Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5316/04.4TDPRT.P1
Nº Convencional: JTRP00043810
Relator: ARTUR OLIVEIRA
Descritores: FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO
Nº do Documento: RP201004145316/04.4TDPRT.P1
Data do Acordão: 04/14/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC. PENAL.
Decisão: REVOGADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO - LIVRO 421 - FLS. 56.
Área Temática: .
Sumário: A declaração inverídica perante o notário, no acto da celebração da escritura pública de dissolução de sociedade, segundo a qual esta não tinha qualquer passivo a liquidar não é susceptível de constituir o crime de falsificação de documento do artigo 256º do Código Penal.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO – SECÇÃO CRIMINAL (QUARTA)
- no processo n.º 5316/04.4TDPRT.P1
- com os juízes Artur Oliveira [relator] e José Piedade,
- após conferência, profere, em 14 de Abril de 2010, o seguinte
Acórdão
I - RELATÓRIO
1. No processo comum (tribunal singular) n.º 5316/04.4TDPRT, do ...º Juízo - ..ª secção, do Tribunal Criminal da Comarca do Porto, em que são arguidos B…………. e OUTRO, foi proferida sentença que decidiu [fls. 170]:
«(…) b) condenar o arguido B………….., como autor material de um crime de Falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º 1, al. b) e n.º 3 do Código Penal, na pena de 90 (noventa) dias de multa à razão diária de 7.00 €.
(…)»
2. Inconformado, o arguido recorre, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões [fls. 179-183]:
«I - O Recorrente não se conforma com o teor da douta Sentença de fls. … na parte em que condenou o recorrente como autor material de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo art. 256.º, n.º 1, b) e n.º 3 do Cód. Penal, na pena de 90 dias de multa à razão diária de 7,00 €.
II - A conduta do arguido não integra a previsão do crime de falsificação de documento, por não se verificarem os seus pressupostos, podendo a declaração de ausência de passivo da sociedade, quando na verdade existia uma dívida de € 630,70, ser enquadrada como declarações falsas prestadas ao Notário que celebrou a escritura de dissolução da sociedade C………….
III - As falsas declarações prestadas ao Notário constituem, no caso dos autos, simulação, não punível face ao actual Cód. Penal, nunca um crime de falsificação de documento (Nesse sentido, os Acórdão da Relação do Porto de 30-1-1994 e 22-02-2005, disponíveis in http://www.dgsi.pt)
IV - Não constando da matéria de facto provada nos autos que o recorrente tenha agido com a intenção de causar prejuízo a um terceiro ou de obtenção de um benefício ilegítimo, não esta verificado um dos elementos do tipo legal do crime pelo qual o recorrente foi condenado: o dolo específico.
V - Da leitura da douta sentença recorrida, não decorre qualquer menção expressa quanto aos factos da matéria de facto provada que integram o dolo especifico necessário a punição cio crime de falsificação de documento, o que traduz um vício na fundamentação da sentença, que aqui expressamente se invoca para todos os efeitos legais, nos termos dos art.s 410.º, n.º 2 a) e b) do Cód. Processo Penal.
VI - Da matéria de facto provada e da documentação dos autos resulta expressamente a inexistência de dolo específico por parte do recorrente, uma vez que a dívida de € 630,70 foi paga poucos depois da escritura de dissolução sociedade C……….. e a própria ofendida desistiu da queixa-crime apresentada que apenas foi indeferida por se tratar de um crime público. (Cfr. ponto 7) da matéria de facto provada.
VII - A douta decisão em crise violou, entre outras as disposições constantes dos art. 256.º n.º 1, b) e n.º 3 do Cód. Penal e art. 410.º, n.º 2 a) e b do Cód. Processo Penal.
VIII - Pelo exposto, deverá a douta Sentença de fls. ... recorrida ser substituída por douto Acórdão, que absolva o Arguido B…………, da prática do crime de Falsificação de documento, com todas as consequências legais.
(…)»
3. Na resposta, o Ministério Público opõe-se à equiparação do caso dos autos a uma situação de simulação – e como tal não punível pela Lei Criminal; mas acompanha o recorrente na parte em que reconhece que “por não terem sido dado como provados todos os elementos integradores do tipo de crime previsto no art. 256.º, n.º 1, do CP, deve o arguido ser absolvido” [fls. 197].
