Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2494/14.8TBVNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: LOCAÇÃO FINANCEIRA
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
ENTREGA JUDICIAL DE VEÍCULO
REQUISITOS
PERICULUM IN MORA
MATÉRIA DE FACTO
FUNDAMENTAÇÃO
Nº do Documento: RP201409242494/14.8TBVNG.P1
Data do Acordão: 09/29/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A deficiência da fundamentação quanto à matéria de facto declarada provada ou não provada na sentença, nos termos previstos no n.º 4 do artigo 607.º do Código de Processo Civil, não gera nulidade de sentença, nos termos previstos na al. b), do n.º 1, do artigo 615.º do mesmo código.
II - Quando no âmbito de uma providência cautelar para entrega judicial de veículo objecto de locação financeira (Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Julho), a prova dos factos é constituída por documentos que não exigem labor interpretativo no que respeita à sua aptidão para a prova sumária dos factos alegados, as exigências da fundamentação da matéria de facto são rudimentares e ficam satisfeitas com a indicação destes meios de prova, não sendo necessário proceder a qualquer análise crítica das provas, nos termos previstos no n.º 4 do artigo 607.º do Código de Processo Civil.
III - O requerente da providência prevista no artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Julho, não tem de alegar e provar factos dos quais se conclua a existência de uma situação de periculum in mora.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Tribunal da Relação do Porto – 5.ª secção.
Recurso de Apelação.
Processo n.º 2494/14.8TBVNG do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Nova de Gaia – 2.ª Vara de Competência Mista.
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Juiz relator – Alberto Augusto Vicente Ruço.
1.º Juiz-adjunto……Joaquim Manuel de Almeida Correia Pinto.
2.º Juiz-adjunto…….Ana Paula Pereira de Amorim.
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Sumário:
I. A deficiência da fundamentação quanto à matéria de facto declarada provada ou não provada na sentença, nos termos previstos no n.º 4 do artigo 607.º do Código de Processo Civil, não gera nulidade de sentença, nos termos previstos na al. b), do n.º 1, do artigo 615.º do mesmo código.
II. Quando no âmbito de uma providência cautelar para entrega judicial de veículo objecto de locação financeira (Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Julho), a prova dos factos é constituída por documentos que não exigem labor interpretativo no que respeita à sua aptidão para a prova sumária dos factos alegados, as exigências da fundamentação da matéria de facto são rudimentares e ficam satisfeitas com a indicação destes meios de prova, não sendo necessário proceder a qualquer análise crítica das provas, nos termos previstos no n.º 4 do artigo 607.º do Código de Processo Civil.
III. O requerente da providência prevista no artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Julho, não tem de alegar e provar factos dos quais se conclua a existência de uma situação de periculum in mora.
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Recorrente/Requerida…………B…, Limitada, sociedade por quotas, pessoa colectiva n.º ………, com sede na Rua …, n.º …, ..º Dto. posterior, freguesia de …, concelho de Vila Nova de Gaia.
Recorrida/Requerente………… C…, S. A., com sede em …, Apartado ., ….-… Men Martins.
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I. Relatório.
a) A decisão sob recurso foi proferida no âmbito de um procedimento cautelar, previsto no Decreto-Lei n.º 149/95 de 24 de Junho [1], instaurado para obter a apreensão e entrega imediata dos veículos automóveis da marca Mercedes-Benz, modelo …, com a matrícula ..-JU-..; modelo …, com a matrícula ..-JU-..; modelo …, com a matrícula ..-LD-..; Modelo …, com a matrícula ..-NL-.., e respectivos documentos, pedido que foi decretado.
b) É de tal decisão que vem interposto o presente recurso, tendo a recorrente finalizado as alegações da seguinte forma:
«A. O presente recurso é interposto da douta Decisão proferida nos autos (ref.ª20067221, de 23/04/2014) nos termos da qual o Dign.º Tribunal “a quo” entendeu julgar «o presente procedimento cautelar procedente», porquanto, desde logo, entende padecer a douta Decisão ora recorrida de falta de fundamentação, porquanto, não especifica, de forma integral quais os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador, em estrita observância do disposto no artigo 607.º, n.º 4 do NCPC.
Senão vejamos,
B. Com efeito, não obstante tal ditame legal, certo é que da douta Decisão ora recorrida resulta que o Dign.º Tribunal “a quo”, por um lado, limitou-se a fundamentar a sua decisão apenas com factos que considerou provados, não fazendo uma única referência aos factos não provados e, ainda assim, por outro lado, quanto a tal matéria de facto provada mostra-se a mesma patenteada na Decisão recorrida em termos incompletos.
C. É que, do elenco de tal “MATÉRIA DE FACTO PROVADA” constam 41. Respostas/factos provados e nenhum facto não provado. Factos esses que, por referência à factualidade vertida no requerimento inicial apresentado pela Requerente dos presentes autos, mormente nos artigos 43.º a 52.º daquele, se revelavam de primordial importância para efeitos de conceder ou não a presente providência.
D. A par desta situação, ocorre que o 41.º facto provado não se mostra elaborado em termos completos, pois que, do mesmo consta apenas a seguinte frase inacabada “Tendo o contrato sido resolvido e não tendo a Requerida procedido à restituição da viatura em”.
E. Desta feita, omitindo-se nesta douta Decisão factualidade tida como provada - complemento do art.º 41.º da matéria dada como provada e, eventualmente, outra que se ignora – e qual a factualidade não provada, por certo, e salvo o devido respeito, não poderá o Dign.º Tribunal “a quo” ter procedido à correcta análise fáctico-jurídica.
