Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3128/17.4T8AVR,P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RODRIGUES PIRES
Descritores: ADMINISTRADOR JUDICIAL
FIXAÇÃO DA REMUNERAÇÃO
Nº do Documento: RP201806273128/17.4T8AVR.P1
Data do Acordão: 06/27/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Indicações Eventuais: 2ªSECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º835, FLS.169-176)
Área Temática: .
Sumário: I - O administrador judicial provisório nomeado pelo juiz no âmbito do processo especial para acordo de pagamento previsto nos arts. 222º-A e segs. do Cód. do Proc. Civil tem direito a remuneração pelo exercício das suas funções, a qual é composta por uma parte fixa e por uma parte variável, esta caso venha a ser aprovado tal acordo.
II - A Portaria nº 51/2005, de 20.1 não é aplicável por analogia à fixação da remuneração variável do administrador judicial nomeado em processo especial para acordo de pagamento, devendo tal fixação ser feita de acordo com critérios de equidade.
- Porém, a Portaria nº 51/2005 já é aplicável à determinação da parte fixa da remuneração do administrador judicial provisório, por esta não depender da ponderação de quaisquer fatores ou critérios próprios e específicos do processo de insolvência.
III - A segunda prestação da remuneração fixa devida ao administrador judicial provisório vence-se seis meses após a data da sua nomeação, mas, se o processo se encerrar antes de decorrido esse prazo, a segunda prestação vence-se na data de encerramento do processo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 3128/17.4T8AVR.P1
Comarca de Aveiro – Juízo de Comércio de Aveiro – Juiz 2
Apelação
Recorrente: B…
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e Maria de Jesus Pereira
Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO
No âmbito do presente processo especial para acordo de pagamento que, nos termos dos arts. 222º-A e segs. do CIRE (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas), foi instaurado por C… e D…, mostra-se proferido despacho, com data de 23.2.2018, que aprovou e homologou o plano de recuperação dos devedores.
Nesse despacho fixou-se a remuneração devida ao Sr. Administrador Judicial na importância global de 1.500,00€ com a seguinte fundamentação:
“Na fixação da remuneração devida ao Sr. Administrador judicial, considerando a simplicidade dos presentes autos (relativos a pessoas singulares e sem impugnações de créditos), o valor mediano dos créditos (€91.000,00) e as difíceis condições económicas dos devedores, mas igualmente, o rigoroso cumprimento dos prazos aplicáveis e os bons resultados obtidos, crê-se justificado aplicar o valor (ligeiramente inferior ao normal processo de insolvência) de €1.500,00.”
B…, na qualidade de legal representante da sociedade “B…, – Unipessoal, Lda.”, administrador judicial provisório dos devedores, inconformado com o decidido no tocante à sua remuneração, veio interpor recurso de apelação, finalizando as suas alegações com as seguintes conclusões:
I. Por decisão datada de 23.02.2018 determinou o M.mo Juiz a quo no que ao âmago do presente recurso interessa, que “a remuneração devida ao Sr. administrador judicial na importância global de €1.500,00 (mil e quinhentos euros), acrescida da legal tributação (arts. 15.º, 222.º-C/3, al. a), 222.º-F/9, e 301.º do CIRE, 306.º do CPC).”, escudando - se para o efeito nos art.ºs 32.º n.º 3 do CIRE e 23.º n.º 1 da Lei n.º 22/2013, de 23 de Fevereiro,
II. Não concorda o recorrente com a decisão recorrida.
III. Constitui, com todo o respeito que é muito (!) um erro na aplicação do direito, por, nos termos do disposto no art.º 616.º, n.º 2, alínea a) do CPCivil, ocorrer um manifesto erro na qualificação jurídica dos factos.
IV. Encontramo-nos perante um errado entendimento do direito já que o douto Tribunal se socorreu de norma incorrectamente interpretada/aplicada para o efeito.
