Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2788/18.3T8PNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PEDRO DAMIÃO E CUNHA
Descritores: INTERMEDIÁRIO FINANCEIRO
RESPONSABILIDADE
INFORMAÇÃO
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RP201910072788/18.3T8PNF.P1
Data do Acordão: 10/07/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 703-A, FLS 218-242)
Área Temática: .
Sumário: I - Embora a comercialização de produto financeiro com informação de ter capital garantido responsabilize em primeira linha a entidade emitente do produto, não significa que essa responsabilidade não se estenda também ao intermediário financeiro, se no relacionamento contratual que desenvolve com o cliente, assumir em nome desse relacionamento contratual também o reembolso do capital investido.
II - O art. 324º, nº 2, do Código dos Valores Mobiliários consagra um prazo de prescrição de dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos, salvo dolo ou culpa grave.
III – O motivo desta solução reside na intenção legislativa de suavizar o rigoroso regime de responsabilidade civil conferido ao intermediário financeiro nas suas relações perante o cliente, rejeitando assim que persista por muito tempo a insegurança jurídica (para o intermediário lesante) inerente à imputação dos danos;
IV- Actua com culpa grave, para o efeito de não aplicabilidade do prazo de prescrição de dois anos, o Banco que utiliza informação enganosa ou oculta informação, com o intuito de obter a anuência do cliente a determinados produtos de risco que este nunca subscreveria se tivesse conhecimento de todas as características do produto, nomeadamente se soubesse que nem sequer o capital investido era garantido por ele próprio.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO Nº 2788/18.3T8PNF.P1
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Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, Penafiel - JC Cível - Juiz 1
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Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto.
I. RELATÓRIO.
Recorrente(s): - Banco B…, S.A. (anterior C…, S. A.);
Recorrido: D…;
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D… propôs a presente acção declarativa de processo comum contra Banco B…, S. A. (anterior C…, S. A.), peticionando, em síntese, a condenação do Réu a restituir-lhe a quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) de capital, bem como os juros moratórios à taxa legal para as obrigações civis sobre aquele capital, desde 15/10/2014 até integral pagamento, bem como a liquidação por danos morais a liquidar em execução de sentença, mas nunca inferior a € 10.000,00 (dez mil euros).
Para fundamentar as suas pretensões, o Autor alegou, em síntese, que por ser cliente do Réu C…, na sua agência de ..., foi proposto pelo seu gestor de conta a aplicação de parte do seu rendimento, o que fez no montante de 50.000 EUR, sendo que nos preliminares do contrato celebrado foi dito ao Autor pelo banco Réu, através do seu funcionário, que a aplicação financeira era segura com retorno de capital garantido, em tudo semelhante a um depósito a prazo, com uma taxa de juro ligeiramente superior. Àquele não foi dado a conhecer o tipo de produto em causa e as condições da aplicação financeira, tão-pouco tendo recebido qualquer nota informativa ou informação relativa à entidade emitente.
Após a nacionalização do C… não lhe foi devolvido o capital investido apesar das suas diversas solicitações junto do banco Réu.
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Efectuada a citação do Réu “Banco B…, S. A.”, o mesmo veio contestar, excepcionando a prescrição do direito de crédito exercido pelo Autor, por força do disposto no artigo 324º, nº 2, do Código dos Valores Mobiliários e impugnou a maior parte da factualidade articulada pelo Autor, alegando que o subscritor foi devidamente informado, tendo sido apresentada as condições do produto, prazo e remuneração, tendo sido esclarecido que não se tratava de um depósito a prazo ou algo semelhante, concluindo pela total improcedência da acção.
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O Autor respondeu à excepção peremptória de prescrição, pronunciando-se pela sua improcedência.
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Elaborou-se despacho saneador, no qual se relegou para final o conhecimento da excepção peremptória de prescrição, se identificou o objecto do litígio, se enunciaram os temas de prova e se apreciaram os requerimentos probatórios das partes, designando-se logo dia para realização da audiência de discussão e julgamento.
Esta teve lugar, com observância das formalidades legais, nos termos que da respectiva acta melhor resultam.
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De seguida, foi proferida a seguinte sentença:

“V - Decisão
Atento o exposto, julgo a acção totalmente procedente, por provada e, em consequência, decide-se:
a) Condenar o Réu, “Banco B…, S.A.”, a satisfazer ao Autor, D…, a quantia de € 50.000,00, acrescida de juros à taxa legal das obrigações civis, vencidos desde 15/10/2014 e vincendos até integral pagamento.
b) Condenar o Réu, “Banco B…, S.A.”, a satisfazer ao Autor, D…, a quantia de € 2.500,00, acrescida de juros, à taxa legal, contados desde a presente data até integral pagamento.
c) Absolver o réu do demais peticionado.
Custas por Autor e Réu na proporção do respectivo decaimento.
Registe e notifique.*”
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É justamente desta decisão que o Banco Réu/Recorrente veio interpor o presente Recurso, concluindo as suas alegações da seguinte forma:
……………………………
……………………………
……………………………
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Foram apresentadas contra-alegações, tendo o Recorrido pugnado pela improcedência de cada uma das conclusões apresentadas pelo Recorrente (não formulando, no entanto, conclusões).
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Cumpridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC.
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No seguimento desta orientação, o Recorrente coloca as seguintes questões que importa apreciar:
1.- Determinar se o tribunal a quo incorreu num erro de julgamento, e, consequentemente, se, reponderado esse julgamento:
- Devem os pontos 5, 12 e 14 da matéria de facto provada ser alterados para a seguinte redacção:
“5 - Tendo garantido ao Autor o retorno dos valores aplicados;
12 - Nunca foi intenção do Autor investir em produtos de risco, como era do conhecimento do gestor de conta e demais funcionários do Réu e sempre esteve convencido que lhe seria restituído o capital e os juros, como lhe havia sido garantido pelo banco Réu;
14 - Razão pela qual, o Autor se convenceu que tinha aplicado o seu dinheiro num produto similar a um depósito a prazo, integralmente garantido.”;
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- Deve o ponto da al. b) da matéria de facto dada como não provada e os itens 40º e 43º da contestação serem incluídos nos factos provados;
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2. Saber se se pode afirmar a responsabilidade contratual ou extracontratual do Réu pela outorga do contrato de Subscrição de Obrigações Subordinadas E1… pelo Autor – entendendo o Recorrente que tal não sucede, tendo em consideração também as pretendidas alterações da matéria de facto;
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3. No caso de se entender que o Recorrente deve ser responsabilizado, saber se, mesmo assim, ter-se-á de entender que a obrigação de indemnização se encontra prescrita – pois que a conduta do Banco Réu, considerando-se censurável, nunca poderá ser reconduzível a uma conduta dolosa ou a uma culpa grave (conforme exige o art. 224º do CVM);
(estas duas últimas questões já foram devidamente elencadas na decisão recorrida e nessa medida constituíram já objecto de fundamentada - e extensa - ponderação pelo Tribunal Recorrido, ponderação essa que o Recorrente aqui pretende pôr em causa)
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A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença proferida em 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
“III.
1. Com interesse para a decisão da causa está assente/provado:
1 - O Autor era cliente do Réu, na agência de ..., onde movimentava parte do dinheiro, realizava pagamentos e efectuava poupanças.
2 - Em 15/10/2004, o Autor foi contactado pelo gestor de conta do Réu da agência de ..., referindo-lhe que tinha um produto em tudo igual a um depósito a prazo, com melhor taxa de juro.
3 - O Autor, como era do conhecimento do referido gestor de conta do Réu, não possui formação técnica e nem conhecimentos de produtos financeiros, sendo que o que sempre fez foi efectuar aplicações seguras, sem risco do seu dinheiro.
4 - O dito gestor de conta referiu ao Autor que confiasse, pois o capital era garantido e que podia proceder ao seu resgate antecipado ao fim de cinco anos.
5 - Tendo garantido ao Autor o retorno pelo C… dos valores aplicados;
6 - O mesmo era referido por todos os funcionários do Banco Réu, incluindo o gerente daquela agência, que afirmavam tratar-se de um produto em tudo igual a um depósito a prazo, com capital garantido e remunerado com juros à taxa acordada.
7 - Em 15 de Outubro de 2004, o Autor subscreveu a obrigação E1…, no valor de 50.000,00€, assinando o boletim de subscrição, junto a fls. 30.
8 - Até 15/10/2014 foram pagos pontualmente os juros à taxa contratada.
9 - O Réu fez aquela aplicação dos € 50.000,00 em dinheiro sem o consentimento e conhecimento do Autor e sem qualquer ordem de aplicação ou contrato, sem nunca lhe ter sido entregue qualquer nota informativa ou informação relativa à entidade emitente, qualquer contrato de tal produto e muito menos a ficha técnica das ditas obrigações ou nota informativa.
10 - Até 15/10/2014, o Autor desconhecia o que eram e o que representavam as obrigações ali aludidas.
11 - O Autor nunca esteve ciente que o produto em causa envolvia risco e nem nunca tal lhe foi referido.
12 - Nunca foi intenção do Autor investir em produtos de risco, como era do conhecimento do gestor de conta e demais funcionários do Réu e sempre esteve convencido que o Réu lhe restituiria o capital e os juros, como lhe havia sido garantido pelo banco Réu;
13 - O Réu sempre assegurou ao Autor que tais produtos eram em tudo iguais a um depósito a prazo, com as mesmas garantias;
14 - Razão pela qual, o Autor se convenceu que tinha aplicado o seu dinheiro num produto similar a um depósito a prazo, garantido integralmente pelo Banco Réu.
15 - Na ocasião referida no ponto 7, o Autor não conhecia o ali referido produto financeiro;
16 - E nunca quis adquiri-lo.
17 - E nunca o gestor de conta ou funcionários do Réu, nem ninguém, leu ou explicou ao Autor o que eram obrigações E1…;
18 - Com a sua actuação, o Réu colocou o Autor num permanente estado de preocupação e ansiedade, com o receio de não reaver, ou de não saber quando ia reaver o seu dinheiro;
19 - O Autor recebia um extracto mensal.
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Com relevância para a causa não se provou que:
a) O Banco Réu, na pessoa dos seus funcionários, agiu sempre de acordo com a vontade do Autor e com as instruções recebidas do mesmo.
b) No extracto mensal a que se alude no ponto 19 apareciam essas obrigações como integrando a sua carteira de títulos e do qual constavam as obrigações em causa.
c) O Autor tinha perfeito conhecimento da característica do produto – Obrigações Subordinadas E1… – o serem emitidas por um prazo de 10 anos, não sendo permitido o reembolso antecipado da emissão por iniciativa dos obrigacionistas.
d) - O Autor foi ainda informado de que a única forma do investidor liquidar este tipo de produtos, de forma unilateral e antecipada, seria transmitindo as suas obrigações a um terceiro interessado, mediante endosso.
e) - O Autor bem compreendeu estas condições”.
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B)- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Já se referiram em cima as questões que importa apreciar e decidir.
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Comecemos por apreciar a Impugnação da matéria de facto deduzida pelo Recorrente.
Compulsado o Recurso interposto, pode-se concluir que, como resulta do corpo das alegações e das respectivas conclusões, o Banco Réu/ Recorrente impugnou a decisão da matéria de facto, tendo dado cumprimento aos ónus impostos pelo artigo 640.º, nº 1 als. a), b) e c) do CPC, pois que, faz referência aos concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados, e a decisão que, no seu entender, deveria sobre eles ter sido proferida.
Cumpridos aqueles ónus e, portanto, nada obstando ao conhecimento do objecto de recurso nesse segmento, importa verificar, pois, se se pode dar razão ao Recorrente, quanto aos questionados pontos da matéria de facto.
Importa, antes de entrar directamente na apreciação das discordâncias alegadas, referir qual deve ser o âmbito de apreciação da matéria de facto que incumbe ao Tribunal da Relação em sede de Recurso.
Na verdade, o âmbito dessa apreciação não contende com a ideia de que o Tribunal da Relação deve realizar, em sede de recurso, um novo julgamento na 2ª Instância, prescrevendo-se tão só “ … a reapreciação dos concretos meios probatórios relativamente a determinados pontos de facto impugnados… ”[1].
