Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1551/19.9T9PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MOREIRA RAMOS
Descritores: CRIME
BRANQUEAMENTO DE CAPITAIS
ELEMENTOS DO TIPO
Nº do Documento: RP202003181551/19.9T9PRT.P1
Data do Acordão: 03/18/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – O crime de branqueamento de capitais p. e p. pelo art.º 386º-A do Código Penal tem vindo a sofrer diversas algumas alterações, não exigindo actualmente que uma determinada conduta abranja as denominadas três fases ou etapas que constituem as modalidades de acção de branqueamento, a saber, a colocação, a circulação e a integração, bastando-se com a prática de qualquer delas.
II – Quanto ao elemento subjectivo do tipo legal em questão “Exige-se que o agente, ao efectuar qualquer operação no procedimento mais ou menos complexo de conversão, transferência ou dissimulação, tenha conhecimento da natureza das actividades que originaram os bens ou produtos a converter, transferir ou dissimular. Elemento subjectivo comum a todas as condutas previstas é a exigência do conhecimento da proveniência do objecto da acção num dos ilícitos-típicos precedentes, da origem dos bens (que faz parte do elemento intelectual do dolo)”.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1551/19.9T9PRT.P1
Acordam, em audiência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
I – RELATÓRIO:
No processo supra identificado, por acórdão datado de 18/11/2019, depositado na mesma data, e no que ora importa salientar, decidiu-se:
– condenar o arguido B…:
■ pela prática um crime de trafico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21º e 24º, al. h), do Dec-lei nº 15/93, de 22/01, com à referência à tabela I-A, com a agravante da reincidência dos artigos 75º e 76º, ambos do Código Penal, na pena de dez anos de prisão;

■ pela prática um crime de branqueamento, p. e p. pelo artigo 368-A nºs. 1, 2 e 3 do Código Penal, com a agravante da reincidência dos artigos 75º e 76º, ambos do Código Penal, na pena de quatro anos de prisão;

■ e, em cúmulo jurídico de tais penas, condená-lo na pena única de onze anos de prisão;

– condenar a arguida C…:
■ pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21º e 24º, al. h), do Dec-lei nº 15/93, de 22/01, com referência tabela I-A, na pena de seis anos de prisão;

■ pela prática de um crime de branqueamento, p. e p. pelo artigo 368-A nºs. 1, 2 e 3 do Código Penal, na pena de três anos de prisão;

■ e, em cúmulo jurídico de tais penas parcelares, condená-la na pena única de sete anos de prisão;

– condenar o arguido D…, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21º e 24º, al. h), do Dec-lei nº 15/93, de 22/01, com referência à tabela I-A, com a agravante da reincidência dos artigos 75º, e 76º, ambos do Código Penal, na pena de sete anos de prisão;
– condenar a arguida E…, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21º e 24º, al. h), do Dec-lei nº 15/93, de 22/01, com referência à tabela I-A, na pena de cinco anos e quatro meses de prisão.
Mais se decidiu,:
– no que aos objetos, produtos e vantagens do crime respeita, nos termos dos artigos 35º, 36º do DL 15/93, de 22/01, e 110º do Código Penal, declarar perdido a favor do Estado todo o produto estupefaciente apreendido, com o produto de corte, e ordenada a sua destruição, nos termos do art.º 62º, nº 6 do DL 15/93, de 22.01 e art.º 109º, do Código Penal;
– no que respeita aos restantes bens que se mostram apreendidos, uma vez que são produto do crime, foram utilizados na prática do crime ou foram adquiridos com as vendas do produto estupefaciente ou serem provenientes da mesma (os telemóveis J3 (2016) IMEI ……………/.., contendo cartão SIM da F… associado ao nº ……… e J5 SAMSUNG, IMEI’s ……………. e …………., com o cartão SIM da F… a que corresponde o n.º ………., preservativo(s), pelicula aderente, embalagens plásticas “G…”, embalagem de batatas fritas H…, vários pedaços de pelicula aderente, pedaço de fita adesiva amarela, envelope de cor branca, saco de nylon com a inscrição I…, vários pedaços de papel de alumínio, guardanapo de papel, caixas de cartão vazias: de chá “J…”; de pensos higiénicos “K…” almofada de espuma caso tenha subsistido à sua abertura ou o que desta restar, e quantias monetárias no valor de 11.640€, declará-los perdidos a favor do Estado, nos termos do nº1, do artigo 35º do Dec-lei nº 15/93, de 22/01 e artigo 109º do Código Penal;
– condenar o arguido B… a pagar o valor de cinco mil euros ao Estado, por este valor resultar de vantagem que, através da infração, tiverem sido diretamente adquiridos pelos agentes, para si ou para outrem, nos termos do artigo 36º, do Dec-lei nº 15/93, de 22/.01.

Inconformada com a sobredita decisão, veio a arguida C… interpor recurso do mesmo nos termos constantes de fls. 2.385 a 2.418, aqui tidos como especificados, tendo formulado, a final, as seguintes conclusões (…)
…………………………………………
…………………………………………
…………………………………………
Igualmente inconformado com o decidido, veio o arguido D… interpor recurso do acórdão proferido, nos moldes que constam de fls. 2.419 a 2.439, aqui tidos como renovados, tendo formulado, a final, as seguintes conclusões (…)
………………………………………..
………………………………………..
………………………………………..
Também não se conformando, veio a arguida E… interpor recurso do sobredito acórdão, nos moldes vertidos a fls. 2.440 a 2.446, aqui tidos como reproduzidos, tendo formulado, a final, as seguintes conclusões(…)
……………………………………….
……………………………………….
……………………………………….
O Ministério Público veio responder nos termos que constam de fls. 2.554 a 2.556, aqui tidos como renovados, concluindo no sentido da manutenção da decisão recorrida.
■ Neste tribunal, o Ex.mo PGA emitiu o parecer junto a fls. 2.565 a 2.580vº, que aqui se tem como repetido, através do qual preconizou a improcedência dos recursos interpostos pelos arguidos E… e D…. e, quanto a este, a sua rejeição na parte respeitante à impugnação da matéria de facto, tendo aposto um visto no tocante aos outros dois recursos, já que ambos os arguidos em questão requereram a realização de audiência.

No cumprimento do artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, a recorrente E… veio responder ao parecer nos termos que constam de fls. 2.585 e 2.586 dos autos para sublinhar apenas que o parecer não atenta na injustiça relativa que a similitude das penas aplicadas a si e ao arguido D… constitui.
*
II – FUNDAMENTAÇÃO:
a) a decisão recorrida:
No que aqui importa reter, o acórdão recorrido é do teor seguinte (transcrição):
Da discussão da causa resultou provado que:
1.O arguido B… estava preso em cumprimento da pena de prisão, desde 1995, encontrando-se à data dos factos infra no Estabelecimento Prisional L…, desde 2013.
2.Neste período de reclusão, o arguido B… decidiu dedicar-se à introdução e comercialização de estupefacientes no interior do estabelecimento prisional.
3. Para concretizar o seu propósito, em data não concretamente apurada, mas anterior a dezembro de 2017, o arguido B… decidiu abastecer-se de estupefacientes junto de um antigo recluso do E. P. L…, M…, também conhecido como “N…”, com quem o arguido B….
coincidiu, naquele estabelecimento prisional, no período de reclusão situado entre 15.03.13 e 28.04.17, data em que M… foi libertado.
4.Para levar a cabo tal atividade de venda de estupefacientes no interior do estabelecimento prisional, o arguido B… contou com a colaboração de outros indivíduos, nomeadamente os arguidos C…, D… e E….
5. Os arguidos C… e B… são “amigos” – tendo-se conhecido no decurso de visitas da arguida ao E. P. O…, onde o arguido B… se encontrava em cumprimento de pena - e comunicavam entre si, pelo menos, por telefone e telemóvel (não obstante a situação de reclusão do arguido B…), utilizando este arguido nomeadamente os números: ………, ……… e ………, e a arguida C…, o número: ……….
6. Por sua vez, os arguidos D… e E… são casados entre si, encontrando-se o arguido em cumprimento de pena por crime de roubo no Estabelecimento Prisional L…, desde abril de 2016, onde travou conhecimento com o arguido B….
7. Para introduzir o estupefaciente no estabelecimento prisional, o arguido B… acordou com a arguida C… que esta guardasse e detivesse na sua disponibilidade produto estupefaciente para, seguindo as instruções daquele, posteriormente remeter tal produto por via postal para terceiros, que depois providenciavam pela sua introdução no Estabelecimento Prisional L….
8. Já no interior do Estabelecimento Prisional, o arguido B… acordou com reclusos, nomeadamente com o arguido D…, que estes colaborariam na receção do estupefaciente na prisão, através das respetivas visitas (no caso do arguido D…, a sua mulher, a arguida E…), bem como na sua posterior comercialização, evitando o arguido B… ter qualquer estupefaciente na sua posse, de modo a não ser conexionado com tal atividade.
