Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1112/20.0T8LOU-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA
Descritores: EXECUÇÃO
REGIME DO PERSI
EXCEPÇÃO DILATÓRIA INOMINADA
INVOCAÇÃO EM REQUERIMENTO AUTÓNOMO
Nº do Documento: RP202206151112/20.0T8LOU-A.P1
Data do Acordão: 06/15/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O cumprimento prévio dos deveres impostos pelo regime do PERSI constitui um pressuposto específico da acção executiva para cobrança do crédito em mora cuja ausência se traduz numa excepção dilatória inominada de conhecimento oficioso que conduz à absolvição da instância.
II - Se no requerimento executivo não é mencionado o cumprimento dos deveres impostos pelo regime do PERSI, deve ser proferido despacho a convidar ao aperfeiçoamento do requerimento.
III - O executado, mesmo não tendo deduzido oposição à execução, não está impedido de suscitar, por simples requerimento, a referida excepção dilatória até ao momento limite em que o tribunal dela pode (deve) conhecer.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação
ECLI:PT:TRP:2022: 1112.20.0T8LOU.A.P1
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Sumário:
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Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório:
Na execução para pagamento de quantia certa em que é exequente a Banco 1..., S.A., pessoa colectiva e contribuinte fiscal n.º ..., e são executados AA, contribuinte fiscal n.º ..., BB, contribuinte fiscal n.º ..., CC, contribuinte fiscal n.º ..., e DD, contribuinte fiscal n.º ..., todos residentes em ..., Amarante, procedeu-se à citação dos executados para deduzirem oposição e decorreu o prazo legal sem que o tenham feito.
Posteriormente, a executada AA apresentou nos autos um requerimento com o seguinte conteúdo:
«AA, executada nestes autos, vem deduzir excepção dilatória insuprível inominada por falta de condição objectiva de procedibilidade nos termos que se seguem:
1. A presente execução funda-se no vencimento da obrigação de restituição das quantias mutuadas pela exequente por força dos contratos de mútuo com hipoteca celebrados melhor identificados nos autos.
2. Sucede que em 01.01.2013 entrou em vigor o Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, que estabelece princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e na regularização das situações de incumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários e cria a rede extrajudicial de apoio a esses clientes bancários no âmbito da regularização destas situações.
3. Como se retira do seu preâmbulo, o Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10 veio instituir o Plano de Acção para o Risco de Incumprimento (PARI) e regulamentar o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), face à crise económica e financeira sentida à época.
4. Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 2º, o referido diploma legal aplica-se aos contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre bem imóvel, como indubitavelmente é o caso dos autos.
5. Dos art.º 12º a 21º do referido diploma legal resulta a obrigatoriedade da exequente, enquanto instituição de crédito, implementar o PARI e iniciar o PERSI quanto aos mutuários, nomeadamente quanto aos aqui executados.
6. Resulta concretamente do art.º 13º do referido diploma legal que a exequente tinha a obrigação de, no prazo máximo de 15 dias após o vencimento da obrigação de informar os executados e, posteriormente integrar os executados no PERSI e, no âmbito do referido procedimento, apresentar uma ou mais propostas de regularização da situação adequada à sua capacidade financeira para reembolsar o capital, designadamente através da renegociação das condições do contrato ou da sua consolidação com outros contratos de crédito – art.º 15º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25.10.
7. Como resulta das alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 18º do referido diploma legal, entre a data de integração da executada no PERSI e a extinção deste procedimento, a exequente estava impedido de resolver o contrato de crédito e de intentar acções judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito.
8. Ora, a exequente não integrou os executados no PERSI, que nem sequer implementou.
9. Aliás, a exequente nem sequer alega no seu requerimento executivo a integração dos executados no PERSI.
10. Ora, tendo incumprido com essa sua obrigação de integração dos executados no PERSI, era vedado à exequente intentar a acção executiva dos autos, e até mesmo resolver o contrato de crédito, nos termos do estatuído nas alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 18º do Decreto-Lei n.º 227/2012.
11. Como é bom de ver, dúvidas não se colocam que a exequente não podia ter intentado a execução dos autos, pelo que a mesma tramita e persiste ilegalmente, em clara violação dos art.º 12º e seguintes e art.º 18º do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro e do art.º 726º, n.º 2 alínea b) do Cód. de Proc. Civil.
12. Face à referida omissão na alegação por parte da exequente bem como a falta de prova do cumprimento do PERSI quanto aos executados, por não juntar ao requerimento executivo quaisquer documentos comprovativos, deveria ter sido indeferido liminarmente o requerimento executivo nos termos do comando legal contido na alínea b) do n.º 2 do art.º 726º do Cód. de Proc. Civil.