Assim, o legislador, no art. 662º, nº1 do CPC, “… ao afirmar que a Relação aprecia as provas, atendendo a quaisquer elementos probatórios… pretende que a Relação faça novo julgamento da matéria de facto impugnada, vá à procura da sua própria convicção, assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto em crise…”[2].
Destas considerações, resulta, de uma forma clara, que o âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, estabelece-se de acordo com os seguintes parâmetros:
a) O Tribunal da Relação só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo Recorrente;
b) Sobre essa matéria de facto impugnada, o Tribunal da Relação tem que realizar um novo julgamento;
c) Nesse novo julgamento o Tribunal da Relação forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes)[3].
Dentro destes parâmetros, o Tribunal da Relação, assumindo-se como um verdadeiro Tribunal de Substituição[4], está em posição de proceder à reavaliação da matéria de facto especificamente impugnada pelo Recorrente, pelo que neste âmbito a sua actuação é praticamente idêntica à do Tribunal de primeira Instância, apenas cedendo nos factores da imediação e da oralidade.
Ora, contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.
“O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado”[5].
De facto, a lei determina expressamente a exigência de objectivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (artigo 607.º, nº 4 do CPC).
Todavia, na reapreciação dos meios de prova, a Relação procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção, desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria, com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância[6].
Impõe-se-lhe, assim, que “analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, quer a testemunhal, quer a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser fundamentada”[7].
Importa, porém, não esquecer porque, como atrás se referiu, se mantêm vigorantes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
Assim, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando este Tribunal, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada- quando nessa prova se funde o recurso-, conclua, com a necessária segurança[8], no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitaram uma conclusão diferente daquela que vingou na primeira Instância.
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Tendo presentes estes princípios orientadores, vejamos agora se assiste razão ao Réu apelante, neste segmento do recurso da impugnação da matéria de facto, nos termos por ele pretendidos.
O Réu/ Recorrente pretende impugnar a decisão da matéria de facto quanto aos seguintes pontos da matéria de facto:
- Devem os pontos 5, 12 e 14 da matéria de facto provada ser alterados para a seguinte redacção:
“5 - Tendo garantido ao Autor o retorno dos valores aplicados;
12 - Nunca foi intenção do Autor investir em produtos de risco, como era do conhecimento do gestor de conta e demais funcionários do Réu e sempre esteve convencido que lhe seria restituído o capital e os juros, como lhe havia sido garantido pelo banco Réu;
14 - Razão pela qual, o Autor se convenceu que tinha aplicado o seu dinheiro num produto similar a um depósito a prazo, integralmente garantido.”;
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- Devem os pontos da al. b) da matéria de facto dada como não provada e os itens 40º e 43º da contestação serem incluídos nos factos provados;
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Aí ficaram mencionados como matéria de facto provada os seguintes factos:
“5 - Tendo garantido ao Autor o retorno pelo C… dos valores aplicados;
(…)
12 - Nunca foi intenção do Autor investir em produtos de risco, como era do conhecimento do gestor de conta e demais funcionários do Réu e sempre esteve convencido que o Réu lhe restituiria o capital e os juros, como lhe havia sido garantido pelo banco Réu;
(…)
14 - Razão pela qual, o Autor se convenceu que tinha aplicado o seu dinheiro num produto similar a um depósito a prazo, garantido integralmente pelo Banco Réu.
(…)
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Com relevância para a causa não se provou que:
(…)
b) No extracto mensal a que se alude no ponto 19 apareciam essas obrigações como integrando a sua carteira de títulos e do qual constavam as obrigações em causa.
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A Recorrente não concorda com a decisão sobre estes pontos da matéria de facto, alegando o seguinte:
- O A. sabia perfeitamente o que estava a subscrever, bem sabendo também das semelhanças e diferenças entre o instrumento financeiro subscrito e a figura do depósito a prazo;
- O A. nunca reclamou de qualquer dos extractos bancários recebidos (seja perante o Banco Réu, seja junto do funcionário bancário funcionário bancário que, alegadamente, lhe teria vendido um instrumento financeiro diverso do por si pretendido).
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Pretende ainda o aditamento da seguinte factualidade alegada na contestação:

”40º Além do mais, ao longo dos anos foram emitidos e pagos os mais diversos produtos de dívida de empresas do grupo E….
(…)
43º Aquilo que não era previsível, e como tal nunca poderia ter sido comunicado ao cliente, era que em 2008 aconteceria uma nacionalização parcelar do grupo, que veio dividir o mesmo entre parte financeira e não financeira”.
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Alega que esta matéria de facto mostra-se provada por força do depoimento prestado pela testemunha F….
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Quanto a esta matéria de facto impugnada, o Tribunal fundamentou a sua decisão da seguinte forma:
“A convicção do tribunal fundou-se, desde logo, na análise do teor dos documentos juntos aos autos pelo Autor, com a respectiva petição, muito relevantemente o documento junto a fls. 30 e 30 v., do qual emerge que a outorga ou subscrição do produto financeiro nestes autos convocado o foi não directa e imediatamente com o Réu, mas antes com a E…, mediante a subscrição de obrigações desta.
Não obstante, não resultaram infirmados daquele documento, antes com ele perfeitamente compatíveis, como bem assim com o teor dos extractos de conta e demais documentos juntos aos autos, os termos da subscrição ou outorga do produto, ao balcão do Réu mesmo, conforme o depoimento do então gestor de conta do Réu na agência de ..., F…, pessoalmente responsável, como referiu em audiência, pela proposta ao Autor e subscrição correspondente, tendo, por instruções internas do banco a qualidade do produto em causa, sendo um produto garantido com reembolso do capital investido, informado o Autor que o produto era igual a um depósito a prazo, que tais aplicações seriam feitas pelo prazo de dez anos, e que tal produto tinha as mesmas garantias de um depósito a prazo, com risco zero, sendo o capital restituído a 100% (estando o próprio convencido da veracidade de tal informação, uma vez que tais obrigações eram emitidas por uma empresa que pertencia ao grupo e, como tal, o risco era zero, pelo que nunca achou que estivesse a enganar o cliente), tendo dado tal informação apenas aos bons clientes que não pretendiam adquirir produtos de risco, aí se incluindo o próprio Autor pois sabia que este não pretendia adquirir produtos de risco.
Sempre este depoimento caracterizou cabalmente a prestação de informação falsa/incorrecta/equívoca e desconforme ao Autor, no que importa à responsabilidade pelo reembolso, versão totalmente corroborada por G…, gerente do C… na agência de ..., à data da venda do produto em causa, estando em absoluta consonância com o teor da nota interna do C… disponibilizada aos seus funcionários, junta a fls. 31, onde se refere expressamente que: “O E1… é uma excelente oportunidade de investimento, uma vez que garante o capital investido e uma remuneração acima do mercado durante 10 anos”.
Tais declarações corroboram integralmente a versão dos factos dada pelo Autor, D…, de que o gestor de conta garantiu que era como se fosse um depósito a prazo, sem risco, podendo, ao fim de dez anos, reaver o seu dinheiro, tendo sido falada a possibilidade de o resgatar, querendo, ao fim de cinco anos. Estando convencido que efectuou um depósito sem riscos, semelhante a um depósito a prazo, tendo recebido a parte dos juros prometidos, mas não lhe foi restituído o capital.
E não se obste (quanto ao equívoco/incorrecção de estar em causa produto “garantido” pelo C… já que o produto era vendido pela E… que pertencia ao grupo do C…), como referido pelo gestor deste, interveniente na subscrição do produto em causa, com o teor mesmo do documento de subscrição assinado pelo Autor, posto que não tendo resultado que os termos da ficha técnica do produto/ nota informativa lhe tenham sido explicados, cuja redacção não se afigura excludente da descrição errónea que, nos termos por ele mesmo admitidos, ao subscritor foi feita pelo gestor de conta do Réu, ao menos para um declaratário normal, colocado na posição do Autor.
A referência a obrigações ou a papel comercial da E… se são (ou deviam ser) compreendidas pelos funcionários bancários, à data da subscrição em causa não haviam ainda entrado no domínio do conhecimento do homem médio, mesmo o que dispunha de 50.000 EUR para “investir”. E, surpreendente ou mesmo incompreensivelmente, o que resultou do depoimento dos identificados gerente e gestor de conta do C… supra identificados, foi uma superficialidade, uma impreparação técnica e um inexplicável “desconhecimento” do funcionamento do sistema, mesmo pela pouca preocupação em “estudar” a ficha técnica dos produtos vendidos, ao invés de uma leitura acrítica, truncada e mesmo panfletária de informações comerciais internas. E, assim, se a apresentação da proposta de subscrição do produto já não ajudava à destrinça entre o C… e a entidade emitente, a “confusão” foi, mais que sugerida, criada, afirmada pelos funcionários do Réu, que, conforme emergiu dos depoimentos respectivos, sequer eles mesmos percebiam bem o produto em causa e a natureza das relações entre o C… e a E…, como, decisivamente, as “garantias” em caso de insolvência de um e outro.
Ora, a questão não vem a ser a da mera afirmação da inexistência de risco na subscrição, mas a da falta de esclarecimento da responsável pela restituição do capital, a E… e da falsa/errónea garantia de que o seria pelo Réu mesmo.
De todo o modo, a um declaratário normal (e a subscrição em outras ocasiões de produtos financeiros, corroborada pelo teor dos extractos de conta do Autor, juntos aos autos pelo Réu a fls. 43 v. a 70, não transforma/converte o Autor num “especialista” ou sequer num “conhecedor” destes, sendo que do extracto junto aos autos pelo Réu não resulta sequer que a aplicação efectuada fosse aplicação E… e nas condições em que contratou (mediante sugestão/indicação do gestor de conta do Réu, pessoa da sua confiança), não era exigível que, perante a garantia dada pelo gestor e pelo próprio gerente do balcão da instituição, quanto à responsabilidade do C… pelo retorno do investimento, “desconfiasse” da menção na proposta à E…. Sequer o valor da aplicação ou a taxa de juro, apenas pouco superior à de um depósito a prazo, induzem o perfil de um investidor “profissional” ou tecnicamente habilitado.
Mais ainda que os termos/apresentação da proposta de subscrição do produto, que não prima pela “clareza” em afirmar a E… em contraponto/por oposição com o C…, antes mantendo a equivocidade da apresentação gráfica deste, os extractos recebidos pelo Autor são documentos bancários, transmitidos pelo C… e codificados em linguagem não imediatamente apreensível, pelo que, em si, a menção a obrigações E… não tem um relevo indiciário significativo.
Na verdade, os funcionários do Réu, à data, desconhecendo embora as concretas circunstâncias da subscrição do produto em causa, mais demonstraram ignorância quanto à natureza do produto na altura vendido, corroborando o pouco cuidado na informação/formação que o Réu prestava aos respectivos funcionários quanto aos serviços e produtos cuja venda promovia. O que ressaltou foi, inequivocamente, o pouco cuidado no conhecimento e informação dos serviços e produtos vendidos e por isso que a prestação de informações erradas. Confrangedora mesmo a “leitura/interpretação” dos documentos relativos ao produto e a pouca precisão técnica e conceitual, a denotar impreparação, que não (perdoe-se-me a expressão exageradamente coloquial, ajustada, contudo, à intenção explicativa) “chico-espertice”.
(…)
Os demais factos havidos por não provados foram-no por absoluta ausência de referenciação testemunhal ou documental, por estarem em contradição com outros tidos por demonstrados, pela estrutural e inultrapassável (por inexistência da afirmação de factores de descredibilização ou pela verificação de factos de comprovação periférica das declarações) contradição da prova a propósito produzida e pela impossibilidade da respectiva afirmação a partir de juízos de inferência de outros factos provados.).”
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Como ficou já referido, o uso, pelo Tribunal da Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
Conforme decorre do exposto, a impugnação deduzida pelo Recorrente, no que concerne àquele primeiro conjunto de factos (pontos 5, 12 e 14), dirige-se apenas à parte factualidade onde o Tribunal Recorrido considerou ter-se provado que o Banco Réu declarou (por intermédio dos seus funcionários) que a obrigação de restituição dos valores aplicados pelo Autor era também sua.
