Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
40/16.8T8PNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
PRESUNÇÃO DE LABORALIDADE
FISIOTERAPEUTA
Nº do Documento: RP2016092640/16.8T8PNF.P1
Data do Acordão: 09/26/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º 245, FLS.354-382)
Área Temática: .
Sumário: I - Tendo presente a dificuldade de prova, pelo trabalhador, da existência do contrato de trabalho e visando facilitar essa sua tarefa, o CT/2003 introduziu, no seu art. 12º, uma presunção de laboralidade, redação essa que foi alterada pela Lei 9/2006, de 20.03 [a aplicável ao caso].
II - Ao trabalhador ou, no caso da ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho [arts. 186-K e segs. do CPT], ao Ministério Público, compete o ónus da prova da existência de contrato, bastando à Ré a fazer a contraprova dos factos por forma a tornar duvidosa a existência do contrato de trabalho – art. 346º do Cód. Civil]; Porém, por via da referida presunção de laboralidade e verificados que sejam os pressupostos de base de atuação da mesma [cuja prova compete ao trabalhador ou, em tais ações, ao MP], caberá ao alegado empregador a prova do contrário [art. 350º, nº 2, do Cód. Civil], não bastando, para o efeito, contraprova destinada a tornar duvidoso o facto presumido.
III - A redação de tal presunção constante do art. 12º da Lei 9/2006, apesar do desiderato da figura da presunção, parece até ser mais exigente do que o próprio conceito de contrato de trabalho [o facto presumido], cuja prova essa presunção visaria facilitar ou agilizar, pelo que cabe, realmente, questionar qual a utilidade prática de tal presunção.
IV - Ainda assim, a presunção poderá não ser totalmente destituída de utilidade, tendo em conta que, não raras vezes, a fronteira entre o contrato de trabalho e o contrato de prestação de serviços se mostra muito ténue, quer quanto, designadamente, ao maior ou menor ao grau de autonomia do alegado trabalhador, quer quanto à possibilidade de inserção do mesmo na organização empresarial do dador de trabalho e/ou da possibilidade de sujeição daquele a alguma ingerência, com maior ou menor intensidade, deste na atividade daquele, designadamente a nível de orientações e fiscalização, que não são totalmente incompatíveis com a existência de um contrato de prestação de serviço como, por vezes, acentuado pela jurisprudência, pelo que poderão recortarem-se situações em que poderá ter cabimento a aplicação da mencionada presunção, com a consequente obrigação de ser sobre o credor da atividade que, por via da inversão do ónus da prova, caberá então fazer a prova do contrário, ou seja, a prova de factos que, de forma concludente e segura, demonstrem que não existe um contrato de trabalho.
V - Consubstancia contrato de trabalho, seja pelo método indiciário [em que cabe ao trabalhador o respetivo ónus da prova da existência do contrato de trabalho], seja por aplicação da mencionada presunção de laboralidade, a situação em que, e em síntese, o fisioterapeuta: se encontra inserido na estrutura organizativa da Ré, como resulta de diversos pontos da matéria de facto provada; prestação da atividade nas instalações desta ou em domicílios por ela determinados, com utilização, mesmo nos domicílios, de instrumentos de trabalho da Ré; prestação da atividade sob as ordens e direção da Ré, consubstanciadas: na determinação, por esta, dos tratamentos e domicílios a efetuar pelo A., na existência de um horário de trabalho que, conquanto tivesse sido acordado com a Ré, uma vez estabelecido deveria ser cumprido; pré determinação, pela Ré, das marcações atribuídas ao fisioterapeuta, do tempo de duração dos tratamentos e normas a seguir com os utentes, procedimentos internos da clínica a seguir e registos na aplicação informática; determinação, pela Ré, dos colaboradores e fisioterapeutas que devem prestar auxílio relativamente a cada marcação; cumprimento de procedimentos internos e recebimento de orientações por parte do coordenador da Ré; instruções no sentido de obrigatoriamente informar o Coordenador D… de qualquer ocorrência ou imprevisto, como reações inesperadas aos tratamentos (por exemplo alergias aos cremes ou ao calor, quedas de pacientes, etc) e de registar na aplicação informática, relativamente a cada utente, informações quanto a incidentes ocorridos, tudo o que saia dos parâmetros normais, reações adversas aos tratamentos ou alterações de prescrição médica, bem como a obrigação de registar manualmente em folha própria disponibilizada pela ré, qualquer incidente grave ocorrido na clínica, tal como, por exemplo, queda de um paciente; obrigatoriedade de utilização de farda e calçado de modelo determinado pela Ré; registo dos tempos de trabalho desde pelo menos 2007 até por volta de 2010; fiscalização, ou possibilidade dessa fiscalização, pela Ré da atividade exercida decorrente das instruções acima referidas; pagamento de uma retribuição pela sua atividade e dependência, não apenas organizacional [como decorre do referido], mas também económica do prestador da atividade em que, embora não exclusiva, os rendimentos auferidos ao serviço da Ré representavam cerca de 80% do seu rendimento global.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 40/16.8T8PNF.P1
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 907)
Adjuntos: Des. António José Ramos
Des. Jerónimo Freitas

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório

O Digno Magistrado do Ministério Público intentou a presente ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho contra B…, SA na qual pediu que seja reconhecido que o contrato celebrado entre a Ré e C… em 15 de novembro de 2006 é um contrato de trabalho e que a relação laboral se iniciou naquela data.
Para tanto alega, em síntese, a forma e termos em que C… exercia as funções de fisioterapeuta para a Ré, concluindo no sentido de que tal modo de prestação da atividade integra um contrato de trabalho e não um contrato de prestação de serviços.

A Ré contestou, aceitando uns factos e impugnando outros e alegando, pelas razões que invoca, que a relação mantida entre as partes desde 15.11.2006 consubstancia um contrato de prestação de serviços. Termina concluindo pela sua absolvição do pedido.

C… não apresentou requerimento de adesão ao articulado do MP, não apresentou articulado próprio e não constituiu mandatário.

Frustrada a tentativa de conciliação que teve lugar na audiência de julgamento e realizada esta, com gravação da mesma (cfr. atas das sessões de 04.04.2016, 21.04.2016 e 26.04.2016, a fls. respetivamente, 171 a 175, 181 a 183 e 184/185), foi proferida sentença, que decidiu da matéria de facto, julgou a ação totalmente procedente e reconheceu que o contrato celebrado entre a Ré e C… em 15 de novembro de 2016 é um contrato de trabalho e que a relação laboral se iniciou nessa data. Mais condenou a Ré nas custas e fixou à ação o valor de €30.000,01.