9. O arguido B…, no período de 1 de dezembro de 2017 a 4 de dezembro de 2017 obteve uma licença administrativa de curta duração, tendo neste período contactado o M… – utilizador do telemóvel com o n.º ……… - para tratarem de assuntos relacionados com a aquisição de uma grande quantidade de estupefacientes pelo arguido B…, que este depois introduzia parcelarmente no estabelecimento prisional L….
10. O arguido B…, no período de 29 de junho de 2018 a 4 de julho de 2018, obteve uma nova licença administrativa de curta duração, tendo durante esse período ido viver para casa dos pais em Viana do Castelo, na localidade de …..
11. Neste período, o arguido B… encontrou-se, pelo menos duas vezes, na cidade da Póvoa de Varzim com M…, para tratarem de assuntos relacionados com a aquisição de estupefaciente.
12. Durante estes encontros, o arguido B… recebeu quantidade não apurada de produto estupefaciente de M….
13. Na posse deste produto estupefaciente, após contacto telefónico, no dia 1 de julho de 2018, cerca das 15h00, a solicitação do arguido B…, este e a arguida C… encontraram-se na Póvoa do Varzim, nas imediações do Bar P…, onde, conforme acordado, aquele lhe entregou esse mesmo produto estupefaciente (heroína) e ainda produto de “corte”, para esta guardar e enviar de forma parcelar a quem o arguido lhe indicasse, e, posteriormente ser introduzido no estabelecimento prisional.
14. Nessa altura, o arguido B… deu ainda instruções à arguida C… sobre como preparar, “cortar” e embalar o estupefaciente, (heroína) bem como da necessidade de se encontrarem de novo no dia de regresso do arguido ao E. P. L… – 04.07.18 -, ocasião em que a arguida, após preparar parte do estupefaciente, que lhe foi entregue conforme as instruções do arguido, lho entregaria, devidamente dissimulado, na Estação de Comboios Q…, em V. N. de Famalicão.
15. Assim, no dia 4 de julho de 2018, conforme acordado entre ambos os arguidos B… e C…, encontraram-se na Estação de Comboios Q…, cerca das 13h00, onde esta lhe entregou duas embalagens – com a forma de “chouriços” -, com cerca de 30g de estupefaciente (heroína) cada.
16. Ainda durante este encontro, com o propósito de dissimular os lucros auferidos com a atividade de venda de estupefacientes e não ser conotado com tal atividade, o arguido B… acordou com a arguida C… utilizar a sua conta bancária n.º ………… do S…, o que esta aceitou, mediante contrapartida de valor não apurado, recebendo ali as quantias depositadas por terceiros (nomeadamente reclusos do Estabelecimento Prisional e familiares destes) para pagamento do estupefaciente adquirido ao arguido B….
17. Após este encontro em Q…, os arguidos B… e C… seguiram viagem de comboio de Q… até Campanhã-Porto, onde ocuparam lugares separados e, durante a viagem, encontraram-se durante algum tempo na zona do bar do transporte ferroviário.
18. A arguida C… saiu do comboio em Campanhã e o arguido B… seguiu até L…, onde deu entrada no Estabelecimento Prisional às 16h58, desse dia.
19. Após o regresso do arguido B… ao estabelecimento prisional, este, por contacto telefónico, manteve conversações com a arguida C…, no sentido de esta controlar a sua conta bancária e conferir os depósitos/transferências que ali eram efetuados a mando daquele, bem como proceder ao respetivo levantamento e, posterior, ocultação na sua habitação, com o propósito de quando o arguido B… obtivesse nova licença de saída aquele valor lhe fosse entregue.
20. Durante vários meses do ano de 2018, a arguida C… permitiu a utilização da sua conta bancária para fazer circular e ocultar os proventos relacionados com a atividade de venda de estupefacientes desenvolvida pelos arguidos.
Assim:
- no dia 31 de julho de 2018, foi efetuada uma transferência bancária para a conta n.º ………… da arguida C…, no valor de 3.750€, para pagamento de estupefaciente adquirido ao arguido B…, tendo a arguida C…, nesse mesmo dia, procedido, no balcão da agência, ao levantamento da quantia de 3.500€;
- no dia 1 de agosto de 2018, foi efetuado um depósito bancário na conta n.º ……….. da arguida C…, no valor de 700€, para pagamento de estupefaciente adquirido ao arguido B…, tendo a arguida C…, nesse mesmo dia e no dia seguinte, procedido a quatro levantamentos, através de multibanco e no balcão da agência, da quantia total de 700€ (200€+200€+200€+100€);
- no dia 9 de agosto de 2018, foi efetuada uma transferência bancária para a conta n.º ………… da arguida C…, no valor de 500€, para pagamento de estupefaciente adquirido ao arguido B…;
- no dia 19 de agosto de 2018, foi efetuada uma transferência bancária para a conta n.º ………… da arguida C…, no valor de 335€, para pagamento de estupefaciente adquirido ao arguido B…;
- no dia 20 de agosto de 2018, foi efetuado um depósito bancário na conta n.º ………… da arguida C…, no valor de 1.000€, para pagamento de estupefaciente adquirido ao arguido B…;
- no dia 30 de agosto de 2018, foi efetuada uma transferência bancária na conta n.º ………… da arguida C…, no valor de 500€, para pagamento de estupefaciente adquirido ao arguido B…, tendo a arguida C…, nesse mesmo dia, procedido a dois levantamentos, através de multibanco, da quantia total de 400€;
- no dia 31 de agosto de 2018, foi efetuada uma transferência bancária na conta n.º ………… da arguida C…, no valor de 530€, para pagamento.
de estupefaciente adquirido ao arguido B…, tendo a arguida C…, nesse mesmo dia, procedido ao levantamento, no balcão da agência, da quantia de 2.000€;
- no dia 4 de setembro de 2018, foi efetuado um depósito bancário na conta n.º ……………. da arguida C…, no valor de 70€, para pagamento de estupefaciente adquirido ao arguido B…, tendo a arguida C…, no dia 7 de setembro, procedido ao levantamento de tal quantia;
- no dia 10 de setembro de 2018, foi efetuado um depósito bancário na conta n.º ………… da arguida C…, no valor de 930€, para pagamento de estupefaciente adquirido ao arguido B…, tendo a arguida C…, nesse mesmo dia e no dia 12 de setembro, procedido a quatro levantamentos de 200€ cada um;
- no dia 17 de setembro de 2018, foram efetuados dois depósitos bancários na conta n.º ………… da arguida C…, no valor de 1.500€ cada um, para pagamento de estupefaciente adquirido ao arguido B…, tendo a arguida C…, no dia 20 de setembro, procedido ao levantamento, no balcão da agência, da quantia de 3.000€.
21. Ainda em data não concretamente apurada, mas situada durante o verão de 2018, o arguido B…, de modo não apurado, enviou para a arguida C… a quantia monetária de 5.000€, em numerário, que lhe foi deixada dentro de um envelope em branco, na sua caixa do correio.
22. Na posse de tal quantia monetária e segundo as instruções do arguido B…, a arguida C…. deslocou-se a Viana do Castelo e dirigiu-se a casa dos pais do arguido B…, sita na Rua …, n.º ..., …, naquela cidade, e ali colocou na caixa do correio daquela residência tal quantia monetária.
23. Na sequência da colaboração alcançada por B…, este no decurso do mês de dezembro de 2018, incumbiu a arguida C… de proceder ao doseamento de duas porções de heroína, cada uma com 30 gramas, fazer o seu embalamento e remeter por correio para destinatário por si indicado.
24. A arguida C…, cumprindo as instruções do B…, remetidas por SMS, anotou o nome e destinatário que lhe foi por este indicado e providenciou pela remessa via CTT, tendo previamente efetuado o doseamento das porções de heroína, como pretendidos por aquele.
25. No dia 4 de dezembro de 2018, cerca das 14h30, na concretização do acordado com B…, a arguida C… deslocou-se à loja do CTT no … e procedeu à remessa de um volume que continha duas embalagens com cerca de 30 gramas de heroína, cada uma, e que tinha como destinatário T…, residente na Rua …, … – … – …. - … Aveiro, a qual a rececionou, conforme acordado com D…, que colaborava com B….
26. No dia 16 de dezembro de 2018, pelas 14h31, quando T… ia para a visita do seu marido, o arguido D…, no Estabelecimento Prisional L… onde este se encontrava recluso em cumprimento de pena de prisão, na execução do que com ele acordou, transportava nos seus genitais uma embalagem de heroína, que lhe pretendia entregar, de acordo com as instruções daquele, dadas pelo arguido B….