13. Com efeito, dispõe o referido normativo que: “2. O juiz indefere liminarmente o requerimento executivo quando: (…) b) Ocorram excepções dilatórias, não suprível, de conhecimento oficioso;”.
14. Pois que a falta de inclusão dos executados no PERSI por parte da exequente constitui uma excepção dilatória insuprível inominada por falta de condição objectiva de procedibilidade.
[…] 17. Também a jurisprudência do STJ tem vindo a sedimentar o entendimento que a comunicação de integração no PERSI, bem como a extinção do mesmo, constituem condição de admissibilidade da acção (declarativa ou executiva), consubstanciando a sua falta uma excepção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso, que determina a extinção da instância – ver, entre outros, Ac STJ de 13 de Abril de 2021 (Processo 1311/19.7T8ENT-B.E1.S1), Ac STJ de 19 de Maio de 2020 (Processo 6023/15.8T8OER-A.L1.S1) e Ac STJ de 19 de Maio de 2020 (Processo 4701/16.3T8MAI-A.P1.S2), todos disponíveis in www.dgsi.pt.
18. Compulsado o enquadramento jurídico e a fundamentação dos referidos arestos, cumpre concluir que a falta de integração dos executados constitui uma excepção dilatória inominada impeditiva ab initio a instauração da acção executiva, por se tratar de uma falta de condição objectiva de procedibilidade insanável.
19. E, tratando-se de uma excepção dilatória, determina o art.º 578º do Cód. de Proc. Civil que deve ser conhecida oficiosamente pelo Tribunal,
20. pois constituindo uma excepção de conhecimento oficioso, que não carece de ser invocada para ser apreciada, deverá, com o devido respeito, este Tribunal dela tomar conhecimento.
Termos em que se requer a V.Ex.ª: a) seja conhecida e decidida a excepção dilatória de conhecimento oficioso ora deduzida, b) seja declarada procedente, por provada, a invocada excepção dilatória de falta de condição objectiva de procedibilidade; c) seja os executados absolvidos da instância, declarando-se a extinção da instância.»
A exequente respondeu a este requerimento invocando, a título de questão prévia, a extemporaneidade do requerimento, defendendo que a eventual falta de integração da mutuária no PERSI não constitui uma nulidade e que a executada teria de ter invocado a falta de integração no PERSI no prazo de oposição à execução, o qual se encontrava há muito ultrapassado, constituindo a tentativa de suscitar agora esse suposto vício um ostensivo abuso de direito, por exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé e pelo fim económico do direito invocado. De qualquer modo, ao contrário do que ela refere, integrou a mutuária no PERSI o qual foi encerrado por falta de resposta dos mutuários.
A seguir foi proferida a seguinte decisão judicial:
«A executada AA veio, depois de esgotado o prazo para deduzir embargos de executado, requerer o conhecimento oficioso de excepção dilatória inominada, traduzida em alegada falta de condição objectiva de procedibilidade, por não implementação do PERSI quanto aos executados mutuários.
A exequente respondeu, seja para invocar a extemporaneidade do suscitado, seja para contraditar a alegação de fundo da executada, sustentando que o regime PERSI foi observado e cumprido em momento prévio à interposição da execução.
Decidindo:
As excepções dilatórias são fundamento de embargos de executado, nos termos dos arts. 729.º e 731.º do NCPC, de tal forma que será essa a sede própria principal para o executado suscitar o conhecimento por parte do tribunal.
De qualquer modo, como resulta dos arts. 726.º, n.º 2, al. b), e 734.º, n.º 1, do NCPC, mesmo não sendo deduzidos embargos de executado, o juiz pode, até à transmissão de bens, conhecer oficiosamente do que poderia ter determinado o indeferimento liminar do requerimento executivo, ou seja, entre o mais, pode conhecer de excepções dilatórias insupríveis que sejam de conhecimento oficioso.
No entanto, como decorre dos aludidos preceitos legais, a possibilidade de, ultrapassada a fase da apreciação liminar do requerimento executivo e dos embargos de executado, serem conhecidas excepções dilatórias (ou outras questões) apenas se verifica quando o juiz, efectuando uma reapreciação do requerimento/título executivo (ou apreciação, no caso de execução sumária em que não tenha havido despacho liminar), verifique alguma excepção que devesse ter implicado o indeferimento liminar do requerimento executivo, sem que caiba, numa fase posterior/avançada da execução, inserir um incidente declarativo, incluindo com produção de prova, para que as partes suscitem a verificação de excepções dilatórias, sob pena de tal corresponder a um prolongamento potencial desproporcionado da fase de oposição à execução. De facto, se o juiz, fora do incidente de embargos e após a fase liminar da execução, (só) pode conhecer de questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do art. 726.º do NCPC, o indeferimento liminar do requerimento executivo, como decorre do disposto no art. 734.º do NCPC, tal implica que a apreciação do juiz se tenha de limitar ao que poderia ter conhecido na fase liminar da execução (no despacho liminar efectivamente proferido, no caso de execuções na forma ordinária, ou no despacho que, a existir, seria proferido, no caso de execuções na forma sumária), onde não há lugar a defesa/oposição prévia por parte do executado.