Acresce que,
F. Sem prejuízo de tudo quanto supra exposto, da douta Decisão em causa não resulta, também, qualquer análise/exame crítico das provas de que lhe cumpria conhecer, pois que, na mesma pode ler-se, apenas e só, que «A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto indiciariamente provada alicerçou-se na análise dos documentos juntos aos autos, em conjugação com o depoimento fundamentado da testemunha inquirida.», sem que, tenha o Dign.º Tribunal “a quo” ponderado, detalhadamente, como se impunha, em que termos os “documentos juntos aos autos”e, bem assim, quais os concretos excertos “do depoimento fundamentado da testemunha inquirida” conduziram à determinação da convicção do Tribunal, por referência a cada uma das respostas conferidas à matéria de facto.
G. Com efeito, salvo o devido respeito, é entendimento da aqui Apelante que o Dign.º Tribunal “a quo” teceu estas considerações, sobre a fundamentação da resposta à matéria de facto, de forma ligeira e sem concretizar minimamente a análise crítica da prova em relação a cada um dos factos dados como provados [e saliente-se a sua extensão correspondente a 41.º (ainda que incompleto) factos)], seja, sem especificar em que termos os documentos juntos aos autos (sendo a “documentação extensa”) fundamentaram a resposta positiva à matéria de facto e ainda em que termos o depoimento da testemunha inquirida se revelou “fundamentado”.
H. É que, da então motivação de facto em causa, resulta que, para formar a convicção do Dign.º Tribunal “a quo”, foram consideradas as declarações da testemunha D… – cuja inquirição durou apenas 7 (sete) minutos, e, aliás, foi a única testemunha ouvida nestes autos - sem que o Tribunal tenha sequer feito uma simples resenha de tal depoimento, por referência ao seu contributo para dar “este”ou “aquele” facto como provado. Por outro lado, também quanto aos documentos juntos aos autos, em elevado número como se disse, não tece o Dign.º Tribunal “a quo” qualquer consideração, além daquela já referida no sentido de que tais documentos foram fundamento da sua convicção.
I. Ora, jamais, a aqui Apelante se pode conformar com tal singeleza decisória, em que na verdade, ao que parece tudo (documentos e Testemunha) serviu para formar a convicção do Dign.º Tribunal “a quo”, mas, fica a Apelante na ignorância de que documento ou declaração da testemunha em causa foi tido como suficiente ou idóneo a provar determinado facto.
J. É que, desde logo, dos documentos ns.º 17 e 18 juntos aos presentes autos pela Requerente, aqui Apelada, não se mostra que tais missivas tenham sido recepcionadas pela aqui Requerida, Apelante, logo, questiona-se a aqui Apelante se, na verdade, foram tais documentos considerados pelo Dign.º Tribunal “a quo” para formar a sua convicção e, consequentemente, a sua tomada de decisão nos autos.
K. Assim, não se consegue alcançar, minimamente, qual meio de prova sustenta cada uma das respostas conferidas, cada um dos factos dados como provados, o que, apraz referir, se revelava de primordial importância para que a aqui Apelante pudesse aquilatar da boa (ou não) decisão de facto proferida nos presentes autos, pois que, não consegue alcançar, relativamente a cada um dos factos provados, qual a sua sustentação probatória, se a resposta em causa tem por base prova testemunhal e/ou documental, qual concretamente o(s) documento(s) e/ou a(s) testemunha(s) em causa.
L. Quando, conforme supradito, a lei assim o impõe, nos termos do n.º 4 do referido art.º 607.º do NCPC (na esteira das regras anteriormente previstas nos artigos 659.º, 653.º, n.º 2, 655.º e 658.º do C.P.C.) «(…) analisando criticamente as provas (…) especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção;» (negrito nosso) e, ainda, a demais diversa jurisprudência e doutrina, entre a qual se destaca Ac. RC, de 18.2.2003: JTRC01913/ITIJ/Net e Abílio Neto, in Código de Processo Civil Anotado, 19.ª Edição Actualizada, Setembro de 2007, pág. 810.
De modo que,
M. Por tudo o exposto supra, e salvo a devida vénia, temos que «É nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão», nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 615.º do NCPC, o que aqui expressamente se invoca.
N. É que, a fundamentação da sentença, como a de qualquer outra decisão judicial, sendo exigência muito antiga, tem actualmente assento constitucional, pois, segundo o artigo 205.º, n.º 1 da CRP, as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei. Sendo que, para cumprir a exigência constitucional, a fundamentação há-de ser expressa, clara, coerente e suficiente. Ou seja, não deve ser deixada ao destinatário a descoberta das razões da decisão; os motivos não podem ser obscuros ou de difícil compreensão, nem padecer de vícios lógicos; a fundamentação deve ser adequada à importância e circunstância da decisão, deve, pois, permitir o exercício esclarecido do direito ao recurso e assegurar a transparência e a reflexão decisória, convencendo e não apenas impondo.
O. Assim, aqui em causa, razão de ser do presente recurso, encontra-se a fundamentação de facto, determinada pelo art.º 607.º, n.º 4 daquele N.C.P.C., quando expressamente se refere, por um lado, que «o juiz declara quais os actos que julga provados e quais os que julga não provados» e, por outro lado, que, «analisando criticamente as provas … e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção».
P. A não observância das regras expostas, verificada “in casu” nos termos supra aludidos, constitui, assim, causa de nulidade da sentença – artigo 615.º, n.º 1 do N.C.P.C., o que aqui expressamente se invoca.