27. Todavia, antes de concretizar a visita, a arguida foi abordada por inspetores da PJ e foi encontrada na posse de uma embalagem com heroína, com o peso líquido de 29,064g, que trazia no interior do seu órgão genital envolta num preservativo.
28. Na mesma altura, a arguida E… tinha ainda na sua posse um telemóvel marca “Samsung”, modelo “Galaxy …”, com os IMEI’s …………… e ………….., com o cartão SIM da F… a que corresponde o n.º ………., e dois bilhetes de comboio, de ida e volta, U…/L…, pelas 11h40, e L…/U…, pelas 22h08, datados de 16.12.2018, um no valor de 10,70€ e outro no valor de 5,40€.
29. Nesse mesmo dia, pelas 16h30, na residência da arguida T…, sita na Rua …, …, …, Aveiro, foi encontrado, no quarto da arguida, no guarda-fatos:
- dentro de uma caixa de cartão, duas embalagens de bolachas, marca “G…”, uma vazia e a outra, contendo preservativo(s) e um volume cilíndrico de heroína, com o peso líquido de 29,418g – tudo embrulhado em papel de cor acastanhada, parte de uma embalagem de encomenda postal, com selos e carimbos dos CTT, nome e morada do remetente:
- V…, R. …, n.º …, …. - … Porto, e
- nome e morada da destinatária “E…, Rua …, n.º …, …, …. - … U…”, através da qual lhe foi remetido o estupefaciente, pela arguida C…, conforme instruções do arguido B….
30. Este produto estupefaciente constituía o remanescente da heroína remetida pelo correio pela arguida C… no dia 4 daquele mês.
31. A heroína encontrada na posse e na residência da arguida E… destinava-se a ser entregue ao arguido D…, durante as visitas a realizar-lhe no Estabelecimento Prisional L…, conforme as instruções deste as quais as recebia do arguido B…, e seria posteriormente comercializada no interior daquele mesmo estabelecimento prisional.
32. Desde, pelo menos dezembro de 2017 que B…, iniciou o estabelecimento de contatos no exterior do E. P L…, adequados, a que com a ulterior colaboração dos demais arguidos, através de contatos por ele diretamente estabelecidos ou por interposta pessoa, todos viessem a tomar parte no plano que gizou de introduzir e distribuir produto estupefaciente dentro do Estabelecimento Prisional L….
33. No dia 28 de fevereiro de 2019, pelas 07h00, no interior da residência da arguida C…, sita na Rua …, n.º …, …, Porto, foi encontrado:
- na cozinha: dentro de um armário superior, uma pequena caixa de chá, da marca “J…”, contendo no seu interior, envolto em papel de alumínio e película aderente, heroína, com o peso líquido de 37,608g; pendurado no puxador da porta, um saco em nylon, de cor preta, com a inscrição “I…” (saco este idêntico ao que a arguida utilizou para transportar a encomenda que enviou via CTT no dia 4 de dezembro de 2018);
- na casa de banho: num móvel/estante, ao lado da banheira, dentro de um saco de plástico transparente, envolto em papel de alumínio e guardanapo de papel, a quantia de 2.000€, em notas de valor facial de 20,00 euros; no interior do móvel do lavatório, dentro de uma caixa de pensos higiénicos da marca “K…”, a quantia de 9.140€, fracionada em 7 notas de valor facial de 100€, 83 notas com o valor facial de 50€, 178 notas com o valor facial de 20€ e 73 notas com o valor facial 10€.
- no quarto da arguida: em cima da mesinha de cabeceira, um computador portátil, da marca “HP Compact”, com o n.º de série ………., respetiva bateria e cabo de alimentação, bem como a pasta de acondicionamento e transporte; um telemóvel da marca “Samsung”, modelo J3 (2016), com o IMEI ………………./.., contendo cartão SIM da “F…”, associado ao n.º de contacto ………., utilizado pela arguida nos contactos com o arguido B…, na atividade de venda de estupefaciente;
- noutra mesinha de cabeceira, no interior de uma das gavetas, uma agenda do ano de 2016, com a inscrição “A minha agenda …”, com valores manuscritos, nas datas de 28 de março a 07 de abril. Ainda nesta agenda, foi encontrado: um segmento de folha, com diversos manuscritos, de cor preta e azul, com indicações de meses e valores numerários, sendo o valor final de 9.140€; 2 talões referentes a levantamentos de 2.000€ e 3.000€, respetivamente, da conta …………, do “S…”; um segmento de folha, com as inscrições a preto “V… … E…”; uma folha quadriculada, tamanho A5, com inscrições em azul “W…… B…”, sendo a primeira mãe do arguido B…; na mesma gaveta, um envelope branco, sem qualquer inscrição, contendo no seu interior 25 notas com o valor facial de 20€, perfazendo o valor total de 500€.
34. Nas mesmas circunstâncias de tempo e de lugar, a arguida C… tinha na sua posse, no interior da carteira que trazia ao tiracolo:
- um cartão andante, com o n.º ……………….. U; um cartão de comboios de Portugal “SIGA”, com o n.º ……………….. UC; duas faturas simplificadas de carregamento de transportes intermodais do Porto, com os números FS TIP……………../…….. e FS TIP…………./…….; uma fatura/recibo do consórcio “…”, com o n.º ………/…..
35. Também no dia 28 de fevereiro de 2019, pelas 09h45, foi encontrado na residência da mãe da arguida C…, sita na Rua …, …, …, em Vila Nova de Gaia:
- no quarto que está afeto à arguida nesta residência, no interior de uma almofada, no meio da espuma, uma embalagem de batatas fritas, da marca “H…”, envolta em película aderente, e uma embalagem de cor amarela, formato cilíndrico, envolta em fita adesiva, contendo:
- heroína, com o peso líquido de 494,000g; heroína, com o peso líquido de 183,565g; heroína, com o peso líquido de 48,156g;
- paracetamol e cafeína, com o peso bruto de 908,46g – produto este utilizado pelos arguidos – B… e C… - na preparação e corte do estupefaciente.
36. O estupefaciente encontrado na residência da arguida C… e da mãe desta pertencia ao arguido B… que o destinava à venda, tendo-lhe prestado colaboração nos sobreditos termos a arguida C… e os demais arguidos.
37. Também o dinheiro encontrado na residência da arguida C… pertencia ao B… e era por esta guardado e oculto de acordo com as instruções daquele.
38. Ainda no dia 28 de fevereiro de 2018, pelas 07h30, na cela n.º 341 do E. P. L…, ocupada pelo arguido D… foi encontrado:
- uma agenda do ano 2014, com a inscrição “Agenda jovem”, com diversas anotações de contactos e números bancários, relacionados com a atividade de venda de estupefacientes;
- um pedaço de papel de fotografia, em formato retangular, com o manuscrito “……………..”.
39. Também neste dia 28 de fevereiro de 2018, pelas 07h30, na cela n.º 337 do E. P. de L…, ocupada pelo arguido D… foi encontrado:
- uma folha de jornal “X…”, do dia 19.12.2018, página 5, referente a notícia com o título “Detida quando levava heroína para a cadeia” – referente à detenção da arguida E….
40. Os arguidos B…, C…, D… e E…, nos seus respetivos empreendimentos, agiram sempre de forma livre e consciente, sabendo quais eram as características, natureza e efeitos dos produtos estupefacientes que transportavam, detinham, guardavam e introduziam, para venda, no interior do estabelecimento prisional L…, sempre com a intenção de obter contrapartida económica.
41. Os arguidos agiram conjugando esforços e com tarefas repartidas, com o propósito de introduzirem e venderem estupefacientes no interior do estabelecimento prisional. Sabiam ainda que a posse, detenção, transporte, guarda e venda de tais produtos é proibida por lei.
42. Os arguidos sabiam que as suas condutas eram proibidas por lei.
43. O arguido B… ao determinar que os pagamentos do estupefaciente que lhe era adquirido fosse pago através de depósitos e transferências para a conta bancária da arguida C…, agiu de forma livre e consciente, com o intuito de mascarar a origem ilícita do dinheiro em causa.
44. Sabia o arguido que as quantias monetárias depositadas e transferidas para a conta da arguida C… tinham origem na atividade de venda de estupefaciente a que se dedicava, querendo com este comportamento escamotear a sua verdadeira origem, na intenção final de evitar responder pelas consequências jurídicas dos seus atos, e sabendo que a sua conduta era proibida por lei.
45. A arguida C…, por sua vez, também agiu de forma livre e consciente, sabendo que as quantias monetárias pertencentes a B…, depositadas e transferidas para a sua conta e por aquela guardadas, resultavam direta e necessariamente da venda de estupefacientes, e, não obstante aceitou, mediante contrapartida económica de valor não apurado, guardá-las e ocultá-las, com o intuito de dissimular a natureza, origem e titularidade das vantagens de tal atividade criminosa.