Ora, a excepção dilatória inominada invocada pela executada não resultava verificada em face dos elementos disponíveis na fase liminar da execução, sendo que não é ónus de alegação da exequente no requerimento executivo a confirmação do cumprimento do regime PERSI (e, se fosse, o que se imporia era apenas um convite ao aperfeiçoamento, nos termos dos arts. 726.º e 734.º do NCPC).
Por conseguinte, uma vez que, se tivesse existido despacho liminar, não se justificaria conhecer oficiosamente da verificação da alegada excepção dilatória, também agora inexiste fundamento para tal conhecimento, ao abrigo do art. 734.º do NCPC.
Acresce que, mesmo que assim não se entendesse, a prova da verificação de excepção dilatória caberia sempre à executada, e a verdade é que, não só os autos não comportam qualquer elemento que revele o preenchimento dos pressupostos da excepção dilatória invocada, ou seja, o incumprimento do regime PERSI, como a executada também não junta qualquer prova nesse sentido. Pelo contrário, o que os autos comportam são apenas elementos probatórios no sentido de que o regime PERSI foi cumprido, como resulta dos documentos juntos pela exequente no seu requerimento de 17.02.2022.
Assim sendo, por tudo o exposto, improcede a arguição da executada.
Nestes termos, julga-se improcedente o requerido conhecimento oficioso de excepção dilatória.
Custas do incidente pela executada AA, com taxa de justiça que se fixa em 1 UC (art. 7.º, n.º 4, do RCP, e tabela II anexa), sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficie.
Notifique.»
Do assim decidido, a executada interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
A- A executada, esgotado o prazo para dedução de embargos, veio requerer que, por ser de conhecimento oficioso, fosse conhecida e decidida a excepção dilatória de falta de condição objectiva de procedibilidade, por não implementação do PERSI quanto a si e aos demais executados.
B- Entendeu o Tribunal a quo que é em sede de embargos de executado que deve ser suscitado o conhecimento de excepções dilatórias, sendo que, fora do incidente de embargos, o juiz pode, até à transmissão de bens, conhecer oficiosamente do que poderia ter determinado o indeferimento liminar do requerimento executivo, ou seja, pode conhecer de excepções dilatórias insupríveis que sejam de conhecimento oficioso, nos termos do disposto nos arts. 726.º, n.º 2, al. b), e 734.º, n.º 1, do CPC.
C- Entendeu o Tribunal a quo que, in casu, a excepção dilatória invocada pela recorrente não resultava verificada em face dos elementos disponíveis na fase liminar da execução, daí concluindo que, se tivesse existido despacho liminar, não se justificaria conhecer oficiosamente da verificação da alegada excepção, também agora inexiste fundamento para tal conhecimento.
D- Diz o Tribunal a quo que não é ónus de alegação da exequente no requerimento executivo o cumprimento do regime PERSI e, que se fosse, o que se imporia era apenas um convite ao aperfeiçoamento do requerimento executivo.
E- Acontece que, conforme estipula o art. 734.º n.º 1 do CPC, o juiz pode conhecer oficiosamente das questões que poderiam ter determinado o aperfeiçoamento do requerimento executivo, pelo que, a entender o Tribunal a quo que a omissão de alegação do cumprimento do PERSI era fundamento de convite ao aperfeiçoamento, então também era fundamento do conhecimento da excepção dilatória.
F- Diz também o Tribunal a quo que a prova da verificação de excepção dilatória sempre caberia à executada, e que não só os autos não comportam qualquer elemento que revele o incumprimento do regime PERSI, como a executada também não junta qualquer prova nesse sentido.
G- Cabe aqui determinar se cabia à exequente alegar e provar o cumprimento do regime do PERSI, ou se cabia à executada alegar e provar o incumprimento de tal regime.
H- Determina o n.º 1 do art.º 5º do CPC que “Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas”.
I- Constituindo o cumprimento do PERSI e a inclusão dos executados no PERSI uma causa de procedibilidade da execução por determinação de normas imperativas estabelecidas pelo regime do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, isto é, um pressuposto para a instauração da acção executiva, tal alegação constitui um facto essencial integrante da causa de pedir.
J- Sendo omissa a alegação do requerimento executivo quanto a estes factos, a mesma revela-se inepta nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do art.º 186º do CPC, o que é cominado no n.º 1 do referido preceito legal com a nulidade de todo o processo, o que deveria ter sido declarado em primeira instância.