Na verdade, em qualquer um dos aludidos pontos fácticos, o que o Recorrente pretende pôr em causa é que se considere que, em face da prova produzida, não se provou que:
- O Banco Réu (os seus funcionários), no momento da subscrição do produto “E1…”, tenha(m) garantido ao Autor o retorno pelo Banco Réu dos valores aplicados;
- O Autor pudesse ter ficado convencido que o Réu lhe restituiria o capital e os juros, como lhe havia sido garantido pelo Banco Réu;
- e que, nessa sequência, tivesse ficado convencido que, tendo aplicado o seu dinheiro num produto similar a um depósito a prazo, este era garantido integralmente pelo Banco Réu.
Ou seja, a única factualidade que o Recorrente pretende pôr em causa é que o Banco Réu tenha garantido que, no âmbito do contrato celebrado, lhe incumbia (também) a restituição do dinheiro aplicado pelo Autor (e que por isso este ficou também convencido que assim era).
Ora, salvo o devido respeito pela opinião contrária, é inequívoco que, em face da prova produzida, o Tribunal Recorrido não podia ter chegado a outra conclusão, pelo que aqui não podemos deixar de subscrever integralmente não só a decisão proferida sobre esta factualidade, como também a própria fundamentação aduzida por aquele.
Com efeito, os argumentos apresentados pelo Recorrente não podem aqui ser acolhidos, uma vez que da prova produzida decorre justamente a factualidade que foi considerada provada pelo Tribunal Recorrido.
Isso decorre de uma forma clara, não só do depoimento do Autor, mas principalmente dos depoimentos das próprias testemunhas, F… (gestor de conta do Réu), e G… (gerente do C… na agência de ...).
Estas duas testemunhas que, à data da subscrição do produto financeiro aqui em causa assumiam aquelas funções na Agência do Banco Réu de ..., esclareceram de uma forma uniforme e corroborante que o produto em causa foi apresentado ao Autor como se tratando de um produto similar a um depósito a prazo (já que era do seu conhecimento que o Autor era um cliente que era avesso a produtos de risco) e que, nessa medida, tratava-se de um produto que igualmente tinha a restituição do capital aplicado garantida pelo Banco Réu (e não só pela E…).
Isso resulta inequívoco, como se disse não só das declarações do próprio Autor, mas principalmente do depoimento das aludidas testemunhas.
Assim, perguntado diversas vezes (e por diversas formas) sobre esta matéria de facto, a testemunha F…, denotando obviamente ter conhecimento directo e pessoal dos factos – atentas as funções que desempenhava já atrás referidas -, referiu de uma forma expressa que:
“… na altura, o que nos era transmitido pela nossa Direcção Coordenadora, pelo Sr. H… e o nosso Director, e pelo nosso gerente, também pelo Sr. G…, isto sempre nós vendemos como um depósito a prazo, isto é, e a preocupação sempre do Sr. D…, era uma pessoa que e com a experiência que eu tenho tido com ele nos últimos anos e até aos dias de hoje, foi uma pessoa que sempre, que não quis qualquer tipo de risco…”
“(O Autor era…) Uma pessoa sem risco, não quer qualquer tipo de aplicação de risco, só apenas depósitos a prazos, em que no qual pelo menos saiba que o capital que é garantido. Poderá ter uma maior remuneração ou menor, mas é uma pessoa que não gosta de correr riscos. Risco zero”.
“…o argumentário que nós tínhamos dentro do Banco, notas internas salvo erro, instruções de serviço, e as orientações superiores que nós tínhamos é que podíamos transmitir ao cliente que estaria perfeitamente descansado que não corria qualquer risco, o capital no fundo seria garantido”.
“…Eu transmiti ao Sr. D… que o Sr. D… não corria qualquer risco que o capital que era garantido, não é? (e perguntado pelo Exmo. Mandatário do Autor por quem era garantido? Respondeu...) “…Pelo B…, pelo Banco”.
“(Mais à frente o Exmo. Mandatário pergunta se tinha explicado ao Autor o que era a E…?) “… Não, nunca falamos da (E…), falamos sempre de uma aplicação da, de depósitos a (prazo). Nunca falamos em E…”.
(E mais à frente) “…na altura não se falava em obrigações, não se falava em nada, não é? Nós estávamos ali, eram-nos apresentados os produtos como, portanto, como uma aplicação como um depósito a prazo para nós vendermos com toda a confiança, que não havia qualquer tipo de risco para o cliente. “
(Conclui no final da Instância do Exmo. Mandatário o seguinte:) “ … (o) C… tem um documento a dizer que é capital garantido e portanto que seja garantido pelo Banco… Sempre, dizendo ao Sr. D… que era capital garantido (…) Pelo Banco”.
Refira-se, finalmente, que quer na contra-instância, quer na instância do próprio Tribunal, a testemunha mantém integralmente o teor do seu depoimento, apesar da insistência do Exmo. Mandatário do Banco Réu e dos esclarecimentos pertinentemente solicitados pelo Tribunal.
(a instâncias do Tribunal: “Mas (era) cem por cento garantido pelo Banco?
“Pelo Banco, sim, sim. (…) Isso era o que nos era transmitido. Agora aqui Sra. Dra. respondendo à sua pergunta, aqui não diz, neste documento, que é garantido pelo Banco. Agora, agora quem representa o Banco se nos dizem para poder vender dessa forma, repare temos de acreditar naquilo que (nos dizem) …”.
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Da mesma forma a testemunha G…, corroborando o depoimento da anterior testemunha (e do Autor), esclareceu que:
“(quanto ao produto bancário aqui em causa) …eram essas as indicações, que era capital garantido… Na altura era pelo Banco, a indicação que havia era que a E… era igual, exactamente igual a um depósito a prazo. Com uma taxa remuneratória mais elevada, mas era, era garantido pelo Banco. Sim, sempre.
(…) Quem é que me disse? O Banco disse que era garantido, que era garantir para vendermos como depósitos a prazo…”.
“… Que era capital garantido. Não, num, há diferenças agora, na altura não havia. As ordens que havia era que, de facto, aquilo era garantido pelo próprio Banco”.
(E mais à frente…) “…Há documentos em vários, em centenas de processos que há da E…, eu sei que há documentos assinados pelo Director Coordenador na altura a garantir e a dizer que o Banco, o Banco era responsável, que aquilo era garantido pelo Banco. Porque clientes, mais se calhar à data mais informados, queriam um tipo de garantia diferente (…)”
(Perguntado se os próprios funcionários estavam convencidos que essa garantia era do Banco, respondeu:) Claro (…). Os clientes confiavam e confiam nos gerentes quando lhes é dito o que eles sabem o que aquilo de facto é, que aquilo é garantido pelo Banco, que aquilo é equiparado a um depósito a prazo ponto”.
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No mesmo sentido apontam, também, os documentos juntos aos autos (nota interna e argumentário – fls. 30 v. e 31 e 88 v. a 90, v.) a que ambas as testemunhas fizeram alusão nos seus depoimentos de uma forma esclarecedora.
Finalmente, não se pode deixar de relevar que esta matéria de facto contende com outra factualidade que, no fundo, está subjacente àquela que aqui foi impugnada.
Na verdade, importa ter em atenção que o Recorrente não impugnou um conjunto de factos de onde se pode retirar não só a aceitação por parte do Banco da realidade contratual que as testemunhas avançaram nos seus depoimentos, como principalmente o contexto em que o produto aqui em causa foi subscrito pelo Autor.
Veja-se que não se mostra impugnada a seguinte factualidade que de uma forma coerente aponta também decisivamente no sentido da manutenção da decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Recorrido.
Assim, não se mostra impugnado – e por isso mantém-se como provado – que:
3 - O Autor, como era do conhecimento do referido gestor de conta do Réu, não possui formação técnica e nem conhecimentos de produtos financeiros, sendo que o que sempre fez foi efectuar aplicações seguras, sem risco do seu dinheiro.
4 - O dito gestor de conta referiu ao Autor que confiasse, pois o capital era garantido e que podia proceder ao seu resgate antecipado ao fim de cinco anos.
(…)
6 - O mesmo era referido por todos os funcionários do Banco Réu, incluindo o gerente daquela agência, que afirmavam tratar-se de um produto em tudo igual a um depósito a prazo, com capital garantido e remunerado com juros à taxa acordada.
(…)
9 - O Réu fez aquela aplicação dos € 50.000,00 em dinheiro sem o consentimento e conhecimento do Autor e sem qualquer ordem de aplicação ou contrato, sem nunca lhe ter sido entregue qualquer nota informativa ou informação relativa à entidade emitente, qualquer contrato de tal produto e muito menos a ficha técnica das ditas obrigações ou nota informativa.
10 - Até 15/10/2014, o Autor desconhecia o que eram e o que representavam as obrigações ali aludidas.
11 - O Autor nunca esteve ciente que o produto em causa envolvia risco e nem nunca tal lhe foi referido.
(…)
13 - O Réu sempre assegurou ao Autor que tais produtos eram em tudo iguais a um depósito a prazo, com as mesmas garantias;
(…)
15 - Na ocasião referida no ponto 7, o Autor não conhecia o ali referido produto financeiro;
16 - E nunca quis adquiri-lo.
17 - E nunca o gestor de conta ou funcionários do Réu, nem ninguém, leu ou explicou ao Autor o que eram obrigações E1…;”
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Aqui chegados, não podem, pois, existir dúvidas, sem necessidade de mais alongadas considerações, que o Tribunal Recorrido quanto a esta matéria de facto proferiu uma decisão que encontra pleno apoio nos meios de prova produzidos, não existindo, assim, qualquer erro de julgamento na parte que havia sido posta em causa pelo Recorrente.
Improcede a impugnação deduzida quanto a esta factualidade.
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Entremos agora na apreciação do segundo grupo de factos (al b) da matéria de facto não provada e itens 40º e 43 da contestação).
Quanto à al. b) dos factos não provados, importa dizer que o Tribunal Recorrido – e bem, desde já se avança – apenas considerou como provado que (19 -) “O Autor recebia um extracto mensal”.
Na verdade, saber se nesse extracto mensal “apareciam as obrigações subscritas pelo Autor como integrando a sua carteira de títulos e do qual constavam as obrigações em causa” é matéria de facto que o Banco Réu não logrou provar, incumbindo-lhe o respectivo ónus de prova (art. 342º do CC).
Com efeito, desde logo, nenhuma das testemunhas já atrás mencionadas foi capaz de esclarecer esta questão, limitando-se a efectuar considerações genéricas e vagas sobre o envio do extracto e a existência destas menções no mesmo, não conseguindo esclarecer os termos em que tais menções eram efectuadas (nomeadamente, de uma forma autónoma como carteira de títulos como se “pergunta” na alínea questionada).
Da prova documental junta aos autos, também não se mostra evidenciada essa factualidade (até por causa da ausência de esclarecimento das aludidas testemunhas), como se pode constatar, de uma forma mais concreta, dos documentos juntos com a contestação (fls. 42 v. a 70 dos autos- extracto bancário de onde não decorre a aludida indicação enquanto carteira de títulos)
Daí que, em face da prova (não) produzida, outra resposta não podia o Tribunal Recorrido ter dado a esta factualidade aqui questionada.
Improcede esta parte da Impugnação da matéria de facto.
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Finalmente, quanto aos factos alegados pelo Banco Réu que não ficaram mencionados na decisão sobre a matéria de facto, julga-se que também o Tribunal Recorrido bem andou em não os ter seleccionado para a sentença, pois que se tratam de alegações conclusivas ou genéricas (ambos os itens) ou hipotéticas (nomeadamente, o art. 43º da contestação) que, nessa medida, não podiam integrar a fundamentação fáctica da sentença proferida.
Cumpre, aliás, referir que existe uma (quase integral) correspondência entre a fundamentação fáctica da sentença e os temas da prova que na fase própria foram seleccionados pelo Tribunal, sem que qualquer uma das partes tenha apresentado Reclamação daquela enunciação dos temas probatórios (art. 596º do CPC).
De qualquer forma, mesmo que assim não se entendesse e independentemente dos temas da prova enunciados, a verdade é que, em concreto, não foi produzido qualquer elemento probatório de onde pudesse decorrer que tais alegações pudessem ser consideradas como provadas.
