pagar»; Ac. R. Porto de 04-06-2001, constando do seu sumário «I - Em princípio, o pagamento dos encargos referentes à conservação e fruição das partes comuns de um prédio em regime de propriedade horizontal é da responsabilidade dos respectivos condóminos.
II - Se a fracção estiver locada e, por acordo com o senhorio, o arrendatário assumir a responsabilidade pelo referido pagamento, tal convenção é inoponível aos restantes condóminos, pelo que o pagamento só pode ser exigido do senhorio/proprietário, sem prejuízo do direito de regresso contra o locatário.
III - Isto é aplicável mesmo ao caso de o gozo da fracção se basear em contrato de locação financeira», (todos os Acórdãos supra citados encontram-se disponíveis in www.dgsi.pt).
Na Doutrina o Prof. Gravato Morais, em comentário ao Acórdão da Relação do Porto de 14.03.2006, defende claramente que o condomínio pode exigir do locador financeiro o pagamento das prestações em dívida relativas a despesas de condomínio, in Revista de Direito Privado, n.º 20 (Outubro/Dezembro de 2007), pág. 50 e ss.
No entendimento deste Ilustre Jurista o «condomínio dispõe assim de um mecanismo célere de actuação, contra o locador – não devendo este ser considerado parte ilegítima na acção executiva – e contra o locatário», op. cit. pág. 60.
Veja-se, ainda neste mesmo sentido, a tese de Mestrado de Ângela Sofia Miranda Guimarães, Da responsabilidade pelo pagamento de despesas de condomínio relativas a imóvel dado em locação financeira.
Em sentido contrário, ou seja no sentido de que o locador financeiro não é parte legítima na execução e fica desonerado do pagamento das despesas de condomínio não encontramos quem o defenda explícita e frontalmente, ainda que, por exemplo no Ac. do STJ de 02-03-2010, seja referida a posição do Professor Calvão da Silva na sua obra “Direito Bancário”, a pág. 425, acerca do art. 12º (3) da lei citada (vícios do bem locado), quando afirma «Por um lado, a vocação principal do locador é a de intermediário financeiro, de “capitalista” financiador.
Por outro lado, foi o locatário que fez a prospecção do mercado, que escolheu o equipamento destinado à sua empresa e é ele que o vai utilizar, com opção de compra findo o contrato.
Nada mais natural, portanto, do que a transferência legal para o locatário dos riscos e responsabilidades conexos ao gozo e disponibilidade material da coisa que passa a ter após a entrega, incluindo a sua manutenção e conservação (art. 10.°, nº l, als. q) e f), do Decreto-Lei nº149/95) e o risco do seu perecimento ou da sua deterioração (ainda que) imputável a força maior ou caso fortuito (art. 15.° do Decreto-Lei n.°149/95).
No fundo é co-natural ao leasing que a sociedade locadora se obrigue a adquirir e a conceder o gozo da coisa ao locatário mas se desinteresse ou exonere dos riscos e da responsabilidade relativos à sua utilização», para fundamentar a tese de que compete ao locatário financeiro imobiliário o pagamento dos encargos relativos ao condomínio, em caso de locação financeira imobiliária de prédio constituído em regime de propriedade horizontal.
Como referimos supra, entendemos que a responsabilidade pelo pagamento das despesas de condomínio relativas a um imóvel dado em locação financeira ainda que pertença também ao locatário não desonera o locador desse pagamento, sendo este parte legítima na execução.
O artigo 1424 n.º 1 do CC afirma claramente que as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções, ou seja o proprietário – que é condómino – é o responsável pelo pagamento em causa.
É certo que o preceito estipula «salvo disposição em contrário», mas isso apenas significa que é possível por exemplo as partes num contrato de arrendamento fixarem regime diverso daquele que se encontra consagrado legalmente.
Assim, é possível estipular-se num contrato de arrendamento, e isso sucede frequentemente, que as despesas de condomínio são suportadas pelo locatário. Mas isso não exonera o locador – proprietário – perante o condomínio. Importa não esquecer que o proprietário é o principal interessado em que essas despesas se realizem.
Por isso, a lei lhe impõe, em primeira mão, o dever de contribuir para essas despesas.
E não se diga que o proprietário, no caso da locação financeira não terá esse interesse pois que será o locatário o principal interessado na conservação do bem. Hoje em dia as empresas que celebram esse tipo de contratos – diga-se claramente, os bancos – são proprietários de milhares de imóveis.
Ora muitos destes contratos de locação financeira são incumpridos e os locadores – verdadeiros proprietários – retomam os imóveis e, certamente, que não os pretendem ver degradados, sob pena de perderem valor.
De igual modo o facto de a alínea b) do n.º 1 do artigo 10º do decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho estabelecer que é obrigação do locatário «pagar, em caso de locação de fracção autónoma, as despesas correntes necessárias à fruição das partes comuns de edifício e aos serviços de interesse comum» não desonera o locador financeiro desse pagamento perante o condomínio.
Esta norma não revogou o artigo 1424 n.º 1 do CC nem o seu campo de aplicação conflitua com aquele, sendo perfeitamente conciliáveis.