K- E, por sua vez, esta falta de alegação e consequente nulidade de todo o processo constitui uma excepção dilatória, de conhecimento oficioso, nos termos do estatuído na alínea b) do art.º 577º e 578º, ambos do CPC, que tem como consequência a absolvição da instância, nos termos do disposto no art. 576.º n.º 2 do CPC, e que, nos termos do disposto no art. 726.º n.º 2, al. b), do CPC, deveria ter determinado o indeferimento liminar do requerimento executivo; podendo, fora do despacho liminar, a mesma ainda ser conhecida nos termos do disposto no art. 734.º n.º 1 do CPC, até ao primeiro acto de transmissão dos bens penhorados, situação que se verifica nos autos.
L- Como se vê, não cabia à executada a prova do incumprimento do regime do PERSI.
M- Diz ainda o Tribunal a quo que não só a executada não cumpriu o seu ónus como ainda resultam dos autos elementos probatórios no sentido de que o regime PERSI foi cumprido, como resulta dos documentos juntos pela exequente no seu requerimento de 17/02/2022.
N- Ora, por requerimento de 25/02/2022, a executada impugnou o teor dos referidos documentos, por não corresponderem à verdade, sendo certo que o destinatário do documento junto sob o n.º 3 do referido requerimento apresentado pela exequente era EE, falecido em 23/11/2018, conforme resulta da certidão de óbito junta ao requerimento executivo.
O- Dispõem os artigos 14º n.º 4 e 17º n.º 3 do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, que se impunha a obrigação da exequente comunicar à executada a integração e extinção em PERSI através de “suporte duradouro”.
P- A alínea h) do artigo 3º do referido diploma define o “suporte duradouro” como qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas.
Q- Daqui se retira que a lei exige uma determinada forma para a comunicação da inserção do cliente no PERSI, bem como para a sua extinção.
R- Ora, a exequente não juntou prova do envio das comunicações que diz ter feito à executada, recaindo sobre esta o ónus de fazer tal prova, pelo que daqui se deve concluir pela inexistência de prova documental demonstrativa do efectivo envio das cartas atinentes à integração no PERSI e à sua extinção.
S- Por outro lado, dispõem os supra-referidos artigos 14º n.º 4 e 17º n.º 3 do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, que se impunha a obrigação da instituição de crédito comunicar aos clientes bancários a integração e extinção em PERSI, dispondo o artigo 3.º al. a) daquele diploma que se entende por “cliente bancário” o consumidor que intervenha como mutuário em contrato de crédito.
T- Certo é que, muito embora os filhos do referido EE – os executados BB, CC e DD - não fossem clientes bancários por não terem outorgado no contrato de crédito, falecido o seu pai, em 23/11/2018, respondem aqueles pelas dívidas do falecido, nos termos do disposto no art. 2068.º do CC.
U- Assim, impunha-se também à exequente comunicar-lhes a sua integração no PERSI, o que não foi feito, nem alegado.
V- Acresce que a exequente arrolou prova testemunhal para prova do cumprimento do PERSI; que o Tribunal a quo não ouviu nem podia tê-lo feito, pelo facto de não ser sequer admissível prova testemunhal como prova da forma de comunicação da integração no PERSI e sua extinção, uma vez que se não podem considerar os documentos juntos aos autos (as alegadas cartas enviadas) como princípio de prova, porquanto nenhuma prova do envio foi junta aos autos.
W- Acresce que, como é consabido, só podem ser executadas obrigações certas, líquidas e exigíveis.
X- Ora, não sendo pelo menos exigível a obrigação dada à execução, por falta de instauração do PERSI pelo exequente relativamente aos executados, não estão verificados os requisitos materiais para a mesma ser objecto de acção executiva.
Y- Pelo exposto, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 5º n.º 1, 186º, 195º n.º 2, 196º, 576º n.º 2, 577º al. b), 578º, 703º, 726º n.º 2 al. b) e 734.º n.º 1, todos do CPC e no artigo 18º, n.º 1 al. b) do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro.
O recorrido respondeu a estas alegações defendendo a falta de razão dos fundamentos do recurso e pugnando pela manutenção do julgado.
Após os vistos legais, cumpre decidir.

II. Questões a decidir:
As conclusões das alegações de recurso demandam desta Relação que decida as seguintes questões:
- Qual a natureza processual do incumprimento da obrigação legal de abertura do PERSI antes da instauração da execução;
- Se esse vício tem de ser arguido pelo executado e, neste caso, apenas pode ser arguido através de embargos de executado, ou é de conhecimento oficioso e, neste caso, se pode ser conhecido após o termo do prazo para a dedução dos embargos.