Com efeito, seja tendo em consideração a prova documental junta aos autos, seja tendo em conta a prova testemunhal produzida nos autos, nunca estas alegações poderiam merecer um julgamento afirmativo por parte do Tribunal Recorrido, incumbindo ao Recorrente o respectivo ónus de prova (art. 342º do CC).
Aliás, ao ponderar a decisão sobre a matéria de facto, o Tribunal Recorrido terá tido justamente em consideração que estas alegações instrumentais dos factos seleccionados não lograram ser demonstradas pelo Banco Réu (ver a parte final da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto).
Nesta conformidade, improcede, também esta parte da Impugnação da matéria de facto deduzida.
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Dito tudo isto, e tendo-se efectuado a exigida análise crítica da prova produzida, e tendo-se ponderado, nomeadamente, os (mesmos) elementos probatórios que fundamentam o Recurso interposto pelo Recorrente, ponderados os seus argumentos, julga-se que a decisão de Primeira Instância deve ser, pois, integralmente mantida.
Na verdade, efectuando, também, como nos era imposto, a análise crítica dos meios de prova produzidos (de todos, e não só daqueles que o Recorrente indica) não existem dúvidas que o Julgamento de facto efectuado pelo Tribunal Recorrido se deve manter quanto aos factos provados.
Por outro lado, de toda a prova produzida, aqui reponderada e analisada, de uma forma crítica e conjugada, só nos resta concluir, com o Tribunal Recorrido, que os elementos probatórios produzidos não lograram convencer-nos quanto à prova dos factos que foram considerados como não provados.
Aqui chegados, pode-se, assim, concluir quanto à presente Impugnação da matéria de facto que, à luz do antes exposto, e com base nos meios de prova antes citados, a convicção (autónoma) deste tribunal, em sede de reapreciação da matéria de facto é, em absoluto, coincidente com a que formou o Tribunal Recorrido, não se vislumbrando qualquer razão para proceder à alteração do ali decidido, que se mantém na íntegra.
Na verdade, e não obstante as críticas que lhe são dirigidas pelo ora Recorrente, não se vislumbra, à luz dos meios de prova invocados, um qualquer erro ao nível da apreciação ou valoração da prova produzida – sujeita à livre convicção do julgador –, à luz das regras da experiência, da lógica ou da ciência.
Ao invés, a convicção do julgador colhe, a nosso ver, completo apoio nos ditos meios de prova produzidos, sendo, portanto, de manter a factualidade provada, tal como decidido pelo tribunal recorrido.
Conclui-se, pois, que compulsada a prova produzida, tendo em conta as regras do ónus da prova, e ponderando, de uma forma conjugada, todos os elementos probatórios atrás referidos, não podem restar dúvidas que os aludidos factos constantes da matéria de facto devem manter-se inalterados, confirmando-se a análise crítica efectuada pelo Tribunal de Primeira Instância quanto a essa factualidade.
Em consequência, improcede a apelação nesta parte.
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Aqui chegados, importa verificar se, independentemente de não se ter procedido à alteração da matéria de facto, no sentido propugnado pelo Recorrente, deve manter-se a apreciação de mérito efectuada pela Decisão Recorrida, em face da matéria de facto dada como provada.
Importa, então, que o presente Tribunal se pronuncie sobre as duas outras questões levantadas pelo Recorrente que contendem com:
- Saber se se pode afirmar a responsabilidade contratual (ou extracontratual) do Réu pela outorga do contrato de Subscrição de Obrigações Subordinadas E1… pelo Autor – entendendo o Recorrente que tal não sucede, tendo em consideração também as pretendidas alterações da matéria de facto (que aqui não foram acolhidas).
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- No caso de se entender que o Recorrente deve ser responsabilizado, saber se mesmo assim, ter-se-á de entender que a obrigação de indemnização se encontra prescrita – pois que a conduta do Banco Réu, considerando-se censurável, nunca poderá ser reconduzível a uma conduta dolosa ou a uma culpa grave (conforme exige o art. 224º do CVM).
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Comecemos por apreciar a primeira questão.
O Recorrente insiste que no caso concreto não pode ser responsabilizado, como foi na decisão recorrida (Responsabilidade Contratual – arts 798º e ss. do CC – e (subsidiariamente também) Extracontratualmente – arts. 483º e ss. do CC), por entender que, atenta a matéria de facto considerada provada, não se mostram preenchidos os pressupostos da afirmação da responsabilidade civil em qualquer uma das modalidades (designadamente, o pressuposto da ilicitude e da existência do nexo de causalidade entre aquela e os danos em que veio a ser condenado a indemnizar o Autor).
Quanto ao pressuposto da ilicitude coloca em causa nomeadamente que lhe possa ser imputada qualquer violação do dever de informação quanto ao produto financeiro subscrito pelo Autor, atentas as regras legais vigentes na altura.
Alega ainda que o risco que a sentença associa maioritariamente a um fenómeno de incumprimento da obrigação assumida (neste caso incumprimento do reembolso da obrigação) ou até à insolvência do emitente, não é nem pode ser considerado um risco especial. O risco de incumprimento ou risco de insolvência de um devedor são riscos gerais de qualquer obrigação, precisamente porque são características nucleares de toda e qualquer obrigação.
Alega que o art. 312º do CVM (em especial, a sua al. e)) refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira (no caso a execução de ordens) enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução, pelo que em nada se relaciona com a matéria em crise nos presentes autos pois o que é invocado na P.I. é a prestação de uma informação falsa quanto ao instrumento financeiro em si e esta disposição, como vimos, diz respeito à prestação de informação acerca do negócio de intermediação ou de cobertura.
Alega ainda que o dever de informação neste contrato será um dever secundário, genérico ou acessório da prestação principal, pelo que a violação do dever de informação não implica qualquer presunção de ilicitude, e, portanto, tinha que ser o Autor a alegar e provar quais as concretas informações que o Banco Réu deveria ter dado que não deu. Não o tendo feito, tem a presente acção necessariamente que claudicar.
Não está alegado, e muito menos provado, que se tenha tornado impossível receber (total ou parcialmente) o montante investido pelo A. nas obrigações. Daí resulta, portanto, que a condenação do Banco Réu no pagamento da integralidade do valor desembolsado pelo Autor é manifestamente excessiva e não cumpre com o critério teoria da diferença prevista no art. 566º nº 2 do CC.
Não há qualquer matéria provada que permita a conclusão que o comportamento R. foi decisivo e causal na produção dos danos.
Alega finalmente que não foi tido em consideração que a falta de reembolso ocorreu por efeito da insolvência da emitente e não por causa de qualquer deficiente informação ou actuação do intermediário financeiro.
Cumpre apreciar esta argumentação.
Em primeiro lugar, importa dizer que se julga que o Recorrente não atende na argumentação que apresenta – talvez por estar convencido que teria sucesso na alteração da matéria de facto dada como provada – que a sua condenação tem como fundamento principal a responsabilidade contratual (arts. 798º e ss. do CC) fundada no facto de “no relacionamento contratual com o investidor (cliente) ter assumido também o pagamento do valor nominal dos títulos financeiros adquiridos, conforme aconteceu no caso em apreço” – cfr. fundamentação da decisão recorrida.
Nessa medida, a questão da violação dos deveres de informação quanto ao produto financeiro subscrito pelo Autor - sobre a qual o Recorrente discorre ao longo das alegações – acaba por assumir uma importância lateral na condenação do Banco Réu.
Essa dimensão da violação dos deveres de informação, que lhe eram impostos enquanto intermediário financeiro, surge aqui não por força daquela realidade, mas sim porque o Banco Réu prestou uma informação falsade que se tratava de um produto similar a um depósito a prazo e de que ele próprio garantia o reembolso do capital investido –, informação falsa essa que foi absolutamente determinante para que o Autor subscrevesse o produto financeiro promovido pelos seus funcionários do Balcão de ..., confiante na referida natureza do seu investimento (e na informação prestada por aqueles, em quem confiava).
Como se refere no ac. da RP de 2.3.2015 (relator: Carlos Gil), disponível em dgsi.pt – numa situação fáctica semelhante à que aqui foi considerada provada – “… no caso em apreço, como resulta da factualidade provada, o recorrente prestou ao recorrido informação falsa relativa à garantia de reembolso por si do capital investido pelo recorrido (veja-se o ponto 3.2.1.11 dos fundamentos de facto deste acórdão). Esta conduta do recorrente é violadora das exigências da boa fé e da lealdade devidas ao recorrido, seu cliente e, dado o conteúdo da informação falsa transmitida, é razoável pensar que a mesma terá tido um peso significativo na decisão do recorrido de subscrever o produto financeiro cujo reembolso pensava estar garantido pelo recorrente”.
É esse justamente o sentido da decisão recorrida.
Na verdade, após caracterizar a actividade de intermediação financeira (com extensa indicação da Doutrina - que aqui nos escusamos de repetir), o Tribunal Recorrido considerou que, em primeira linha, estavam verificados os pressupostos de afirmação da Responsabilidade contratual por ter entendido que:
“… o Réu prestou ao Autor informação falsa relativa à garantia de reembolso por si do capital investido. Esta conduta do Réu é violadora das exigências da boa fé e da lealdade devidas ao Autor, seu cliente e, dado o conteúdo da informação falsa transmitida, é razoável pensar que a mesma terá tido um peso significativo na decisão daquele de subscrever o produto financeiro cujo reembolso pensava estar garantido pelo Réu. (…)
Temos, pois, que o banco Réu assumiu perante o Autor aquando da aquisição do produto financeiro, o compromisso da garantia do capital que havia sido investido.
Trata-se, neste caso, de um compromisso contratual em que o banco réu assume perante o Autor o pagamento do capital investido na aludida aquisição dos activos financeiros e nessa medida verifica-se uma situação de responsabilidade contratual que o banco réu não pode deixar de assumir e com as consequências decorrentes do art. 798 do C. Civil.
Donde e relativamente à responsabilidade pelo reembolso do capital investido na aplicação financeira em causa do banco réu, na qualidade de intermediário financeiro, a mesma só existe, no caso em apreço, porque o banco réu assumiu, segundo o que vem provado, proceder ao pagamento do valor nominal dos títulos em causa, o que consubstancia um compromisso contratual, ao qual não pode fugir, como acima já se referiu. (sublinhados nossos)
Sobre a distribuição do risco nos contratos de intermediação financeira, cfr. Carneiro da Frada, Revista da Ordem dos Advogados, ano 69º, vol. III/IV, págs. 656 e segs., em artigo intitulado “Crise financeira mundial e alteração das circunstâncias: contratos de depósito vs. contratos de gestão de carteiras”, sendo que na situação decidenda a constituição da obrigação contratual de reembolso por parte do Réu se traduz na “assunção contratual do risco” referente à devolução do capital (ob. cit., pág. 665).
No caso dos autos, o banco réu, na qualidade de intermediário financeiro em que aqui operou, não podia deixar de pautar o seu comportamento contratual em nome do relacionamento de confiança existente si e o Autor pelo princípio da boa fé (cfr. art. 762 nº2 do C. Civil). A responsabilidade do banco Réu pelo reembolso do capital investido existe, pois, porque o banco réu se comprometeu perante o Autor a que se tratava de uma aplicação de activos financeiros, mediante a aquisição de um produto com garantia por si do montante do capital investido, proposta que recebeu o acolhimento do Autor, por se tratar de um produto comercializado pelo E…, parece não haver dúvidas que nestas circunstâncias negociais o Autor pode reclamar do banco réu o reembolso do capital investido.
Estamos, aqui no domínio da responsabilidade contratual feito em nome do relacionamento anterior de clientela existente entre o Autor e o banco Réu e nessa perspectiva o banco réu tem que assumir contratualmente o reembolso do capital investido (cfr. art. 798 e segs. do C. Civil).
Embora a comercialização de produto financeiro com informação de ter capital garantido responsabilize em primeira linha a entidade emitente do produto, não significa que essa responsabilidade não se estenda também ao intermediário financeiro, nomeadamente se no relacionamento contratual com o investidor (cliente) assumir também o pagamento do valor nominal dos títulos financeiros adquiridos, conforme aconteceu no caso em apreço (…)”.
*
Ora, compulsado o Recurso apresentado, a verdade é que, além de ter impugnado a factualidade que contendia justamente com a assunção contratual desta responsabilidade, o Recorrente não chega a apresentar qualquer fundamento jurídico que possa pôr em causa este fundamento principal da sua condenação.