V. Terá de tomar por evidente que o recorrente, na qualidade de Administrador Judicial Provisório nomeado aos devedores C… e D… exerceu, de forma diligente e incensurada, as prerrogativas e deveres do seu cargo.
VI. Colocou à consideração dos credores no âmbito do respetivo procedimento negocial o respetivo plano de Revitalização;
VII. O recorrente participou nas negociações, na sequência das quais foi apresentado Plano de Revitalização, que veio a ser colocado à votação dos credores nos termos do disposto no art.º222 .º-F do CIRE, aprovado e votado favoravelmente.
VIII. O Plano assim proposto foi APROVADO, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 222.º-F do CIRE, por 94,45% dos créditos reconhecidos votantes e;
IX. na sequência da aprovação do Plano de Revitalização foi o mesmo, no cumprimento do disposto no art.º 222.º do CIRE, judicialmente homologado.
X. Deste modo, sempre com o devido respeito, é entendimento do Administrador Judicial Provisório que a sua atividade se encontra remuneratoriamente submetida à atribuição da fixação de uma remuneração fixa e uma remuneração variável devida pela atividade do signatário, no âmbito do Processo Especial de Revitalização, a qual,
XI. Em virtude da entrada em vigor, no dia 26 de Março de 2013, da Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro, a remuneração do Administrador Judicial Provisório calcula-se nos termos do art.º 23.º, n.ºs 1 a 3 da citada Lei,
XII. Com referência à Portaria n.º 51/2005, de 20 de Fevereiro e Tabelas conexas.
XIII. A Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro/Estatuto do Administrador Judicial, diploma que sequencia a entrada em vigor do CIRE renovado pela Lei n.º 20/2012, de 20 de Abril determina, inequivocamente, a Remuneração do administrador Judicial.
XIV. [O] Administrador Judicial Provisório tem direito a ser remunerado pelo exercício das suas funções [art.º 22.º da Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro].
XV. [O] Administrador aufere uma remuneração fixa e variável fixada e majorada em função da satisfação dos créditos reclamados e reconhecidos no procedimento de revitalização deduzidas as dívidas da massa [art.º 23.º, n.ºs 1 a 5 da Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro];
XVI. Para o cálculo remuneratório devem atentar-se nos seguintes pressupostos concretos, valor total dos créditos relacionados….…………………€91.003,11, valor total dos créditos satisfeitos com o Plano………...€85.952,73, percentagem de créditos abarcados/satisfeitos……………94,45%.
XVII. Neste contexto o critério remuneratório contido na Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro na parte em que o cálculo remuneratório se alcança a partir das Tabelas contidas na Portaria n.º 51/2005, de 20 de Janeiro, conduz às seguintes considerações, ao resultado da recuperação calculado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano aprovado e homologado, aplicam–se duas taxas percentuais, sendo que o escalão marginal se deve contar a partir “… do limite do maior dos escalões que nele couber …”, ou seja, e in casu, o que se inicia em €50.000,00 (cinquenta mil euros), razão pela qual se aplica ao valor apurado de satisfação de €50.000,00 (cinquenta mil euros) a taxa marginal de 5,95% calculada de forma percentual. Logo, e sequentemente, aplicar-se-á a taxa base respeitante ao escalão imediatamente superior de 3% ao valor residual remanescente que se estipula em €35.952,73 (trinta e cinco mil novecentos e cinquenta e dois euros e setenta e três cêntimos)/€85.952,73 – 50.000,00€.
XVIII. Por seu lado, o grau de satisfação dos credores faz recair a majoração sobre o valor 1,60 constante do citado Anexo II/Tabela da Portaria n.º 51/2005, de 20 de Janeiro, o qual, aplicado ao cálculo da remuneração variável encontrada nos termos do Anexo I da Portaria n.º 51/2005, de 20 de Janeiro perfaz o valor global reclamado a título de remuneração variável de €6.485,73 (seis mil, quatrocentos e oitenta e cinco euros e setenta e três cêntimos).