III. Os factos:
Para a decisão a proferir relevam os seguintes factos:
No requerimento executivo a exequente alega ter celebrado com EE e AA, em 27 de Outubro de 2000, um contrato de mútuo (contrato ...85) no montante de €62.848,54, importância esta de que se confessaram desde logo solidariamente devedores, dos respectivos juros à taxa anual de 9,544%, acrescida, em caso de mora, de uma sobretaxa até 4% ao ano e das comissões, despesas, outros encargos e respectivos juros de mora
A. Para garantia desse mútuo os mutuários constituíram a favor da exequente hipoteca sobre a fracção autónoma designada pelas letras “BA”, destinada a habitação, correspondente ao quarto andar, apartamento (T-2), Bloco ..., do prédio urbano em propriedade horizontal, sito em ... ou ..., freguesia ..., concelho de Amarante, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amarante sob o número ..... e inscrito na matriz sob o artigo ....
B. O mútuo destinou-se à aquisição do imóvel hipotecado para habitação própria e permanente dos executados.
C. Os mutuários deixaram de proceder ao pagamento das prestações acordadas em Abril de 2019, encontrando-se em dívida, à data de 27/03/2020, a quantia de €22.249,12.
D. Verificado o incumprimento, a mutuante notificou os mutuários para procederem à liquidação dos valores em dívida no prazo de 30 dias.
E. Findo o prazo concedido, os mutuários não procederam à regularização dos valores em dívida, pelo que a exequente os notificou da perda do benefício do prazo e que se venceu antecipadamente o empréstimo.
F. A exequente alega ainda ter celebrado com EE e AA, em 27 de Outubro de 2000, também um contrato de mútuo (contrato ...85) no montante de €7.980,77, importância esta de que se confessaram desde logo solidariamente devedores, dos respectivos juros à taxa anual de 9,544%, acrescida, em caso de mora, de uma sobretaxa até 4% ao ano e das comissões, despesas, outros encargos e respectivos juros de mora
G. Para garantia desse mútuo os mutuários constituíram a favor da exequente hipoteca sobre a fracção autónoma designada pelas letras “BA”, destinada a habitação, correspondente ao quarto andar, apartamento (T-2), Bloco ..., do prédio urbano em propriedade horizontal, sito em ... ou ..., freguesia ..., concelho de Amarante, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amarante sob o número ..... e inscrito na matriz sob o artigo ....
H. O mútuo destinou-se a facultar recursos para o financiamento de investimentos múltiplos, não especificados, em bens imóveis.
I. Os mutuários deixaram de proceder ao pagamento das prestações acordadas em Junho de 2019, encontrando-se em dívida, à data de 27/03/2020, a quantia de €3.309,06.
J. Verificado o incumprimento, a mutuante notificou os mutuários para procederem à liquidação dos valores em dívida no prazo de 30 dias.
K. Findo o prazo concedido, os mutuários não procederam à regularização dos valores em dívida, pelo que a exequente os notificou da perda do benefício do prazo e que se venceu antecipadamente o empréstimo.

IV. O mérito do recurso:
A] Natureza do vicio da violação da obrigação legal de abertura de um PERSI antes da execução do devedor:
O preâmbulo do Dec. Lei nº 227/2012 de 25.10, justifica assim as soluções legais introduzidas pelo diploma:
“A concessão responsável de crédito constitui um dos importantes princípios de conduta para a actuação das instituições de crédito. A crise económica e financeira que afecta a maioria dos países europeus veio reforçar a importância de uma actuação prudente, correcta e transparente das referidas entidades em todas as fases das relações de crédito estabelecidas com os seus clientes enquanto consumidores na acepção dada pela Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril.
A degradação das condições económicas e financeiras sentidas em vários países e o aumento do incumprimento dos contratos de crédito, associado a esse fenómeno, conduziram as autoridades a prestar particular atenção à necessidade de um acompanhamento permanente e sistemático, por parte de instituições, públicas e privadas, da execução dos contratos de crédito, bem como ao desenvolvimento de medidas e de procedimentos que impulsionem a regularização das situações de incumprimento daqueles contratos, promovendo ainda a adopção de comportamentos responsáveis por parte das instituições de crédito e dos clientes bancários e a redução dos níveis de endividamento das famílias.
Neste contexto, com o presente diploma pretende-se estabelecer um conjunto de medidas que, reflectindo as melhores práticas a nível internacional, promovam a prevenção do incumprimento e, bem assim, a regularização das situações de incumprimento de contratos celebrados com consumidores que se revelem incapazes de cumprir os compromissos financeiros assumidos perante instituições de crédito por factos de natureza diversa, em especial o desemprego e a quebra anómala dos rendimentos auferidos em conexão com as actuais dificuldades económicas.
[…] define-se um Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), no âmbito do qual as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objectivos e necessidades do consumidor.”
O PERSI constitui uma fase pré-judicial, em que se visa a composição do litígio por mútuo acordo, entre credor e devedor, mediante um procedimento que comporta três fases: a fase inicial; a fase de avaliação e proposta; a fase de negociação - arts. 14º, 15º e 16º.