Outrossim,
Q. Ainda sem conceder de tudo quanto supra exposto, vem ainda a aqui Apelante, inconformada com a douta decisão proferida pelo Dign.º Tribunal “a quo”, interpor o presente recurso, por entender que a douta Decisão recorrida padece de uma clara e inequívoca errónea interpretação jurídica dos factos que considerou como provados, e como tal, não poderá aquela Decisão manter-se, isto porque, na modesta opinião da aqui Apelante, o Dign.º Tribunal incorreu em errada aplicação, ao caso concreto, do disposto no artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho, entendendo não haver fundamento bastante para que a referida providência cautelar de entrega judicial tivesse sido ordenada.
Com efeito, não podemos deixar de salientar que, nos termos das disposições conjugadas dos n.ºs 1, 2 e 8 daquele preceito legal, são requisitos essenciais do decretamento daquela providência:
a) Ter o contrato de locação financeira terminado por resolução ou decurso do prazo sem o exercício do direito de compra (n.º 1);
b) Não ter o Locatário procedido à restituição do bem ao Locador (n.º 1);
c) Ter o Locador procedido ao pedido de cancelamento do registo de locação financeira (n.º 1 e 2); e, ainda,
d) Receio de Lesão do Direito de Propriedade (n.º 8, em conjugação com o art.º362.º do NCPC).
S. Ou seja, são elementos constitutivos do procedimento cautelar especial de apreensão de bem objecto de locação financeira, previsto e regulado no Dec. Lei nº 149/95, de 24.06 - medida cautelar de natureza antecipatória que consiste na entrega imediata do bem ao requerente – dois requisitos essenciais e cumulativos: em primeiro, a probabilidade séria de existência do direito do locador à restituição do bem [traduzido nas alíneas a) a c) supra] e, bem assim, em segundo lugar, o justo receio de lesão grave e dificilmente reparável do direito de propriedade que o locador tem sobre aquele bem (conforme, alínea d) supra).
T. Contudo, não obstante ter a aqui Requerente alegado factualidade que justificasse aquele seu justo receio de lesão grave e dificilmente reparável do direito de propriedade que sobre aqueles bens móveis sujeitos a registo identificou nos autos, mormente nos artigos 43.º a 52.º daquele seu requerimento inicial, certo é que, tal factualidade não foi tida como provada, logo, não se poderia ter por preenchidos todos os requisitos para o decretamento de tal providência,
U. Com efeito, no caso dos autos, estamos no domínio de uma providência cautelar especial para entrega de veículo locado, no quadro do regime do contrato de locação financeira, prevista e regulada no artigo 21º do Dec.-Lei nº 149/95, de 24 de Junho., tratando-se, pois, de uma medida cautelar antecipatória fundada na séria probabilidade do direito à restituição do veículo, emergente tanto da resolução do contrato como da sua caducidade, como, no risco de lesão grave do direito, tal como tem sido interpretados os requisitos exigidos pelos nº 1 e 8 do citado artigo 21º, em conjugação com o artigo 362.º do NCPC.
V. Ora, sendo este requisito (art.º 362.º NCPC), da manifestação do “periculum in mora”, fim essencial das providências cautelares, não se admite que o mesmo seja afastado pelo Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho.
W. Até porque, decretada a providência, o locador pode dispor do bem restituído, nomeadamente vendendo-o ou dando-o em locação ou locação financeira ao anterior locatário ou a terceiro, como se estabelece no artigo 21º, nº 6, com referência ao artigo 7º do referido diploma, o que, atenta a sua gravidade, não poderá pois considerar-se afastar-se aquele segundo requisito.
X. Assim, não estando verificado, pois, o pressuposto processual da causa de pedir imprescindível à sustentação da pretensão cautelar deduzida nos autos, uma vez que, dos factos alegados e dados como provados não existem elementos para afirmar o justo receio de lesão supra enunciado, não restará senão concluir pela manifesta improcedência da presente providência,
Y. Neste sentido, por tudo quanto se deixa dito, entendemos, pois, que o decretamento da providência cautelar de entrega judicial não se justificava, porque não ocorria, objectivamente demonstrado, receio de lesão do direito de propriedade da aqui Requerente, devendo, por isso, ser revogada a providência então decretada
Em suma,
Z. Pelo exposto, a douta decisão sob recurso enferma de nulidade, nos termos da al. b) do n.º 1 e do n.º 4 do art.º 615.º do NCPC, por violação do disposto no n.º 4 do art.º 607.º daquele diploma legal, e, ainda, incorreu em errada interpretação do disposto o artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho e do artigo 362.º do NCPC.
Nestes termos, nos melhores de direito e com o sempre mui douto suprimento de Vs. Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso e, por via disso, revogar-se a decisão ora recorrida, com o que V. Exas. julgarão, como sempre, com inteira e sã Justiça!».
c) A recorrida contra-alegou pugnando pela manutenção da decisão sob recurso.