Trata-se de uma norma de aplicação ao regime da locação financeira, afirma que neste tipo de contratos é obrigação do locatário pagar, em caso de locação de fracção autónoma, as despesas correntes necessárias à fruição das partes comuns de edifício e aos serviços de interesse comum, mas não afirma que, perante os demais condóminos, o proprietário não esteja obrigado a esse pagamento.
Regula digamos, assim, as relações e obrigações entre as partes contratantes do contrato de locação financeira, pelo que o proprietário (locador) – em obediência ao legalmente estipulado no artigo 1424 n.º 1 do CC – efectuar o pagamento das despesas em causa, ficará com o direito de pedir esse pagamento ao locatário.
Nem vemos como se pode desonerar o locador financeiro, enquanto proprietário do imóvel desse pagamento.
Salvo o devido respeito que sempre nos merece a opinião contrária, apenas ficcionando que o locatário financeiro é o proprietário – afirmando-se que apesar de não ser proprietário jurídico é «proprietário económico», (e por isso também é condómino) é que possível imputar apenas ao locatário financeiro a responsabilidade pelo pagamento das despesas de condomínio.
Esta tese acarreta uma enorme desprotecção do condomínio e dos restantes condóminos, pois basta pensar nos casos – e não são tão pouco frequentes como se possa fazer crer – em que o locatário não só não paga as despesas de condomínio (que podem ascender a verbas elevadas) como se desinteressa do cumprimento do contrato de locação financeira (muitas vezes por manifesta impossibilidade financeira – insolvência).
Se apenas o locatário for o responsável pelo pagamento o condomínio nunca poderá penhorar o imóvel para garantir o seu crédito, uma vez que o locatário não é o proprietário jurídico da fracção. Proprietário é o locador que poderá ver a sua fracção enriquecida à custa dos demais condóminos que suportaram as despesas que ele não suportou (nem as suportou o locatário).
Em suma, entendemos que a responsabilidade pelo pagamento das despesas de condomínio relativas a um imóvel dado em locação financeira ainda que pertença também ao locatário não desonera o locador desse pagamento.
Mas não podemos deixar de ter em consideração que no caso concreto em apreço o recurso versa apenas sobre a decisão que considerou o executado Banco C…, SA parte ilegítima na execução.
E quanto a esta questão não vemos como se possa defender a decisão recorrida.
Efectivamente, como se deixou já dito estatui o n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-lei n.º 268/94, de 25 de Outubro, que «A acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte».
É a própria lei de forma clara e inequívoca que afirma que a acta da reunião de condomínio pode constituir, em certas circunstâncias, título executivo contra o proprietário.
O proprietário tem legitimidade para ser demandado enquanto executado pelo não pagamento dos montantes «das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio».
Aliás, apenas o proprietário é que poderá e terá legitimidade para impugnar as deliberações da assembleia de condóminos.
Neste mesmo sentido o Ac. do STJ de 24-06-2008, podendo ler-se no seu sumário «I - A legitimidade - activa ou passiva - para as acções de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos radica-se nos próprios condóminos, sendo os demandados representados judiciariamente pelo Administrador do condomínio ou por pessoa que a assembleia designar para esse efeito.
II - São eles, efectivamente, os titulares do interesse em demandar (legitimidade activa) ou em contradizer (legitimidade passiva), na definição constante do art. 26.º do CPC.
III - Não tendo a aqui agravante legitimidade para impugnar as deliberações das Assembleias de Condóminos, por ser simplesmente locatária da fracção autónoma e não proprietária da fracção autónoma em causa, não é titular da relação controvertida, sendo de considerar parte ilegítima na acção».
Deste modo, podemos afirmar sem qualquer dúvida que o proprietário – mesmo nos casos de locação financeira - goza de legitimidade para ser demandado enquanto executado pelo não pagamento das quantias devidas a título de despesas de condomínio.
Neste ponto, seguimos a posição adoptada pelo supra citado Ac. do STJ de 19-03-2002 segundo o qual «o condómino de fracção autónoma, dada em locação financeira, é parte legítima na execução contra ele movida pela administração do condomínio a fim de obter o pagamento das despesas comuns proporcionais à quota-parte da respectiva fracção».
O executado Banco C…, SA é, pois parte legítima.
Em conclusão, a responsabilidade pelo pagamento das despesas de condomínio relativas a um imóvel dado em locação financeira ainda que pertença também ao locatário financeiro não desonera o locador/proprietário desse pagamento, pelo que este tem legitimidade para ser demandado, como executado.
Assim, impõe-se a procedência desta questão e, consequentemente impõe-se a procedência do presente recurso.
IV - Decisão
Por tudo o que se deixou exposto e nos termos dos preceitos citados, acorda-se em julgar procedente o recurso de apelação e, em consequência revoga-se a decisão recorrida, a qual deverá ser substituída por outra que julgue o executado Banco C…, SA parte legítima.
Sem custas.

Porto, 2016/09/12
Sousa Lameira
Oliveira Abreu
António Eleutério