XIX. Acresce ao valor de €6.485,73 (seis mil, quatrocentos e oitenta e cinco euro e três cêntimos) o montante devido pela remuneração fixa prevista no art.º 1.º, n.º 1 da Portaria n.º 51/2005, de 20 de Janeiro por referência ao n.º 1 do art.º 23.º da Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro, no valor de €2.000,00 (dois mil euros), perfazendo um total remuneratório de €8.485,73 (oitenta mil, quatrocentos e oitenta e cinco euros e setenta e três cêntimos), valor a que acrescerá o IVA à taxa actual de 23%.
XX. Neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido no Processo n.º 4725/14.5T8CBR.C1, datado de 08.07.2015,
XXI. E ainda o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no Processo n.º 1539/13.3TBFAF.G1, datado de 24.11.2014,
XXII. Cautelarmente, ainda que assim não se entendesse, e independentemente da publicação da portaria a que se referem os n.ºs 2 e 3 do art.º 23.º da Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro, o cálculo da remuneração variável do recorrente se faz com recurso à não revogada Portaria n.º 51/2005, de 20 de Janeiro.
XXIII. Sempre tal raciocínio não poderia sobrepor-se ou derrogar o direito remuneratório que derrama dos art.ºs 22.º e 23.º da Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro,
XXIV. Devendo, neste caso cautelar, o Tribunal a fixar, com recurso a critérios de equidade, razoabilidade, legalidade e oportunidade, a remuneração variável devida ao aqui recorrente,
XXV. O qual, considerando a aplicação analógica da tabela supra evidenciada, se deveria quantificar em valor nunca inferior a €6.000,00 €(seis mil euros), acrescidos de IVA à taxa legal, o que se pugna, a vingar a tese antecedente.
XXVI. A decisão recorrida viola o disposto nos art.ºs 22.º e 23.º, n.ºs 1 a 5 da Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro,
XXVII. Devendo a mesma ser objeto de revogação e substituída por outra que, da lavra dos Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação, declare, sem embargo do julgamento prévio e possível da nulidade reclamada no intróito das alegações de recurso, pela determinação do pagamento do valor de €8.485,73 (oitenta mil, quatrocentos e oitenta e cinco euros e setenta e três cêntimos), a título de remuneração fixa e variável devida pela atividade do signatário nos presentes autos, a que acresce IVA à taxa legal ou,
XXVIII. Cautelarmente e independentemente da publicação da portaria a que se referem os n.ºs 2 e 3 do art.º 23.º da Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro, o cálculo da remuneração variável do recorrente se faz com recurso à não revogada Portaria n.º 51/2005, de 20 de Janeiro,
XXIX. Devendo, neste caso cautelar, o Tribunal a fixar, com recurso a critérios de equidade, razoabilidade, legalidade e oportunidade, a remuneração variável devida à aqui recorrente,
XXX. O qual, considerando a aplicação analógica da tabela supra evidenciada, se deveria quantificar em valor nunca inferior a €6.000,00 (seis mil euros), acrescidos de IVA à taxa actual de 23%, o que se pugna, a vingar a tese antecedente,
XXXI. Sempre com o pagamento a ser efectuado, por adiantamento, pelo Cofre Geral dos Tribunais, porquanto, sendo um encargo compreendido nas custas do processo, é uma dívida da Massa insolvente, nos termos do art.º 32.º n.º 3 do CIRE, por remissão dos artº.s 24.º e 17.º-C n.º 3, alínea a) do mesmo código.