Inconformada, a Ré recorreu, tendo formulado, a final das suas alegações, as seguintes conclusões:
“I. A Recorrente intentou o presente recurso por entender que a Meritíssima Juiz a quo não efectuou uma correcta apreciação da prova produzida em Audiência de Julgamento, nem efectuou uma correcta aplicação do direito, razão pela qual não concorda com as conclusões retiradas e que ficaram plasmadas na sentença e, naturalmente, com a decisão recorrida.
II. Para além disso, e sem prescindir da reapreciação da prova no que à matéria de facto constante nos pontos 25, 29, 31, 32, 35 e 40 diz respeito, a Recorrente entende que, mesmo com a matéria de facto dada como provada, a decisão deveria ter sido diferente e em sentido oposto ao da sentença.
III. Tendo por referência a prova (documental e testemunhal) produzida impõe-se a alteração da decisão à matéria de facto vertida nesses pontos, os quais enfermam de um erro de julgamento na apreciação da prova que, sobre os mesmos, foi produzida, impondo-se que a decisão seja alterada.
IV. Em conformidade, entende a Recorrente que o Tribunal a quo limitou-se a aplicar a presunção de contrato de trabalho prevista nas alíneas do n.º 1 do artigo 12.º do Código do Trabalho, sem que fosse efectuado o devido enquadramento da prova produzida, violando o disposto no artigo 1154.º do Código Civil, pelo que se impõe uma decisão diferente da recorrida.
V. Da factualidade considerada provada resulta que:
a. A regulamentação legal e o licenciamento a que está sujeita, bem como os contratos e convenções que suportam a actividade da Recorrente impõem que os tratamentos sejam realizados nas instalações da mesma,
b. Não sendo possível exigir a cada um dos prestadores de serviços que garanta a obtenção do licenciamento dos equipamentos e sua manutenção, tanto mais que o seu custo é elevado,
c. O fisioterapeuta C… comunicava à Recorrente a sua disponibilidade e os tempos de trabalho que pretendia, sendo, pois, o horário de trabalho previamente acordado,
d. O fisioterapeuta C… não tinha de justificar as suas faltas e ausências,
e. O fisioterapeuta C… dava instruções puramente técnicas às auxiliares, visando a realização dos tratamentos em termos adequados, sem qualquer interferência na relação da Recorrente,
f. A obrigatoriedade do uso de farda insere-se no cumprimento das obrigações legais e regulamentares,
g. A retribuição do fisioterapeuta foi acordada entre as partas, sendo paga à hora,
h. O fisioterapeuta C… não prestava serviço exclusivamente para a Recorrente, prestando serviço para outras entidades e fazendo domicílios por conta própria de fisioterapia e osteopatia,
i. O fisioterapeuta C… encontrava-se inscrito na Segurança Social como trabalhador independente.
VI. Dispõe o artigo 12.º, n.º1 do Código do Trabalho que “Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características:
a) a actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado; b) os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizado pertençam ao beneficiário da actividade; c) o prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma; seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma;
e) o prestador de actividade desemprenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.”
VII. O referido preceito normativo estabelece uma presunção de laboralidade, cujos indícios nem sempre constituem características de subordinação ou de autonomia, devendo proceder-se a um juízo de ponderação sobre a sua globalidade.
VIII. Na alínea a) indica-se como característica o facto de a actividade ser “realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado.” Ou seja, a característica indicada comprova que quem presta o serviço não é senhor de determinar o local de execução. Porém, no presente caso, faz todo o sentido que a prestação do fisioterapeuta seja efectuada na clínica, local equipado com os instrumentos necessários para a prestação dos serviços de fisioterapia. Em nada tal circunstância interfere com a autonomia do prestador de serviços. O mesmo acontece, por exemplo, com o médico que dá consultas numa clínica ou num hospital, com o vidraceiro que vai substituir um vidro partido nos escritórios de uma empresa, com o comercial que vai a casa dos clientes da empresa…. Significa isto que, embora a prestação do trabalho seja pertencente à B… isso não determina que a relação existente entre as partes fosse uma relação laboral, com efeito a natureza da prestação da actividade assim o impõe. Aliás conforme resulta da matéria de facto provada “11. A regulamentação legal e o licenciamento a que está sujeita, bem como os contratos e convenções que suportam a atividade da ré e os requisitos de qualidade a que se obriga, impõem que os tratamentos sejam realizados nas instalações da ré, ressalvadas as situações dos domicílios.” (negrito nosso)
IX. Na alínea b) indica-se como caracterizador da relação de trabalho o seguinte: “os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade”. Esta alínea está intimamente relacionada com a anterior. De facto, a razão pela qual a prestação do trabalho era efectuada na clínica – local pertencente à beneficiária da prestação – prende-se precisamente com o facto de a actividade para ser prestada serem necessários equipamentos e instrumentos de trabalho, cujo peso, volume e custo, não seriam possíveis de suportar individualmente por cada um dos prestadores. Para além disso, esses equipamentos têm de ser licenciados e estar ligados à rede eléctrica e canalização de águas limpas e residuais (Factos 12, 13, 14 e 15 considerados provados – 12. Não seria possível exigir a cada prestador de serviços da ré que garantisse a obtenção de licenciamento de instalações e de equipamentos e sua manutenção. 13. O custo de alguns aparelhos existentes nas instalações da Ré é elevado, como sejam: algumas “bicicletas (ginásio)” que custam cerca de € 2.000,00, os aparelhos de correntes micro-ondas que custam cerca de € 6.000,00, os aparelhos de parafango custam cerca de € 6.000,00 e os aparelhos e calor húmido custam cerca de € 2.000,00. 14. Para além do custo elevado de alguns aparelhos, sempre seria inviável que relativamente aos aparelhos mais volumosos e pesados os prestadores de serviços os fizessem deslocar. 15. A ré é responsável pela obtenção de alguns aparelhos e instalações e seu licenciamento para poder funcionar.”)
X. Pela alínea c) caracteriza a relação de trabalho o facto de “o prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma.”
Naturalmente que a clínica tem um horário de funcionamento, no entanto a prestação do trabalho do fisioterapeuta C… era efectuada tendo em consideração a sua disponibilidade e conveniência. Resultaram provados, quanto a esta matéria os seguintes factos: “17. O fisioterapeuta C… comunicou à ré a sua disponibilidade de tempos de trabalho e os tempos de trabalho que pretendia. 18. O horário de trabalho é previamente acordado com a ré, a qual pré-determina na respetiva aplicação informática as marcações atribuídas ao C… e o tempo de tratamento para cada utente. 54. O fisioterapeuta C… não tem que justificar as suas faltas e ausências ao serviço.” Ou seja, não obstante o fisioterapeuta C… observar horas de início e termo da prestação, as mesmas não eram determinadas pela Recorrente mas sim pelo fisioterapeuta, em função da sua disponibilidade. Logo, também, este indício não se verifica no caso em apreço.
XI. Na alínea d) considera-se indício a circunstância em que “seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma.”
Porém, resultou provado que: “48. A ré estimou o tempo necessário para os tratamentos e a média dos tratamentos a fazer e acordou com o fisioterapeuta C… uma remuneração à hora. 49. Para posterior verificação e pagamento da remuneração ao fisioterapeuta C… são utilizados os registos que são feitos na aplicação informática aludida em 18, 21 e 45, daí decorrendo a distribuição dos doentes e o respetivo horário de tratamento aplicado relativamente a cada dia. 50. A retribuição do fisioterapeuta C… é paga no início do mês seguinte à prestação do trabalho com base no número de horas trabalhadas.” Ou
seja, a remuneração paga ao fisioterapeuta C… foi acordada entre as partes, sendo variável consoante o número de horas trabalhadas, pelo que não poderá ser o facto de o pagamento ser periódico - mensal - elemento suficiente para se concluir pela verificação de um contrato de trabalho. O mesmo sucede nos escritórios de advogados que têm avenças mensais, por exemplo.
XII. Finalmente na alínea e) considera-se indiciador de contrato de trabalho quando “o prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.” Ora, C… nunca exerceu funções de direcção ou chefia na B…, no entanto surpreendentemente a Meritíssima Juiz a quo considerou provado o referido indício com base principalmente em três elementos: o uso de uma aplicação informática, a relação existente entre o fisioterapeuta, o coordenador D… e as auxiliares e o uso de farda, o que é totalmente contraditório face à prova produzida. Vejamos a matéria de facto vertida nos pontos 26, 27, 30 e 49 “26. O fisioterapeuta C… verifica o trabalho das suas auxiliares e dá-lhes instruções, nomeadamente no que se refere a alterações do tratamento a efetuar. 27. Essas instruções são puramente técnicas e visam a realização dos tratamentos em termos adequados. 30. A obrigatoriedade do uso de farda insere-se no cumprimento das obrigações legais e regulamentares a que os fisioterapeutas estão obrigados. 49. Para posterior verificação e pagamento da remuneração ao fisioterapeuta C… são utilizados os registos que são feitos na aplicação informática aludida em 18, 21 e 45, daí decorrendo a distribuição dos doentes e o respetivo horário de tratamento aplicado relativamente a cada dia.” Conforme resulta da factualidade considerada provada, as instruções que o fisioterapeuta dava às auxiliares da Recorrente eram meramente técnicas. Não esqueçamos que as auxiliares não têm formação adequada e suficiente para por si só efectuarem alterações aos tratamentos aos utentes. Aliás, entre as funções das auxiliares encontra-se precisamente a função de auxiliar os fisioterapeutas e os terapeutas da Recorrente no tratamento dos doentes. Por outro lado, o fisioterapeuta não exerce qualquer poder disciplinar sobre as referidas auxiliares, não lhes dá ordens, por exemplo, relativamente ao horário que devem cumprir, não fiscaliza a assiduidade das trabalhadoras, se são pontuais ou não… Acresce que, a aplicação informática existente serve como registo das horas trabalhadas para posterior pagamento aos prestadores de serviços e prende-se com a própria organização da clinica. Em qualquer sociedade tem de haver um método de todas pessoas: colaboradores, funcionários, fornecedores, etc. se relacionarem e articularem entre si. Não se trata de um controlo do trabalho prestado pelo fisioterapeuta, mas apenas e tão só de uma forma de organização. Por último, o uso de farda justifica-se pela sua obrigatoriedade em termos legais e do próprio estatuto da profissão. Naturalmente que, o uso de farda deverá obedecer a regras que sejam inerentes a questões de higiene e limpeza, caso contrário colocar-se-ia em causa o próprio tratamento adequado dos utentes. Nesta conformidade, com o devido respeito por opinião contrária, é descabida a conclusão do Tribunal a quo relativamente à verificação deste indício.
XIII. Verifica-se que todas as características enunciadas no artigo 12.º, n.º 1 do Código do Trabalho, quando contextualizadas, ponderadas na globalidade da relação estabelecida entre as partes, não se encontram preenchidas, razão pela qual, entende a Recorrente que a Meritíssima Juiz a quo não fez uma correcta apreciação critica da matéria de facto provada, bem como aplicou erradamente o direito, nomeadamente o artigo 12.º, n.º 1 do Código do Trabalho.
XIV. A Recorrente não concorda com a resposta dada nos pontos 25, 29, 31, 32, 35 e 40 constantes da sentença proferida.
XV. Através do depoimento das testemunhas D…, E… e F… ficou demonstrado nos autos que:
a. O fisioterapeuta C…, tal como os restantes prestadores de serviços, usava os equipamentos da “B…”, uma vez que os instrumentos de trabalho da Recorrente além de volumosos, tinham um custo elevado e tinham de ser licenciados, razão pela qual a Recorrente tinha obrigatoriamente que disponibilizar os meios necessários à realização dos tratamentos médicos dos seus doentes;
b. O horário de trabalho era acordado em função da disponibilidade do fisioterapeuta, era C… quem fixava as horas de início e termo da prestação do trabalho, sem qualquer controlo por parte da Recorrente quanto à hora de entrada e saída do prestador de serviços;
c. Os prestadores de serviços podiam ausentar-se da clínica e faltar sem qualquer justificação, bem como alterar as marcações dos seus utentes para outros dias;
d. Os tempos para execução dos tratamentos podiam variar consoante o doente, não se encontrando, assim, pré-determinados ou fixados pela Recorrente;
e. C… auferia uma remuneração variável, em função do número de horas prestadas, razão pela qual o mesmo tinha necessariamente que registar os seus tempos de trabalho;
f. A actividade prestada pelos fisioterapeutas e em concreto por C… era feita com total autonomia, alterando se assim o entendesse o tratamento previsto na prescrição médica, desde que considerasse mais adequado ao utente em causa, sem quaisquer ordens, direcção ou instruções da Recorrente;
g. O fisioterapeuta C… não recebia ordens nem instruções da Recorrente, assim como, também não dava ordens às auxiliares, a não ser puramente técnicas, sendo certo que o cumprimento das mesmas se encontravam inseridas nas obrigações das auxiliares;
h. No caso de situações anómalas, C… colocava em observações indicação no ficheiro informático, para informação do médico fisiatra e tratamento e acompanhamento adequado ao utente;
i. Todos os prestadores de serviços podiam faltar e tirar férias quando quisessem, sendo necessário apenas comunicar as ausências à Recorrente para organização das marcações dos utentes;
j. Quando faltavam ou marcavam férias não recebiam;
k. O uso de farda encontrava-se inserido no cumprimento das obrigações legais e regulamentares a que todos os fisioterapeutas estavam obrigados;
l. A Recorrente nunca exerceu poder disciplinar sobre C… e demais prestadores de serviços;
m. Ocasionalmente havia reuniões – que não eram obrigatórias - para troca de informações e opiniões;
n. O fisioterapeuta C… prestava actividade para outras entidades e fazia domicílios por conta própria;
o. C… tinha consciência da natureza do contrato celebrado com a Recorrente como sendo um contrato de prestação de serviços.
XVI. Atentos os depoimentos prestados em Audiência de Julgamento, é falsa e controversa a matéria de facto constante nos pontos 25, 29, 31, 32, 35 e 40 da sentença proferida.
XVII. A remuneração foi fixada por acordo entre as partes, em função do número de horas trabalhadas.
XVIII. Nenhuma das testemunhas ouvidas em Audiência de Julgamento referiu o exercício pelo fisioterapeuta C… de um cargo de direcção ou de chefia para a B…, sendo tal facto meramente conclusivo do Tribunal a quo.
XIX. A obrigatoriedade do uso de farda insere-se no cumprimento das obrigações legais e do próprio regulamento e estatuto da profissão, sendo fundamental que o seu uso se verifique apenas dentro da clínica ou nos domicílios por questões de higienização.
XX. C… tinha autonomia para alterar os tratamentos prescritos na prescrição médica, registando as alterações ou qualquer ocorrência de relevância e que fosse relativa ao estado de saúde do utente no ficheiro informático da Recorrente, para conhecimento do médico fisiatra e tratamento e acompanhamento adequado do utente.
XXI. O fisioterapeuta C… não estava sujeito ao poder disciplinar da “B…”, ou seja, não tinha que prestar contas à Recorrente em caso de faltas, o exercício da sua actividade não era controlado ou sujeito à fiscalização e instruções da Recorrente, pelo contrário, era totalmente autónomo e independente, não tinha que preencher um mapa de férias, não estava obrigado ao dever de assiduidade.
XXII. De acordo com o disposto no artigo 11.º do Código do Trabalho “Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra pessoa ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob autoridade destas.”
XXIII. Por seu turno, “Contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.” (artigo 1154.º do Código Civil)
XXIV. A distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviços assenta em dois elementos essenciais: o objecto do contrato e o relacionamento entre as partes (subordinação ou autonomia).
XXV. O artigo 12.º do Código do Trabalho estabelece uma presunção de laboralidade, que a Recorrente logrou ilidir tal presunção.
XXVI. Acresce que, em casos de dúvidas, conforme tem sido entendimento geral da nossa doutrina e jurisprudência, a subordinação jurídica tem sido o critério essencial que permite distinguir as duas figuras contratuais.
XXVII. A subordinação jurídica consiste na actividade prestada no âmbito da organização e sob a autoridade da pessoa a quem é prestada, ou seja, o empregador dirige, define, específica, encaminha a prestação do trabalhador, dando ordens e contraordens, em ajustamento contínuo. O empregador controla e fiscaliza a prestação do trabalhador, submetendo quaisquer desvios ao regime de sanções disciplinares.
XXVIII. À subordinação característica da prestação do trabalho corresponde o poder directivo da entidade empregadora. O empregador determina o modo de execução da prestação do trabalho.
XXIX. O elemento essencialmente caracterizador do contrato de trabalho é a subordinação jurídica traduzida em a actividade do trabalhador ser prestada sob a autoridade e direcção do empregador.
XXX. A subordinação jurídica traduz, justamente, a ideia de que a prestação é realizada sob a autoridade e direcção do empregador, consistindo segundo Monteiro Fernandes “numa relação de dependência necessária da conduta pessoal do trabalhador na execução do contrato face às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do mesmo contrato e das normas que o regem”.
XXXI. A “B…” é uma clínica que “tem como objecto o exercício de actividades médicas, no âmbito dos meios de diagnóstico e terapêuticos, de medicina física e reabilitação” (Facto 1. Dado como provado).
XXXII. Como qualquer empresa que sente a necessidade de corresponder às exigências da produção moderna, a Recorrente teve de criar uma forma de todos os fisioterapeutas, terapeutas, colaboradores, fornecedores, funcionários se organizarem e se articularem entre si, razão pela qual foi criada uma aplicação informática com a informação dos turnos e horários de cada um dos prestadores, atribuição de utentes, marcações, observações…e pontualmente eram feitas reuniões.
XXXIII. Em qualquer empresa tem de haver uma estrutura organizativa do seu funcionamento e isso independentemente de estarmos perante relações laborais ou contratos de prestação de serviços.
XXXIV. No caso em apreço, verificamos que não há subordinação jurídica, uma vez que o fisioterapeuta C… exercia a sua actividade com total autonomia.
XXXV. O modo de execução da prestação do trabalho era definida e planeada pelo fisioterapeuta.
XXXVI. Era C… quem determinava o modo de execução dos tratamentos médicos, alterando os tratamentos prescritos caso entendesse mais adequado ao utente, cujos tempos podiam variar consoante as necessidades do utente.
XXXVII. A Recorrente nunca exerceu poder directivo sobre o fisioterapeuta, o mesmo foi contratado para autonomamente prestar serviços de fisioterapia à Recorrente, no local e dentro do horário acordados entre as partes, e mediante a retribuição pela contrapartida prestada.
XXXVIII. O fisioterapeuta C… podia faltar sem apresentar qualquer justificação à Recorrente e disso não resultava a aplicação de qualquer sanção disciplinar.
XXXIX. Nunca teve de preencher mapa de férias, nunca recebeu pelas férias, assim como, nunca lhe foram pagos subsídio de férias e subsídio de Natal.
XL. As partes sempre configuraram a relação existente como sendo um contrato de prestação de serviços, o que corresponde à realidade.
XLI. Acresce que, o fisioterapeuta C… nunca ocupou qualquer cargo de direcção ou chefia na Recorrente, realçando-se que as indicações dadas às auxiliares são técnicas e resultam da própria natureza do trabalho prestado.
XLII. Face ao exposto, deve a sentença proferida pelo Tribunal a quo ser revogada e substituída por outra que, reapreciando a matéria de facto constante dos pontos e dando como não provada a matéria de facto constante dos pontos 25, 29, 31, 32, 35 e 40 reconheça a existência de um contrato de prestação de serviços entre a Recorrente e C….”.