Na fase inicial, a instituição, depois de identificar a mora do cliente, informa-o do atraso no cumprimento e dos montantes em dívida, desenvolvendo diligências no sentido de apurar as razões subjacentes ao incumprimento registado; persistindo o incumprimento, integra-o, obrigatoriamente, no PERSI entre o 31º dia e o 60º dia subsequente à data do vencimento da obrigação em causa - arts.13º e 14º nº 1.
Na fase de avaliação e proposta, a instituição de crédito procede à avaliação da situação financeira do cliente para apurar se o incumprimento é momentâneo ou tem carácter duradouro. Findas as diligências, apresenta ao cliente uma ou mais propostas de regularização do crédito adequadas à sua situação financeira e necessidades, se considerar que o mesmo tem condições para cumprir. Se a averiguação feita tiver revelado incapacidade do cliente bancário para retomar o cumprimento das suas obrigações ou regularizar o incumprimento, mesmo com recurso à renegociação do contrato ou à sua consolidação com outros contratos de crédito, comunica ao cliente o resultado da avaliação e a inviabilidade de obtenção de um acordo no âmbito do PERSI, o qual se extinguirá – arts. 15º e 17º nº 2 al. c).
A fase da negociação tem por objectivo obter o acordo do cliente para a proposta ou uma das propostas apresentadas pela instituição de crédito com vista à regularização do incumprimento – art. 16º.
Durante o período que decorre entre a integração do cliente no PERSI e a extinção deste procedimento, está a instituição de crédito impedida de resolver o contrato de crédito com fundamento em incumprimento e de intentar acções judiciais com a finalidade de obter a satisfação do seu crédito. É o que resulta do disposto no n.º 1 do artigo 18º do diploma ao estabelecer, sob a epígrafe «Garantias do cliente bancário», o seguinte:
«No período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de: a) resolver o contrato de crédito com fundamento em incumprimento; b) intentar acções judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito; (…)».
Havendo a obrigação legal de abertura do PERSI após o incumprimento do devedor e previamente à instauração da execução para cobrança do crédito, coloca-se a questão de saber que vício constitui a instauração da execução sem o cumprimento daquele requisito legal prévio.
A resposta tem sido dada de forma unânime: o cumprimento prévio dos deveres impostos pelo regime do PERSI constitui um pressuposto específico da acção executiva cuja ausência se traduz numa excepção dilatória inominada de conhecimento oficioso que conduz à absolvição da instância (nesse sentido, os Acórdãos da Relação do Porto de 9.5.2019, proc. 21609/18.0T8PRT-A.P1, Judite Pires, e de 09.01.2019, proc. 8207/14.7T8PRT-B.P1, Filipe Caroço, em que interviemos como Adjunto; e ainda os Acórdãos da Relação de Évora de 6.10.2016, proc. 4956/14.8T8ENT-A.E1, Tomé de Carvalho; da Relação do Porto de 14.1.2020, proc. 4097/14.8TBMTS.P1, Ana Lucinda Cabral, de 07.03.2022, proc. n.º 121/20.3T8VLG-A.P1, Miguel Baldaia Morais, e de 07.02.2022, proc. n.º 1091/20.3T8OVR-A.P1, Ana Paula Amorim; da Relação de Évora de 28.6.2018, proc. 2791/17.0T8STB-C.E1, Mata Ribeiro; da Relação de Lisboa de 13.10.2020, proc. 15367/17.3T8SNT-A.L1-7, Maria da Conceição Saavedra; da Relação de Lisboa de 7.5.2020, proc. 2282/15.4T8ALM-A.L1-6, Adeodato Brotas, e do Supremo Tribunal de Justiça de 13-04-2021, proc. n.º 1311/19.7T8ENT-B.E1.S1, Graça Amaral, de 09-12-2021, proc. n.º 4734/18.5T8MAI-A.P1.S1, Ferreira Lopes, de 16-11-2021, proc. n.º 21827/17.9T8SNT-A.L1.L1.S, Clara Sottomayor, todos in www.dgsi.pt).
No caso não existem dúvidas de que os contratos de mútuo dados à execução se encontravam abrangidos pelo âmbito do mencionado decreto-lei uma vez que se tratam de contratos de crédito para a aquisição, construção e realização de obras em habitação própria permanente, e de contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre bem imóvel (cf. artigos 1º, nº 1, al. b), e 2º, nº 1, do Decreto-lei nº 227/2012, na redacção em vigor à data da instauração da execução).
Assim, tendo os mutuários deixado de pagar as prestações dos empréstimos que se foram vencendo a partir de meados de 2019, ocorreu a mora dos mutuários, pelo que estes teriam obrigatoriamente de ser integrado no PERSI.