XXXII. Tal sucede porquanto, com o devido respeito, a interpretação efectuada pelo Tribunal a quo quanto ao desempenho das funções do recorrente/Administrador Judicial Provisório é manifestamente redutora e desvirtuadora das funções desempenhadas.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Com data de 8.5.2018 foi proferido o seguinte despacho:
“Uma vez que foi apresentado em tempo, por quem dispõe de legitimidade, sendo recorrível a decisão, admito o recurso interposto pelo Sr. administrador judicial (do despacho que, com a sentença de homologação do plano, fixou o valor da remuneração que lhe é devida), o qual é de apelação, sobe de imediato, nos próprios autos e com efeito devolutivo (por considerar aquela sentença equivalente à decisão de encerramento do processo de insolvência), nos termos dos arts. 644.º/1, al. a), do CPC, 14.º/5 e 6, al. a), do CIRE.
Fixo o valor do recurso em €6.985,73, correspondente à diferença entre a remuneração fixada e o montante requerido no recurso.
Invocou o recorrente, entre o mais, a questão da nulidade da decisão (na parte impugnada) por ausência de fixação de remuneração variável.
Apreciando e decidindo (art. 617.º/1 do CPC):
Para quem, como nós, entenda que a fixação da remuneração do administrador judicial provisório (mesmo no PER ou no PEAP) está directamente regulada no art. 32.º/3 do CIRE, quer pela expressão legal dessa norma, quer mercê da remissão que expressis verbis é feita no art. 222.º-C/4 do CIRE, a especificação de uma parte fixa e de uma parte variável dessa remuneração é desnecessária.
No entanto, no recurso à equidade que a fixação dessa remuneração implica (cfr. Acs. do TRP de 16/5/2016, processo 631/15.4T8AVR, relatado pelo Desembargador José Eusébio Almeida, e de 5/2/2018, processo 914/16.6T8AMT, relatado pelo Desembargador Carlos Gil), tem sido comum, evidenciando utilidade orientadora, quantificar determinado valor a título de componente fixa e outro montante como componente variável na operação de fixação da remuneração.
O que se fará, em complemento aos critérios já expressamente mencionados na sentença (processo relativo a pessoas singulares, sem impugnações de créditos, sendo estes de valor mediano: €91.000,00, as difíceis condições económicas dos devedores, o rigoroso cumprimento dos prazos aplicáveis por parte do Sr. administrador e os bons resultados obtidos, com aprovação e homologação de plano de pagamentos), nesta decisão.
Para esse efeito, importa tomar em conta os diversos contributos legais e, em especial, da norma do art. 1.º/2 da Portaria nº 51/2005, de 20-1, da qual resulta o princípio de que a actividade de um administrador inferior a seis meses justificará, em regra, a atribuição de metade do valor normal da remuneração.
Sendo certo que, no caso dos autos, o Sr. administrador judicial provisório foi nomeado por despacho de 7/11/2017, tendo terminado funções, com a sentença homologatória, a 22/2/2018, parece justificado concluir que o exercício da actividade por pouco mais de três meses, em conjugação com os demais critérios (acima enunciados), justifica uma componente fixa em €1.000,00.
No mesmo quadro, o valor de €500,00 como componente variável, pela obtenção da aprovação e homologação do plano, parece-nos equitativo, sendo certo que esse bom resultado obtido no processo fora já expressamente considerado na decisão.
Pelo exposto, suprindo a nulidade, ao abrigo do disposto no art. 617.º/1 e 2 do CPC, fixo a parte fixa da remuneração devida ao Sr. administrador judicial em €1.000,00, e a parte variável em €500,00, mantendo o valor global de remuneração em €1.500,00.
Notifique para os efeitos previstos no art. 617.º/3 do CPC.”
O recorrente, nos termos do art. 617º, nº 3 do Cód. de Proc. Civil, procedeu depois à ampliação do objeto do recurso, sustentando ter também direito a uma provisão para despesas no valor de 500,00€ e invocando que a interpretação das normas legais, que no seu caso conduziu a uma remuneração de 1.500,00€, se revela como inconstitucional por violação do direito à retribuição pelo trabalho efetivamente prestado.
Cumpre, então, apreciar e decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil.