O Ministério Público contra-alegou, pugnando pelo não provimento do recurso e tendo formulado, a final das suas alegações, as seguintes conclusões:
“1 Os documentos que constam dos autos a fls. 16, 18, 19 a 22 e 23, das declarações de parte do representante legal da ré e do depoimento das testemunhas G…, F…, E…, D… e C… resulta manifestamente provada a matéria constante dos pontos 25, 29, 31, 32, 35 e 40.
2. Inexistindo as mínimas razões para que a decisão de facto, designadamente quanto àqueles pontos, seja alterada;
3. A matéria de facto considerada provada sustenta em absoluto a decisão de direito no sentido de considerar que o contrato celebrado entre a Ré o fisioterapeuta C… reveste a natureza jurídica de um contrato de trabalho;
4. Já que da mesma resulta que o fisioterapeuta C… sempre prestou uma atividade para a ré e nunca se obrigou à apresentação de um resultado;
5. Esteve sempre numa situação de dependência económica da ré;
6. A qual na sua relação laboral com o fiosterapeuta C… sempre manteve uma posição de supremacia;
7. Dando-lhe ordens, instruções e diretivas, às quais o C… tinha de obedecer;
8. O fisioterapeuta C… auferia e aufere uma retribuição certa apenas com base no valor hora de trabalho independentemente do número de utentes que atendesse ou tratamentos que efetuasse;
9. A douta sentença mostra-se bem fundamentada, não viola qualquer normativo e faz uma correta aplicação do direito, pelo que não deve merecer censuta.
10. Consequentemente deverá o recurso improceder, mantendo-se a douta sentença recorrida.”

O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto não emitiu parecer dado a ação ser proposta pelo Ministério Público, não se enquadrando no disposto no art. 87º, nº 3, do CPT.

Colheram-se os vistos legais.
***
II. Decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância

Foi a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida pela 1ª instância:
“Instruída e discutida a causa, com relevo para a decisão, resultaram provados os seguintes factos:
1. A ré tem por objeto o exercício de atividades médicas no âmbito dos meios de diagnóstico e terapêuticos, de medicina física e de reabilitação.
2. No âmbito dessa atividade, em 15 de novembro de 2006, celebrou com C…, cartão do cidadão nº …….., NIF ………, um contrato verbal pelo qual este se obrigou a prestar à ré funções de fisioterapeuta.
3. Funções essas que consistiam, predominantemente, na execução de serviços de fisioterapia em várias áreas, atendendo os doentes/utentes, utilizando vários tipos de técnicas terapêuticas específicas da profissão, tais como massagens, mobilizações, exercícios, electroterapia, treino de equilíbrio e de marcha, treino funcional de atividades da vida diária, estimulação do desenvolvimento psico-motor em crianças, terapia respiratória, conforme prescrição médica prévia.
4. Os contraentes atribuíram ao contrato a natureza de contrato de prestação de serviços.
5. A Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) levou a cabo uma ação de fiscalização nas instalações da ré em Fafe no âmbito das suas competências e atribuições, tendo levantado o auto cuja cópia se encontra junta a fls. 3 a 7 dos autos e notificado a ré para efeitos do disposto no artigo 15.º-A, n.º 1, da Lei 107/2009, de 14 de Setembro nos termos da cópia junta a fls. 32 dos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido (anexo II).
6. A ré, apesar dessa notificação, não outorgou qualquer contrato de trabalho com C….
7. Na execução do contrato aludido em 2, o referido C… sempre exerceu as suas referidas funções de fisioterapeuta exclusivamente nas instalações da ré, sitas na …, … e ., Fafe, ou em local por ela determinado quando faz domicílios.
8. Onde utiliza os equipamentos e instrumentos pertencentes à ré e disponibilizados por esta, designadamente cremes, marquesa, uma aplicação informática e um computador com a distribuição e prescrição de tratamentos dos doentes, bolas várias, bastões, cunhas, rolos, aparelhos de micro-ondas, parafina, aparelho de ultra-sons, gel de ultra-sons, passadeira, calores húmidos, parafango, material propriocetivo, luvas de latex, creme de massagem, escadas e barras paralelas, colchões elevados, aparelho de laser, aparelhos de multicorrentes, eléctrodos, bicicleta, desinfetante, e utiliza/veste diariamente uma farda fornecida pela ré.
9. Sendo a ré que procede à manutenção de todos esses equipamentos e à sua reposição, quando necessária, mesmo em relação aos instrumentos que utiliza nos domicílios, tais como cremes e toalhas.
10. A ré disponibiliza a todos os prestadores de serviços os seus instrumentos e equipamentos e os tratamentos são realizados nas suas instalações ou em local determinado pela ré no caso de fazerem domicílios.
11. A regulamentação legal e o licenciamento a que está sujeita, bem como os contratos e convenções que suportam a atividade da ré e os requisitos de qualidade a que se obriga, impõem que os tratamentos sejam realizados nas instalações da ré, ressalvadas as situações dos domicílios.
12. Não seria possível exigir a cada prestador de serviços da ré que garantisse a obtenção de licenciamento de instalações e de equipamentos e sua manutenção.
13. O custo de alguns aparelhos existentes nas instalações da Ré é elevado, como sejam: algumas “bicicletas (ginásio)” que custam cerca de € 2.000,00, os aparelhos de correntes micro-ondas que custam cerca de € 6.000,00, os aparelhos de parafango custam cerca de € 6.000,00 e os aparelhos e calor húmido custam cerca de € 2.000,00.
14. Para além do custo elevado de alguns aparelhos, sempre seria inviável que relativamente aos aparelhos mais volumosos e pesados os prestadores de serviços os fizessem deslocar.
15. A ré é responsável pela obtenção de alguns aparelhos e instalações e seu licenciamento para poder funcionar.
16. C… praticava, à data da inspeção da ACT, um horário de trabalho de segunda a sexta-feira das 8 h às 12h e das 14h às 17horas, fazendo ainda diariamente um domicílio marcado pela Ré das 12 horas às 13horas, sendo certo que esse horário não foi sempre o mesmo ao longo do tempo.
17. O fisioterapeuta C… comunicou à ré a sua disponibilidade de tempos de trabalho e os tempos de trabalho que pretendia.
18. O horário de trabalho é previamente acordado com a ré, a qual pré-determina na respetiva aplicação informática as marcações atribuídas ao C… e o tempo de tratamento para cada utente.
19. Na realização das suas tarefas o fisioterapeuta C… costuma ter como colaboradoras as auxiliares H…, I…, J… e K…, todas integrantes do quadro de pessoal da ré.
20. A ré elabora uma escala que é afixada junto ao computador, a qual juntamente com uma aplicação informática estabelece a colaboradora ou o fisioterapeuta que deve auxiliar cada um dos fisioterapeutas (incluindo o C…) relativamente a cada marcação.
21. Através da respetiva aplicação informática os funcionários do departamento de gestão de horários da ré fazem a atribuição de utentes e a correspondente prescrição médica, registando o fisioterapeuta C… os tratamentos efetuados em relação a cada utente, bem como as observações que entender convenientes.
22. Para aceder à referida aplicação informática todos os trabalhadores da ré (quer os do quadro, quer os prestadores de serviços) escrevem no utilizador a palavra “fisio” e em seguida clicam em “OK” ou na tecla “enter”.
23. Para anotar observações relativas aos pacientes destinadas ao médico responsável, o fisioterapeuta C…pode inserir o nome de utilizador que lhe foi atribuído (C1…) na aplicação informática, utilizando o campo observações.
24. A ré possui no seu quadro de pessoal os trabalhadores L…, admitida em 1 de fevereiro de 2001 e D…, admitido em 1 de novembro de 2009, ambos com a categoria profissional de fisioterapeutas.
25. Os quais exercem as mesmas funções e desempenham as mesmas tarefas do fisioterapeuta C…, em condições exatamente iguais no que se refere à forma de exercício da atividade profissional, utilização dos instrumentos de trabalho, registos na aplicação informática, cumprimento de procedimentos internos e uso de farda, exercendo ainda o fisioterapeuta D… funções de coordenador de fisioterapeutas.
26. O fisioterapeuta C… verifica o trabalho das suas auxiliares e dá-lhes instruções, nomeadamente no que se refere a alterações do tratamento a efetuar.
27. Essas instruções são puramente técnicas e visam a realização dos tratamentos em termos adequados.
28. Quando se depara com dúvidas na execução das suas funções, por exemplo quanto à impossibilidade de executar alguma técnica, quanto à utilização de algum equipamento da clínica ou, ainda, quanto a dúvidas sobre o seu horário ou acumulação de doentes o fisioterapeuta C… pode solicitar orientação ao coordenador D….
29. A ré deu instruções ao fisioterapeuta C… no sentido de:
a - Obrigatoriamente informar o Coordenador D… de qualquer ocorrência ou imprevisto, como reações inesperadas aos tratamentos (por exemplo alergias aos cremes ou ao calor, quedas de pacientes, etc);
b - Obrigatoriamente registar na aplicação informática, relativamente a cada utente, informações quanto a incidentes ocorridos, tudo o que saia dos parâmetros normais, reações adversas aos tratamentos ou alterações de prescrição médica, bem como a obrigação de registar manualmente em folha própria disponibilizada pela ré, qualquer incidente grave ocorrido na clínica, tal como, por exemplo, queda de um paciente;
c - Utilizar obrigatoriamente uma farda no local de trabalho durante a realização das suas atividades, composta por bata/túnica branca com o logótipo da ré onde consta a menção “Fisioterapeuta” e por calça azul marinho e crachá de identificação com o logotipo da ré o seu nome, tendo a ré disponibilizado ao fisioterapeuta C… dois crachás de identificação, três conjuntos de fardas e duas batas brancas com o logotipo da empresa para utilizar nos domicílios;
d - Utilizar calçado fechado, de cor azul ou preta;
e - Não utilizar a farda no exterior das instalações, exceto para ajudar algum paciente com dificuldades de locomoção a entrar ou sair da clínica;
f - Não entrar na clínica já fardado no início do horário de trabalho ou dela sair com a farda no fim da jornada de trabalho;
g - Obrigação de utilizar nos domicílios uma bata fornecida pela ré, a qual tem de ser vestida em casa do utente.
30. A obrigatoriedade do uso de farda insere-se no cumprimento das obrigações legais e regulamentares a que os fisioterapeutas estão obrigados.
31. Em 2014, durante uma reunião de serviço o Coordenador D… entregou a todos os fisioterapeutas um documento designado por “Norma nº 1 – sistematização de conceitos sobre tratamento de patologias respiratórias”, da qual constam instruções de trabalho sobre os procedimentos que todos os fisioterapeutas e demais trabalhadores devem cumprir para tratamento desses casos clínicos.
32. A ré definiu tempos de duração dos tratamentos agendados para cada tipo de quadro clínico os quais têm de ser cumpridos pelo fisioterapeuta C…, que não pode alterar a sua duração.
33. Os tratamentos a realizar a cada utente são definidos pelos médicos, sendo que os fisioterapeutas e auxiliares devem obediência, quer em termos de tipo, número, ordem e forma de aplicação, quer em termos de comunicação de anomalias na sua aplicação.
34. Os fisioterapeutas não têm qualquer intervenção na definição dos tratamentos, nem dos tempos de duração apenas podendo propor aos médicos alterações a esse nível.
35. O fisioterapeuta C… cumpre instruções da ré, nomeadamente quanto aos tratamentos a efetuar, incluindo a ordem cronológica dos mesmos, que não podia deixar de respeitar.
36. O nome do fisioterapeuta C… consta do organograma da empresa que se encontra afixado no balcão da receção da ré.
37. O fisioterapeuta C… utiliza a aplicação informática disponibilizada pela ré do mesmo modo que a utilizam os trabalhadores da ré, cumprindo as mesmas regras sobre os registos, tendo-lhe sido atribuído um nome de utilizador para proceder a registos no campo das “observações”.
38. O fisioterapeuta C… participa nas reuniões gerais com os administradores da ré e com os restantes trabalhadores e ainda nas reuniões de fisioterapia, as quais são realizadas na clínica.
39. O fisioterapeuta C… e restantes trabalhadores são avisados da data e hora dessas reuniões mediante a afixação de um aviso geral num quadro existente na zona da copa.
40. Nas reuniões de fisioterapia o fisioterapeuta C… e restantes trabalhadores da ré da área da fisioterapia recebem instruções designadamente sobre normas a seguir com os utentes, tempos de tratamento, procedimentos internos da clínica a seguir e registos na aplicação informática.
41. A ré disponibilizou ao fisioterapeuta C… um cacifo e a respetiva chave, o qual se encontra no vestiário junto à copa e que atualmente está identificado com o seu nome, no qual o mesmo guarda a sua farda e objetos pessoais.
42. Quando o fisioterapeuta C… precisa de faltar ao serviço comunica previamente ao Coordenador da ré D….
43. Em caso de faltar ao serviço o fisioterapeuta C… não pode designar pessoa para o substituir, sendo que, nesses casos, ou os utentes são marcados para serem atendidos por si noutro dia, o que apenas acontece com os utentes “não diários”, ou são distribuídos pelos outros colegas fisioterapeutas ou é chamado um fisioterapeuta “externo”.
44. O fisioterapeuta C…, quando não quer prestar serviço durante determinado período de tempo para férias ou para qualquer outra finalidade, comunica tal à ré, sendo que ocorreram já situações em que, por existirem outros fisioterapeutas que tinham marcado férias para os mesmos períodos temporais que o fisioterapeuta C…, a ré solicitou a marcação para outro período, tentando que os fisioterapeutas chegassem a acordo entre eles, de forma a assegurar o atendimento aos doentes.
45. À data da visita da ACT a ré não possuía um registo dos tempos de trabalho, apenas constando da aplicação informática a distribuição dos doentes e o respetivo horário de tratamento aplicado relativamente a cada dia.
46. Depois de o fisioterapeuta C… iniciar funções ao serviço da ré, pelo menos desde o ano de 2007 e até por volta do ano de 2010, o mesmo procedia ao registo dos seus tempos de trabalho tal como os restantes trabalhadores, através de um sistema electrónico com recurso a dados biométricos (impressão digital), tendo a ordem para assim proceder sido dada pela Drª M…, à data responsável pela gestão da ré.
47. A ré paga ao fisioterapeuta C… a quantia de 7 euros por cada hora que permanece no local de trabalho na clínica em Fafe ou nos domicílios, independentemente de se verificar ou não falta de utentes, não lhe sendo descontada qualquer quantia na retribuição quando falta algum doente das marcações que estão atribuídas.
48. A ré estimou o tempo necessário para os tratamentos e a média dos tratamentos a fazer e acordou com o fisioterapeuta C… uma remuneração à hora.
49. Para posterior verificação e pagamento da remuneração ao fisioterapeuta C… são utilizados os registos que são feitos na aplicação informática aludida em 18, 21 e 45, daí decorrendo a distribuição dos doentes e o respetivo horário de tratamento aplicado relativamente a cada dia.
50. A retribuição do fisioterapeuta C… é paga no início do mês seguinte à prestação do trabalho com base no número de horas trabalhadas.
51. O fisioterapeuta C… faz igualmente domicílios de fisioterapia e osteopatia por conta própria e presta serviços de fisioterapia ao plantel de futebol da N….
52. Cerca de 80% dos rendimentos anuais de C… provêm do trabalho que presta à ré.
53. É irrelevante para efeitos remuneratórios o número de utentes que o fisioterapeuta C… atende e tratamentos que execute.
54. O fisioterapeuta C… não tem que justificar as suas faltas e ausências ao serviço.
55. O fisioterapeuta C… encontrava-se inscrito na segurança social enquanto trabalhador independente.

Para além da factualidade acima enunciada e com interesse para a decisão não resultaram provados quaisquer outros factos e, designadamente, não se provou que:
a) As instruções mencionadas em 26 e 27 dos factos provados são dadas às auxiliares após confirmação com o médico responsável.
b) A ré deu instruções ao C… no sentido de não se ausentar da clínica durante o horário de trabalho, mesmo que para ir buscar alguma coisa à viatura automóvel.
c) O facto de a propriedade dos aparelhos pertencer à ré foi ponderado nas condições do contrato celebrado entre a ré e o fisioterapeuta C…, em especial no valor dos honorários acordados.
d) O fisioterapeuta C… durante muito tempo utilizou a sua própria farda, personalizada ou não.
e) O fisioterapeuta C… é remunerado em função do serviço prestado.
f) O fisioterapeuta C… nunca teve disponibilidade para prestar a sua atividade à Ré a partir das 16:30 horas, independentemente da hora de início dos serviços prestados, sendo que por diversas vezes foi proposto aumentar o período de prestação de serviços e o mesmo nunca aceitou.
g) Em 2014 foi acordado com os prestadores de serviços celebrar um protocolo com uma empresa externa que passou a fornecer fardas aos prestadores de serviços, em condições económicas compensadoras.”
***
III. Fundamentação

1. Nos termos do disposto nos arts 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável ex vi do art. 1º nº 2 al. a) do CPT (redação do DL 295/2009), as conclusões formuladas pelo recorrente delimitam o objeto do recurso, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.
Assim, as são as seguintes as questões suscitadas no recurso:
- Impugnação da decisão da matéria de facto;
- Se a relação mantida entre a Ré e C… não consubstancia um contrato de trabalho, mas sim um contrato de prestação de serviços.

2. Da impugnação da decisão da matéria de facto

A recorrente discorda do decidido nos nºs 25, 29, 31, 32, 35 e 40 dos factos dados como provados, pretendendo que os mesmos sejam dados como não provados. Sustenta as alterações nos depoimentos das testemunhas D…, E… e F…, tendo indicado os tempos da gravação dos mesmos que tem por pertinentes, que também transcreveu. Pese embora tal indicação não tenha sido feita por reporte, separadamente, em relação a cada um dos factos impugnados, mas em conjunto, entendemos, ainda assim e tendo em conta a conexão das matérias, que a Recorrente deu, no essencial, cumprimento ao disposto no art. 640º, nºs 1 e 2, al. a), do CPC/2013, pelo que nada obsta à reapreciação.

2.1. Quanto ao nº 25, dele consta o seguinte:
25. Os quais exercem as mesmas funções e desempenham as mesmas tarefas do fisioterapeuta C…, em condições exatamente iguais no que se refere à forma de exercício da atividade profissional, utilização dos instrumentos de trabalho, registos na aplicação informática, cumprimento de procedimentos internos e uso de farda, exercendo ainda o fisioterapeuta D… funções de coordenador de fisioterapeutas.
Na fundamentação da decisão da matéria de facto que, diga-se, foi exaustivamente apreciada ao longo de cerca de 10 páginas, os nºs 25, 28, 37 e 40 foram fundamentados em conjunto, dela constando o seguinte:
“Quanto à factualidade constante nos pontos 25, 28, 37 a 40 dos factos provados, foram preponderantes os depoimentos prestados pelas identificadas testemunhas F…, E… e C…, os quais atentas as funções de fisioterapeuta exercidas na ré (atente-se que, como se consignou supra, a fisioterapeuta E… já não exerce tais funções na ré) revelaram um conhecimento concreto e esclarecido sobre essa matéria, tendo prestado o seu depoimento por forma segura e convincente e logrado convencer o tribunal quanto à veracidade das respetivas declarações. Foram exemplificadas designadamente pela testemunha F… situações relativamente às quais o coordenador D… transmitiu instruções aos fisioterapeutas, onde se inclui o C…, para serem seguidas (nomeadamente quanto ao procedimento a seguir para chamar os doentes – em que o coordenador decidiu e comunicou que os fisioterapeutas deixariam de usar o intercomunicador para chamar os doentes e têm agora que ir à receção chamar o doente e acompanhá-lo -, à ordem dos tratamentos a efetuar pelos fisioterapeutas, quanto ao modo de arrumação e desinfeção do material). Ficou claro dos depoimentos de tais testemunhas que em situações de dúvida na execução das respetivas funções, seja em matéria de natureza técnica da respetiva função quer em matéria de gestão de recursos no serviço de fisioterapia, podia ser solicitada, quer pelo fisioterapeuta C…, como pelos outros fisioterapeutas, orientação ao coordenador D…. Na matéria fáctica atinente aos identificados pontos, não foi produzido qualquer elemento de prova que lograsse abalar minimamente o depoimento firme, convincente e seguro prestado pelos fisioterapeutas F…, E… e C…. Refira-se que neste particular a testemunha D… quis nitidamente transmitir a ideia que apenas existia uma partilha de informações e opiniões, o que não mereceu minimamente acolhimento nos depoimentos prestados pelos identificados fisioterapeutas que, como dissemos, se revelaram uniformes e plausíveis.”.