4. Neste Tribunal, o Exmo. Procurador-geral Adjunto considera que face à posição assumida na Resposta (concordante com a absolvição do recorrente), nada mais tem a acrescentar [fls. 203].
5. Colhidos os vistos, realizou-se a conferência.
6. A sentença recorrida deu como provados e não provados os seguintes factos, seguidos da respectiva motivação [fls. 165-168]:
«(…) Factos provados:
1) No dia 13.8.2003, através de escritura pública realizada no 1.º Cartório Notarial do Porto, e na sua qualidade de sócios, os arguidos dissolveram a sociedade “C……….., Limitada”, que tinha a sua sede na Rua ….., n.º …, Ermesinde;
2) Na referida escritura os arguidos declararam que não tinham qualquer passivo a liquidar;
3) Todavia, os arguidos deviam, nessa altura, à ofendida, o valor de € 630,70 (seiscentos e trinta euros e setenta cêntimos), conforme resulta da factura junta por cópia a folhas 10, cujo teor, aqui dou por integralmente por reproduzido;
4) As declarações produzidas pelos arguidos naquela escritura, não correspondem à verdade;
5. Ao agir da forma descrita, o arguido B………… pôs em crise a credibilidade na genuinidade e exactidão merecidas pelas escrituras públicas;
6) O arguido B……….. actuou deliberada, livre e conscientemente bem sabendo que tais declarações não eram verdadeiras e conhecendo o carácter proibido e punido da sua conduta.
*
Provou-se ainda que:
7) Os arguidos procederam ao pagamento da quantia em causa á ofendida, na sequência de uma acção judicial, por meio de cheques datados de 1/11/2004 e 1/12/2004.
8) O arguido D………….. aufere um vencimento mensal de cerca de 1.500,00 €;
9) Como habilitações literárias tem o 9.º ano de escolaridade;
10) Vive com a mulher que trabalha, em casa que está a ser paga ao banco com a quantia mensal de 475,00 €;
11) Tem dois filhos;
12) O arguido B…………. aufere um vencimento mensal de cerca de 1.000,00 €;
13) Como habilitações literárias tem o 9.º ano de escolaridade;
14) Vive com a mulher que trabalha auferindo um vencimento mensal de cerca de 1.700,00 €, em casa que está a ser paga ao banco com a quantia mensal de 1.700,00 €;
15) Tem um filho pequeno;
16) Os arguidos não têm antecedentes criminais.
*
Não se provaram quaisquer outros factos, designadamente:
► Que ao agir da forma descrita, o arguido D………… pôs em crise a credibilidade na genuinidade e exactidão merecidas pelas escrituras públicas.
► Que o arguido D………. actuou deliberada, livre e conscientemente bem sabendo que tais declarações não eram verdadeiras e conhecendo o carácter proibido e punido da sua conduta.
*
3. Motivação:
A convicção do Tribunal quanto aos factos da acusação, fundamentou-se no seguinte:
Os arguidos prestaram declarações negando os factos de que vinham acusados sendo que não negaram as declarações constantes da escritura em causa, nem mesmo a dívida que vieram a pagar já muito depois da escrita na sequência de uma acção judicial instaurada pela ofendida com vista ao respectivo pagamento. Os arguidos deram a entender que havia um diferendo com a ofendida quanto à compra que originou a dívida em causa, designadamente quanto às mercadorias adquiridas àquela.
O arguido D………….. referiu ainda que “julgavam que estava tudo pago”. O arguido reconheceu ainda que a factura referente à divida em causa é de Fevereiro de 2003, sendo que desconhecia que no momento em que celebraram a escritura ainda estava em dívida porque “não lidava” com a contabilidade da empresa, designadamente com o deve e haver das contas. Acrescentou que quem lidava com esses assuntos era o arguido B…………. o que este não negou.
O arguido B………….. referiu ainda que tinha sido o contabilista que lhe teria dito que tudo estava pago, sendo certo que não o indicou como testemunha e nem sequer o soube identificar.