46. Mais sabia a arguida que a sua conduta era proibida por lei.
47. Além de outras condenações anteriores constantes da transcrição infra do CRC.
- o arguido B…, por decisão de 22.04.05, transitada em julgado e proferida no proc. n.º 725/01.3 PAVFX do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Vila Franca de Xira, foi condenado pela prática, em 24.12.01, de um crime de evasão, na pena de 18 meses de prisão, e, em cúmulo jurídico, por decisão de 20.12.05, na pena única de 13 anos de prisão. Esta pena está a ser cumprida de forma sucessiva relativamente a outras que cumpriu ininterruptamente desde 16.05.95, na sequência de uma condenação na pena de 20 anos de prisão pela prática de três crimes de homicídio qualificado.
- o arguido D…, por decisão de 07.03.16, transitada em julgado e proferida no proc. n.º 12/15.0 JAAVR do Juízo Central Criminal de Aveiro – J6, foi condenado pela prática, entre 13.12.14 e 19.01.15, dos crimes de roubo, sequestro e coação, na pena única de 9 anos e 6 meses de prisão, que cumpre desde 20.01.15.
48. Apesar das condenações sofridas e das penas de prisão que cumpriam, os arguidos B… e D… continuaram a praticar crimes, revelando com tal comportamento que as penas sofridas e o tempo de prisão cumprido, não tiveram, sobre aqueles, qualquer efeito dissuasor.
49. Do relatório social do arguido B… consignou-se: “B… nasceu na freguesia de …, Viana do Castelo, sendo o mais velho de três irmãos, cujo processo de desenvolvimento decorreu num contexto familiar estruturado pautado por valores e normas sociais.
B… iniciou as atividades escolares em idade normal, sendo referenciado como um aluno de avaliação satisfatória e com um comportamento dentro dos padrões normativos, transmitindo uma imagem adequada ao nível do relacionamento interpessoal estabelecido com os pares, professores e outros intervenientes do sistema escolar.
Após a conclusão do 7º ano de escolaridade optou pela continuidade da frequência escolar em regime noturno, não tendo concluído o 3º ciclo do ensino básico.
Aos 16 anos de idade deu início a atividade laboral de canalizador, onde se manteve até ser chamado para o cumprimento do Serviço Militar Obrigatório integrado nas tropas especiais, como paraquedista. Após o cumprimento destes serviços durante 18 meses, decidiu emigrar para a Alemanha, na tentativa de uma mais fácil ascensão económica, país onde residiam os tios (vitimas), que o acolheram, e onde se manteve durante 4 anos a trabalhar como polidor e serralheiro.
Em agosto de 1995 o arguido foi preso preventivamente, indiciado pela prática de crimes de homicídio qualificado (tios e primo), factos ocorridos num período em que se encontrava de férias em Portugal e pelos quais veio posteriormente a ser condenado numa pena de 20 anos de prisão.
Desde o início do cumprimento de pena o arguido já passou por vários Estabelecimentos Prisionais, entre os quais Y…, Z…, AB…, O…, L…, AC…, tendo neste ultimo protagonizado uma fuga e permanecido evadido de 24.12.2001 a 05.04.2002, período durante o qual praticou novos crimes e foi condenado numa pena de 13 anos, por evasão, rapto, extorsão e detenção de arma classificada como arma de guerra, no âmbito do processo 725/01.3PAVFX da Comarca de Lisboa Norte – Juízo Local Criminal de Vila Franca de Xira, a qual cumpre desde 24.04.2008, e por despacho superior de 05.04.2002, na sequência destes factos, foi atribuída a B… a medida de escolta policial, nas deslocações ao exterior, assim como a sua colocação em secção de segurança.
Em 20.10.2017 foi cessada esta medida, tendo como fundamento a decisão do TEP de L… que, em sede de conselho técnico ocorrido em 03.10.2017, foi concedida ao arguido a primeira saída jurisdicional pelo período de 3 dias, que passou junto dos pais em Viana do Castelo, e foi colocado em regime aberto no interior em 15.11.2017.
À data dos factos pelos quais B… está acusado nos presentes autos, beneficiou de saídas jurisdicionais e encontrava-se recluído no Estabelecimento Prisional L…. Mantinha um comportamento pontualmente irregular, onde se ressaltam a aplicação de algumas sanções disciplinares menos gravosas e esteve laboralmente ativo na lavandaria e no salão de vendas em diversos períodos de tempo.
Face aos factos pelos quais o arguido se encontra acusado, no presente processo, o mesmo não se mostrou disponível para os analisar criticamente, postura que manteve relativamente aos crimes pelos quais foi condenado e se encontra a cumprir pena de prisão.
Na sequência dos factos relativos ao presente processo, as medidas de flexibilização da pena, supramencionadas, vieram a ser cessadas em 03.05.2019, vindo transferido para a Secção de Segurança do Estabelecimento Prisional O…, em 21.06.2019.
Durante a permanência neste setor tem mantido uma conduta sem registos disciplinares.
Em relação ao futuro o arguido projeta manter a residência no meio social de origem, junto dos progenitores, demonstrando estes, disponibilidade para o apoiarem.
50. Do relatório social da arguida C… consignou-se que “A infância de C… decorreu junto do agregado dos avós maternos, devido à situação de precariedade económica vivenciada pelos pais da arguida e agravada pelo facto do progenitor despender quantias monetárias em jogos de azar, abusar do consumo de bebidas alcoólicas, para além de protagonizar comportamentos para com o cônjuge que caracterizavam um quadro de violência doméstica. C… regressou a casa dos pais no período em que ingressou no sistema de ensino.
As dificuldades económicas foram ultrapassadas quando os pais conseguiram obter colocação laboral com rendimentos que lhes permitiram reorganizar-se economicamente e o pai ter abandonado o vício do jogo.
Após a conclusão do ensino obrigatório – 9º ano – C… começou a trabalhar num supermercado da cidade do Porto. O seu percurso revelar-se-ia dinâmico, registando experiência diversificada (operadora de caixa, atendimento ao público, auxiliar educativa) em diferentes entidades patronais e muitas vezes através de empresas de emprego temporário. Inicialmente, conseguiu conciliar o trabalho com o ensino noturno com vista à obtenção do 12º ano. Contudo, deparou-se com dificuldades, que a impeliram a abandonar o ensino aquando da frequência do 11º ano.
A arguida contraiu matrimónio aos 21 anos de idade, relação da qual não resultou descendentes.
Decorrido um ano, ocorreu o divórcio, atendendo ao quadro de violência doméstica. C… regressou a casa dos pais, às …, Porto, onde permaneceu até aos 30 anos de idade, mantendo-se sempre laboralmente ativa, geralmente em estabelecimentos comerciais de pronto-a-vestir.
Aos 30 anos, autonomizou-se do agregado de origem na sequência de nova relação afetiva. Após três anos, com o fim da relação, arrendou um espaço habitacional na zona do Porto, há cerca de vinte anos, que corresponde à morada nos autos. O imóvel, apartamento de tipologia 1 com 44 m², foi adquirido com recurso ao crédito bancário.
A arguida experienciou também, no ano de 2007, a emigração. Permaneceu por quatro meses na Holanda, onde trabalhou na agricultura, em estufas, experiência que, do seu ponto de vista, se revelou rentável e que lhe proporcionou satisfação pessoal. No entanto, devido a problemas na coluna, viu-se obrigada a regressar a Portugal.
A partir de 2008, deparando-se com dificuldades de enquadramento laboral, recorreu ao IEFP e frequentou ações de formação. Realiza pontualmente trabalhos informais, no prédio em que reside para o condomínio na limpeza.
Em 2010, através de um amigo, conheceu B…, coarguido nos autos, o qual cumpre pena de prisão. No fim de jun./2018, durante uma saída jurisdicional, a arguida foi contactada por aquele.
Não era visita no EP de L…, onde B… cumpria pena de prisão.
Nessa altura, C… mantinha a morada nos autos, embora permanecesse com alguma regularidade, com maior incidência aos fins de semana, em casa da mãe, com morada na R. …, … – casa … – V. N. de Gaia. Nesse local, zona relativamente central de Gaia e dissidente de problemas sociais e criminais, cuja vizinhança mais próxima é composta maioritariamente por pessoas idosas, não se apurou informação relevante sobre a arguida.
Em termos ocupacionais, C… frequentava um curso de formação profissional de técnica auxiliar de ação educativa através da empresa AD…, no …, Porto. Recebia o equivalente ao subsídio de refeição e, de forma a equilibrar o orçamento doméstico. O orçamento era complementado com a atribuição do Rendimento Social de Inserção no valor de cerca de 189€ e pontualmente o apoio de 40€ para aquisição de medicamentos. Pela aquisição do seu imóvel pagava o valor de 115€ mensalmente referente ao empréstimo bancário, o qual foi assumido pelo irmão na sequência da sua reclusão pelo menos até à resolução da situação jurídica.