Sendo a integração do devedor no PERSI e a subsequente extinção deste procedimento condições objectivas de procedibilidade da acção executiva, esta só podia ser intentada depois de preenchidas tais condições.
Cabia ao exequente o ónus de invocar no próprio requerimento executivo o preenchimento daquelas condições para justificar a possibilidade de instaurar a acção executiva.
B] Regime de conhecimento desse vício:
Nos termos do artigo 578.º do Código de Processo Civil o tribunal deve conhecer oficiosamente das excepções dilatórias, salvo da incompetência absoluta decorrente da violação de pacto privativo de jurisdição ou da preterição de tribunal arbitral voluntário e da incompetência relativa nos casos não abrangidos pelo disposto no artigo 104.º.
Esta regra, válida também para o processo executivo ex vi artigo 551.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, constitui é o regime regra de conhecimento das excepções dilatórias. A justificação desse regime advém da natureza legal da matéria a que respeita a excepção e da relevância que a mesma assume para o exercício do direito de acção
A excepção dilatória inominada ou atípica da falta de integração do devedor no PERSI e de extinção deste procedimento é, por isso mesmo, uma excepção de conhecimento oficioso, ou seja, uma excepção de que o juiz pode (deve) conhecer mesmo que ela não tenha sido arguida pelo interessado.
Nos termos do artigo 726.º do Código de Processo Civil, apresentado o requerimento executivo o processo é concluso ao juiz para despacho liminar. O despacho liminar pode ser de indeferimento, de aperfeiçoamento ou de citação.
O indeferimento liminar imediato tem lugar apenas nos casos em que seja manifesta a falta insuprível de pressuposto processual de conhecimento oficioso - artigo 762.º, n.º 2, alíneas a) e b) -, ou em que o juiz se aperceba da inexistência da obrigação exequenda constante de título negocial por causa oficiosamente cognoscível - artigo 762.º, n.º 2, alínea c) -.
Fora dessas situações, há lugar ao despacho de convite ao aperfeiçoamento a suprir a fala de pressupostos processuais e as outras irregularidades de que enferme o requerimento executivo, desde que sanáveis (artigo 726.º, n.º 4), e o requerimento só poderá ser indeferido, por despacho posterior, no caso de o exequente não proceder ao suprimento da falha apontada (artigo 726.º, n.º 5). Assim deverá suceder, por exemplo, nos casos de falta de autorização ou deliberação que o exequente devesse ter obtido, de falta de apresentação do título executivo, de omissão do requerimento das diligências destinadas a tornar certa, exigível ou líquida a obrigação.
Como escreve José Lebre de Freitas, in A acção executiva, à luz do Código de Processo Civil de 2013. 6ª Edição, Coimbra Editora, página 188, «passado o momento do despacho liminar, é ainda possível ao juiz vir a conhecer, até ao primeiro acto de transmissão de bens penhorados (venda, adjudicação, entrega de dinheiro) ou, por extensão, de consignação dos respectivos rendimentos, de qualquer das questões que, nos termos do art. 726, n.os 2 a 5, podiam ter conduzido ao convite ao aperfeiçoamento ou ao indeferimento liminar do requerimento executivo (art. 734). Só com esse primeiro acto de transmissão preclude, pois, a possibilidade de apreciação, no âmbito do processo executivo, dos pressupostos processuais gerais e das questões de mérito respeitantes à existência da obrigação exequenda, diversamente do que acontecia no direito anterior à revisão do Código. Até esse momento, o juiz deve convidar à supressão da irregularidade ou da falta do pressuposto ou rejeitar oficiosamente a execução, proferindo neste caso despacho de extinção da instância, logo que se aperceba da ocorrência de alguma das situações susceptíveis de fundar o aperfeiçoamento ou indeferimento liminar, quer tenha ou não havido despacho liminar e quer tal situação fosse já manifesta à data em que este foi proferido, quer só posteriormente se tenha revelado no processo executivo ou, mesmo, no processo declarativo dos embargos de executado».