Face às declarações do arguido, revelou-se essencial o depoimento da testemunha E…………., empregado na ofendida e que se terá envolvido de forma particular na tentativa de cobrança da dívida em causa, confirmou, além do mais, que contactou por várias vezes com o arguido B………… por causa da dívida em causa, a partir de Abril/Maio de 2003, ou seja pouco tempo antes da data da realização da escritura.
Também a testemunha F…………, funcionária administrativa da ofendida, confirmou que cerca de dois meses depois da data da emissão da factura (13/01/2003), contactou com o arguido D…………. por telefone a solicitar o pagamento da factura em causa. Para além disso, a testemunha enviou várias cartas para a empresa dos arguidos no mesmo intervalo de tempo, antes da data em que foi celebrada a escritura. A testemunha referiu que o arguido D…………. lhe disse que não era com ele o pagamento das facturas, mas tanto ele como o arguido B……….. tinham conhecimento da existência da dívida.
A testemunha G………… demonstrou não ter conhecimento directo dos factos aqui em causa.
Na determinação da matéria de facto provada o tribunal socorreu-se ainda de outros elementos que não apenas a prova directa, com o recurso às regras da experiência comum como permite expressamente o artigo 127.º do Código de Processo Penal. Como referiu a este propósito o STJ no acórdão de 05/07/1984 (in BMJ 339-364)), «nada impede que o tribunal se socorra da prova por presunção para formar a sua convicção, ou seja (…) aquela que partindo de determinado facto, chega por mera dedução lógica à demonstração da realidade de um ou outro facto»; como acrescenta o mesmo acórdão, «a presunção consiste na dedução, na inferência, no raciocínio lógico por meio do qual se parte de um facto certo, provado ou conhecido e se chega a uma facto desconhecido».
Ora os próprios arguidos não podiam ignorar a existência da dívida em causa até porque referiram que haveria a dúvida quanto as máquinas adquiridas á ofendida uma vez que o cliente onde iriam ser instaladas não teria também pago as mesmas. Ou seja, era um assunto que ainda estava pendente e não “arrumado” na contabilidade.
O tribunal valorou ainda a própria escritura constante de fls. 18 a 21, a factura junta a folhas 10 e as cópias de cheques constante de folhas 44.
Porem e no que diz respeito ao arguido D…………, a matéria de facto não provada assenta no facto de não ter ficado demonstrado de forma inequívoca que este arguido, no momento da celebração da escritura, soubesse que se mantinha por pagar a factura em causa, uma vez que não era ele quem lidava directamente com os pagamentos aos fornecedores. Assim por dúvidas que não foram sanadas, entende o tribunal que se pode admitir que este arguido na altura da escritura, não estivesse consciente de que estava a faltar á verdade quando declarou que não havia passivo.
Valorou ainda o tribunal, os certificados do registo criminal juntos aos autos e quanto às condições pessoais dos arguidos, o tribunal, na falta de outros elementos, valorou as respectivas declarações.
(…)»
* * * * *
II – FUNDAMENTAÇÃO
7. São duas as questões suscitadas pelo recorrente na motivação de recurso e que em seu entender devem levar à revogação da sentença condenatória proferida: i) as “declarações falsas prestadas ao notário” [fls. 180, vº] no acto de celebração de uma escritura pública não são susceptíveis de constituírem crime; e ii) a matéria de facto dada como provada nos autos não integra os elementos do tipo subjectivo do crime de Falsificação de documento, do artigo 256.º, do Código Penal, pelo qual vem condenado.
8. O recorrente tem razão – duas vezes.
9. i) Começamos pela mais evidente: a ausência de factos susceptíveis de revelar o elemento subjectivo do tipo, a saber, a intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado ou de alcançar para si ou para terceiro um benefício ilegítimo [artigo 256.º, n.º 1, do CP]. Não que a sentença recorrida ignore ou despreze a relevância deste elemento constitutivo do tipo legal — pois a ele dedica considerações destacadas. O que se passa é que não foi consequente, i.é., não aplicou ao caso sub judice os pressupostos que antes enunciou. Aliás, do mesmo mal padecia já a acusação do Ministério Público, uma vez que é totalmente omissa quanto à existência de uma suposta intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado ou de alcançar para si ou para terceiro um benefício ilegítimo, elemento indispensável à caracterização do tipo de crime imputado ao arguido [omissão que deveria ter levado à rejeição da acusação por se revelar manifestamente infundada – artigo 311.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal].