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A questão a decidir é a seguinte:
Apurar se o valor fixado pela 1ª Instância como remuneração do administrador judicial (1.500,00€) se mostra correto.
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Para além do que consta do antecedente relatório, há que ter em atenção os seguintes elementos factuais e processuais:
1. O Sr. Administrador Judicial, B…, foi nomeado por despacho proferido em 7.11.2017.
2. Em 30.11.2017, o Sr. Administrador Judicial juntou aos autos a lista provisória de créditos, com um total de oito credores e créditos reconhecidos no montante de 91.003,11€.
3. Em 19.12.2017, o Sr. Administrador Judicial veio esclarecer que o crédito de E… tem natureza subordinada.
4. Não foram apresentadas impugnações aos créditos relacionados.
5. O plano especial para acordo de pagamento foi apresentado em 1.2.2018.
6. Em 16.2.2018, o Sr. Administrador Judicial juntou aos autos a ata referente à contagem dos votos.
7. O plano especial para acordo de pagamento foi aprovado com 94,45% de votos favoráveis.
8. O processo terminou com a homologação do plano por despacho de 23.2.2018.
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Passemos à apreciação do mérito do recurso.
1. No âmbito do processo especial para acordo de pagamento previsto nos arts. 222º-A e segs. do CIRE, introduzidos pelo Dec. Lei nº 79/2017, de 30.6., o juiz nomeia administrador judicial provisório, sendo-lhe aplicável o disposto nos arts. 32º a 34º do mesmo diploma com as devidas adaptações (cfr. art. 222º- C, nº 4).
No nº 3 do art. 32º estatui-se que a remuneração do administrador judicial provisório é fixada pelo juiz, na própria decisão de nomeação ou posteriormente, e constitui, juntamente com as despesas em que ele incorra no exercício das suas funções, um encargo compreendido nas custas do processo, que é suportado pelo Cofre Geral dos Tribunais na medida em que, sendo as custas da responsabilidade da massa, não puder ser satisfeito pelas forças desta.
O administrador judicial é a pessoa incumbida da fiscalização e da orientação dos atos integrantes do processo especial de revitalização, bem como da gestão ou liquidação da massa insolvente no âmbito do processo de insolvência (cfr. art. 2º, nº 1 da Lei nº 22/2013, de 26.2., que estabelece o estatuto do administrador judicial).
A remuneração a que tem direito pelos atos praticados é definida de acordo com o montante estabelecido em portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da justiça e da economia, acrescendo-lhe ainda uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente, cujo valor é o fixado nas tabelas constantes daquela portaria (cfr. art. 23º, nºs 1 e 2 da Lei nº 22/2013).
Considera-se como resultado da recuperação do devedor em processo de revitalização que envolva a apresentação de um plano de recuperação o valor determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano, conforme tabela específica constante da portaria, podendo o juiz determinar, sempre que a remuneração obtida de acordo com os critérios fixados na portaria exceda o montante de cinquenta mil euros, que a remuneração devida para além desse montante seja inferior à aplicação dos critérios legais, tendo em conta, designadamente, os serviços prestados, os resultados obtidos, a complexidade do processo e a diligência empregue no exercício das funções (cfr. arts. 23º, nºs 3 e 6 da Lei nº 22/2013).
2. Acontece que a portaria a que se refere o Estatuto do Administrador Judicial nunca foi publicada, o que coloca a questão, tanto no processo especial de revitalização como no mais recente processo especial para acordo de pagamento previsto nos arts. 222º-A e segs. do CIRE, da aplicação analógica da anterior Portaria nº 51/2005, de 20.1, havendo quem a defenda[1] e, maioritariamente, quem a recuse.[2] [3]
Vejamos então.
A Portaria nº 51/2005 foi publicada para regulamentar o anterior Estatuto do Administrador Judicial, aprovado pela Lei nº 32/2004, de 22.7., numa altura em que ainda não existia processo especial de revitalização nem tão-pouco o processo especial para acordo de pagamento, tendo tido como finalidade essencial aprovar o montante fixo da remuneração do administrador da insolvência, bem como as tabelas referentes ao montante variável dessa remuneração, a determinar em função dos resultados obtidos.