Finalizou as contra-alegações da seguinte forma:
«a. Em face do exposto, ficou patente de modo inequívoco o mérito da sentença proferida pelo Mmo. Juíz a quo, a qual deverá, nestes termos, ser integralmente confirmada por este Venerando Tribunal. Com efeito,
b. Tendo existido fundamentação da decisão, e ainda que a mesma pudesse ser imperfeita (quando não o era de todo, dado que a douta sentença se encontra devidamente fundamentada), tal nunca poderia gerar o vício de nulidade da sentença, por falta de fundamentação.
c. Ainda que existisse falta de fundamentação (o que não se concede) é unanimemente aceite pela jurisprudência dos nossos Tribunais que a falta de fundamentação geradora de nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º CPC) é a total falta de fundamentação, e não uma mera fundamentação deficiente ou incompleta.
d. O artigo 21.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho, prevê um regime cautelar especial, de acordo com o qual o proprietário de um veículo automóvel não tem de provar a verificação de uma situação de periculum de mora no âmbito de uma providência cautelar de apreensão de veículo.
e. Da aplicação do artigo 21.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho, resulta que a Recorrida não teria que fazer prova (sumária) do periculum in mora, mas apenas dos requisitos previstos no referido normativo,
f. A Recorrida alegou e provou a existência dos contratos de locação financeira mobiliária n.ºs …58, …29, …53 e …16, o exercício válido do direito de resolução por falta de pagamento das rendas ou o decurso do prazo sem exercício do direito de compra e a não restituição dos bens.
g. Não há lugar à aplicação subsidiária das disposições gerais sobre providências cautelares previstas no CPC, designadamente da constante do artigo 362.º do CPC, por tal ser afastado pela aplicação da disposição especial prevista do artigo 21.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho.
Pelo exposto, desde já se requer (…) Que seja o recurso julgado totalmente improcedente…».
II. Objecto do recurso.
As questões suscitadas no recurso são as seguintes:
1 – Na conclusão «A» a Recorrente, referindo-se aos requisitos da sentença, invoca a «…falta de fundamentação, porquanto, não especifica, de forma integral quais os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador, em estrita observância do disposto no artigo 607.º, n.º 4 do NCPC».
Nesta questão a recorrente alude (conclusão «C») ainda à ausência na sentença de factos declarados «não provados», designadamente os que constam dos artigos 43.º a 52.º do requerimento inicial e que em seu entender são fundamentais para a decisão da causa.
Refere ainda (conclusão «D») a falta de conclusão da frase «Tendo o contrato sido resolvido e não tendo a Requerida procedido à restituição da viatura em» compõe o facto n.º 41 da sentença.
Na conclusão «M» argumenta que «Por tudo o exposto supra, e salvo a devida vénia, temos que “É nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão”, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 615.º do NCPC, o que aqui expressamente se invoca.
Concluindo, a primeira questão a analisar consiste em saber se as anomalias invocadas, isto é, (1) a falta de indicação de factos não provados, (2) a falta de conclusão da frase do facto provado n.º 41 e (3) a fundamentação exarada na sentença, relativamente à matéria de facto, geram nulidade da sentença.
2 – Em segundo lugar, coloca-se a questão de saber se os factos provados são insuficientes para concluir pela verificação dos pressupostos requeridos pela providência, uma vez que não haverá factos provados de onde resulte, nos termos do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Julho, risco de lesão grave do direito invocado caso não seja decretada a providência.
III. Fundamentação.
a) Matéria de facto provada.
1 - A Requerente é uma sociedade comercial anónima que tem por objecto, entre outras, a actividade de locação financeira mobiliária e de aluguer de viaturas sem condutor.
2 - No exercício da sua actividade, a Requerente celebrou com a Requerida os contratos de locação financeira mobiliária n.ºs …58, …58, …53 e …16.
3 - Pelo contrato ora junto aos Autos como Doc. n.º 1, a Requerente deu em locação à Requerida o veículo automóvel da marca Mercedes-Benz, modelo …, com a matrícula ..-JU-...
4 - Pelo contrato ora junto aos Autos como Doc. n.º 2, a Requerente deu em locação à Requerida o veículo automóvel da marca Mercedes-Benz, modelo …, com a matrícula ..-JU-...
5 - Pelo contrato ora junto aos Autos como Doc. n.º 3, a Requerente deu em locação à Requerida o veículo automóvel da marca Mercedes-Benz, modelo …, com a matrícula ..-LD-...
6 - Pelo contrato ora junto aos Autos como Doc. n.º 4, a Requerente deu em locação à Requerida o veículo automóvel da marca Mercedes-Benz, modelo …, com a matrícula ..-NL-...
7 - Para a celebração dos contratos supra referidos, obrigou-se a Requerente a adquirir as referidas viaturas, o que efectivamente fez.
8 - Acresce que a propriedade das referidas viaturas se encontra devidamente registada a favor da Requerente, conforme resulta dos pedidos de cancelamento do registo de locação financeira efectuados junto da Conservatória do Registo de Automóveis de Lisboa.
10 - Ao abrigo dos referidos contratos de locação financeira mobiliária, obrigou-se ainda a Requerente a ceder à Requerida o gozo e fruição de tais equipamentos, o que efectivamente fez.
11 - Por sua vez, a Requerida assumiu, entre outras obrigações, a de pagar à Requerente as rendas contratadas e respectivo valor residual, em caso de aquisição do(s) veículo(s).
12 - Relativamente ao contrato de locação financeira mobiliária n.º …58, em 20.09.2013, a Requerida não procedeu ao pagamento da respectiva renda, no valor de €968,40, e, em 20.10.2013, o contrato de locação financeira mobiliária caducou, em virtude de se ter atingido o termo do respectivo prazo de vigência.
13 - Concomitantemente, a Requerida não liquidou o valor de compra e venda:
Data de Vencimento Valor
20/10/2013 €645,50
14 - Relativamente ao contrato de locação financeira mobiliária n.º …29, em 20.09.2013, a Requerida não procedeu ao pagamento da respectiva renda, no valor de €968,40, e, em 20.10.2013, o contrato de locação financeira mobiliária caducou, em virtude de se ter atingido o termo do respectivo prazo de vigência.