Embora comunicadora, a sua convivência, restringia-se, sobretudo, à família.
Mantinha contactos com amigos antigos que já tinham constituído família, mas através das redes sociais.
A família desconhecia a natureza das suas relações sociais.
No local onde mantém a residência, C… interage de forma adequada com os elementos da comunidade, os quais têm conhecimento da presente situação jurídico-penal. A habitação localiza-se em frente ao Hospital AE…, local frequentado por pessoas conotadas com a problemática do consumo de drogas.
Perspetiva-se que, de futuro, a arguida regresse à anterior morada. A progenitora e sobretudo o irmão têm-se deslocado com regularidade à habitação da arguida de forma a garantir a manutenção do imóvel e a liquidação das despesas inerentes aos consumos domésticos – fornecimento de energia elétrica e água. Caso não seja possível, o irmão manifestou disponibilidade para a receber no seu espaço habitacional, sito na freguesia de …, afirmando reunir condições logísticas para o efeito.
Em meio prisional, a arguida tem assumido comportamento adequado e consentâneo com as normas institucionais e procura manter-se laboralmente ativa no setor das oficinas. Em termos de saúde, é acompanhada pelos serviços clínicos, não havendo notícia de problemas que apossam condicionar o exercício de uma atividade laboral.
C… deu entrada no … em 01.03.2019, na situação de preventiva, à ordem dos presentes autos.
Trata-se do primeiro contacto da arguida com o sistema da Justiça, o qual deixou a família surpresa, sobretudo a mãe, que reagiu negativamente, posicionando-se de forma crítica perante os factos pelos quais C… está a ser acusada, motivo pelo qual a atitude inicial foi a de indisponibilidade para a visitar no estabelecimento prisional. O irmão, pessoa mais próxima da arguida, mostrou-se igualmente surpreendido com a situação jurídico-penal, posicionando-se também de forma crítica, visto nenhum dos elementos do agregado registar contactos com o sistema da Justiça penal.
Em abstrato, a arguida reconhece que a natureza dos factos contidos na acusação constitui prática criminal e considera, portanto, a respetiva reação penal, atendendo aos malefícios causados a terceiros.
51. Do relatório social do arguido D… consta que “Oriundo duma família de modesta condição sociocultural, D… é o mais novo duma fratria de dois. O seu processo de desenvolvimento decorreu no seio dum ambiente em que é mencionada a ambiguidade a nível do desempenho dos papéis parentais, desempenhando a progenitora um papel permissivo e flexível, e o progenitor um papel exigente e autoritário, não tendo conseguido ambos impor os seus objetivos educacionais. A progenitora faleceu, na sequência dum acidente de viação, há cerca de 27 anos.
D…, que até à altura da morte da mãe vinha a demonstrar desinteresse pelo percurso formativo, acentuou esse desinvestimento após este acontecimento de vida.
Assim, aos 13 anos de idade iniciou consumo de substâncias psicoativas (heroína e cocaína), tendo apresentado desde então um padrão comportamental instável, denotando acentuadas dificuldades ao nível da assunção de responsabilidades. Efetuou tratamentos à problemática aditiva, sem resultados a longo prazo.
Com o abandono escolar aos 17/18 anos de idade, sem completar o 8.º ano de escolaridade, iniciou desempenho de atividade laboral numa serralharia e posteriormente como pintor de estruturas metálicas, nessa atividade, que manteve até cerca de um ano antes da sua primeira detenção.
Na altura era caracterizado pela entidade laboral como instável e revelando elevado absentismo.
Após restituição à liberdade, no ano de 2000, D… retomou a antigo trabalho, onde trabalhava também o seu pai. Esta situação de aparente estabilidade durou alguns meses, sendo que em agosto desse ano D… se ausentou para parte incerta, tendo retomado consumo de substâncias psicoativas. A família apenas teve conhecimento do seu paradeiro quatro meses depois, quando este se encontrava em Castelo Branco numa instituição de nome “”.
No início de 2001 regressou à sua área de residência, dormindo em casa abandonada e retomando novamente os consumos. Foi novamente detido.
A sua trajetória de vida foi marcada pela problemática aditiva, com um percurso criminal associado à prática de crimes contra a propriedade, iniciados em 1998, o que resulta do seu CRC contando três reclusões, uma revogação de liberdade condicional. Da última prisão foi libertado aos 5/6 de uma pena de 10 anos e 6 meses.
À data da detenção residia em clã de etnia cigana, na zona industrial de U…, em habitação modesta, inserida em meio social com características e problemáticas sociais.
Em termos familiares vinha a beneficiar de apoio da esposa E… (com quem contraiu matrimónio em meio prisional em março de 2017), perspetivando residir em U…, local onde esta residia e desempenhava atividade laboral enquanto ajudante de lar.
No meio residencial, é associado à problemática aditiva, embora educado e cordial no trato.
À data dos factos encontrava-se detido no estabelecimento Prisional L…, tendo vindo transferido do estabelecimento Prisional U…, onde deu entrada a 21.01.2015.
Tem vindo a encetar esforços no sentido da construção de um percurso evolutivo, com gradual adequação comportamental às normas e regras instituídas. Para tal, e constituindo-se a problemática aditiva um importante fator de risco, integrou programa de metadona, que concluiu com êxito em setembro de 2018.
Tem vindo a otimizar competências formativas, tendo frequentado 10.º ano de escolaridade, acumulando com o desempenho laboral na área de serralharia. Recentemente abandonou frequência escolar, para integrar a tempo inteiro a atividade laboral. Esta adequação comportamental permitiu-lhe a concessão de Regime de Visitas Íntimas, agora suspensas.
Perante a atual situação jurídica, e tendo em consideração as anteriores condenações, o arguido tem revelado alguma instabilidade psicoemocional, motivada pelo receio das eventuais consequências que poderão advir do presente processo.”
52. Do relatório social da arguida E… consignou-se que “E… é a mais velha de três descendentes de um casal de estrato socioeconómico razoável, o pai trabalhador nos Correios de Portugal e a mãe empregada de limpeza em casas particulares, reuniram condições suficientes para satisfazer as necessidades básicas da família.
O relacionamento intrafamiliar era adequado e funcional, nomeadamente na transmissão de valores e regras de conduta.
E… registou um percurso escolar regular, tendo abandonado o ensino após iniciar o 10º ano de escolaridade, que não concluiu, optou pelo exercício laboral numa lavandaria e num restaurante, posteriormente exerceu funções em regime de contratos anuais com os Correios de Portugal, e paralelamente nas limpezas domésticas em casas particulares.
Na altura com 21 anos de idade e grávida do primeiro filho, estabeleceu matrimónio, nascendo mais um filho dessa relação que durou 12 anos. O relacionamento foi marcado por conflitos entre o casal, com registo de agressões físicas entre ambos, que culminaram com a separação e consequente divórcio.
Nesse período residiu em apartamento propriedade do casal, adquirido através de empréstimo bancário. Posteriormente e após o divórcio, juntamente com os filhos menores, integrou o agregado da avó materna, já falecida.
À data da prática dos factos, E…, encontrava-se laboralmente ativa num lar de pessoas portadoras de deficiência, APPACDM – … – U…, na qual auferia de um montante de 700€ mensais, e paralelamente trabalhava como empregada de limpeza em casas particulares, em regime informal, na qual acrescia um valor de 400€ por mês.
Residia com os filhos menores, na habitação familiar, que ainda não foi objeto de partilha, atualmente os filhos estão aos cuidados dos progenitores desta e da irmã AF…, laboralmente ativa, como Socióloga, o núcleo familiar demonstra total apoio à arguida no seu processo de reinserção social.
Ao nível afetivo E… mantém relacionamento afetivo, com cerca de 4 anos, com D…, coarguido no presente processo, com quem veio a estabelecer matrimónio, já em contexto prisional.
O coarguido encontra-se recluído pela terceira vez, no estabelecimento prisional L…, onde cumpre pena efetiva de 9 anos e 6 meses pela prática de crimes de sequestro, coação e roubo na forma tentada.
O arguido tem historial de consumos de estupefacientes, com registo de sanções disciplinares.
Desde que se encontra em situação de reclusão, E… mantém relacionamento com o coarguido D…, porém está proibida de estabelecer contactos com o mesmo.
A ligação ao exterior está assegurada, pelos contactos telefónicos com os progenitores que reiteram a disponibilidade para a manutenção dum apoio incondicional quer em situação de privação de liberdade, quer na altura do regresso ao meio livre.
A arguida mantém apoio clínico no âmbito da problemática de saúde que apresenta, nomeadamente diabetes, não sendo consumidora de estupefacientes.