Com efeito, conforme decorre da exposição que antecede, o Recorrente dirige toda a sua argumentação para a não verificação do pressuposto da ilicitude no âmbito da responsabilidade extracontratual, alegando, nomeadamente, que nunca poderia considerar-se que, no caso concreto, tivesse violado os seus deveres de informação quanto ao produto financeiro subscrito pelo Autor, atentas as regras legais vigentes na altura.
É certo que, em termos teóricos, o faz com alguma pertinência, manifestando ter conhecimento da Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que, em casos factualmente divergentes daquele que aqui nos preocupa, tem assinalado as invocadas características dos deveres de informação aqui em jogo[9].
No entanto, como se referiu, tais considerações não chegam a pôr em causa o principal fundamento da sua condenação, ou seja, o ilícito contratual correspondente ao incumprimento da obrigação de reembolso por si assumida perante o Autor, seu cliente.
De qualquer forma, importa dizer que, quanto aos deveres de informação que aqui se impõem a um Intermediário Financeiro (ao Banco Réu), torna-se necessário ter em atenção, tal como salienta o próprio Recorrente, o regime especificamente previsto no Código dos Valores Mobiliários (CVM).
Releva, particularmente, o disposto nas seguintes normas:
- Artigo 7º (Qualidade da informação)
“1. A informação respeitante a instrumentos financeiros, a formas organizadas de negociação, às actividades de intermediação financeira, à liquidação e à compensação de operações, a ofertas públicas de valores mobiliários e a emitentes deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita. (…)
- Artigo 312º (Deveres de informação)
“1. O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada (…)
2. A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente (…)”.
- Artigo 312º-E (Informação relativa aos instrumentos financeiros)
1. O intermediário financeiro deve informar os investidores da natureza e dos riscos dos instrumentos financeiros, explicitando, com um grau suficiente de pormenorização, a natureza e os riscos do tipo de instrumento financeiro em causa.
(…)
Como decorre da citada (em nota) Jurisprudência (e dos apontamentos doutrinais constantes da sentença recorrida e ainda das peças processuais das partes) a temática dos deveres de informação do intermediário financeiro e das consequências do seu incumprimento tem sido objecto de múltiplas publicações doutrinais que têm contribuído para o debate geral sobre uma matéria que, nos últimos anos, ganhou significativa importância jurídica (bem como visibilidade social) mercê dos múltiplos conflitos que têm chegado aos tribunais[10].
Independentemente das construções teóricas potencialmente convocáveis para a delimitação do âmbito dos deveres de informação, só ao nível do caso concreto, com base na factualidade provada, se poderá concluir se um intermediário financeiro forneceu toda a informação que lhe era possível e exigível fornecer, face ao perfil do cliente e às suas necessidades informacionais (como se extrai do art. 312º do CVM).
Assim se justifica que em certos casos respeitantes ao cumprimento dos deveres de informação, em contratos de intermediação financeira, se conclua pela não responsabilização do intermediário e noutros casos se conclua de modo diverso.
A factualidade do caso concreto demonstra que o comportamento do Recorrente esteve, inequivocamente, longe de preencher os critérios ético-normativos decorrentes das normas do CVM supra referidas, nomeadamente, ao ter prestado informação falsa sobre a natureza do produto financeiro cuja subscrição promoveu junto do Autor (produto financeiro similar a um depósito a prazo) e o âmbito da obrigação de reembolso do capital aplicado, convencendo o Autor, seu cliente, de que essa obrigação era também assumida pelo Banco Réu.
. Na verdade, como se encontra provado, o Réu informou o Autor de que o produto financeiro, que este acabou por subscrever, não comportava qualquer risco, era equivalente a um depósito a prazo e melhor remunerado, o que bem sabia não corresponder à verdade.
Conclui-se, assim, que a decisão recorrida entendeu, de forma correcta, que o Banco Réu não cumpriu - principalmente com este fundamento - os deveres de informação que legalmente lhe eram impostos.
Entremos agora na questão de saber se tal factualidade poderá, como entendeu o Tribunal Recorrido, implicar que o Banco Réu seja responsabilizado a título de Responsabilidade contratual (arts. 798º e ss. do CC) ou extracontratual (arts. 483º e ss. do CC).
A responsabilidade civil do intermediário financeiro convoca, especificamente, as seguintes normas do CVM:
- Art.304º (Princípios)
“1. Os intermediários financeiros devem orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.
2. Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.
(…)
- Art.304º-A (Responsabilidade civil)
1. Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.
2. A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação”.
Dado que estas normas do CVM não dispõem expressamente sobre todos os requisitos de responsabilização civil, impõe-se a convocação das normas gerais sobre responsabilidade contratual (art.798º do CC) e/ou extracontratual (art.483º do CC), bem como as regras comuns a estas duas variantes da responsabilidade civil sobre obrigação de indemnizar (arts. 563º e ss).
Como já referimos, na decisão recorrida entendeu-se responsabilizar civilmente o Banco Reu seguindo-se, em primeira linha, a via da responsabilidade contratual.
Esta é uma das vias teoricamente possíveis, a par da responsabilidade extracontratual, para se concluir pela existência de uma obrigação de indemnizar. E poderá mesmo acontecer que, em certos casos, se verifiquem, simultaneamente, os requisitos das duas modalidades de responsabilidade civil.
Como afirmava o Prof. Antunes Varela: “Apesar da nítida distinção conceitual existente entre as duas variantes da responsabilidade civil (uma, assente na violação de deveres gerais de abstenção, omissão ou não ingerência, correspondentes aos direitos absolutos; a outra, resultante do não cumprimento, lato sensu, dos deveres relativos próprios das obrigações, incluindo os deveres assessórios de conduta, ainda que impostos por lei, no seio da complexa relação obrigacional), a verdade é que elas não constituem, sobretudo na vida prática, compartimentos estanques. Pode mesmo dizer-se que, sob vários aspectos, responsabilidade contratual e extracontratual funcionam como verdadeiros vasos comunicantes.
Por um lado, elas podem nascer do mesmo facto e transitar-se facilmente do domínio de uma para a esfera normativa própria da outra (…)[11]”.
E acrescentou ainda: “(…) é bem possível que o mesmo facto envolva para o agente (ou o omitente), simultaneamente, responsabilidade contratual (por violação de uma obrigação) e responsabilidade extracontratual (por infringir ao mesmo tempo um dever geral de abstenção ou o direito absoluto correspondente (…)”[12].
Nas suas alegações de recurso, o Recorrente defende que no apuramento dos requisitos da responsabilidade do Réu, contrariamente à presunção de culpa que sobre ele recai (art. 799º do CC), não se pode afirmar a existência de presunções de ilicitude ou de causalidade.
Mas a verdade é que no caso concreto não se torna necessário apelar à existência dessa construção doutrinal (das presunções), pois que decorre da factualidade dada como provada que o Autor logrou provar o preenchimento dos factos subjacentes ao pressuposto da ilicitude – como já vimos - e a existência de um nexo causal entre esse facto ilícito e os danos produzidos na esfera jurídica do Autor - como iremos ver.
Nessa medida, a matéria de facto que se deu como provada subjacente ao preenchimento destes requisitos assentou exclusivamente na observância das regras gerais em matéria probatória, previstas no art. 342º do CC, não sendo necessário recorrer a qualquer presunção de ilicitude ou causalidade que aqui não carece de ser aplicada[13].
Julgamos, de qualquer forma, que, em princípio, a única presunção que expressamente se prevê neste domínio é a presunção de culpa do intermediário financeiro, prevista no art. 304º-A, nº 2 do CVM, presunção esta que, como resulta da matéria de facto provada, o Réu não conseguiu ilidir.
Quanto aos demais pressupostos, quer se siga a variante da responsabilidade contratual quer da extracontratual, no caso concreto, como já se referiu, nenhuma necessidade existe de se defender (discutíveis) presunções de ilicitude ou de causalidade, pois da factualidade provada resulta, inequivocamente, que estes requisitos se encontram expressamente demonstrados.
Senão vejamos.
Quanto ao pressuposto da ilicitude:
- Como já referimos, caso se siga a variante da responsabilidade contratual, entendendo-se que os deveres de informação integram o núcleo essencial do programa debitório do Banco Réu, tendo-se concluído que este teve um comportamento inequivocamente contrário ao que lhe era imposto pelo art. 312º do CVM, não cumprindo os deveres a que estava vinculado nos termos expostos, dúvidas não restam de que o seu comportamento foi ilícito em termos contratuais. Acresce que o Réu não demonstrou a existência de qualquer razão que justificasse tal incumprimento contratual, e que consequentemente pudesse excluir a ilicitude.
A este propósito, importa ter presente o ensinamento do Prof. Antunes Varela: “A ilicitude resulta, no domínio da responsabilidade contratual, da relação de desconformidade entre a conduta devida (a prestação debitória) e o comportamento observado”[14].
Ora, no caso concreto, como resulta da factualidade provada, o Banco Réu prestou ao Autor a já referida informação falsa relativa à natureza do produto financeiro que promoveu junto do Autor e à garantia de reembolso por si do capital investido por este investido, pelo que resulta inequívoco que esta conduta do Recorrente, como bem se referiu na decisão recorrida, é violadora das exigências da boa fé e da lealdade devidas ao Autor, seu cliente e, dado o conteúdo da informação falsa transmitida, não será difícil concluir que tal conduta foi absolutamente determinante para que o Autor tivesse subscrito o produto financeiro promovido pelos funcionários do Banco Réu do Balcão de ....
Nesta conformidade, surge como uma evidência a possibilidade de afirmação da prática de um ilícito contratual por parte do Recorrente no caso concreto.
Tem sido esse, aliás, o sentido das decisões do Supremo Tribunal de Justiça quando teve que se pronunciar sobre situações fácticas idênticas às do presente caso (acórdãos disponíveis em Dgsi.pt):
*
- Acórdão de 10.1.2013 (relator Tavares de Paiva):
“I - Embora a comercialização de produto financeiro com informação de ter capital garantido responsabilize em primeira linha a entidade emitente do produto, não significa que essa responsabilidade não se estenda também ao intermediário financeiro, se no relacionamento contratual que desenvolve com o cliente, assumir em nome desse relacionamento contratual também o reembolso do capital investido.
II - E provando-se, no caso em apreço, que o gerente do banco em 2001 propôs à autora uma aplicação financeira mediante a aquisição de um produto com garantia do capital investido e que a autora deu a sua anuência à concretização da aplicação, por se tratar de um produto comercializado pelo Private Banking do C…, SA com capital garantido – informação de capital garantido que veio posteriormente a ser confirmada pela administração do C…, SA, quando, em Maio de 2008, decidiu honrar os compromissos assumidos pelos banco, através do pagamento do valor nominal dos títulos aos inúmeros clientes afectados, entre os quais a autora – constitui uma realidade negocial que configura da parte do banco um compromisso feito seguramente em nome desse relacionamento contratual existente entre a autora e o banco réu que se desenvolveu ao longo dos anos e nomeadamente durante a vigência dos títulos financeiros adquiridos (2001 a 2008) e, como tal, o banco é responsável pelas obrigações contratuais assumidas, como seja, o reembolso do capital investido nessa aquisição dos identificados activos financeiros.
III - Além desta responsabilidade contratual nos termos descritos existe também responsabilidade extracontratual por parte do banco réu, em consequência da violação dos deveres, não só do exercício da sua actividade de intermediário financeiro, nomeadamente os princípios orientadores consagrados no art. 304 do CVM, como sejam os ditames da boa fé, elevado padrão de diligência, lealdade e transparência, como também da violação dos mais elementares deveres de informação a que aludem os arts. 7.º n.º 1 e 312.º, n.º 1, ambos do CVM, fazendo, assim, incorrer o banco réu na responsabilidade, a que alude o art. 314.º, n.º1, do CVM, sendo certo também que o banco Réu não ilidiu a presunção legal de culpa do n.º2 do citado art. 314.º, constituindo-se por essa via também na obrigação de indemnizar os danos causado à autora”.
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- Acórdão de 17.3.2016 (relator: Maria Clara Sottomayor):
“I - Embora a comercialização de produto financeiro com informação de ter capital garantido responsabilize em primeira linha a entidade emitente do produto, não significa que essa responsabilidade não se estenda também ao intermediário financeiro, se no relacionamento contratual que desenvolve com o cliente, assumir em nome desse relacionamento contratual também o reembolso do capital investido.