15 - No entanto, a Requerida não liquidou o valor de compra e venda:
Data de Vencimento Valor
20/10/2013 €645,50
16 - Ora, em face da situação acima descrita, em 11 de Novembro de 2013, a Requerente enviou duas cartas registadas com aviso de recepção à Requerida, interpelando-a para o cumprimento pontual das obrigações contratualmente assumidas e concedendo o prazo de 8 (oito) dias para a regularização dos valores em dívida e com a indicação das respectivas consequências, designadamente a obrigação de proceder à imediata devolução dos veículos automóveis.
17 - Não obstante a Requerida não procedeu ao levantamento das mesmas.
18 - Por outro lado, uma vez caducados os contratos, deveria a Requerida:
a) Restituir imediatamente, em perfeito estado de conservação, os veículos dados em aluguer; ou, em alternativa,
b) Pagar à Requerente o valor residual, acrescido das despesas e encargos conexos e respectivos juros de mora;
19 - Até à presente data, porém, a Requerida não cumpriu com as suas obrigações.
20 - Nomeadamente, e no que à presente Providência concerne, a Requerida não procedeu à entrega das viaturas portadoras das matrículas ..-JU-.., ..-JU-.. e dos respectivos documentos,
22 - Relativamente ao contrato de locação financeira mobiliária n.º …53, a Requerida não efectuou o pagamento das seguintes rendas:
Data de Vencimento Valor
20/09/2013 €915,91
20/10/2013 €915,91
20/11/2013 €915,89
23 - Acresce que, em 20.12.2013, o contrato de locação financeira mobiliária caducou, em virtude de se ter atingido o termo do respectivo prazo de vigência.
24 - No entanto, a Requerida não liquidou o valor de compra e venda:
Data de Vencimento Valor
20/10/2013 € 609,92
25 - Ora, em face da situação acima descrita, em 15 de Janeiro de 2014, a Requerente enviou uma carta registada com aviso de recepção à Requerida, interpelando-a para o cumprimento pontual das obrigações contratualmente assumidas e concedendo o prazo de 8 (oito) dias para a regularização dos valores em dívida e com a indicação das respectivas consequências, designadamente a obrigação de proceder à imediata devolução do veículo automóvel.
26 - Não obstante a Requerida ter efectivamente recepcionado tal interpelação, em 27.01.2014, a Requerida não efectuou o pagamento integral, nem procedeu à restituição da viatura.
27 - Por outro lado, uma vez caducado o contrato n.º …35, deveria a Requerida:
a) Restituir imediatamente, em perfeito estado de conservação, o veículo dados em aluguer; ou, em alternativa,
b) Pagar à Requerente o valor residual, acrescido das despesas e encargos conexos e respectivos juros de mora;
28 - Até à presente data, porém, a Requerida não cumpriu com as suas obrigações.
29 - Nomeadamente, e no que à presente Providência concerne, a Requerida não procedeu à entrega da viatura portadora das matrícula ..-LD-.. e dos respectivos documentos,
30 - Detendo-os, assim, ilícita e ilegitimamente.
31 - Assim, tendo os contratos …58, …29 e …53 caducado e não tendo a Requerida procedido à restituição das viaturas em questão, procedeu a Requerente ao pedido de cancelamento do registo de locação financeira.
32 - Finalmente, relativamente ao contrato de locação financeira mobiliária n.º …16, a Requerida não procedeu ao pagamento dos seguintes rendas nas respectivas datas de vencimento:
Data de Vencimento Valor
20/12/2013 € 467,24
20/02/2014 € 467,80
20/03/2014 € 467,872
2 Vencida no decurso do prazo admonitório.
33 - Pelo que, o valor global das rendas vencidas e não pagas ascende ao montante de €1.402,91.
34 - Ora, por não ter pago as referidas rendas no respectivo prazo de vencimento, a Requerida constituiu-se em mora, nos termos da Cláusula 13.ª das Condições Gerais dos contratos e do artigo 805.º n.º 2 do Código Civil.
35 - Ora, em face da situação acima descrita, em 13 de Março de 2014, a Requerente enviou uma carta registada com aviso de recepção à Requerida, interpelando-a para o cumprimento pontual das obrigações contratualmente assumidas e concedendo o prazo de 8 (oito) dias para a regularização dos valores em dívida e com a indicação das respectivas consequências, designadamente a obrigação de proceder à imediata devolução do veículo automóvel. 36 - Não obstante a Requerida ter efectivamente recepcionado tal interpelação, em 18.03.2014, a Requerida não efectuou o pagamento integral, nem procedeu à restituição da viatura.
37 - Sucede que, nos termos da Cláusula 14.ª, n.º 1 das Condições Gerais do contrato junto como Doc. 4, decorridos que sejam 8 dias sobre a comunicação admonitória aí prevista sem que as rendas já vencidas se mostrem integralmente liquidadas, o contrato considera-se automaticamente resolvido.
38 - Por sua vez, nos termos do disposto nos n.ºs 3 e 4 da aludida Cláusula 14.ª das Condições Gerais do contrato, resolvido que estivesse o contrato, deveria a Requerida:
a) Restituir imediatamente o veículo dado em locação em perfeito estado de conservação;
b) Pagar à Requerente todas as rendas vencidas e não pagas, acrescidas dos respectivos juros de mora;
c) Pagar à Requerente as respectivas indemnizações por força do incumprimento do contrato.
39 - Até à presente data, porém, a Requerida não cumpriu com as suas obrigações. Nomeadamente, e no que à presente Providência concerne, a Requerida não procedeu à entrega da viatura de matrícula ..-NL-.. e dos respectivos documentos,
41 - Tendo o contrato sido resolvido e não tendo a Requerida procedido à restituição da viatura em
b) Apreciação das questões objecto do recurso.