E… verbaliza projetos de concretização a médio prazo, na comunidade, de sentido pró-social, em torno da reintegração profissional no lar de idosos.
E… deu entrada no Estabelecimento Prisional AG… - Feminino em 17-12-2018 à ordem do presente processo.
Sem antecedentes criminais a arguida relativamente aos factos constantes nos presentes autos, reconhece a natureza constituem um ilícito penal, porém sem reflexão face a potenciais vítimas.
Em meio prisional E… tem adotado comportamento de acordo com o normativo institucional, laboralmente ativa no setor oficinal.
A manutenção dos laços afetivos e da proximidade relacional à família têm sido mantidos através de contactos telefónicos, e visitas regulares dos familiares.
53. A arguida C… confessou, parcialmente, mas com relevância os factos imputados, dos quais se declarou arrependida não constando do seu CRC nada.
54. A arguida E… confessou, parcialmente, os factos imputados, dos quais se declarou arrependida, não constando do seu CRC nada.
55. Do CRC do arguido B… consta que este sofreu as seguintes condenações: PCC nº 262/96 do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, por decisão transitada em julgado proferida em 27.09.96, na pena única de 20 anos de prisão; por triplo homicídio, factos de 10.08.95; PCC nº 205/02.5GCVCT do 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, por decisão transitada em julgado em 21.11.2003, proferida em 23.05.2003, na pena única de 9 anos e 6 meses de prisão por factos praticados em 3.04.2002, por Rapto e Extorsão; PCS nº 5/2002.7 GAPRT do 2º Juízo do Tribunal de Lousada, decisão transitada em julgado por factos de 2002, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, processo onde foi levado a cabo o cúmulo jurídico das penas, destes autos com o do processo 205/02 0GVCVCT estando em cumprimento de 12 anos e 6 anos de prisão, transitado em 2.12.2004; PCS 725/01.3PAVFX do 2º juízo Criminal do Tribunal de Vila Franca de Xira, por decisão de 22.04.2005, transitada em 24.05.2006, na pena de 18 meses pelo crime de Evasão, praticado em 16.05.95, onde foi realizado cúmulo jurídico das penas sendo condenado na pena única de 13 anos de prisão.
56. Do CRC do arguido D… consta que este sofreu as seguintes condenações: PCC nº 27/99 de 2º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Aveiro, decisão de 28.09.98, transitada em julgado em 6.05 e 18.05.1999, na pena de 2 anos e 7 meses de prisão por consumo e tráfico de estupefacientes, da qual veio a ser extinta por despenalização o crime de consumo ficando a pena pelo crime de tráfico; PCC nº 88/02 de 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Aveiro, decisão de 12.11.2001, transitada em 27.11.2001, factos de 23.03.98, por tráfico de estupefacientes, na pena de 2 anos e 10 meses de prisão; beneficiou de liberdade condicional, que viu revogada; PCS nº 22/02.7TBCTB do 2º Tribunal Judicial de Castelo Branco, decisão de 18.03.2002, transitado em 12.04.2002, na pena de 50 dias de multa à taxa diária de 3€, no valor global de 150€, por crime de burla na obtenção de serviços; PCC nº 1388/01.1PBAVR do 2º Juízo Criminal do Tribunal da Comarca de Aveiro, por decisão proferida em 5.07.2002, transitado em 22.07.2002, na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão, factos de 23.07.2001, por furto, roubo, condução ilegal; PCS nº 455/01.6PBAVR 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, decisão de 28.10.02, transitada em 12.11.2002, na pena 18 meses de prisão suspensa por 5 anos, por furto qualificado; PCS nº 802/01.0PBAVR 3º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, decisão de 30.10.02, transitado em 14.11.02, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, por falsificação de documentos; PCS nº 27/01.5GDAVR 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, decisão de 22.11.02, transitada 9.12.2002, na pena de 2 anos e 10 meses de prisão, factos de 2.04.2002 por furto qualificado; fazendo-se cúmulo jurídico de penas impondo-se o arguido a pena única de 7 anos e 6 meses de prisão, transitado em 24.04.03; PCC nº 214/01.6GBOBR secção única do Tribunal Judicial de Oliveira do Bairro, por decisão de 3.06.2003, transitada em 18.06.2003, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, praticados em 25.07.2001. Foi efetuado cúmulo jurídico das penas, transitado em 12.12.2003, vindo a ser imposta ao arguido a penas únicas sucessivas de 4 anos de prisão, e 8 anos de prisão e 50 dias de multa; vindo a ser restituído a liberdade em 15.03.2012; PCS nº 672/14.9T9AVR do Tribunal de Aveiro JL 2, do Tribunal da comarca de Aveiro, decisão de 17.11.15, transitado em 16.11.16 factos de 10.10.2014, por furto, na pena de 50 dias de multa à taxa diária de 5€, 250€, extinta; PCC nº 12/15.0JAAVR do Tribunal de Aveiro JL 2, do Tribunal da comarca de Aveiro, decisão de 7.03.2016, transitada em 2.03.2017, na pena única de 9 anos e 6 meses de prisão, por roubos, sequestros, e coações, factos 13.12.14, 8.01.2015, 28.12.14.
***
2.2. MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA: (…)
**
2.3. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO E ANALISE CRITICA (…)
b) apreciação do mérito:
Começaremos por recordar que, conforme jurisprudência pacífica, de resto, na melhor interpretação do artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, o objeto do recurso deve ater-se às conclusões apresentadas pelo recorrente, sem prejuízo, obviamente, e apenas relativamente às sentenças/acórdãos, da eventual necessidade de conhecer oficiosamente da ocorrência de qualquer dos vícios a que alude o artigo 410º, do Código de Processo Penal[1], devendo sublinhar-se que importa apreciar apenas as questões concretas que resultem das conclusões trazidas à discussão, o que não significa que cada destacada conclusão encerre uma individualizada questão a tratar, tal como sucede no caso vertente, com exceção da recorrente E….[2] [3]
Antes de avançarmos, impõe-se apreciar a seguinte
Questão prévia. (…)
No mais, e em face daquilo que se apreende das efetivas conclusões trazidas à discussão por cada um dos recorrentes, importa saber:
1 – se o acórdão recorrido é nulo por deficiente fundamentação (recorrente C…);
2 – se não deverá manter-se a agravante do imputado crime de tráfico por falta de suporte probatório (recorrente C…);
3 – se as penas, parcelares e única, aplicadas são demasiadamente penalizantes e manifestamente exageradas, impondo-se a sua redução, não devendo a pena única ultrapassar os cinco anos de prisão e, por via disso, ponderar-se a suspensão da sua execução (recorrente C…);
4 – se deverá ser afastado o efeito especial da agravação do imputado crime de tráfico, mantendo-se, quando muito, um crime simples e meramente tentado (recorrente D…);
5 – se a pena aplicada é manifestamente exagerada e descabida (recorrente D…);
6 – se deveria ter sido considerada cúmplice e não autora (recorrente E…);
7 – se a pena aplicada é excessiva, não deverá ultrapassar os cinco anos e deverá seu suspensa na sua execução (recorrente E…).
8 – se a decisão recorrida padece de erro notório na apreciação da prova, gerador da sua nulidade, tendo sido preterido o princípio “in dubio pro reo”, impondo-se a renovação de prova, ao que acresce ter sido ainda violado o direito ao silêncio de alguns arguidos, valoradas indevidamente as declarações de co-arguido, violado o princípio da livre apreciação da prova, ocorrendo ainda preterição do princípio da presunção da inocência, sobressaindo inversão do ónus da prova e nulidade por falta de fundamentação entre o nexo causal entre a eventual prática do crime e o agente que o praticou, a par de algumas inconstitucionalidades (recorrente B…);
9 – se não estão preenchidos os pressupostos objectivos e subjectivos do crime de branqueamento de capitais (recorrente B…);
10 – se não estão verificados em concreto os contornos imprescindíveis à imputada agravação (recorrente B…);
11 – se não deverá manter-se a imputada reincidência (recorrente B…);
12 – se não existe prova cabal que permita sustentar a imputada vantagem patrimonial supostamente alcançada (recorrente B…).

Vejamos, pois.
1 – da deficiente fundamentação (recorrente C…); (…)
2 – da agravante do crime de tráfico (recorrente C…); (…)
3 – das penas, parcelares e única (recorrente C…). (…)
4 – da não agravação e da mera tentativa (recorrente D…). (…)
5 – da pena aplicada (recorrente D…). (…)
6 – da cumplicidade ou (co)autoria (recorrente E…). (…)
7 – da pena aplicada (recorrente E…). (…)
8 – do alegado erro notório e/ou de julgamento e questões associadas (recorrente B…); (…)
9 – dos pressupostos do crime de branqueamento de capitais (recorrente B…).