10. A inexistência de factos susceptíveis de revelar elementos da culpa do arguido impõe a sua absolvição – artigo 13.º, do Código Penal.
11. ii. Acresce que as declarações falsas prestadas pelos outorgantes ao notário no acto de formalização de uma escritura pública não são susceptíveis de integrar o crime de Falsificação de documento do artigo 256.º, do Código Penal.
12. Já houve tempos em a Lei punia quem induzisse em erro um funcionário, levando-o a fazer constar de documento com fé pública um facto falso. O artigo 233.º, n.º 2, do Código Penal na versão anterior a 1995, punia “quem, induzindo em erro um funcionário, o levar a fazer constar de documento ou objecto equiparável, a que a lei atribui fé pública, algum facto que não é verdadeiro ou a omitir facto juridicamente relevante ...”. Já então, não era o facto de se proferir uma declaração falsa que era penalizado, mas sim a indução em erro do funcionário.
[“Puniam-se aí os factos falsos que o funcionário era levado a omitir ou a fazer constar de documento da sua competência por meio de erro (…). Era um crime de engano de funcionário ou de convencimento erróneo. O agente do crime era outro, que não o funcionário, embora se mantivesse a incidência no plano documental que continuava a ser um instrumento público ou equiparável dirigido à protecção da própria verdade do documento público, que tem uma especial força probatória (…)” — M. Miguez Garcia, Direito penal - Parte especial, § 27º (crimes de falsificação documental), Porto, actualização relativa a Outubro de 2009].
13. Porém, o Código Penal de 1995 não incluiu na falsificação de documentos a chamada falsidade, falsificação indirecta ou falsa documentação indirecta.
[“Não existe, pois, actualmente, no sistema jurídico português nenhum tipo de crime que puna o terceiro que se serve do funcionário de boa fé para inserir no documento elementos inexactos ou falsos” — Helena Moniz, “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Parte Especial, Tomo II, pág. 679 e Crime de falsificação de documentos, pág. 198. Tb. Figueiredo Dias/Costa Andrade, “O legislador de 1982 optou pela descriminalização do crime patrimonial de simulação”, CJ VII, tomo 3, pág. 21 e ss. Na jurisprudência destaque para o Acórdão desta Relação de 30.11.1994, processo 9410768, assim sumariado: “I - Não constitui falsificação de documento a declaração de aumento de capital de sociedade, com entradas em dinheiro, feita ao notário e exarada em escritura pública, pelas respectivas sócias, sem que tenha havido tais entradas; II - As falsas declarações prestadas ao notário constituem, in casu, simulação, não punível face ao actual Código Penal” (disponível in www.dgsi.pt); e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9.11.1983, BMJ n.º 331, pág. 312: “I – O Código Penal de 1886 configurava os crimes de simulação e de falsificação como sendo completamente distintos quer no que respeitava aos bens jurídico-penais protegidos quer quanto à factualidade típica. II – O crime de simulação, tal como era previsto no artigo 455.º, do Código Penal de 1886, foi eliminado do Código Penal de 1982, não sendo confundível com o crime de falsificação previsto pela alínea b) do n.º 1 do artigo 228.º, deste novo diploma”].
14. Não pudemos perder de vista que o bem jurídico tutelado pelo crime de Falsificação de documento [artigo 256.º, do Código Penal] é a segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório no que respeita à prova documental. Trata-se de proteger não os documentos em si, nem sequer a fé pública ou a confiança pública que deles emane, mas a força probatória do documento, a segurança e credibilidade dos meios de prova documentais no tráfico jurídico-probatório, a verdade da prova susceptível de resultar do documento [Helena Moniz, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, 1999, pág. 680].
15. Compreende-se: numa sociedade como a nossa em que há uma obsessiva documentação dos actos praticados, a prova dos factos apoia-se muito na força e na credibilidade de elementos probatórios documentais. Por isso, o legislador sente uma especial necessidade de proteger esse potencial probatório associado aos documentos e o particular crédito de que gozam nas relações comuns, criminalizando as condutas que quebram a genuinidade do suporte físico do documento ou viciam a declaração que nele deveria constar.