Sucede que, de acordo com a Portaria nº 51/2005, a retribuição variável do administrador da insolvência é fixada em função do resultado da liquidação da massa insolvente, considerando-se resultado da liquidação o montante apurado para a massa insolvente, depois de deduzidos os montantes necessários ao pagamento das dívidas dessa mesma massa, com exceção da remuneração fixa e das custas dos processos judiciais pendentes na data da declaração da insolvência (cfr. também os arts. 20º, nº 3 da Lei nº 32/2004 e 23º, nº 4 da Lei nº 22/2013).
Ora, no processo especial para acordo de pagamento, tal como ocorre no processo especial de revitalização, visa-se a obtenção de um acordo com os credores que permita ao devedor escapar à insolvência, de tal forma que no seu âmbito não há lugar à liquidação dos bens do devedor para satisfação dos credores.
Assim, porque a retribuição variável prevista no nº 2 e 4 do art. 23º da Lei nº 22/2013 se afere em resultado da recuperação do devedor, considerando-se como resultado da recuperação o valor determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no respetivo plano, conforme tabela específica constante da portaria, cremos ser patente que a base factual pressuposta nos critérios de fixação da remuneração variável na Portaria nº 51/2005 para o administrador da insolvência é de todo díspar da que o legislador antevê na portaria que regulamentará a remuneração variável para o administrador judicial provisório tanto no processo especial de revitalização como no processo especial para acordo de pagamento previsto nos arts. 222º-A e segs. do CIRE.
Por conseguinte, não há similitude que possa conduzir à aplicação analógica da Portaria nº 51/2005 à remuneração variável do administrador judicial provisório nomeado no âmbito do processo especial para acordo de pagamento.
Deste modo, em sintonia com o Acórdão da Relação do Porto de 5.2.2018 (proc. 914/16.6 T8AMT.P1, disponível in www.dgsi.pt), cuja argumentação temos vindo a seguir, há a concluir que na falta da portaria regulamentadora das pertinentes previsões do vigente Estatuto do Administrador da Insolvência, deve a retribuição variável do Administrador Judicial Provisório fixar-se de acordo com critérios de equidade, tendo em conta as concretas funções desempenhadas e o resultado final do processo.
3. Regressando ao caso concreto, verifica-se que o Mmº Juiz “a quo”, considerando a simplicidade dos autos, o valor mediano dos créditos, as difíceis condições económicas dos devedores, o rigoroso cumprimento dos prazos aplicáveis e os bons resultados obtidos, fixou a remuneração devida ao Sr. Administrador Judicial no valor global de 1.500,00€, sendo 1.000,00€ como remuneração fixa e 500,00€ a título de remuneração variável.
No que tange à retribuição variável, em linha com o que já atrás se explanou, o critério determinante para a sua fixação é a equidade, devendo ter-se em atenção as concretas funções que foram desempenhadas e o resultado final que foi obtido no processo.
Há, pois, a destacar que se os autos não tiveram complexidade assinável, de que é sinal a ausência de impugnações de créditos, também é certo que o resultado final do processo se revelou positivo com a obtenção do almejado acordo de pagamento.
O valor dos créditos – e aqui há a sublinhar que estamos perante processo que envolve pessoas singulares – circunscreve-se a 91.003,11€.
A 1ª Instância, valorando todos estes aspetos, entendeu que a parte variável da remuneração do Sr. Administrador Judicial se deveria cingir a tão-somente 500,00€, ao passo que este, em via recursiva e sendo a sua fixação feita com apelo a critérios de equidade, pugna pela fixação de valor correspondente a 6.000,00€.