II - Provando-se que a gerente do Banco em Janeiro de 2008 propôs ao autor uma aplicação financeira mediante a aquisição de um produto (papel comercial emitido pela «I…, S.A.») com garantia do capital investido e que o autor deu a sua anuência à concretização da aplicação, por se tratar de um produto comercializado pelo BB, SA com capital garantido, o Banco é responsável pelas obrigações assumidas no compromisso com o cliente: o reembolso do capital investido e os juros.
III - O art. 324.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários consagra um prazo de prescrição de dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos, salvo dolo ou culpa grave.
IV – O ónus da prova da excepção da prescrição cabe ao réu.
V- Actua com culpa grave, para o efeito de não aplicabilidade do prazo de prescrição de dois anos, o Banco que recorre a técnicas de venda agressivas, mediante a utilização de informação enganosa ou ocultando informação, com o intuito de obter a anuência do cliente a determinados produtos de risco que este nunca subscreveria se tivesse conhecimento de todas as características do produto, nomeadamente se soubesse que nem sequer o capital investido era garantido.”.
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- Acórdão de 25.10.2018 (relator: Bernardo Domingos):
“I. Num contrato de intermediação financeira recai sobre o intermediário financeiro, o dever contratual de agir de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência. Este dever, imposto ao intermediário financeiro, no interesse legítimo dos seus clientes, não é mais, afinal, que o dever de agir de boa-fé, constituindo um dever principal – a prestação propriamente dita no complexo obrigacional a cargo do intermediário financeiro. II. A relação contratual obrigacional que se estabelece entre o cliente e o intermediário financeiro exige deste um elevado padrão de conduta, com lealdade e rigor informativo pré-contratual e contratual: informação completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita, tendo em conta que, entre clientes não qualificados, a avaliação do risco não é tão informada quanto a da contraparte. III. O não cumprimento dos deveres de informação é sancionado, no quadro da responsabilidade civil contratual – art. 483º, nº1, do Código Civil –, impendendo sobre o intermediário financeiro ou banco, que age nessa veste, presunção de culpa nos termos do art. 799º, nº1, do Código Civil e nº 2 do art. 304-A do CVM. IV. Estando demonstrado que o Réu, na fase pré-contratual, não prestou a exigível e qualificada informação pautada pelo standard da actuação de boa-fé, com o elevado padrão de conduta, não actuando com diligência e transparência de modo a informar, cabalmente, do risco do negócio, não respeitando, nem protegendo o interesse do investidor e que ao invés lhe prestou informação ambígua tendente a convencê-lo da inexistência de risco ou de um risco igual ao de um depósito a prazo do próprio banco, é obvia a ilicitude de tal conduta e grave a culpa, porque deliberada e meticulosamente planeada. V. Os danos relevantes para efeitos de indemnização, quando se reportem a situações que impliquem uma projecção no futuro dos efeitos de determinado comportamento do agente, são determinados em função de um critério de probabilidade, não exigindo a lei a certeza quanto à sua ocorrência. VI. Assim para que haja nexo causal entre a conduta ilícita e culposa da R. traduzida na violação dos deveres de informar, e o dano sofrido pelo cliente, consistente na perda do capital investido, na sequência do erro em que foi induzido, basta que os factos provados permitam formular um juízo de grande probabilidade de que o A. não teria subscrito aquela aplicação financeira, se o dever de informação tivesse sido cumprido nos termos imposto por lei ou seja de forma completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita. VII. Verificados os pressupostos da responsabilidade civil, o intermediário financeiro constitui-se na obrigação de indemnizar o cliente pelo prejuízos sofridos, consistentes no montante do capital investido e respectivos juros moratórios.”
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- Acórdão de 10.4.2018 (relator: Fonseca Ramos):
“I. A protecção dos interesses legítimos dos clientes de produtos financeiros implica, em relação a eles, que o intermediário financeiro indague sobre a sua situação financeira e experiência – o princípio know your costumer, ou, know your client no que respeita ao tipo específico de instrumento financeiro ou serviço oferecido ou procurado, bem como, se aplicável, sobre a situação financeira e os objectivos de investimento do cliente – nº 3 do art. 304º do CVM – devendo observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência. II. O dever de conhecimento do perfil do cliente, sobretudo nos casos de investidores não qualificados, a avaliação não só da sua capacidade de investimento como a de suportar o risco inerente ao produto que pretende adquirir, para se ajuizar se certa transacção é adequada ao cliente – suitablity test –, impõe ao intermediário financeiro um rigoroso dever pré-contratual de informação, que não se queda pelo padrão do bom pai de família, mas antes, dada a profissionalidade do banco/intermediário financeiro, lhe impõe um grau de diligência mais acentuado, devendo actuar como “diligentissimus pater familias”, não sendo toleráveis procedimentos que possam sequer ser incursos em culpa leve. III. O dever contratual de agir de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, impostos ao intermediário financeiro, no interesse legítimo dos seus clientes, não é mais, afinal, que o dever de agir de boa fé, constituindo um dever principal – a prestação propriamente dita no complexo obrigacional a cargo do intermediário financeiro. IV. A relação contratual obrigacional que se estabelece entre o cliente e o intermediário financeiro exige deste um elevado padrão de conduta, com lealdade e rigor informativo pré-contratual e contratual: informação completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita, tendo em conta que, entre clientes não qualificados, a avaliação do risco não é tão informada quanto a da contraparte. V. O não cumprimento dos deveres de informação é sancionado, no quadro da responsabilidade civil contratual – art. 483º, nº 1, do Código Civil –, impendendo sobre o intermediário financeiro ou banco, que age nessa veste, presunção de culpa nos termos do art. 799º, nº1, do Código Civil, sendo claro o nº2 do art. 304-A do CVM quando estatui – “A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito das relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado por violação de deveres de informação.” VI. Os factos provados demonstram que o Réu, na fase pré-contratual, não prestou a exigível e qualificada informação pautada pelo standard da actuação de boa fé, com o elevado padrão de conduta, não actuando com diligência e transparência de modo a informar, cabalmente, do risco do negócio, não respeitando, nem protegendo o interesse do investidor, seu cliente há 12 anos, e que, naturalmente confiava, como seria esperável dessa relação de confiança, uma informação que, obviamente, não era a de que a EE pudesse cair na insolvência, mas que não deveria ser a que foi prestada: o retorno do investimento naquele produto financeiro era garantido como se fosse um produto do banco, o que foi razoavelmente entendido, como tão seguro e garantido como um depósito a prazo. VII. Se nos deveres de informação não cabe, por exemplo, o dever de alertar para o risco de insolvência da entidade que coloca o produto financeiro no mercado, sobretudo se as circunstâncias não assinalarem no horizonte esse risco, já nos casos, como é o que nos ocupa, em que o cliente é induzido a investir pelo Banco, que toma a iniciativa de o contactar, o que revela confiança, não mesmo certo é que qualquer reticência de informação já é violadora do padrão de exigência informativa cometida ao intermediário financeiro. VIII. O prazo de prescrição de dois anos, previsto no art. 324º, nº 2, do CVM, só é aplicável nos casos de culpa leve ou levíssima do intermediário financeiro, como resulta da ressalva inicial “salvo dolo ou culpa grave”: sendo a culpa grave, não se aplica aquele prazo bianual, mas o prazo prescricional geral do art. 309º Código Civil.”
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- Acórdão de 18.9.2018 (relator: Maria Olinda Garcia):
“I - O cumprimento ou incumprimento dos deveres de informação que o art.312.° do CMVM impõe ao intermediário financeiro, só ao nível do caso concreto pode ser efectivamente determinado, tendo por base o perfil do cliente e as específicas circunstâncias da contratação. II - Concluindo-se que o intermediário financeiro violou ilícita e culposamente os deveres de informação que lhe eram impostos, torna-se responsável pelos prejuízos imputáveis à sua conduta.”
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- Acórdão de 18.9.2018 (relator Salreta Pereira):
“I - O réu, na qualidade de intermediário financeiro, violou os deveres de informação a que estava obrigado por força dos arts. 304.º, n.ºs. 2 e 3 do CVM e 77.º, n.º 1, do RGICSF, ao convencer erradamente os autores que o reembolso do capital investido em determinado produto financeiro era garantido, que a aplicação era tão segura como um depósito a prazo e que era melhor remunerada. II - A actuação ilícita e culposa do réu – art. 799.º do CC – foi causal da aplicação do capital dos autores e do dano correspondente à sua perda: (i) os autores eram clientes do banco há mais de 15 anos e têm a 4.ª classe; (ii) os funcionários do réu sabiam que os autores nunca tinham investido em produtos diferentes de depósitos a prazo; (iii) os autores não tinham a intenção de investir; (iv) foram os funcionários do réu que seduziram e convenceram os autores a investir o valor de €50.000 no produto financeiro, iludindo-os quanto à sua natureza e características.”
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- Acórdão de 11.12.2018 (relator: Ana Paula Boularot):
“I. Os intermediários financeiros encontram-se sujeitos a um conjunto de princípios gerais atinentes ao exercício e à organização da sua actividade, os quais decorrem directamente do preceituado no artigo 304º do CVM. II. O princípio dos princípios orientadores da actividade de intermediação reside, indubitavelmente no nº 1 daquele normativo ao impor aos intermediários financeiros que orientem a sua actuação no sentido da protecção dos interesses legítimos dos seus clientes. III. Tal princípio mais não é do que a imposição da expressão da Directiva 2004/39/CE de 21 de Abril, da qual decorre uma vinculação dos intermediários financeiros a orientar a sua actividade no sentido de assistir os seus clientes ao nível do seu plano de investimentos, informando-os e alertando-os para os possíveis riscos e chamando-lhes a atenção para eventuais prejuízos que deles possam advir; mais do que meros executantes formais dos serviços disponibilizados e/ou contratados, os intermediários financeiros devem funcionar em relação aos seus clientes/investidores, como verdadeiros garantes e guardiões dos réditos investidos zelando pela sua valorização. IV. Viola tal princípio a entidade bancária que no exercício da intermediação financeira não apresenta ao seu cliente de forma clara, esclarecida e fiel, o produto proposto, não obstante soubesse que este não tinha conhecimentos que lhe permitissem aferir do alcance da aplicação na aquisição das obrigações da J…, em causa, bem sabendo que o Autor não tinha qualquer intenção em investir o seu dinheiro em produtos que implicassem qualquer risco para o capital, sendo certo que lhe foi até assegurado que «o produto em questão era idêntico a um depósito a prazo, por quatro anos, sem qualquer risco de capital ou juros e susceptível de ser movimentado quanto o autor quisesse». V. O Réu/Recorrente, com a sua conduta, desafiou todos os deveres de protecção da integridade pessoal e patrimonial do Autor, tendo-lhe apresentado como realidade, uma situação que à partida sabia que não era aquela (não se tratava de um depósito a prazo, mas sim da aquisição de um produto de risco), o que conduziu, não a uma frustração das expectativas daquele, mas antes, à frustração da sua confiança, porquanto as representações e as disposições efectuadas em função das mesmas, lhe foram indevidamente transmitidas, o que conduz, inexoravelmente à obrigação de reparação, colocando o sujeito na situação em que se encontraria se não tivesse acalentado aquelas expectativas.”