O mesmo autor escreve sobre a possibilidade de o executado suscitar por simples requerimento questões que não foram objecto de embargos de executado, o seguinte:
«Resta, porém, saber se, não obstante a letra da lei e a mens legislatoris, a interpretação extensiva do art. 729 não se imporá, por necessidade, de ouro modo insuperável, de configuração de outros fundamentos de oposição. Foi o que defenderam, na vigência do Código de Processo Civil anterior à revisão, Castro Mendes e Anselmo de Castro. Para o primeiro, o executado podia deduzir oposição à execução de sentença, não só com algum dos fundamentos indicados, mas também com base em outro qualquer fundamento que fosse de conhecimento oficioso, designadamente a incompetência absoluta e a litispendência. O segundo, entendendo que podia fundar a oposição a falta de qualquer pressuposto processual geral, citava a incompetência e a nulidade por erro na forma de processo como devendo engrossar a enumeração legal. Quer a incompetência absoluta, como falta de pressuposto processual, quer a litispendência, como pressuposto processual negativo, passaram, com a revisão do Código, a ser abrangidas na previsão da norma hoje na alínea c) do artigo 729. Mas, fora do campo dos pressupostos, outros fundamentos processuais de oposição do executado são hipotizáveis. Assim, além do erro na forma do processo, que constitui uma nulidade, pode dar-se o exemplo da não indicação do valor da acção no requerimento executivo, que dá lugar a que o juiz convide o exequente a declará-lo, sob pena de extinção da instância (arts. 305-3); o mesmo acontece se faltar outro requisito legal da petição (arts. 590-3, 726-4 e 734). Se, ocorrendo um destes casos, o juiz tiver proferido despacho de citação, ou se não tiver havido despacho liminar, o executado poderá querer levantar a questão, no primeiro caso não precludida (art. 226-5), após a sua citação para a acção executiva. Através da oposição à execução ou por simples requerimento? Tratando-se de vícios cuja demonstração não carece de alegação de factos novos nem de prova, o meio da oposição à execução seria demasiado pesado, pelo que basta um requerimento do executado em que este suscite a questão no próprio processo executivo. O preceito do art. 723-1-d (admissibilidade, em geral, do requerimento da parte ao juiz do processo - sem prejuízo da multa a que pode dar lugar quando manifestamente infundado: art. 723-2), não permite duvidar da admissibilidade deste meio».
Em suma, a falta de um pressuposto processual deve ser apurada no despacho liminar da execução, despacho esse que deve ser de convite ao aperfeiçoamento do requerimento executivo quando o pressuposto em falta puder ser sanado, como sucede com a omissão da inclusão do devedor no PERSI.
Ultrapassado o momento do despacho liminar, o juiz ainda pode conhecer da falta desse pressuposto até ao primeiro acto de transmissão de bens penhorados. Sendo o vício em causa de conhecimento oficioso deverá conhecer dele logo que se aperceba da questão ou ela lhe seja suscitada por qualquer das partes.
O que é do conhecimento oficioso do tribunal não carece de iniciativa das partes para poder ser conhecido, mas nada impede que a parte tome essa iniciativa impulsionando o tribunal a exercer o seu dever de conhecer. Para o efeito, a parte não é obrigada a deduzir embargos de executado, nem o facto de não os ter deduzido ou de neles não ter suscitado a questão, a impede de suscitar a questão por mero requerimento até ao momento limite em que ao tribunal ainda é consentido conhecer do vício em causa.
Impõe-se, por isso, revogar a decisão recorrida e ordenar que o tribunal a quo conheça do pressuposto processual da inserção dos devedores no PERSI, após convite à exequente para justificar o cumprimento dessa exigência legal e juntar os meios de prova pertinentes.
Para o efeito, o tribunal a quo deverá atender ao decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.04.2021, proc. n.º 1311/19.7T8ENT-B.E1.S1, Graça Amaral, in www.dgsi.pt, e segundo o qual «I - A comunicação de integração no PERSI, bem como a de extinção do mesmo, constituem condição de admissibilidade da acção (declarativa ou executiva), consubstanciando a sua falta uma excepção dilatória insuprível, de conhecimento oficioso, que determina a extinção da instância (art. 576.º, n.º 2, do CPC). II - Tais comunicações têm de lhe ser feitas em suporte duradouro, ou seja, a sua representação através de um instrumento que possibilite a sua reprodução integral e inalterada, e, portanto, reconduzível à noção de documento constante do art. 362.º do CC. III - Tratam-se de declarações reptícias, constituindo ónus da exequente demonstrar a sua existência, o seu envio e a respectiva recepção pela executada; IV - A simples junção aos autos das cartas de comunicação e a alegação de que foram enviadas à executada, não constituem, por si só, prova do envio e recepção das mesmas pela executada. Todavia tal apresentação pode ser considerada como princípio de prova do envio a ser coadjuvada com recurso a outros meios de prova

V. Dispositivo:
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação julgar o recurso procedente e, em consequência, revogam a decisão recorrida ordenando que o tribunal a quo conheça nos termos assinalados da excepção dilatória inominada da falta de inserção dos devedores em PERSI.
As custas do recurso são responsabilidade do recorrido, não havendo custas a pagar para além da taxa de justiça já paga porque a recorrente litiga com apoio judiciário.
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Porto, 15 de Junho de 2022.
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Os Juízes Desembargadores
Aristides Rodrigues de Almeida (R.to 690)
Francisca Mota Vieira
Paulo Dias da Silva
[a presente peça processual foi produzida pelo Relator com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas qualificadas]