Quanto ao nº 29, dele consta o seguinte:
29. A ré deu instruções ao fisioterapeuta C… no sentido de:
a - Obrigatoriamente informar o Coordenador D… de qualquer ocorrência ou imprevisto, como reações inesperadas aos tratamentos (por exemplo alergias aos cremes ou ao calor, quedas de pacientes, etc);
b - Obrigatoriamente registar na aplicação informática, relativamente a cada utente, informações quanto a incidentes ocorridos, tudo o que saia dos parâmetros normais, reações adversas aos tratamentos ou alterações de prescrição médica, bem como a obrigação de registar manualmente em folha própria disponibilizada pela ré, qualquer incidente grave ocorrido na clínica, tal como, por exemplo, queda de um paciente;
c - Utilizar obrigatoriamente uma farda no local de trabalho durante a realização das suas atividades, composta por bata/túnica branca com o logótipo da ré onde consta a menção “Fisioterapeuta” e por calça azul marinho e crachá de identificação com o logotipo da ré o seu nome, tendo a ré disponibilizado ao fisioterapeuta C… dois crachás de identificação, três conjuntos de fardas e duas batas brancas com o logotipo da empresa para utilizar nos domicílios;
d - Utilizar calçado fechado, de cor azul ou preta;
e - Não utilizar a farda no exterior das instalações, exceto para ajudar algum paciente com dificuldades de locomoção a entrar ou sair da clínica;
f - Não entrar na clínica já fardado no início do horário de trabalho ou dela sair com a farda no fim da jornada de trabalho;
g - Obrigação de utilizar nos domicílios uma bata fornecida pela ré, a qual tem de ser vestida em casa do utente.”.
Os pontos 29 e 30 foram, na fundamentação da decisão da matéria de facto, fundamentos em conjunto nos seguintes termos:
“Quanto à factualidade provada sob os pontos 29 e 30, o tribunal alicerçou a sua convicção na análise conjugada dos depoimentos prestados pelas testemunhas G…, F…, E…, C…, os quais se revelaram consistentes, seguros e coincidentes. Foram ainda ponderadas as declarações prestadas pelo próprio legal representante da ré e pela testemunha D….
Importa salientar que a testemunha G…, inspetora da ACT, explicou as diligências efetuadas e o que nesta matéria apurou enquanto titular do processo inspetivo realizado no que respeita à ré. Referiu que ouviu em declarações os fisioterapeutas, onde se incluiu o C…, analisou documentos, falou com a responsável dos recursos humanos (D. O…), falou igualmente com os então únicos fisioterapeutas do quadro de pessoal da ré, L… e D… (este último que assume também as funções de coordenador dos fisioterapeutas).
Resultou inequivocamente dos identificados depoimentos prestados em audiência de julgamento que o fisioterapeuta C…, assim como todos demais fisioterapeutas têm que obrigatoriamente usar a farda da própria ré, composta por uma bata com o logotipo de ré e uma calça azul escura e crachá de identificação. Mais resultou que os fisioterapeutas no cumprimento das suas obrigações regulamentares enquanto fisioterapeutas estão obrigados a usar uma indumentária caraterística (parte de cima branca e calças azuis), o que motivou a resposta positiva à matéria constante do ponto 30.
Ficou também claro do depoimento prestado pelo legal representante da ré, que nesse aspeto se mostrou consentâneo com os restantes depoimentos prestados, que a ré optou a determinado momento por uniformizar as fardas a usar por todos os colaboradores e por proceder à regulamentação do respetivo uso. Quanto às fardas/tipo de fardas e respetiva entrega e receção ao fisioterapeuta C…, tal matéria resulta inequivocamente dos documentos juntos aos autos a fls. 17 e 18. Também quanto à regulamentação do uso das fardas, tal matéria resulta com clareza do documento que a ré emitiu e cuja cópia se encontra junta a fls. 19 dos autos. Quanto a este último documento, retira-se inequivocamente do seu conteúdo que a ré impõe regras muito concretas quanto ao uso da farda, impondo que a farda não seja usada fora das suas instalações, impondo mesmo o tipo de meias e de calçado que os colaboradores poderiam usar com a respetiva farda.
Analisados os citados depoimentos conjugadamente com o teor dos documentos de fls 18 e 19 (este último sob a epígrafe de regras de uso da farda,) adquiriu o tribunal a convicção firme e segura quanto ao facto de a ré ter dado instruções ao fisioterapeuta C… quanto à obrigatoriedade do uso dessa farda, quanto ao calçado a utilizar com a mesma, quanto à impossibilidade de usar essa farda fora das instalações da ré, e ainda quanto ao fornecimento e obrigatoriedade do uso de farda (também fornecida pela ré) nos domicílios efetuados pelo dito fisioterapeuta (situação em que existem também instruções para a mesma ser apenas vestida em casa do utente) – cfr. alíneas c) a g) do ponto 29 dos factos assentes).
Importa referir que do depoimento prestado pelas testemunhas G… (com base nas declarações que foram prestadas perante si pelo fisioterapeuta C…, conforme aliás se confirma pelo teor do auto de declarações de fls. 8 a 10 – cfr. fls. 9 verso) e F… (colega do fisioterapeuta C… - que por forma clara e em consonância com as referidas declarações prestadas pelo fisioterapeuta C… perante a inspetora da ACT referiu que já antes da entrega da nova farda pela ré e desde o início usaram uma farda da ré) ficou também claro para o tribunal que o fisioterapeuta C… sempre, desde o início, usou farda fornecida pela ré, o que motivou a resposta negativa à matéria constante da alínea d) dos factos não provados.
Deve realçar-se que, pese embora resulte do conjunto de regras de uso da farda emanadas pela ré (cfr. documento de fls. 19) que a ré refere não permitir que os colaboradores saiam das instalações com a farda, o certo é que não foi feita qualquer prova de que a ré tenha dado instruções aos mesmos no sentido de que não se poderiam ausentar da clinica durante o seu horário, mesmo que para irem buscar alguma coisa aos seus veículos automóveis, o que motivou que fosse considerada como não provada a factualidade da alínea b) dos factos não provados.
Do mesmo passo, também não foi considerada provada a factualidade ínsita na alínea g) dos factos não provados uma vez que não foram produzidos quaisquer elementos de prova que permitissem concluir no sentido da sua verificação.
Da conjugação dos depoimentos das testemunhas G… (baseada nas declarações que tomou a todos os colaboradores a prestar serviço de fisioterapeutas na ré) e, F…, E… e C…, cujos depoimentos se revelaram consentâneos, firmes e seguros, resultou perfeitamente claro para o tribunal que os fisioterapeutas recebiam da ré instruções no sentido de comunicarem ao coordenador D…, sendo obrigatório para os fisioterapeutas esse reporte ao coordenador D…, reporte esse que efetivamente os fisioterapeutas cumpriam. Aliás, o fisioterapeuta C… explicou que tinha que reportar tudo o que era relevante ao coordenador D…. Ficou, portanto, o tribunal plenamente convencido que efetivamente os fisioterapeutas, incluindo o fisioterapeuta C… assim procediam por lhes ter sido solicitado e por terem instruções da ré para que o fizessem. Aliás, se atentarmos nas declarações que o fisioterapeuta C… prestou à ACT e a que já foi feita menção supra, verificamos que nas mesmas consta expressamente que o coordenador D… tem de ser informado de qualquer ocorrência ou imprevisto na clínica, tais como reações inesperadas aos tratamentos (por exemplo alergias aos cremes ou ao calor), quedas de pacientes, etc, por sua solicitação expressa, sendo certo que do depoimento prestado pela testemunha G… resultou que esse era um procedimento que era seguido pelos fisioterapeutas segundo as declarações que aos mesmos tomou em sede do processo inspetivo.
Por outro lado, e no que toca à alínea b) do ponto 29, de todos os depoimentos prestados em audiência de julgamento, não só pelos fisioterapeutas e pela inspetora da ACT, mas também pelo coordenador D…, resultou inequivocamente que os colaboradores da ré, onde se inclui o fisioterapeuta C…, faziam o registo na aplicação informática quanto a incidentes ocorridos na execução dos tratamentos que ministravam, assim como de outros incidentes que se verificassem na clinica, resultando desses depoimentos que a ré dava instruções aos colaboradores para que efetuassem esse registo. Segundo o depoimento da testemunha F… ficou igualmente claro que relativamente a determinado tipo de incidentes, como no caso de uma queda, para além do registo na aplicação informática era ainda disponibilizada uma folha para registo manual desse tipo de ocorrência.”-

Quanto ao nº 31, dele consta o seguinte:
“31. Em 2014, durante uma reunião de serviço o Coordenador D… entregou a todos os fisioterapeutas um documento designado por “Norma nº 1 – sistematização de conceitos sobre tratamento de patologias respiratórias”, da qual constam instruções de trabalho sobre os procedimentos que todos os fisioterapeutas e demais trabalhadores devem cumprir para tratamento desses casos clínicos.
Na fundamentação da decisão da matéria de facto referiu-se que tal factualidade foi alegada pelo MP e não foi objeto de impugnação pela Ré, pelo que foi a mesma tida por assente.

Quanto ao nº 32, dele consta o seguinte:
32. A ré definiu tempos de duração dos tratamentos agendados para cada tipo de quadro clínico os quais têm de ser cumpridos pelo fisioterapeuta C…, que não pode alterar a sua duração.”.
Na fundamentação da decisão da matéria de facto referiu-se que tal factualidade foi alegada pelo MP e não foi objeto de impugnação pela Ré, pelo que foi a mesma tida por assente.

Quanto ao nº 35, dele consta o seguinte:
“35. O fisioterapeuta C… cumpre instruções da ré, nomeadamente quanto aos tratamentos a efetuar, incluindo a ordem cronológica dos mesmos, que não podia deixar de respeitar.”
Na fundamentação da decisão da matéria de facto referiu-se o seguinte:
“Relativamente à factualidade constante dos pontos 33 a 35 dos factos provados – alegada, aliás, pela ré na sua contestação – a mesma foi considerada provada uma vez que resultou uniformemente da prova produzida e especificamente dos depoimentos prestados pelos fisioterapeutas C…, F… e E… e pelo coordenador D…, que os tratamentos a realizar a cada utente são prescritos por um médico, não tendo os fisioterapeutas qualquer intervenção na definição desses tratamentos, embora possam propor ao médico alterações na prescrição. Mais resultou que na execução do seu trabalho o fisioterapeuta C… deveria, em princípio, cumprir com os tratamentos prescritos (ressalvada alguma situação de excecional relacionada com o próprio utente – v.g. nesse dia não estar a conseguir de todo aguentar o tratamento pelo tempo previsto), situação essa que também teria que ser reportada. Ficou ainda claro que a ordem cronológica dos utentes a atender pelo fisioterapeuta C… é estabelecida pela ré, não podendo o mesmo desrespeitar essa ordem. Dos depoimentos prestados pelos fisioterapeutas que foram ouvidos, onde se inclui o fisioterapeuta C…, ficou o tribunal também convencido que no que respeita aos fisioterapeutas a ré definiu tempos de duração dos tratamentos agendados para cada tipo de quadro clínico os quais têm que ser cumpridos pelo fisioterapeuta C…, tal como pelos demais fisioterapeutas sejam do quadro ou não (aliás, analisados os articulados apresentados verificamos que a ré não impugnou a factualidade vertida no artigo 25 da petição inicial).”.