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- Acórdão de 7.2.2019 (relator: Rosa Tching):
“I. Os deveres de informação, no âmbito das actividades de intermediação financeira, apresentam-se como um mecanismo fulcral de protecção dos investidores, com especial enfoque nos mais vulneráveis, por forma a criar-lhes um clima de confiança e de segurança na aplicação das suas poupanças e proporcionar-lhes uma decisão consciente. II. O âmbito dos deveres de informação, a que o intermediário financeiro se encontra vinculado, é determinado quer em função da qualidade de informação, que deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita», incluindo, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, nomeadamente as respeitantes a riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar, quer em função do quantum da informação, balizado por uma regra de proporcionalidade inversa entre o grau de extensão e densidade daquele dever por parte do intermediário e o grau de conhecimentos e experiência do cliente/investidor, reportado ao produto financeiro em causa. III. A responsabilidade civil do intermediário financeiro, por violação dos deveres de informação, pressupõe, para além da sua culpa presumida, a prova, por parte do lesado, da ilicitude resultante do incumprimento dos referidos deveres bem como do nexo de causalidade adequada entre esse incumprimento e o dano sofrido pelo investidor. IV. Demonstrado terem os clientes/investidores um perfil conservador e terem os mesmos confiado no banco, intermediário financeiro, para encontrar as aplicações financeiras mais adequadas às suas pretensões de apenas quererem investir através da subscrição de um produto financeiro “sem risco”, que oferecesse uma segurança semelhante a um depósito a prazo, mas que tivesse uma rentabilidade superior à deste, como era do conhecimento do funcionário do banco que lhes vendeu a obrigação subordinada E2…, era dever legal do banco informá-los, no momento da aquisição deste produto, acerca das reais características deste produto financeiro. V. As obrigações subordinadas distinguem-se das obrigações clássicas por estarem abrangidas por uma cláusula de subordinação, isto é, no caso de insolvência ou liquidação da entidade emitente, apenas são reembolsadas após os demais credores por dívida não subordinada, tendo prioridade tão só sobre os accionistas, representando, por isso, um maior risco potencial, pois, considerando o facto de, na graduação de créditos, cederem perante os créditos privilegiados e sobre os créditos comuns, facilmente se pode aceitar como certa a inviabilidade de os respectivos subscritores obterem no processo de insolvência o retorno do capital que a emitente se obrigou a realizar e os respectivos juros. VI. Não tendo o banco intermediário, aquando da subscrição da obrigação E2…, dado a conhecer aos clientes/investidores as reais características deste produto financeiro, designadamente os maiores riscos envolvidos nesta operação, incluindo o especial risco de não retorno do capital investido em caso de insolvência da entidade emitente, factor que assume especial relevância visto estarmos perante uma obrigação subordinada com reembolso a dez anos e sem possibilidade de reembolso antecipado por iniciativa do subscritor, e tendo, em vez disso, assegurado aos clientes/investidores que a obrigação E2… era equivalente a um depósito a prazo, tão segura como este, estando garantido o retorno do capital investido, incorreu o banco em violação dos deveres de informação a que, na sua actividade de intermediação, se encontrava vinculado, não podendo deixar de relevar esta sua actuação ilícita para efeitos de responsabilidade civil contratual.”
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- ac. 19.3.2019 (relator: José Rainho):
“I - É dever do intermediário financeiro prestar, quanto aos valores mobiliários que disponibiliza para subscrição junto de clientes, informação completa, verdadeira e objectiva sobre o produto e seus riscos, assim como é seu dever pautar-se de acordo com o vector da boa-fé, nomeadamente em termos de lealdade.
II - Não cumpre esses deveres o intermediário financeiro, Banco, que faz crer ao cliente que o produto financeiro que propunha para subscrição tinha a garantia do próprio Banco, que tinha a mesma garantia de um depósito a prazo e que o Banco garantia o capital investido, quando afinal do que se tratava era de obrigações subordinadas emitidas por terceira entidade, que era a devedora do reembolso do capital e do pagamento dos juros, embora fosse a titular da totalidade do capital social do Banco.
III - Mostrando-se que se o intermediário financeiro tivesse informado o cliente de forma completa, verdadeira e leal este nunca aceitaria subscrever o produto financeiro em causa, e mostrando-se que o reembolso não foi feito na data da respectiva maturidade nem depois, é o intermediário financeiro responsável pelo prejuízo sofrido pelo investidor.
IV - Esse prejuízo corresponde ao montante investido, acrescido de juros de mora.
V - A circunstância de ter sido dito ao cliente que o produto proposto tinha a garantia do próprio Banco ou que tinha a mesma garantia de um depósito a prazo ou ainda que o Banco garantia o capital investido, tudo isto apenas significa, dentro da economia da demais factualidade conhecida, que o Banco prestou informações que não eram exactas ou verdadeiras, e é daqui que deve nascer a sua responsabilização.
VI - A assunção de dívida alheia, seja no figurino da assunção liberatória, seja no figurino da assunção cumulativa ou co-assunção de dívida, só vale como tal se houver aceitação do credor.
VII - Deste modo, mostrando-se que o investidor não representou que estava a adquirir obrigações emitidas por terceiro e que existia um devedor primitivo (a entidade emitente), não faz sentido falar-se numa co-assunção da dívida por parte do Banco, e muito menos numa transmissão da dívida para este”.
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- ac. 26.3.2019 (relator: Alexandre Reis), in dgsi.pt
“I - Considerando o âmbito funcional dos deveres de informação (completa, verdadeira, actual, clara e objectiva) que impendem sobre o intermediário financeiro, determinado pelo grau de conhecimentos e experiência do seu cliente – no caso, um investidor conservador e que, afinal, actuou convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação com as características de um depósito a prazo, sendo, portanto, não familiarizado com o produto financeiro (obrigação subordinada) em causa –, não cumpre tais deveres o banco que, naquela qualidade, fez crer a este que o capital que lhe propôs investir no produto poderia ser recuperado com rapidez e, sobretudo, que era garantido pelo próprio banco e como um depósito a prazo.
II - Mostrando-se que o cliente nunca teria adquirido a obrigação referida se o intermediário financeiro o tivesse informado de forma completa e verdadeira, designadamente de que o reembolso do capital investido não era garantido pelo banco, mostra-se preenchida a conditio sine qua non do dano e, por outro lado, em função das circunstâncias conhecidas e cognoscíveis de todo o processo factual e segundo as regras da experiência comum e um critério de verosimilhança e de probabilidade, o facto de este ter violado o bem jurídico tutelado pelo dever de informação a que estava vinculado, não só não se mostra indiferente como foi apto a produzir o não reembolso do capital – a lesão verificada –, independentemente de este ter sido também condicionado pela superveniente insolvência da emitente da obrigação, sendo, pois, razoável impor ao intermediário a responsabilidade por esse resultado”.
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- Caso se entenda que a variante da responsabilidade civil tecnicamente mais apropriada seria a extracontratual, também o requisito da ilicitude, como configurado pelo art.483º do CC, se encontraria verificado aqui sim pela afirmação da violação dos deveres de informação que, neste âmbito, como já referimos, se impõem aos intermediários financeiros.
Nestes casos, poderá entender-se que se trata de uma hipótese da denominada segunda modalidade da ilicitude, ou seja, a violação de normas (particularmente o art. 312º do CVM) que protege os investidores financeiros e, em particular, os investidores não qualificados[15].
Nessa medida, também por esta via poder-se-ia considerar preenchido o pressuposto da ilicitude (neste caso extracontratual).
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Finalmente, ainda neste âmbito da afirmação da responsabilidade, também não se pode deixar de referir a possibilidade de ainda se poder enquadrar a situação dos autos no âmbito de um ilícito pré-contratual[16] – como aliás decorre de alguns dos Acórdãos do STJ já citados.
Na verdade, os deveres de informação que impendiam sobre o Banco Réu podem colher ainda fundamento no art. 227º do CC, que estabelece que quem negoceia com outrem para a conclusão de um contrato deve, nomeadamente nos preliminares, proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte. Está aqui em causa precisamente o sancionamento (responsabilidade pré-contratual) da violação dos deveres secundários de informação, de esclarecimento e de lealdade, que é suposto serem observados numa relação preparatória de um negócio jurídico – podendo, assim, no caso concreto, também por esta via considerar-se preenchido o pressuposto da ilicitude[17].
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Quanto ao requisito do dano:
Não tendo havido restituição dos 50.000 Euros (cinquenta mil euros), correspondentes ao valor das Obrigações subscritas, na data em que, segundo o regime dessas obrigações, tal devia ter acontecido, e mostrando-se que a entidade que as devia restituir está impossibilitada de efectuar essa restituição, tornando improvável o recebimento do montante entregue, materializou-se inequivocamente na esfera jurídica patrimonial do Autor um dano de 50.000 Euros.
Quanto à causalidade:
Da matéria de facto provada, resulta claramente demonstrado que o Autor nunca teria subscrito as Obrigações E1…, se o Réu tivesse cumprido os seus deveres de informação, esclarecendo-o sobre as características daquele produto ou não prestando as informações falsas que determinaram essa subscrição.
O comportamento do Réu (na primeira hipótese, omissivo) deu, assim, causa aos danos que o Autor veio a sofrer. E trata-se de um comportamento que, pela sua natureza, se pode considerar adequado à produção do tipo de dano que o Autor provou ter sofrido, pois o risco de perda do capital investido nas aludidas Obrigações era um risco próprio dessa espécie de produto. O Banco Réu tinha a obrigação de conhecer esse risco, mas não informou o Autor de que ele podia verificar-se, tendo inclusivamente garantido que o mesmo não ocorreria porque ele próprio garantia o reembolso do capital investido no produto financeiro que promoveu junto do Autor.
Como ensinava o Prof. Antunes Varela: “Desde que o devedor ou o lesante praticou um facto ilícito, e este actuou como condição de certo dano, (…) se justifica que o prejuízo (embora devido a caso furtuito ou, em certos termos, à conduta de terceiro) recaia, em princípio, não sobre o titular do interesse atingido, mas sobre quem, agindo ilicitamente, criou a condição do dano”[18].
Acresce que entre os propósitos das normas do CVM já citadas, que impõem ao intermediário financeiro o cumprimento dos deveres de informar e esclarecer os seus clientes, estão certamente preocupações legislativas de que estes não venham a sofrer danos ou, no mínimo, que sejam livres (porque informados) de decidir quais os riscos que querem correr.
Dúvidas não restam, pois, de que no caso concreto se encontra preenchida a previsão normativa do art. 563º do CC.
Verificados os pressupostos da responsabilidade civil, emerge para o Réu a obrigação de indemnizar o Autor pelos danos sofridos, como resulta dos artigos 562º e 566º do CC.
Com efeito, existindo ilicitude, culpa e dano, consubstanciado este na não recuperação do valor investido, que, afinal, não foi garantido pelo Banco Réu (nem seria, dada a natureza do produto), bem como nexo de causalidade entre a actuação culposa e inadimplente deste, tem que se considerar que estão preenchidos os requisitos da obrigação de indemnizar nos termos do art. 483º, nº 1, do CC; cfr. arts. 798º e ss. do CC.
Como se decidiu no Acórdão do STJ de 17.3.2016[19]: “Pese embora a comercialização de produto financeiro com informação de ter capital garantido responsabilize em primeira linha a entidade emitente do produto, não significa que essa responsabilidade não se estenda também ao intermediário financeiro, se no relacionamento contratual que desenvolve com o cliente, assumir em nome desse relacionamento contratual também o reembolso do capital investido.”
O Banco é, pois, responsável pelas obrigações assumidas competindo-lhe reembolsar o capital investido € 50.000,00 (cinquenta mil euros) nos exactos termos em que o Tribunal Recorrido o condenou.
Além disso, tem também o Autor direito à indemnização fixada a título de danos não patrimoniais (cujo valor não se mostra aqui questionado).
Improcede esta parte do Recurso.
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Aqui chegados, importa entrar na segunda questão atrás enunciada, correspondente à invocação da prescrição.
O art. 324º, nº 2, do CVM estabelece um prazo de prescrição de dois anos: “Salvo dolo ou culpa grave, a responsabilidade do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo nessa qualidade prescreve decorridos dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão o do negócio e dos respectivos termos”. O prazo de dois anos é aplicável nos casos de culpa leve ou levíssima como resulta da ressalva inicial, “salvo dolo ou culpa grave”.
Este prazo de dois anos para a responsabilidade civil do intermediário financeiro aplica-se quer à responsabilidade contratual quer à responsabilidade extracontratual, que, como é sabido, em termos gerais, têm prazos de prescrição mais alargados.
Na verdade, tratando-se de responsabilidade contratual, o prazo de prescrição, em princípio, seria o prazo ordinário de 20 anos (art. 309º do CC)[20].
Já no caso de se tratar de responsabilidade extracontratual o prazo de prescrição, em princípio, seria o prazo de três anos previsto no nº 1 do art. 498º do CC.