Começando por dissertar sobre os requisitos do crime de branqueamento, com destaque para as três etapas ou operações de branqueamento de capitais, designadas, na terminologia inglesa habitualmente usada, por “placemen”, “layering” e “integration” (fases de colocação, circulação e de integração), o recorrente alega depois que no caso em concreto não resultam preenchidos os requisitos formais para que o tribunal recorrido tenha concluído pela existência e subsequente condenação pelo crime de branqueamento, porquanto a fase da “circulação” e da “integração” pura e simplesmente não existe, nunca foi intenção (nem resulta tal de qualquer prova produzida, quer testemunhal, quer documental, quer em qualquer alvo de escutas e suas transcrições) dos arguidos fazer circular e integrar tais capitais (e aqui remete para o declarado por diversas testemunhas para concluir que nada resulta que sustente que as transferências ou depósitos tenham advindo do tráfico de produtos estupefacientes), concluindo seguidamente que, atenta a falta de preenchimento daquelas fases, essenciais para que exista crime de branqueamento de capitais, cai por terra, qual castelo de cartas, a tese lavrada em sede de acórdão quanto a este ponto (segue-se nova dissertação sobre os requisitos do crime em apreço).
O Ministério Público tomou a diversa posição global acima sumariada e aqui tida como renovada.
Apreciando.
O recorrente questiona a existência do imputado crime de branqueamento numa dupla perspectiva.
Por um lado, mercê da inexistência de prova que suporte o seu envolvimento no tráfico de droga e a origem ilícita das quantias em questão.
Por outro lado, porque entende que não estão preenchidos os requisitos formais ínsitos no tipo legal em questão.
Quanto à matéria de facto, o recorrente limita-se a produzir afirmações sobre a inexistência de prova, dando a sua versão da prova produzida e pretendendo novamente que neste particular este tribunal fizesse o julgamento do próprio julgamento, o que, é consabido, não constitui uma forma válida de impugnar a matéria de facto, conforme já antes se anotou.
Assim sendo, e por este prisma, nada se impõe determinar.
Quanto à outra vertente aduzida pelo mesmo, a questão que se coloca é a de saber se a factualidade tida como assente permite alcançar ou preencher todos os requisitos do tipo legal aqui em apreço.
Diga-se, desde já, que existe total sintonia nos autos quanto a tais requisitos ou pressupostos, existindo apenas alguma diferença na linguagem utilizada pelo tribunal e por este recorrente para caracterizarem as três fases ou etapas que constituem as modalidades de acção de branqueamento, embora, na prática, ambas acabem por alcançar o mesmo resultado interpretativo.
Ora, o tribunal recorrido suportou a condenação deste recorrente e da co-arguida C… anotando que “Na situação que nestes autos apreciamos resulta que o arguido B… determinou que os pagamentos do estupefaciente que lhe era adquirido fosse pago através de depósitos e transferências para a conta bancária da arguida C…, agiu de forma livre e consciente, com o intuito de mascarar a origem ilícita do dinheiro em causa. Sabia o arguido que as quantias monetárias depositadas e transferidas para a conta da arguida C… tinham origem na atividade de venda de estupefaciente a que se dedicava, querendo com este comportamento escamotear a sua verdadeira origem, na intenção final de evitar responder pelas consequências jurídicas dos seus atos, e sabendo que a sua conduta era proibida por lei
A arguida C…, por sua vez, também agiu de forma livre e consciente, sabendo que as quantias monetárias pertencentes a B…, depositadas e transferidas para a sua conta e por aquela guardadas, resultavam direta e necessariamente da venda de estupefacientes, e, não obstante aceitou, mediante contrapartida económica de valor não apurado, guardá-las e ocultá-las, com o intuito de dissimular a natureza, origem e titularidade das vantagens de tal atividade criminosa. Mais sabia a arguida que a sua conduta era proibida por lei.
De facto, C… quando em Q… entregou, manuseada, a heroína a B…, em 4.07.2018, data do regresso daquele ao E. P. X…, mais lhe entregou o número da sua conta bancária no S…, autorizando-o a dirigir para ali o lucro da venda do estupefaciente que B… iria fazer no E.P ainda se comprometendo a controlar a conta e a fazer os levantamentos dos valores para ali transferidos ou depositados de que B… era beneficiário, ocultando-os na sua residência, mediante contrapartida económica.
Assim após o regresso do arguido B… ao estabelecimento prisional, este, por contacto telefónico, utilizando este arguido nomeadamente os números: ……….., ………… e ……….., e a arguida C…, o número ……… manteve conversações com a arguida C…, no sentido de esta controlar a sua conta bancária e conferir os depósitos/transferências que ali eram efetuados a mando daquele, bem como proceder ao respetivo levantamento e, posterior, ocultação na sua habitação, com o propósito de quando o arguido B… obtivesse nova licença de saída aquele valor lhe fosse entregue.
Durante vários meses do ano de 2018, a arguida C… permitiu a utilização da sua conta bancária para fazer circular e ocultar os proventos relacionados com a atividade de venda de estupefacientes desenvolvida pelos arguidos e fez os levantamentos que guardou e que designadamente lhe vieram a ser apreendidos.
Assim, no dia 31 de julho de 2018, foi efetuada uma transferência bancária para a conta n.º ……….. da arguida C…, no valor de 3.750€, para pagamento de estupefaciente adquirido ao arguido B…, tendo a arguida C…, nesse mesmo dia, procedido, no balcão da agência, ao levantamento da quantia de 3.500€; no dia 1 de agosto de 2018, foi efetuado um depósito bancário na conta n.º …………. da arguida C…, no valor de 700€, para pagamento de estupefaciente adquirido ao arguido B…, tendo a arguida C…, nesse mesmo dia e no dia seguinte, procedido a quatro levantamentos, através de multibanco e no balcão da agência, da quantia total de 700€ (200€+200€+200€+100€); no dia 9 de agosto de 2018, foi efetuada uma transferência bancária para a conta n.º ………. da arguida C…, no valor de 500€, para pagamento de estupefaciente adquirido ao arguido B…; no dia 19 de agosto de 2018, foi efetuada uma transferência bancária para a conta n.º ………. da arguida C…, no valor de 335€, para pagamento de estupefaciente adquirido ao arguido B…; no dia 20 de agosto de 2018, foi efetuado um depósito bancário na conta n.º ………. da arguida C…, no valor de 1.000€, para pagamento de estupefaciente adquirido ao arguido B…; no dia 30 de agosto de 2018, foi efetuada uma transferência bancária na conta n.º ……… da arguida C…, no valor de 500€, para pagamento de estupefaciente adquirido ao arguido B…, tendo a arguida C…, nesse mesmo dia, procedido a dois levantamentos, através de multibanco, da quantia total de 400€; no dia 31 de agosto de 2018, foi efetuada uma transferência bancária na conta n.º ……… da arguida C…, no valor de 530€, para pagamento de estupefaciente adquirido ao arguido B…, tendo a arguida C…, nesse mesmo dia, procedido ao levantamento, no balcão da agência, da quantia de 2.000€; no dia 4 de setembro de 2018, foi efetuado um depósito bancário na conta n.º ………. da arguida C…, no valor de 70€, para pagamento de estupefaciente adquirido ao arguido B…, tendo a arguida C…, no dia 7 de setembro, procedido ao levantamento de tal quantia; no dia 10 de setembro de 2018, foi efetuado um depósito bancário na conta n.º ……….. da arguida C…, no valor de 930€, para pagamento de estupefaciente adquirido ao arguido B…, tendo a arguida C…, nesse mesmo dia e no dia 12 de setembro, procedido a quatro levantamentos de 200€ cada um; no dia 17 de setembro de 2018, foram efetuados dois depósitos bancários na conta n.º ……… da arguida C…, no valor de 1.500€ cada um, para pagamento de estupefaciente adquirido ao arguido B…, tendo a arguida C…, no dia 20 de setembro, procedido ao levantamento, no balcão da agência, da quantia de 3.000€. Ainda em data não concretamente apurada, mas situada durante o verão de 2018, o arguido B…, de modo não apurado, enviou para a arguida C… a quantia monetária de 5.000€, em numerário, que lhe foi deixada dentro de um envelope em branco, na sua caixa do correio. Na posse de tal quantia monetária e segundo as instruções do arguido B…, a arguida C… deslocou-se a Viana do Castelo e dirigiu-se a casa dos pais do arguido B…, sita na Rua …, n.º .., …, naquela cidade, e ali colocou na caixa do correio daquela residência tal quantia monetária.
Nesta sequência veio a ser apreendido à C… na sua residência na casa de banho: num móvel/estante, ao lado da banheira, dentro de um saco de plástico transparente, envolto em papel de alumínio e guardanapo de papel, a quantia de 2.000€, em notas de valor facial de 20,00 euros; no interior do móvel do lavatório, dentro de uma caixa de pensos higiénicos da marca “K…”, a quantia de 9.140€, fracionada em 7 notas de valor facial de 100€, 83 notas com o valor facial de 50€, 178 notas com o valor facial de 20€ e 73 notas com o valor facial 10€.