Se o montante fixado pela 1ª Instância se pode considerar algo parcimonioso, também o valor pelo qual pugna o recorrente, face ao trabalho que concretamente desenvolveu, se recorta como manifestamente excessivo.
Como tal, efetuando uma ponderação equitativa, onde serão fatores determinantes o trabalho desenvolvido pelo Sr. Administrador Judicial e o resultado obtido com o processo, cremos ser adequado fixar a parte variável da sua retribuição em 1.000,00€.
4. Passando agora à parte fixa da retribuição do Sr. Administrador Judicial, constata-se que o Mm.º Juiz “a quo”, neste segmento, considerou o valor de 1.000,00€, justificando-o com a circunstância da sua atividade se ter circunscrito a pouco mais de três meses.
Porém, sustenta o recorrente, nas suas alegações, que tal valor terá que se elevar a 2.000,00€ por força do que vem preceituado nos arts. 1º, nº 1 da Portaria nº 51/2005, de 20.1. e 23º, nº 1 da Lei nº 22/2003, de 26.2.
Ao invés do que sucede no tocante à parte variável da remuneração, quanto à sua parte fixa não existem obstáculos à aplicação analógica[4] ao caso dos autos da Portaria nº 51/2005, que se deverá conjugar com o disposto nos arts. 23º, nº 1 e 29º, nº 2 da Lei nº 22/2013.
Com efeito, a noção de “retribuição fixa” aponta para um tabelamento com critérios objetivos e que não depende da ponderação de quaisquer fatores ou critérios próprios e específicos do processo de insolvência.[5]
Ora, o art. 1º, nº 1 da Portaria nº 51/2005 estatui o seguinte:
«O valor da remuneração do administrador da insolvência nomeado pelo juiz, nos termos do nº 1 do artigo 20º da Lei nº 32/2004, de 22 de Julho, que aprovou o estatuto do administrador da insolvência, é de €2000».
Esta remuneração é paga em duas prestações de igual montante, vencendo-se a primeira na data da nomeação e a segunda seis meses após tal nomeação, mas nunca após a data de encerramento do processo – cfr. art. 29º, nº 2 da Lei nº 22/2013.
Prevê-se, contudo, no nº 2 do art. 1º da dita Portaria, a título de exceção, que se o administrador exercer as suas funções por menos de seis meses devido à sua substituição por outro administrador, terá direito somente à primeira daquelas prestações, ou seja, a 1.000,00€.
Porém, esta situação não se verifica no caso dos autos.
É certo que o Sr. Administrador Judicial no presente processo especial para acordo de pagamento exerceu as suas funções por período inferior a seis meses, mas tal não se ficou a dever à sua substituição por outro administrador, como se exige no preceito atrás referido.
Tal resultou tão-só do facto do processo ter sido célere, vindo a ser concluído em menos de três meses, sendo que essa celeridade não é fundamento bastante para reduzir a parte fixa da remuneração do administrador judicial a 1.000,00€, considerando-se ter este direito apenas à primeira das duas prestações legalmente previstas.
Se se presume que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art. 9º, nº 3 do Cód. Civil), então ele poderia ter suprimido a menção ao exercício de funções por período inferior a seis meses apenas no caso de substituição de administrador, deixando claro que em toda e qualquer situação em que aquele exercício de funções se quedou aquém de tal período de tempo a sua remuneração fixa se circunscreveria a apenas 1.000,00€.[6]
Não tendo sido essa a intenção do legislador, não poderá deixar de ser atribuída ao Sr. Administrador Judicial, tal como este pretende, a remuneração fixa de 2.000,00€, vencendo-se a segunda prestação, uma vez que o processo teve duração inferior a seis meses, na data do seu encerramento.[7]
Prosseguindo, o Sr. Administrador Judicial tem ainda direito a uma provisão para despesas correspondente a um quarto da remuneração fixa, ou seja, a 500,00€, conforme decorre do art. 29º, nº 8 da Lei nº 22/2013.