A razão de ser que terá levado o legislador a estabelecer um prazo mais curto de prescrição para a responsabilidade do intermediário financeiro “justificar-se-á pela interpretação do silêncio do cliente, após a comunicação, como aprovação da actuação do intermediário financeiro, em termos similares ao que se prevê no art. 1163º do CC” [21] (para o contrato de mandato).
O motivo desta solução reside “na intenção legislativa de suavizar o rigoroso regime de responsabilidade civil conferido ao intermediário financeiro nas suas relações perante o cliente, rejeitando assim que persista por muito tempo a insegurança jurídica (para o intermediário lesante) inerente à imputação dos danos”[22].
De qualquer forma, este prazo curto de prescrição só se torna operativo nos casos em que o intermediário financeiro não aja com culpa grave ou dolo, casos em que já serão aplicáveis os prazos atrás mencionados, consoante a natureza da responsabilidade civil imputada.
Ora, tendo em conta a conduta assumida pelo Banco Réu, enquanto intermediário financeiro, tem que se concluir que os direitos (de indemnização) aqui reconhecidos não estão prescritos pois que o comportamento daquele preenche, como de seguida demonstraremos, a ressalva de aplicação do prazo curto de prescrição (Salvo dolo ou culpa grave- cfr. art. 324º, nº 2 do CVM).
Com efeito, na definição do Prof. Antunes Varela[23], “a culpa lata (a que mais frequentemente se chama culpa grave) consiste em não fazer o que faz a generalidade das pessoas, em não observar os cuidados que todos em princípio adoptam. A culpa leve seria a omissão da diligência normal (podendo o padrão da normalidade ser dado em termos subjectivos, concretos, ou em termos objectivos, abstractos). A culpa levíssima seria a omissão dos cuidados especiais que só as pessoas mais prudentes e escrupulosas observam”.
Atento o padrão de exigência imposta ao intermediário financeiro, no que concerne ao dever de informar em sede pré-contratual e contratual, e considerando que a sua actuação se afere pelo padrão do diligentissimus pater familias, o Réu, no caso concreto, é passível de um acentuado grau de censura: o seu dever de informar, integrando o cerne da prestação, implicava um escrupuloso dever de diligência, pelo que a actuação, intencionalmente omissiva de informação, que era devida ou a prestação de uma informação falsa, exprime culpa grave.
Na verdade, como se refere no ac. do STJ de 17.3.2016 (relator: Clara Sottomayor) - no Sumário -, in dgsi.pt: “(…) O art. 324.º, n.º 2, do Código dos Valores Mobiliários consagra um prazo de prescrição de dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos, salvo dolo ou culpa grave. IV – O ónus da prova da excepção da prescrição cabe ao réu. V- Actua com culpa grave, para o efeito de não aplicabilidade do prazo de prescrição de dois anos, o Banco que recorre a técnicas de venda agressivas, mediante a utilização de informação enganosa ou ocultando informação, com o intuito de obter a anuência do cliente a determinados produtos de risco que este nunca subscreveria se tivesse conhecimento de todas as características do produto, nomeadamente se soubesse que nem sequer o capital investido era garantido”.
Assim, sendo a sua culpa grave, por esta ordem de ideias, não se aplica o prazo do art. 324º, nº 2, do CVM, mas o prazo geral do art. 309º CC (no caso da responsabilidade contratual – como julgamos dever ser o enquadramento jurídico da conduta do Banco Réu), o que significa que o direito do Autor ainda não se mostra prescrito[24].
Improcede também esta argumentação.
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Conclui-se, assim, que a decisão recorrida nenhuma censura merece, pois fez correcta aplicação da lei.
Improcede totalmente o Recurso.
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Sumário (elaborado pelo Relator- art. 663º, nº 7 do CPC):
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III-DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar:
- o Recurso interposto pelo Réu/Recorrente totalmente improcedente, e, em consequência, manter integralmente a sentença recorrida.
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Custas pelo Recorrente (artigo 527º, nº 1 do CPC).
Notifique.
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Porto, 7 de Outubro de 2019
Pedro Damião e Cunha
Fátima Andrade
Eugénia Cunha
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[1] Abrantes Geraldes, In “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, pág. 133;
[2] V. Ac. do STJ de 24.9.2013 (relator: Azevedo Ramos) publicado na DGSI e comentado por Teixeira de Sousa, in “Cadernos de Direito Privado”, nº 44, págs. 29 e ss.;
[3] Pode inclusivamente, verificados determinados requisitos, ordenar a renovação da prova (art. 662º, nº2, al a) do CPC) e ordenar a produção de novos meios de prova (al b));
[4] Abrantes Geraldes, In “Recursos no Novo Código de Processo Civil“, pág. 266 “A Relação actua como Tribunal de substituição quando o recurso se funda na errada apreciação dos meios de prova produzidos, caso em que se substitui ao tribunal de primeira Instância e procede à valoração autónoma dos meios de prova. Confrontada com os mesmos elementos com que o Tribunal a quo se defrontou, ainda que em circunstâncias não totalmente coincidentes, está em posição de formular sobre os mesmos um juízo valorativo de confirmação ou alteração da decisão recorrida…”;
[5] Miguel Teixeira de Sousa in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 1997, p. 348.
[6] Cfr. acórdãos do STJ de 19/10/2004, CJ, STJ, Ano XII, tomo III, pág. 72; de 22/2/2011, CJ, STJ, Ano XIX, tomo I, pág. 76; e de 24/9/2013, disponível em www.dgsi.pt.
[7] Cfr. Ac. do S.T.J. de 3/11/2009, disponível em www.dgsi.pt.
[8] Segundo Ana Luísa Geraldes, in “Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto” (nos Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas) Vol. I, pág. 609 “Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte…”; no mesmo sentido, v. Miguel Teixeira de Sousa, in “Blog IPPC” (jurisprudência 623- anotação ao ac. da RC de 7/2/2017) onde refere: “É verdade que os elementos de que a Relação dispõe não coincidem -- nomeadamente, em termos de imediação -- com aqueles que a 1.ª instância tinha ao dispor para formar a convicção sobre a prova do facto. No entanto, isso não significa que, como, aliás, o STJ tem unanimemente entendido, nem que a Relação esteja dispensada de formar uma convicção própria sobre a prova do facto, nem que funcione uma presunção de correcção da decisão recorrida. Importa, pois, verificar quais os elementos que devem ser considerados pela Relação para a formação da sua convicção sobre a prova produzida. Quanto a estes elementos, há uma diferença entre a 1.ª instância e a Relação: a 1.ª instância apenas dispõe dos meios de prova; a Relação dispõe daqueles meios e ainda da decisão da 1.ª instância. Como é claro, esta decisão, cuja correcção incumbe à Relação controlar, não pode ser ignorada por esta 2.ª instância. É neste sentido que se pode afirmar que, no juízo sobre a confirmação ou a revogação da decisão da 1.ª instância, a Relação pode utilizar um critério de razoabilidade ou de aceitabilidade dessa decisão. Este critério conduz a confirmar a decisão recorrida, não apenas quando for indiscutível que a mesma é correcta, mas também quando aquela se situar numa margem de razoabilidade ou de aceitabilidade reconhecida pela Relação. Correspondentemente, a decisão deve ser revogada se a mesma se situar fora desta margem.”;
[9] V. entre outros, os recentes acs. do STJ de 5.6.2018 (relator: Sousa Lameira), 6.11.2018 (relator: Cabral Tavares), 8.11.2018 (relator: Abrantes Geraldes), 24.2.2019 (relator: Abrantes Geraldes), 21.2.2019 (relator. Ilídio Sacarrão- com importante voto de vencido de Nuno Pinto Oliveira),14.3.2019 (relator: Maria dos Prazeres Beleza), 28.3.2019 (relator: Maria dos Prazeres Beleza- com importante voto de vencido de Nuno Pinto Oliveira), 30.4.2019 (relator. Maria dos Prazeres Beleza), 9.5.2019 (relator: Maria Rosário Morgado), 6.6.2019 (relator: Maria Rosário Morgado), todos disponíveis em Dgsi.pt.
[10] Sobre o tema, apontam-se, a título exemplificativo: Menezes Cordeiro, in “Responsabilidade bancária, deveres acessórios e nexo de causalidade” (Estudos de Direito Bancário, Vol. I) e Gonçalo Castilho dos Santos, in “A responsabilidade civil do intermediário financeiro perante o cliente”.
[11] In “Das Obrigações Em Geral”, Vol. I, págs.521 e 522.
[12] Obra citada, pág. 522.
[13] V., no entanto, que parte da Jurisprudência do STJ tem admitido essas presunções – destacando-se aqui o voto de vencido de Nuno Pinto de Oliveira já atrás mencionado. Na doutrina, também tem defendido essa posição o Prof. Menezes Cordeiro que refere que a norma do art. 799.º do CC contém uma dupla presunção de ilicitude e de culpa. “Perante a falta de cumprimento, presume-se que: o devedor não cumpriu, violando as normas jurídicas que mandam cumprir – ilicitude; o devedor incorre no correspondente juízo jurídico de censura – culpa” (cf. Menezes Cordeiro, in “Direito Bancário”, págs. 431-432). Na presença de um acordo entre o banqueiro e o seu cliente a “falta do resultado normativamente prefigurado implica presunções de culpa, de ilicitude e de causalidade” (cf. Menezes Cordeiro, in “Direito Bancário”, pág. 432). Assim, numa situação de tipo obrigacional, a mera falta de informação do beneficiário responsabiliza, automaticamente, o obrigado. O responsabilizado só se liberará se lograr provar que, afinal, prestou a informação ou se beneficiou de alguma causa de justificação ou de escusa (cfr. Menezes Cordeiro, pág. 433).
[14] Das Obrigações Em Geral, Vol. I, pág.94.
[15] Neste sentido, v., por exemplo, o ac. do STJ de 18.8.2018 (relator: Maria Olinda Garcia), in dgsi.pt.
[16] V. quanto à natureza da responsabilidade pré-contratual por ex. o Prof. Mota Pinto, in “A responsabilidade pré-negocial pela ruptura das negociações”, Menezes Cordeiro, in “Da boa fé no direito civil”, Vol. I, pág. 585; e Ana Prata, in “Notas sobre responsabilidade pré-contratual”, págs. 198 e ss., defendendo que tem natureza contratual; contra, Prof. Almeida Costa, in “A responsabilidade civil pela ruptura das negociações”, pugnando pela afirmação de que se estará perante uma responsabilidade extracontratual.
[17] V. nesta hipótese o ac. do STJ de 19.3.2019 (relator: José Rainho), in dgsi.pt.
[18] In “Das Obrigações Em Geral”, Vol. I, pág.894.
[19] (Relator: Maria Clara Sottomayor), in www.dgsi.pt.
[20] Não é pacífico que assim seja. Trata-se, no entanto, da posição maioritária da Doutrina que considera entre outros argumentos que não faz sentido considerar prescrito o direito de indemnização pelos danos resultantes do incumprimento no prazo de três anos, por aplicação do art. 498º, nº 1 do CC, quando o direito a exigir o cumprimento prescreve, em princípio, no prazo de vinte anos, segundo o prazo ordinário de prescrição – v. por ex. A. Varela/P. Lima, in “CC anotado”, Vol. I, pág. 503 e o ac. do STJ de 24.10.1995. V. ainda sobre a questão, Gabriela Fernandes, in “Comentário ao CC - Direito das Obrigações- Das obrigações em geral”, pág. 376/7.
[21] Gonçalo Castilho dos Santos, in “A responsabilidade do intermediário financeiro perante o cliente”, pág. 257 (nota 610) citando o Prof. Menezes Leitão.
[22] Gonçalo Castilho dos Santos, in “A responsabilidade do intermediário financeiro perante o cliente”, pág. 258.
[23] In “Das Obrigações em Geral, Vol. I, pág. 577, nota 2.
[24] V. o já citado ac. do STJ de 10.4.2018 (relator: Fonseca Ramos) onde se conclui que: “O prazo de prescrição de dois anos, previsto no art. 324º, nº 2, do CVM, só é aplicável nos casos de culpa leve ou levíssima do intermediário financeiro, como resulta da ressalva inicial “salvo dolo ou culpa grave”: sendo a culpa grave, não se aplica aquele prazo bianual, mas o prazo prescricional geral do art. 309º Código Civil.”.