Quanto ao nº 40, dele consta o seguinte:
“40. Nas reuniões de fisioterapia o fisioterapeuta C… e restantes trabalhadores da ré da área da fisioterapia recebem instruções designadamente sobre normas a seguir com os utentes, tempos de tratamento, procedimentos internos da clínica a seguir e registos na aplicação informática.”
No que se reporta à fundamentação deste ponto aduzida na sentença, já acima a transcrevemos, a propósito também do nº 25 já que a mesma foi dada em conjunto, pelo que para ela se remete.
2.2. A Recorrente invoca os depoimentos das testemunhas D…, E… e F… cujos excertos transcreveu.
E, após a indicação da referida prova, refere na conclusão XV, para concluir que os mencionados pontos deverão ser dados como não provados, que de tal prova resulta que:
“a. O fisioterapeuta C…, tal como os restantes prestadores de serviços, usava os equipamentos da “B…”, uma vez que os instrumentos de trabalho da Recorrente além de volumosos, tinham um custo elevado e tinham de ser licenciados, razão pela qual a Recorrente tinha obrigatoriamente que disponibilizar os meios necessários à realização dos tratamentos médicos dos seus doentes;
b. O horário de trabalho era acordado em função da disponibilidade do fisioterapeuta, era C… quem fixava as horas de início e termo da prestação do trabalho, sem qualquer controlo por parte da Recorrente quanto à hora de entrada e saída do prestador de serviços;
c. Os prestadores de serviços podiam ausentar-se da clínica e faltar sem qualquer justificação, bem como alterar as marcações dos seus utentes para outros dias;
d. Os tempos para execução dos tratamentos podiam variar consoante o doente, não se encontrando, assim, pré-determinados ou fixados pela Recorrente;
e. C… auferia uma remuneração variável, em função do número de horas prestadas, razão pela qual o mesmo tinha necessariamente que registar os seus tempos de trabalho;
f. A actividade prestada pelos fisioterapeutas e em concreto por C… era feita com total autonomia, alterando se assim o entendesse o tratamento previsto na prescrição médica, desde que considerasse mais adequado ao utente em causa, sem quaisquer ordens, direcção ou instruções da Recorrente;
g. O fisioterapeuta C… não recebia ordens nem instruções da Recorrente, assim como, também não dava ordens às auxiliares, a não ser puramente técnicas, sendo certo que o cumprimento das mesmas se encontravam inseridas nas obrigações das auxiliares;
h. No caso de situações anómalas, C… colocava em observações indicação no ficheiro informático, para informação do médico fisiatra e tratamento e acompanhamento adequado ao utente;
i. Todos os prestadores de serviços podiam faltar e tirar férias quando quisessem, sendo necessário apenas comunicar as ausências à Recorrente para organização das marcações dos utentes;
j. Quando faltavam ou marcavam férias não recebiam;
k. O uso de farda encontrava-se inserido no cumprimento das obrigações legais e regulamentares a que todos os fisioterapeutas estavam obrigados;
l. A Recorrente nunca exerceu poder disciplinar sobre C… e demais prestadores de serviços;
m. Ocasionalmente havia reuniões – que não eram obrigatórias - para troca de informações e opiniões;
n. O fisioterapeuta C… prestava actividade para outras entidades e fazia domicílios por conta própria;
o. C… tinha consciência da natureza do contrato celebrado com a Recorrente como sendo um contrato de prestação de serviços.”

2.3. Desde já se dirá que, manifestamente, não assiste qualquer razão à Recorrente, nem se compreendendo sequer, e como se dirá, que pretenda a alteração de dar como não provados os factos impugnados com base na prova que invoca, que não sustenta minimamente essa alteração. Diga-se igualmente que se procedeu à audição integral de toda a prova produzida, a saber: P… (1h08m), legal representante da Ré; G… (47m + 42m), inspetora da ACT; F… (1h52m), fisioterapeuta, que também presta a sua atividade para a Ré e E… (57m), fisioterapeuta, que prestou a sua atividade para a Ré de 2007 a setembro de 2015, estas arroladas pelo Ministério Público; O… (24m), técnica administrativa da Ré e que trabalha para esta desde 1998, D… (42m), fisioterapeuta e coordenador da Ré, para quem trabalha desde Outubro/novembro de 2009, e C…, fisioterapeuta e o prestador de atividade em causa nos presentes autos, estas arroladas pela Ré.
No que se reporta aos excertos dos depoimentos transcritos pela Recorrente para sustentar as alterações pretendidas, os mesmos, em grande parte, pouco têm a ver com os pontos da decisão da matéria de facto impugnada, como aliás resulta das conclusões que a Recorrente extrai desses mesmos depoimentos na conclusão XV do recurso. É o caso do que esta refere nas als. a), b), c), e), i), j), l), n), que se reportam a outra factualidade totalmente distinta da impugnada e que, pelo menos em relação a alguma dela, foi objeto de outros pontos da decisão da matéria de facto, que não foram impugnados. Não se descortina, pois, em termos de impugnação da decisão da matéria de facto qual a utilidade da convocação dessa matéria e dos excertos dos depoimentos a ela relativos. E, sendo inútil para a reapreciação da matéria impugnada, deveria a Recorrente ter-se abstido de a convocar.
Mas continuando e passando à reapreciação dos pontos da decisão da matéria de facto impugnados, desde já se dirá que se estamos de acordo com a avaliação da prova feita pela 1ª instância, que a analisou de forma criteriosa e rigorosa, correspondendo o aduzido na respetiva fundamentação à realidade, fundamentação e respostas essas que merecem a nossa concordância.
Mas melhor especificando:

Quanto aos nºs 25 e 40 [25. Os quais exercem as mesmas funções e desempenham as mesmas tarefas do fisioterapeuta C…, em condições exatamente iguais no que se refere à forma de exercício da atividade profissional, utilização dos instrumentos de trabalho, registos na aplicação informática, cumprimento de procedimentos internos e uso de farda, exercendo ainda o fisioterapeuta D… funções de coordenador de fisioterapeutas.”; “40. Nas reuniões de fisioterapia o fisioterapeuta C… e restantes trabalhadores da ré da área da fisioterapia recebem instruções designadamente sobre normas a seguir com os utentes, tempos de tratamento, procedimentos internos da clínica a seguir e registos na aplicação informática.”] remete-se para a fundamentação da decisão da matéria de facto, com a qual se está de acordo, ouvida que foi toda a prova. E, esta [depoimentos de F…, E… e C…, bem como do da testemunha G…], é no sentido de não haver, efetivamente, qualquer diferença em relação aos trabalhadores com contrato de trabalho que, diga-se, eram apenas dois (a testemunha D…, que também tinha as funções de coordenador, e a trabalhadora L…), sendo 22 (incluindo alguns com tempo de trabalho reduzido) os fisioterapeutas e terapeutas em regime de alegada prestação de serviços, ressalvando-se as funções de coordenação do trabalhador D….
Nem do depoimento da testemunha D… resulta que assim não fosse, sendo que a única diferença apontada é a que decorre do nº 54 dos factos provados, nos termos do qual os alegados prestadores de serviços não tinham que justificar as faltas e ausências [ainda que, segundo C… sempre que, das poucas vezes em que faltou, referia os motivos, o mesmo acontecendo quando as ausências eram para gozo de férias, as quais eram do conhecimento da Ré].
De referir ainda que não foi feita prova que contrariasse os nºs 25 e 40, nem mesmo o depoimento da testemunha D…. Esta, ainda que pretendesse evitar referir-se a instruções, reportou-se todavia, eufemisticamente, dizemos nós, à “partilha de opiniões”, mais referindo que se o C… tiver dúvidas pergunta, assim como a testemunha também pergunta. Quanto às reuniões, essa testemunha não as negou, embora, novamente, se reportasse à sua necessidade para “partilha de informações” e para “tentarmos encontrar uma forma de conseguirmos trabalhar todos ali, melhor e mais uniforme” e que as reuniões, não sendo periódicas, eram marcadas “de forma a que a maior parte das pessoas pudesse estar presente, precisamente para isso, para a partilha de informação ser maior.”.
Acresce que ninguém pôs também em causa, nem mesmo o próprio legal representante da Ré, bem como a testemunha D…, que este tivesse as funções de coordenação.
Não se vê, pois, o mínimo fundamento para dar os factos constantes dos nºs 25 e 40 como não provados.

Quanto ao nº 29 [“29. A ré deu instruções ao fisioterapeuta C… no sentido de:
a - Obrigatoriamente informar o Coordenador D… qualquer ocorrência ou imprevisto, como reações inesperadas aos tratamentos (por exemplo alergias aos cremes ou ao calor, quedas de pacientes, etc);
b - Obrigatoriamente registar na aplicação informática, relativamente a cada utente, informações quanto a incidentes ocorridos, tudo o que saia dos parâmetros normais, reações adversas aos tratamentos ou alterações de prescrição médica, bem como a obrigação de registar manualmente em folha própria disponibilizada pela ré, qualquer incidente grave ocorrido na clínica, tal como, por exemplo, queda de um paciente;
c - Utilizar obrigatoriamente uma farda no local de trabalho durante a realização das suas atividades, composta por bata/túnica branca com o logótipo da ré onde consta a menção “Fisioterapeuta” e por calça azul marinho e crachá de identificação com o logotipo da ré o seu nome, tendo a ré disponibilizado ao fisioterapeuta C… dois crachás de identificação, três conjuntos de fardas e duas batas brancas com o logotipo da empresa para utilizar nos domicílios;
d - Utilizar calçado fechado, de cor azul ou preta;
e - Não utilizar a farda no exterior das instalações, exceto para ajudar algum paciente com dificuldades de locomoção a entrar ou sair da clínica;
f - Não entrar na clínica já fardado no início do horário de trabalho ou dela sair com a farda no fim da jornada de trabalho;
g - Obrigação de utilizar nos domicílios uma bata fornecida pela ré, a qual tem de ser vestida em casa do utente.”]:
Não se descortina igualmente qualquer fundamento para o dar como não provado, concordando-se com a decisão e fundamentação aduzida pela 1ª instância, que corresponde ao que resulta da prova produzida.
Apenas se salienta que não resta a mínima dúvida, mormente dos depoimentos de G…, F…, E… e C… que todas as ocorrências tinham que ser registadas na aplicação informática, nem isso é posto em causa pela testemunha D…. E desses depoimentos resulta também que este deveria ser posto a par das ocorrências anómalas que se verificassem. Aliás, nem se percebe como e porque é que a Recorrente defende que as als. a) e b) do nº 29 deveriam ser dadas como não provadas, tanto mais que é ela própria quem refere, na conclusão que extrai na al. h) da conclusão XV, que as situações anómalas eram colocadas no ficheiro informático.
E muito menos se entende que a Recorrente defenda que se dê como não provadas as als. c), d), e), f) e g) desse ponto. Todos os mencionados depoimentos, incluindo mesmo o do legal representante da Ré, bem como o da testemunha D…, foram no sentido da utilização, e sua obrigatoriedade, de farda. Também as testemunhas G…, bem como F…, confirmaram as als. e) e f) [o que ocorria por motivos de higiene] e g). Também do documento de fls. 18 constam as “Regras de uso da farda Nº 1”. Aliás, uma das conclusões que a Recorrente extrai dos depoimentos das testemunhas que invoca é que “o uso da farda encontrava-se inserido no cumprimento das obrigações legais e regulamentares a que todos os fisioterapeutas estavam obrigados” [cfr. al. k)], pelo que é totalmente descabido que, simultaneamente, pretenda que as als. do nº 29 relativas à utilização da farda, designadamente as als. c) e d), sejam dadas como não provadas.
Improcede, assim e nesta parte, a impugnação da decisão da matéria de facto.