1. Vejamos em primeiro lugar se a decisão enferma de nulidade face à indicação da convicção exarada na sentença relativamente aos factos provados.
Nos termos do n.º 4, do artigo 607.º do Código de Processo Civil, «Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência».
No tribunal recorrido foi dado cumprimento ao segmento «… analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção…», da seguinte forma:
«FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto indiciariamente provada alicerçou-se na análise dos documentos juntos aos autos, em conjugação com o depoimento fundamentado da testemunha inquirida».
Face a este texto da sentença, verifica-se que não contém qualquer análise crítica das provas, pois limita-se a dizer em que meios de prova se baseou a convicção, no caso, nos documentos apresentados e no depoimento da única testemunha inquirida.
Coloca-se então a questão de saber se esta omissão produz a nulidade da sentença por falta de fundamentação.
A resposta é negativa pelas razões processuais e substantivas que se passam a indicar:
Primeiro – Antes da reforma do processo civil operada pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, a omissão ou deficiência de fundamentação da sentença não integrava o elenco das causas de nulidade de sentença previstas no artigo 668.º do Código de Processo Civil, designadamente a da al. b) do seu n.º 1, onde se determinava a nulidade da sentença «Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão».
A matéria de facto provada e não provada e a respectiva apreciação jurídica face ao pedido e à causa de pedir, integravam, em conjunto, o conceito de «fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão», o que implicava que não ocorresse nulidade de sentença resultante de qualquer vício verificado ao nível da indicação da convicção do juiz.
Aliás, a alegada falta de fundamentação da matéria de facto não respeitava à sentença, mas sim à decisão relativa à matéria de facto, que era um acto processual anterior à sentença.
O n.º 4 do artigo 653.º do Código de Processo Civil, respeitante a esta matéria, previa que a parte reclamasse na altura, pela primeira vez, relativamente à falta de motivação, nestes termos:
«Voltando os juízes à sala da audiência, o presidente procede à leitura do acórdão que, em seguida, facultará para exame a cada um dos advogados, pelo tempo que se revelar necessário para uma apreciação ponderada, tendo em conta a complexidade da causa; feito o exame, qualquer deles pode reclamar contra a deficiência, obscuridade ou contradição da decisão ou contra a falta da sua motivação; apresentadas as reclamações, o tribunal reunirá de novo para se pronunciar sobre elas, não sendo admitidas novas reclamações contra a decisão que proferir».
Por conseguinte, era claro anteriormente que o vício em causa não respeitava à sentença, mas a um acto judicial anterior a ela, não se tratando, pois, como se disse, de uma nulidade de sentença.
A questão vinha ainda regulada no n.º 5 do artigo 712.º, do Código de Processo Civil, onde a lei dispunha o seguinte:
«Se a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa não estiver devidamente fundamentada, pode a Relação, a requerimento da parte, determinar que o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados ou repetindo a produção da prova, quando necessário; sendo impossível obter a fundamentação com os mesmos juízes ou repetir a produção da prova, o juiz da causa limitar-se-á a justificar a razão da impossibilidade».
Face a esta norma, se a parte colocasse, em sede de recurso, a questão da falta ou deficiência de indicação das razões que tinham levado o juiz a declarar como «provado» ou «não provado» um facto, o caminho a seguir pela parte consistia em pedir ao Tribunal da Relação que o processo baixasse à 1.ª instância para que o juiz suprisse a falta.
No regime processual anterior, como se disse, a falta em causa não gerava a nulidade da sentença.
Actualmente podem suscitar-se dúvidas porque a resposta à matéria de facto e a indicação da convicção passaram a fazer parte da sentença, a ser produzidas, portanto, no mesmo acto processual.
No entanto, «os fundamentos de facto» mencionados na al. b), do n.º 1, do artigo 615.º do Código de Processo Civil actual e na antiga b), do n.º 1, do artigo 668.º do Código de Processo Civil, sendo a redacção de ambas as alíneas a mesma, isto é, «Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão», continuam a não se identificar com a fundamentação da convicção do julgador.
Os «fundamentos de facto… que justificam a decisão» são apenas constituídos pelos factos «provados» e «não provados» [2], pois, só tais factos podem justificar a «decisão» referida na mencionada alínea b), do n.º 1, do artigo 615.º do Código de Processo Civil, tratando-se da «decisão» que constará do «dispositivo» da sentença.
Afigura-se, por conseguinte, que a indicação da convicção do juiz embora integre a «fundamentação da sentença», como resulta do n.º 4 do artigo 607.º do novo Código de Processo Civil, não integra, porém, o conceito de «fundamentos de facto» que consta da mencionada b), do n.º 1, do artigo 615.º do mesmo código.
Esta conclusão é reforçada pelo facto de no artigo 662.º do novo Código de Processo Civil se continuar a prescrever para os vícios que afectam a explanação da convicção do juiz, relativamente à matéria de facto declarada provada ou não provada, a mesma solução processual consagrada na versão anterior do Código de Processo Civil.
Com efeito, na al. d), do n.º 2, do artigo 662.º do actual Código de Processo Civil, prescreve-se que o Tribunal da Relação pode, mesmo oficiosamente, «Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados».
E nas als. b) e d) do n.º 3, do mesmo artigo 662.º, prescreve-se:
«Nas situações previstas no número anterior, procede-se da seguinte forma: …», «b) Se a decisão for anulada e for inviável obter a sua fundamentação pelo mesmo juiz, procede-se à repetição da prova na parte que esteja viciada, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições».