16. A doutrina e a jurisprudência têm considerado que a previsão incriminatória do artigo 256.º, do Código Penal, engloba tanto a falsidade material [quando o documento é total ou parcialmente forjado ou quando se alteram elementos constantes de um documento já existente — o documento não é genuíno] como a falsidade intelectual [quando o documento é genuíno mas não traduz a verdade por haver uma desconformidade entre a declaração e o que dele consta — o documento é inverídico].
17. Nesta – falsificação intelectual ou ideológica – é incorporada, no documento, uma declaração distinta da declaração que foi prestada, e por isso falsa. A alteração dá-se aquando da formação do documento, fazendo-se constar nele uma declaração que não foi produzida ou que é diferente da que foi realizada. Esta modalidade de falsificação estará abrangida pela expressão “falsificar ou alterar documento” do artigo 256.º, n.º 1, alínea a), do CP.
18. Ora, não é disto que tratam os factos dados como provados nos autos. Como vimos, os arguidos declararam na escritura pública de dissolução da sociedade que esta não tinha qualquer passivo a liquidar [ponto 2.]. E foi isso que o emitente [ver artigo 255.º, alínea a)] (notário) fez constar do documento. Portanto, o documento em si não apresenta qualquer mácula: reproduz fielmente o acto.
19. Por outro lado, a escritura pública tinha por objectivo a dissolução da sociedade, e não é a circunstância de conter uma declaração inverídica sobre a existência de um débito [pontos 3. e 6.] que abala ou anula essa sua finalidade. O elemento alterado não tem alcance suficiente para causar dano ou pôr em perigo a segurança jurídica probatória que o documento, pela sua natureza e características, está destinado a projectar. A escritura pública outorgada não serve para infirmar a existência de créditos que sobre a sociedade se venham a reclamar: não é meio de prova susceptível de ser usado para excepcionar eventuais débitos. Portanto, o bem jurídico protegido pela norma do artigo 256.º, do Código Penal [a confiança da sociedade no valor probatório dos documentos, e em particular, que os outorgantes produziram perante o notário aquelas declarações] não sofreu qualquer dano: o documento reproduz fielmente o que se passou e mantém íntegra a finalidade e o potencial probatório a que se destina.
20. Daí a conclusão segura de que a declaração inverídica feita pelo recorrente ao notário e inserida na escritura pública não é susceptível de integrar a prática de um crime de Falsificação de documento, do artigo 256.º, do Código Penal: o documento não exibe qualquer aspecto susceptível de revelar falsidade material nem intelectual, pois não foi forjado ou alterado nem apresenta uma desconformidade entre o que foi declarado e o que está documentado. É um documento exacto [regular] que contém uma declaração inverídica.
21. Em síntese:
I- Não se provaram factos susceptíveis de revelar o elemento subjectivo do tipo [Falsificação de documento], a saber, a intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado ou de alcançar para si ou para terceiro um benefício ilegítimo [artigo 256.º, n.º 1, do Código Penal] — razão pela qual a sentença recorrida será revogada e o recorrente absolvido da prática do crime pelo qual vinha condenado.
II- A escritura pública analisada nos autos não foi sequer objecto de falsificação material nem intelectual, pois reproduz fielmente as declarações prestadas no acto: as declarações inverídicas do recorrente perante o notário no acto da celebração da escritura pública de dissolução de sociedade segundo as quais esta não tinha qualquer passivo a liquidar não são susceptíveis de constituírem o crime da Falsificação de documento do artigo 256.º, do Código Penal.
A responsabilidade pelas custas
Com a procedência do recurso não há lugar a tributação.

III – DISPOSITIVO
Pelo exposto, os juízes acordam em:
● Conceder provimento ao recurso interposto pelo recorrente B…………, revogando a sentença recorrida e absolvendo-o do crime pelo qual vinha condenado.
[Elaborado e revisto pelo relator]

Porto, 14 de Janeiro de 2010
Artur Manuel da Silva Oliveira
José Joaquim Aniceto Piedade