Quanto ao nº 31 [“31. Em 2014, durante uma reunião de serviço o Coordenador D… entregou a todos os fisioterapeutas um documento designado por “Norma nº 1 – sistematização de conceitos sobre tratamento de patologias respiratórias”, da qual constam instruções de trabalho sobre os procedimentos que todos os fisioterapeutas e demais trabalhadores devem cumprir para tratamento desses casos clínicos], na fundamentação da decisão da matéria de facto referiu-se que tal factualidade foi alegada pelo MP e não foi objeto de impugnação pela Ré, pelo que foi a mesma tida por assente.
O nº 31 corresponde ao alegado no art. 24º da p.i.
Na contestação, a Ré, no art. 24º, referiu que: “É falsa a matéria de facto vertida nos artigos 3º na parte em que refere “atendendo os doentes”, 5º, 9º, 13º, 16º, 21º, 23º, 26º, 27º, 32º, 33º e 36º da petição inicial.”.
Ou seja, A Ré, tendo expressamente impugnado diversos artigos, não impugnou todavia o art. 24º da p.i., pelo que, nos termos do art. 574º, nº 2, do CPC se tem o mesmo como admitido por acordo das partes. Diga-se também que esse facto não está em oposição com a defesa considerada no seu conjunto.
De todo o modo, o mesmo foi corroborado pela testemunha F…, para além de que do documento de fls. 20 a 22 consta a “Norma Nº 1 – sistematização de conceitos sobre tratamentos de Patologias Respiratórias” a que se reporta o nº 35 dos factos provados. Acresce que da prova invocada pela Recorrente e por ela transcrita também nada resulta no sentido de contrariar o que consta desse ponto.
Assim, e mais uma vez, não se compreende a razão da impugnação de tal ponto, impugnação que novamente nos causa alguma perplexidade e que, assim, não merece acolhimento.

Quanto ao nº 32 [32. A ré definiu tempos de duração dos tratamentos agendados para cada tipo de quadro clínico os quais têm de ser cumpridos pelo fisioterapeuta C…, que não pode alterar a sua duração.”], na fundamentação da decisão da matéria de facto considerou-se estar o mesmo assente por acordo das partes nos articulados, porque não impugnado.
Tal matéria foi alegada no art. 25º da p.i. e não foi impugnada pela Ré no art. 24º da contestação, o qual acima deixámos transcrito. Todavia, no art. 48º da contestação a Ré refere que os tempos de duração dos tratamentos e quadros clínicos não são por si fixados, mas pelos médicos, no âmbito das suas competências técnicas, a que a Ré se encontra obrigada. Ainda que, porventura, se pudesse entender este artigo como impugnação do art. 25º da p.i., não lhe assiste razão.
Como decorre dos depoimentos de G…, F…, E…, D… e C…, o tempo de duração dos tratamentos (por ex, 15 minutos para umas situações, 30 minutos para outras, dependendo, designadamente, de fisioterapia muscular, neurológica, respiratória, pediátrica, ou outra), eram fixados pela Ré, sendo esses os tempos que C… (e outros fisioterapeutas) tinham que observar, não podendo alterar a duração dos mesmos. Naturalmente que se, por algum motivo, o utente não se estivesse a sentir bem, se demonstrasse algum efeito adverso com o tratamento ou alguma situação similar que obrigasse ou aconselhasse a sua interrupção, ele seria interrompido, como também foi referido, mas daí não decorre que os tratamentos não fossem agendados pela Ré, que os tempos dos agendamentos não tivessem que ser cumpridos e que pudessem ser alterados, como, no julgamento, o ilustre mandatário pareceu pretender concluir com as perguntas que, a esse propósito, formulava. Tratam-se de situações excecionais, que em nada interferem como o que consta do nº 32. Aliás, a própria testemunha D… referiu que “depende da patologia, existe um sistema de métrica para colocação nos horários. E já na altura era assim, quando fui, definido pela direção clínica em que mediante a patologia tem um tempo de encaixe no horário” [do fisioterapeuta].
Por outro lado, como também decorre dos mencionados depoimentos, os médicos fixavam o tipo de tratamentos e números das sessões, mas não a duração de cada um dos tratamentos. Era a Ré quem fixava essa duração, através da sua direção clínica. Por serem fixados pela direção clínica da Ré, não deixam de ser fixados por esta, ao contrário do que a Recorrente, aparentemente, pretende fazer crer. Os tratamentos eram depois agendados na plataforma informática de acordo com a cadência temporal dos mesmos (com intervalos, entre utentes, de 15, 30 ou mais minutos, conforme a duração do tratamento fixada pela Ré). Se C… entendesse que um determinado tratamento deveria ter uma duração superior à fixada (por ex, 30 minutos em vez de 15m), não o poderia alterar por sua iniciativa ou vontade própria, como decorre dos mencionados depoimentos.
Remete-se também para a fundamentação aduzida na sentença a propósito do nº 35 dos factos provados, que está em consonância com a prova produzida e nela referida.
Não descortinamos, pois, razão alguma para dar o facto nº 32 como não provada.

Quanto ao nº 35 [“35. O fisioterapeuta C… cumpre instruções da ré, nomeadamente quanto aos tratamentos a efetuar, incluindo a ordem cronológica dos mesmos, que não podia deixar de respeitar.”].
Desde logo, há que dizer que não se entende a pretensão da Recorrente em dar o facto como não provado. Com efeito, foi a própria Recorrente quem alegou tal facto no art. 40º da contestação, no qual refere que “40. Sendo certo que, os fisioterapeutas cumprem instruções, nomeadamente quanto aos tratamentos a efectuar, incluindo a ordem cronológica dos mesmos, que não podem deixar e respeitar.”.
É, pois, incompreensível que venha agora pretender “dar o dito por não dito” e que o facto seja dado como não provado.
De todo o modo, ele decorre da prova produzida, remetendo-se para a fundamentação da decisão da matéria de facto, que está em consonância com a prova produzida em julgamento e que merece o nosso acolhimento, bem como para o que se referiu quanto ao nº 32 e realçando-se os depoimentos das testemunhas F… e E….
Assim, e também nesta parte improcede a pretensão da dar o facto em questão como não provado.

Deste modo, e em conclusão, improcede a totalidade da impugnação da decisão da matéria de facto.

E, a terminar, não poderemos deixar de dizer que a impugnação aduzida, ao menos em relação a alguns dos pontos da decisão da matéria de facto, raia os limites da litigância de má-fé, designadamente, ao pretender-se dar como não provados factos que, a final, a própria Recorrente considera como provados (caso da matéria relativa às fardas), ao invocar fundamentação que nada tem a ver com a matéria impugnada (caso das als. a), b), c), i), j), l), n) das conclusões que a Recorrente extrai dos excertos dos depoimentos que invocou para sustentar a pretensão de dar como não provada a matéria de facto que impugna) e ao pretender que seja dado como não provado facto que foi por ela própria alegado (caso do nº 35 dos factos provado).
A impugnação da decisão da matéria de facto consubstancia matéria de apreciação morosa (veja-se a duração dos depoimentos), que prejudica a celeridade do próprio processo e dos demais que, naturalmente, pendem para apreciação nesta Relação, que conduz a toda uma atividade totalmente inútil, não devendo, por consequência, serem deduzidas impugnações inconsequentes e sem o mínimo de fundamento. Mau grado o referido, ainda assim, entendemos não ser de enquadrar tal impugnação na litigância de má-fé, mas sim no âmbito de uma defesa, quiçá inadvertida ou inconscientemente, excessiva.

3. Se a relação mantida entre a Ré e C… não consubstancia um contrato de trabalho, mas sim um contrato de prestação de serviços

Na sentença recorrida concluiu-se no sentido da existência de um contrato de trabalho, do que discorda a Recorrente pelas razões que invoca no recurso.

3.1. Tendo em conta que a relação contratual se iniciou aos 15.11.2006, data desde a qual vem perdurando, e que, neste período sucederam o Código do Trabalho aprovado pela Lei 99/2003, de 27.08, alterado pela Lei 09/2006, de 20.03 [alteração esta que entrou em vigor aos 25.03.2006] e o CT/2009, aprovado pela Lei 7/2009, de 12.02, que entrou em vigor aos 17.02.2009, importa apurar qual ou quais dos referidos diplomas ao abrigo de que deverá ser apreciada a questão da existência, ou não, do alegado contrato de trabalho.
Tal como já se dispunha no art. 8º da Lei 99/2003, também de harmonia com o art. 7º, nº 1, da Lei 7/2009, 1ª parte, o Código do Trabalho por ela aprovado é aplicável aos contratos de trabalho que, embora celebrados ou aprovados antes da sua entrada em vigor, a esta data se mantenham. Porém, tal preceito, na sua parte final e na linha, aliás, do que se dispõe no art. 12º, nºs 1 e 2, 1ª parte do Cód. Civil, determina também que o Código do Trabalho já não será o aplicável às condições de validade e aos efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento.
O Supremo Tribunal de Justiça tem entendido, de forma uniforme e reiterada, que a qualificação de uma relação contratual como de trabalho deverá ser aferida face ao normativo em vigor à data em que se constituiu (cfr., por todos, Acórdão de 14.01.09[1] , Processo nº 08S2278) e, concretamente sobre o art. 12º do CT/2003, tem-se também pronunciado no sentido de não ser ele aplicável a relação contratual iniciada em data anterior à da entrada em vigor do referido Código se, da matéria de facto provada, não se extrair que as partes, a partir de 01.12.2003, hajam alterado os termos da relação jurídica firmada em data anterior – cfr., neste sentido, Acórdãos de 18.12.08, 14.01.09 e 05.02.09 (Processos 08S2572, 08S2578 e 08S2584), no último dos quais se referindo, para além do mais, o seguinte:
“(…) O artigo 12.º do Código do Trabalho estabelece a presunção de que as partes celebraram um contrato de trabalho assente no preenchimento cumulativo de cinco requisitos, o que traduz uma valoração dos factos que importam o reconhecimento dessa presunção, por conseguinte, só se aplica aos factos novos, às relações jurídicas constituídas após o início da sua vigência, que ocorreu em 1 de Dezembro de 2003 (cf., neste sentido, para além do já citado acórdão de 2 de Maio de 2007, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 13 de Fevereiro de 2008, Processo n.º 356/07, e de 10 de Julho de 2008, Processo n.º 1426/08, ambos da 4.ª Secção).
Ora, não se extraindo da matéria de facto provada que as partes tivessem alterado, a partir de 1 de Dezembro de 2003, os termos da relação jurídica entre eles estabelecida, à qualificação dessa relação aplica-se o regime jurídico do contrato individual de trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969 (LCT), não tendo aqui aplicação a presunção acolhida no artigo 12.º citado.”
No mesmo sentido, também, os Acórdãos do mesmo Tribunal de 03.03.2010, (Processos 4390/06.3TTLSB.S1 e 482/96.7TTPRT.S1) e, mais recentemente, o Acórdão de 19.04.2012 (Processo nº 30/80.4TTLSB.L1.S1).
Em todos os referidos arestos se entendeu que o art. 12º do CT/2003, ao estabelecer uma presunção da existência de contrato de trabalho, “traduz, em ambas as redacções, uma valoração dos factos que importam o reconhecimento dessa presunção; portanto, só se aplica aos factos novos, às relações jurídicas constituídas após o início da sua vigência, que ocorreu em 1 de Dezembro de 2003”.
E, no sentido também dessa inaplicabilidade a relações constituídas em data anterior à da entrada em vigor do CT/2003 (se da matéria de facto não resultar que, após essa data, tenha havido alteração essencial dessa relação jurídica), também já nos pronunciámos, designadamente nos acórdãos de 24.11.08 e de 13.07.2011, ambos in www.dgsi.pt (Processos 0842577 e 558/07.3TTPRT.P1).
Por outro lado, conquanto as considerações tecidas nos acórdãos mencionados o tenham sido no âmbito do CT/2003, são elas transponíveis para o âmbito do CT/2009 (designadamente quanto ao seu art. 12º), sendo idêntica a norma que rege sobre aplicação da lei no tempo (art. 7º, nº 1, da Lei 7/2009).