«d) Se não for possível obter a fundamentação pelo mesmo juiz ou repetir a produção de prova, o juiz da causa limitar-se-á a justificar a razão da impossibilidade».
Verifica-se pelo teor desta al. d) que não estando devidamente fundamenta a decisão, nem sendo possível obter tal fundamentação, nenhuma consequência processual é assinalada, o que exclui a «nulidade de sentença» como sanção para tal deficiência.
Poderá argumentar-se que esta solução é injustificada, mas talvez surja como menos injustificada se se tiver em consideração que a falta de fundamentação relativa à decisão da matéria de facto não impede a parte interessa de recorrer da matéria de facto e, porventura, tal deficiência até lhe facilitará a argumentação recursiva.
Afigura-se, por conseguinte, face ao exposto, que se deve concluir no sentido da deficiência da fundamentação da matéria de facto não gerar a nulidade da sentença.
Segundo – As exigências de fundamentação da decisão tomada acerca da matéria de facto não são sempre as mesmas em todos os casos.
Com efeito, as exigências são superiores quando há duas ou mais partes a alegarem e produzirem provas e menores, como no caso dos autos, quando há só uma parte em actividade, pois neste último caso a complexidade é menor.
Assim como são superiores quando a prova é apenas testemunhal e menores quando ela é documental ou pericial.
Quando os meios de prova são essencialmente documentais, o Tribunal Constitucional já ponderou no acórdão n.º 303/2003 [3], citando Michele Taruffo, que «A fundamentação de julgamento de facto é uma justificação racional ex post destinada a permitir o controlo da racionalidade da respectiva decisão, necessário face à liberdade do juiz na avaliação da prova, que deve assim explicitar, com argumentação justificativa, a razão que o levou a atribuir eficácia aos meios de prova (M. Taruffo, La prova dei fatti giuridici, pp 108 e 109).
Nestes termos, a simples menção de meios concretos de prova testemunhal não satisfaz cabalmente aquela exigência de controlo. Diferentemente quanto à prova documental, onde normalmente a racionalidade da fundamentação se satisfaz com a menção de os factos resultarem da prova que os documentos fazem, o que permite na perspectiva endoprocessual da função da fundamentação: a) às partes o exercício mais fácil do direito de impugnação; b) ao Tribunal de recurso o controlo da respectiva decisão (M. Taruffo, La senteza In Europa, p. 187)».
Esta argumentação vale para o presente caso.
Com efeito, o núcleo fundamental dos factos está provado por documentos.
Estão provados documentalmente os contratos de locação financeira n.º …58 (fls. 18 a 20), n.º …29 (fls. 21 a 23), n.º …53 (fls. 24 a 26) e n.º …16 (fls. 27 a 29), constando destes contratos, de todos eles, que todas as comunicações ou notificações relativas às relações contratuais serão efectuadas para os domicílios constantes do contrato ou para outro que venha a ser indicado.
A fls. 49 a 60 encontram-se cópias das cartas remetidas pela Requerente para os endereços constantes dos contratos, e respectivas cópias dos avisos de recepção, tendo duas delas sido recepcionadas pela Requerida e outras duas aguardado nas estações dos correios o respectivo levantamento, nas quais declarou que os contratos haviam atingido o prazo limite de vigência e caducado o direito de opção de compra, exigindo a devolução e pagamento das quantias ainda em dívida.
Por conseguinte, o juiz ao fundamentar a sua convicção remetendo singelamente para estes meios de prova quis implicitamente exteriorizar que considerava tais documentos como tendo existido e o seu conteúdo como correspondendo à realidade.
Não se afigura que houvesse muito mais a dizer ou a justificar face ao alegado e ao material probatório disponível.
Por conseguinte, em termos substanciais deve considerar-se que no caso concreto as exigências da fundamentação da matéria de facto eram rudimentares e as provas apresentadas não exigiam que o juiz procedesse a uma análise crítica das provas devido à clareza dos documentos apresentados no que respeita à sua aptidão para a prova sumária dos factos alegados.
Concluindo.
Pelas razões que acabam de ser indicadas é de concluir que a falta de análise crítica das provas não gera a nulidade da sentença e neste caso concreto os meios de prova apresentados não implicavam a realização de uma análise crítica da prova.
*
Vejamos ainda as duas restantes questões suscitadas pela recorrente no âmbito desta primeira questão.
A recorrente alude (conclusão «C») ainda à ausência na sentença de factos declarados «não provados», designadamente os que constam dos artigos 43.º a 52.º do requerimento inicial e que não foram objecto de julgamento de facto, os quais em seu entender são fundamentais para a decisão da causa.
Esta questão não tem relevo para a Recorrente, pois a falta de tais factos no elenco dos «factos provados» ou no dos «factos não provados» não a pode prejudicar.
Se o tribunal não se pronunciou sobre eles a recorrente não é prejudicada por isso.
E, como se referirá de seguida sob o ponto «2», tais factos não são necessários à apreciação do mérito da causa.
Por conseguinte, a falta de decisão sobre tais factos (dos artigos 43.º a 52.º do requerimento inicial) não assume relevância.
A Recorrente refere ainda (conclusão «D») a falta de conclusão da frase «Tendo o contrato sido resolvido e não tendo a Requerida procedido à restituição da viatura em», que compõe o facto n.º 41 da sentença.
Há aqui um mero lapso de escrita.
O sentido útil da frase termina em «viatura».