Noutra mesinha de cabeceira, no interior de uma das gavetas, uma agenda do ano de 2016, com a inscrição “A minha agenda Proteste”, com valores manuscritos, nas datas de 28 de março a 07 de abril. Ainda nesta agenda, foi encontrado: um segmento de folha, com diversos manuscritos, de cor preta e azul, com indicações de meses e valores numerários, sendo o valor final de 9.140€; 2 talões referentes a levantamentos de 2.000€ e 3.000€, respetivamente, da conta ………., do “S…”; um segmento de folha, com as inscrições a preto “V…… E…”; uma folha quadriculada, tamanho A5, com inscrições em azul “W…… B…”, sendo a primeira mãe do arguido B…; na mesma gaveta, um envelope branco, sem qualquer inscrição, contendo no seu interior 25 notas com o valor facial de 20€, perfazendo o valor total de 500€.
A estas vantagens acresce o valor de 5.000€ em notas do BCE, recebido em mão, pela arguida C…, que esta foi entregar à casa da mãe de B…, com origem no tráfico de estupefaciente, única atividade que B… desenvolvia no E.P. L… capaz de gerar num verão cerca de pelo menos 16.640€ que C… teve nas suas mãos e que eram pertença de B….
Assim não se tendo provado nenhuma causa de exclusão da ilicitude ou da culpa dos arguidos, revelam-se verificados os pressupostos do crime de branqueamento de que B… e C… estão acusados por estarem preenchidos os pressupostos os pressupostos objetivos e subjetivos e demais pressupostos da sua punição pelo que será de extrair as consequências jurídicas dos factos”.
Aqui chegados importa relembrar, no que aqui interessa reter, que o artigo 386º-A do Código Penal estipula que:
“1 - Para efeitos do disposto nos números seguintes, consideram-se vantagens os bens provenientes da prática, sob qualquer forma de comparticipação, dos factos ilícitos típicos de lenocínio, abuso sexual de crianças ou de menores dependentes, extorsão, tráfico de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, tráfico de armas, tráfico de órgãos ou tecidos humanos, tráfico de espécies protegidas, fraude fiscal, tráfico de influência, corrupção e demais infrações referidas no n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 36/94, de 29 de setembro, e no artigo 324.º do Código da Propriedade Industrial, e dos factos ilícitos típicos puníveis com pena de prisão de duração mínima superior a seis meses ou de duração máxima superior a cinco anos, assim como os bens que com eles se obtenham.
2 - Quem converter, transferir, auxiliar ou facilitar alguma operação de conversão ou transferência de vantagens, obtidas por si ou por terceiro, directa ou indirectamente, com o fim de dissimular a sua origem ilícita, ou de evitar que o autor ou participante dessas infracções seja criminalmente perseguido ou submetido a uma reacção criminal, é punido com pena de prisão de dois a doze anos.
3 - Na mesma pena incorre quem ocultar ou dissimular a verdadeira natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou titularidade das vantagens, ou os direitos a ela relativos”.
Cremos que decorre linearmente deste texto legal, que, conforme se assinala no acórdão recorrido, tem vindo a sofrer algumas alterações, que, para a verificação deste ilícito, o legislador não exige actualmente que uma determinada conduta abranja as atrás denominadas três fases ou etapas que constituem as modalidades de acção de branqueamento, a saber, a colocação, a circulação e a integração, bastando-se com a prática de qualquer delas, pois ali se prevê a punição de quem converter, transferir, auxiliar ou facilitar alguma operação de conversão ou transferência de vantagens ou então a de quem ocultar ou dissimular a verdadeira natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou titularidade das vantagens, ou os direitos a ela relativos.
Em sintonia com esta interpretação, e a título meramente ilustrativo, veja-se o acórdão do TRL, datado de 18/07/213, do qual decorre a sustentação ali sumariada de que “…O crime de branqueamento previsto nos n.ºs 2 e 3 do art. 368.º-A do Código Penal supõe o desenvolvimento de atividades que, podendo integrar várias fases, visam dar uma aparência de origem legal a bens de origem ilícita, assim encobrindo a sua origem, conduzindo, na maior parte das vezes a «um aumento de valores, que não é comunicado ás autoridades legítimas»…”, e que “…Quanto mais eficiente e sofisticada for a conduta de branqueamento mais grave e perigoso é o atentado ao bem jurídico protegido com esta incriminação. Porém, mesmo a simples conduta do agente de apenas depositar na sua conta bancária quantias monetárias provenientes do crime precedente por si cometido, pode integrar a prática do crime de branqueamento”[4].
No mesmo sentido, ao tratar do elemento subjectivo do tipo legal em questão, decorre de aresto do STJ datado de 11/06/2014 que “Exige-se que o agente, ao efectuar qualquer operação no procedimento mais ou menos complexo de conversão, transferência ou dissimulação, tenha conhecimento da natureza das actividades que originaram os bens ou produtos a converter, transferir ou dissimular. Elemento subjectivo comum a todas as condutas previstas é a exigência do conhecimento da proveniência do objecto da acção num dos ilícitos-típicos precedentes, da origem dos bens (que faz parte do elemento intelectual do dolo)[5].
Assim sendo, e dado que temos uma tal interpretação como linear, dispensámo-nos de outros considerandos, a não ser que nos permitimos subscrever inteiramente a subsunção jurídica operada na decisão sob censura para cuja leitura integral, por economia, se remete.
Não procede, pois, também este item recursivo.
10 – da agravação do crime de tráfico (recorrente B…). (…)
11 – da reincidência (recorrente B…). (…)
12 – da vantagem patrimonial (recorrente B…). (…)
III – DISPOSITIVO:
Nos termos e pelos fundamentos expostos, os juízes nesta Relação acordam em audiência:
– em rejeitar o recurso interposto pelo arguido D… na parte respeitante à impugnação da matéria de facto e questões associadas, negando-lhe provimento no demais questionado pelo mesmo e aqui apreciado, com a inerente confirmação do decidido nessa parte; e,
em negar provimento aos recursos interpostos pelos arguidos B…, C… e E…, em consequência do que, e na parte aqui questionada pelos sobreditos recorrentes, decidem igualmente confirmar o acórdão recorrido.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a respectiva em cinco UC para os arguidos C… e D…, em quatro UC para a arguida E… e em seis UC para o arguido B…, sem prejuízo, obviamente, de quem beneficiar ou vier ainda a beneficiar de apoio judiciário.
Notifique.
*
Porto, 18/03/202038. [6]
Moreira Ramos
Maria Deolinda Dionísio
António Gama (Presidente da Secção)
______________________________
[1] Vide, entre outros no mesmo e pacífico sentido, o Ac. do STJ, datado de 15/04/2010, in http://www.dgsi.pt, no qual se sustenta que “Como decorre do art. 412.º do CPP, é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões, excetuadas as questões de conhecimento oficioso”.
[2] Conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no Acórdão nº 7/95, do STJ, in DR, I série-A, de 28/12/95.
[3] E até porque se trata de vícios de conhecimento oficioso, convém relembrar que é consabido, e pacífico, que os vícios a que aludem as várias alíneas do nº 2, do artigo 410º, do Código de Processo Penal, e tal como resulta do próprio teor deste preceito, terão de resultar apenas do texto da decisão, ainda que no seu cotejo com as regras da experiência comum (neste sentido, e a título meramente ilustrativo, veja-se o ac. do STJ datado de 23/09/2010, relatado por Souto Moura, a consultar in http://www.dgsi.pt), que “o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada só ocorre “… quando a matéria de facto provada é insuficiente para a decisão de direito, porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar relativamente a factos relevantes para a decisão da causa, alegados pela acusação ou pela defesa, ou que resultaram da audiência ou nela deveriam ter sido apurados por força da referida relevância para a decisão” (vide ac. do STJ, de 03/07/02, relatado por Armando Leandro, apud Vinício Ribeiro, Código de Processo Penal, Notas e Comentários, Coimbra Editora, 2008, pág. 914) e que erro notório na apreciação da prova “… existirá … sempre que se revelem distorções de ordem entre os factos provados e não provados, ou que estes traduzam uma apreciação
[4] Citação extraída das anotações ao artigo 386º-A do Código Penal insertas na base de dados da PGDLisboa, com destacados/bold da nossa autoria.
[5] Citação extraída das anotações ao artigo 386º-A do Código Penal insertas na base de dados da PGDLisboa, com destacados/bold da nossa autoria.
[6] Texto escrito conforme o acordo ortográfico, convertido pelo lince, composto e revisto pelo relator (artigo 94º, nº2, do Código de Processo Penal).