5. Antes de finalizar, há a referir que embora o recorrente defenda, nas suas alegações, que o pagamento da sua remuneração deva ser efetuado, por adiantamento, pelo Cofre Geral dos Tribunais, por se tratar de uma dívida da massa insolvente, não lhe assiste razão, porquanto nestes autos não está em causa a declaração de insolvência dos requerentes, donde decorre inexistir massa insolvente.
É que nos termos do disposto no art. 30º da Lei nº 22/2013 a remuneração do administrador da insolvência apenas é suportada pelo organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça nas situações previstas nos arts. 39º e 232º do CIRE de insuficiência da massa insolvente, o que não sucede na situação “sub judice”.
Aqui estamos perante um processo especial para acordo de pagamento previsto nos arts. 222º-A e segs. do CIRE em que não há insolvente nem massa insolvente, de tal modo que os responsáveis pelo pagamento das custas são tão-só os devedores requerentes, nos termos em que o é o devedor requerente da insolvência nos casos em que a insolvência não é decretada (cfr. art. 304º do CIRE).[8]
Deste modo, o recurso interposto obterá parcial procedência, atribuindo-se ao Sr. Administrador Judicial a remuneração global de 3.000,00€, sendo 2.000,00€ de remuneração fixa e 1.000,00 de remuneração variável, acrescendo ainda 500,00€ a título de provisão para despesas.
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Sumário (da responsabilidade do relator – art. 663º, nº 7 do Cód. do Proc. Civil):
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DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este tribunal em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto por B… e, em consequência, fixa-se a remuneração do Sr. Administrador Judicial na importância global de 3.000,00€ (três mil euros), sendo 2.000,00€ (dois mil euros) de remuneração fixa e 1.000,00€ (mil euros) de remuneração variável, a que acrescem 500,00€ (quinhentos euros) a título de provisão para despesas.
As custas do presente recurso serão suportadas na proporção do respetivo decaimento pelo recorrente e pelos devedores.

Porto, 27.6.2018
Rodrigues Pires
Márcia Portela
Maria de Jesus Pereira
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[1] Cfr., por ex., Ac. Rel. Guimarães de 24.11.2014, proc. 1539/13.3 TBFAF.G1, disponível in www.dgsi.pt.
[2] Cfr., por ex., Acs. Rel. Porto de 16.5.2016, proc. 631/15.4 T8AVR-A.P1, de 7.6.2016, proc. 1270/13.0 TYVNG-A.P1, de 5.2.2018, proc. 914/16.6 T8AMT.P1 e Ac. Rel. Coimbra de 16.2.2016, proc. 5543/14.6 T8CBR.C1, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
[3] Há, inclusive, quem, recusando a aplicação analógica da Portaria nº 51/2005, não atribua nestes casos ao administrador judicial provisório qualquer remuneração variável – cfr. Ac. Rel. Porto de 7.4.2016, proc. 440/13.5 TYVNG.P1, disponível in www.dgsi.pt.
[4] O art. 10º do Cód. Civil no seu nº 1 diz-nos que «os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos» e no nº 2 acrescenta que «há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei.»
[5] Cfr. Ac. Rel. Guimarães de 15.3.2018, proc. 3764/17.9 T8VNF.G1 e Ac. Rel. Coimbra de 5.3.2013, proc. 1721/12.0 TBACB-A.C1, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
[6] Cfr. Ac. Rel. Lisboa de 9.11.2017, proc. 4270/17.7 T8SNT.L1-6, disponível in www.dgsi.pt.
[7] Em idêntico sentido, cfr. Ac. Rel. Lisboa de 2.7.2015, proc. 258/14.8 TBPDL.L1-6 e Ac. Rel. Guimarães de 19.1.2017, proc. 4568/16.1 TBVNF-B.G1, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
[8] Cfr. Ac. Rel. Évora de 28.5.2015, proc. 1111/14.0 TBSTR.E1, disponível in www,dgsi.pt.