Com efeito, no requerimento inicial não consta qualquer facto que contenha uma data de calendário precisa (dia, mês e ano) para a entrega de qualquer um dos veículos, referindo-se apenas que a entrega deveria ser imediata, a partir do termo do prazo de 8 dias que era dado.
Por conseguinte, a questão suscitada pela Requerente não conduz a qualquer consequência.
Passando à segunda questão.
2 – Em segundo lugar, coloca-se a questão de saber se os factos provados são insuficientes para concluir pela verificação dos pressupostos requeridos pela providência, uma vez que não há factos provados de onde resulte, nos termos do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Julho, risco de lesão grave do direito invocado caso não seja decretada a providência.
A resposta deve ser afirmativa, muito embora a jurisprudência se encontre dividida a tal respeito [4].
Com efeito, como resulta da conjugação de interesses exarada no artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Julho, o risco de lesão grave do direito invocado caso não seja decretada a providência não faz parte dos requisitos a cumprir pelo requerente da providência.
Com efeito, nos termos do n.º 4 deste art. 21.º, «O tribunal ordenará a providência requerida se a prova produzida revelar a probabilidade séria da verificação dos requisitos referidos no nº 1, podendo, no entanto, exigir que o locador preste caução adequada».
Como se vê, a lei diz expressivamente que «o tribunal ordenará a providência requerida» quando verificada a situação prevista no n.º 1, não exigindo a verificação de qualquer periculum in mora.
O que se compreende atendendo aos interesses em jogo, pois findo o contrato, o locatário deixa de ter direito a usar a coisa e usando-a desgasta-a, desvaloriza-a e impede o locador de a usar, não se afigurando que tal situação possa obter a tutela do direito e manter-se por largos meses ou mesmo anos à espera de uma decisão final dos tribunais, porventura inútil, nos casos em que o locador não consiga ressarcir-se do prejuízo sofrido.
É certo que no n.º 8 deste artigo se dispõe que «São subsidiariamente aplicáveis a esta providência as disposições gerais sobre providências cautelares, previstas no Código de Processo Civil, em tudo o que não estiver especialmente regulado no presente diploma».
Mas parece óbvia esta inferência: se o legislador tivesse querido submeter a apreensão e entrega dos bens objecto do contrato de locação financeira ao regime geral das providências cautelares, exigindo a verificação do periculum in mora, então nada tinha dito e aplicava-se naturalmente o regime das providências cautelares previsto no Código de Processo Civil, que exigem esse periculum, mas, em caso algum, teria disposto como dispôs no n.º 4 do artigo 21.º, que «O tribunal ordenará a providência requerida se a prova produzida revelar a probabilidade séria da verificação dos requisitos referidos no nº 1, podendo, no entanto, exigir que o locador preste caução adequada», nem teria feito a ressalva constante da parte final do n.º 8 deste mesmo artigo, em relação à aplicação do regime geral das providências cautelares, «…em tudo o que não estiver especialmente regulado no presente diploma».
A não ser assim, o legislador teria actuado com inabilidade extrema na redacção destes textos legais.
Por fim, os interesses em causa implicam o entendimento que dada a natureza desta providência e o seu objectivo, a lei presumiu, e por isso dispensou a sua verificação em concreto, a existência do periculum in mora quando o locatário continua na posse de um veículo que devia já ter entregado.
Com efeito, a falta de entrega do veículo implica, em regra, que o mesmo continue a circular e a deteriorar-se inexoravelmente, que permaneça sujeito ao risco de sofrer acidentes e que o locador não possa dispor dele para os fins que entenda apesar de ser o seu proprietário.
Como referiu Abrantes Geraldes a respeito desta matéria, «Não se exige a alegação e prova do periculum in mora, o qual resulta implícito da natureza do contrato e da natural e previsível degradação do bem na pendência da acção definitiva» [5].
Improcede, pelo exposto, também esta argumentação deduzida pela Requerente, cumprindo, por isso, julgar o recurso improcedente.
IV. Decisão.
Considerando o exposto, julga-se o recurso improcedente e mantém-se a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
*
Porto, 29 de Setembro de 2014.
Alberto Ruço.
Correia Pinto.
Ana Paula Amorim.
_______________
[1] Regime jurídico do contrato de locação financeira, alterado pelos Decretos-Lei n.º 265/97, de 02/10 (ver Rectificação n.º 17-B/97, de 31/10), 285/2001, de 03/11 e 30/2008, de 25/02.
[2] Ver o n.º 3 do artigo 607.ºdo Código de Processo Civil, com esta redacção: «Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final», onde também se identificam os «fundamentos» com os factos e as normas de direito aplicáveis.
[3] DR, II Série, n.º 29, de 4 de Fevereiro de 2004, pág. 2039-2041.
[4] Para uma resenha jurisprudencial de ambas as posições consultar o acórdão do TRL de 15-12-2011, no processo 746/11.8TVLSB-A (Jorge Leal), em www.dgsi.pt.
[5] Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. IV, pág. 305.
No mesmo sentido ver os acórdãos do TRC proferido em 15-9-2009, no processo n.º 76/09.5TVPRT.C1 (Regina Rosa); acórdão do TRE de 16-1-2014, no processo n.º 864/13.8TBLLE (José Lúcio): «1.No art. 21.º do DL 149/95, de 24/6, o legislador quis estabelecer um regime próprio de providências cautelares originadas em incumprimento de contratos de locação financeira. 2.Os requisitos para o decretamento da providência cautelar em causa não coincidem com aqueles legalmente exigidos para as providências cautelares não especificadas, não se exigindo nomeadamente a demonstração do chamado "periculum in mora"» (sumário), ambos em www.dgsi.pt.