3.1.1. No caso, do nº 2 dos factos provados, decorre que o fisioterapeuta C… foi admitido pela Ré aos 15.11.2006, pelo que à apreciação da natureza do vínculo contratual é aplicável o CT/2003, na redação introduzida pela Lei 9/2006, de 20.03, mormente no que se reporta aos seus arts. 10º e 12º.

3.2. O art. 10º do CT/2003 define o contrato de trabalho como sendo «aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a uma ou outras pessoais, sob a autoridade e direcção destas».
O contrato de prestação de serviço encontra-se definido no artº 1154º do Cód. Civil como sendo «aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição».
Das definições legais apontadas resulta, como elemento diferenciador essencial do contrato de trabalho e do contrato de prestação de serviços, a sujeição, no contrato de trabalho, da pessoa contratada à autoridade e direção do contratante (subordinação jurídica), a qual se traduz na prerrogativa deste dar ordens e instruções quanto ao modo, tempo e lugar da atividade (e na obrigação, por parte daquele, de as receber), sendo que no contrato de prestação de serviços, a pessoa contratada não está sujeita a ordens ou instruções do contratante, agindo com autonomia na prossecução do resultado a que se comprometeu.
Por outro lado, conquanto ambas as figuras se destinem, em última análise, a obtenção de um determinado resultado pretendido pelo contratante, avulta das referidas definições legais que o contrato de trabalho tem por objeto o exercício da atividade ou a disponibilidade do trabalhador para essa atividade, enquanto que, no de prestação de serviços, o objeto consiste, essencialmente, na obtenção de um resultado.
Como é sabido, a destrinça entre as duas figuras constitui, frequentemente, umas das questões de maior melindre e que mais dúvidas suscita na sua aplicação prática, tanto mais tendo em conta as diversas formas como, atualmente, se vão desenvolvendo essas relações em que, não raras vezes, ténue se mostra a fronteira entre o contrato de prestação de serviços e o contrato de trabalho.
Por isso, e perante a dificuldade da determinação do tipo contratual através do método subsuntivo, têm sido, pela doutrina e jurisprudência, apontados diversos elementos adjuvantes e indiciários – internos e externos - da caracterização do contrato de trabalho, designadamente da subordinação jurídica (método tipológico).
Assim, como indícios internos, apontam-se usualmente: a natureza da atividade concretamente desenvolvida; o carácter duradouro da prestação; o local da prestação da atividade (em estabelecimento do empregador ou em local por este indicado); a propriedade dos instrumentos utilizados (em regra pertencentes ao empregador); a existência de horário de trabalho; a necessidade de justificação de faltas; a remuneração determinada pelo tempo de trabalho; o exercício da atividade por si e não por intermédio de outras pessoas; o risco do exercício da atividade por conta do empregador; a inserção do trabalhador na organização produtiva do dador de trabalho; o exercício do poder disciplinar; o gozo de férias e inserção no correspondente mapa; o pagamento de subsídios de férias e de Natal; o nomen juris atribuído pelas partes.
Como indícios externos, são designadamente apontados: a exclusividade da prestação da atividade por conta do empregador e consequente dependência da retribuição por este paga (subordinação económica); a inscrição nas Finanças e na Segurança Social como trabalhador dependente; a filiação sindical.
O ónus da prova da existência do contrato de trabalho (em caso de não verificação dos pressupostos de facto que constituem a base de aplicação da presunção de laboralidade consagrada no art. 12º do CT conforme adiante melhor se dirá) compete ao trabalhador. E, para o efeito e tendo em conta os mencionados fatores indiciários, há que ter presente que sendo a subordinação jurídica elemento essencial do contrato de trabalho e da sua distinção de outras figuras afins, os referidos fatores indiciários, individualmente considerados, assumem peso relativo, devendo, perante o concreto circunstancialismo de cada caso, serem apreciados e sopesados de forma global.

3.3. Tendo presente a dificuldade de prova, pelo trabalhador, da existência do contrato de trabalho e visando facilitar essa sua tarefa, veio o legislador do CT/2003, de forma inovatória, introduzir, no seu art. 12º, uma presunção de laboralidade, de tal sorte que, verificados que sejam, de forma cumulativa, todos os pressupostos nele previstos, se presume a existência de contrato de trabalho, com a consequente inversão do ónus da prova; por via dessa inversão, caberá então ao empregador ilidir a presunção, através da prova do contrário (art. 350º, nº 2, do Cód. Civil), sendo de salientar que, para o efeito, não basta a contraprova destinada a tornar duvidoso o facto presumido.
O art. 12º do CT/2003, na sua redação original, adotou, com vista à consagração dessa presunção, o critério dos factos índices habitualmente utilizados pela doutrina e jurisprudência na definição, e distinção, do contrato de trabalho em relação a outras figuras contratuais, designadamente o contrato de prestação de serviços; e muito embora a eventual não verificação de algum ou alguns dos pressupostos de base da existência da presunção não impedisse, pela análise de toda a matéria de facto apurada, a eventual conclusão no sentido da existência do contrato de trabalho, dado que os pressupostos contidos nesse preceito eram de verificação cumulativa a aplicação prática da referida presunção mostrou-se de pouca utilidade.
A redação original da mencionada presunção veio então a ser alterada pela Lei 9/2006 [esta a aplicável ao caso], que passou a dispor que “Presume-se que existe um contrato de trabalho sempre que o prestador esteja na dependência e inserido na estrutura organizativa do beneficiário da actividade e realize a sua prestação sob a ordens, direcção e fiscalização deste, mediante retribuição”, redação esta que, apesar do desiderato da figura da presunção, parece até ser mais exigente do que o próprio conceito de contrato de trabalho [o facto presumido], cuja prova essa presunção visaria facilitar ou agilizar, pelo que cabe, realmente, questionar qual a utilidade prática de tal presunção.
Ainda assim, e não obstante essa maior exigência, afigura-se-nos que a presunção não é, ou poderá não ser, totalmente destituída de utilidade. Como acima se disse é ténue a fronteira entre o contrato de trabalho e o contrato de prestação de serviços. Tal como uma maior autonomia do trabalhador não é incompatível com a existência de um contrato de trabalho, também a possibilidade de inserção do prestador da atividade/trabalhador na organização empresarial do dador de trabalho e/ou a possibilidade de sujeição daquele a alguma ingerência, com maior ou menor intensidade, deste na atividade daquele, designadamente a nível de orientações e fiscalização, não é totalmente incompatível com a existência de um contrato de prestação de serviços, tal como, e por vezes, tem sido apontado pela jurisprudência. Nesta situação, poderão surgir casos de fronteira, em que, tanto o recurso ao método subsuntivo, como ao indiciário, não permitam, de forma totalmente segura, concluir no sentido da qualificação da natureza do vínculo contratual, designadamente no sentido do contrato de trabalho. Ora, mormente para estas situações, a existência da presunção de laboralidade poderá ter alguma relevância ou utilidade, na medida em que transfere para o empregador o ónus de provar o contrário, ou seja, o ónus de provar que não se está perante um contrato de trabalho, prova esta naturalmente mais exigente do que a mera contraprova, esta destinada a lançar a dúvida sobre a realidade do que se pretendia provar. E não fosse a existência de tal presunção, e competindo ao trabalhador o ónus da prova da existência do contrato de trabalho, bastaria a dúvida quanto à natureza do vínculo para que este não pudesse ser como tal qualificado.

3.4. Na sentença recorrida considerou-se que o vínculo contratual consubstancia um contrato de trabalho, conclusão a que se chegou com base no método indiciário da sua caracterização.
Para tanto, nela referiu-se, para além do mais, o seguinte:
“No caso, haverá que lançar mão da metodologia indiciária, analisando criticamente o caso, com base nos índices de qualificação que em concreto assumem maior relevo.
No caso em apreço, é certo não consta dos factos provados qualquer referência a poderes disciplinares da ré sobre o fisioterapeuta C…. De todo modo, como bem se observa no citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21-05-2014, que aqui seguimos de perto, não decorre daqui qualquer óbice à qualificação como laboral do vínculo contratual em causa (nem à qualificação contrária), uma vez que, como bem se nota no Ac. da Rel. Lisboa de 12-07-2012 (Apelação nº 441/10.5 TTLSB.L1-4ª Secção) (…), “tal vertente da subordinação jurídica está latente, adormecida, escondida, podendo nunca emergir e vir a ser exercida ao longo da vigência do contrato de trabalho, mesmo com muitos anos de duração, sem que tal implique a sua inexistência e, por consequência, a descaracterização jurídica em termos laborais”. Na verdade, como lucidamente refere o Ac. de 9/11/2011, da mesma Relação, “do não exercício do poder disciplinar – apenas compreensível em situações de crise contratual – não pode, sem mais, retirar-se a sua não titularidade”, uma vez que o “exercício de prerrogativas laborais tem forte valor indiciário positivo no sentido da qualificação da relação como de trabalho”, mas é de lhe “negar firmemente, na hipótese contrária, valor negativo excludente dessa qualificação”.
Também o facto de o fisioterapeuta C… se encontrar inscrito na segurança social como trabalhador independente e passar recibos verdes, numa situação como a dos autos, não assume qualquer relevância decisiva, nem tem força bastante para se sobrepor aos índices de laboralidade a que se fará referência infra.
Como se anota no citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21-05-2014, no fundo o que se encontra subjacente à matéria em discussão nos autos, é a questão de saber se com os documentos que titularam o vínculo contratual em causa se visou, sob a aparência de diverso tipo contratual, ocultar um contrato de trabalho. Ora, como se compreenderá, a ter sido essa a intenção das partes, não podia o conteúdo de tais documentos deixar de traduzir a aparência de um vínculo jurídico de natureza autónoma (…), através da incorporação de cláusulas que normalmente lhe estão associadas (v.g. pagamento através de “recibos verdes” e facturação de IVA) e, por outro lado, do afastamento dos traços característicos do contrato de trabalho (vg. pagamento de subsídios de Natal e de férias e efectivação de ausência de descontos para a Segurança Social e IRS). [Não podemos deixar ainda de registar quanto aos chamados “recibos verdes” (modelo nº 6 do IRS), o próprio legislador declara, no verso daqueles, que «a utilização de recibos do presente modelo não implica a qualificação do trabalho prestado, como independente, para efeitos de Direito do Trabalho» ou ainda nos modelos oficiais de recibo verde eletrónico que «a utilização de recibos verdes eletrónicos não determina a qualificação do serviço prestado como trabalho independente»].
Ao invés, no sentido de uma relação juridicamente subordinada desde o início da relação contratual há a considerar um vasto leque de índices.
Senão vejamos.
No caso em apreço, ficou provado que C… exerce as suas funções de fisioterapeuta nas instalações da ré ou em local por ela determinado quando faz domicílios [prestação de atividade em local definido pelo empregador - A atividade ser realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado]. Também ficou provado que o mesmo utiliza os equipamentos e instrumentos pertencentes à ré e disponibilizados por esta, designadamente cremes, marquesa, uma aplicação informática e um computador com a distribuição e prescrição de tratamentos dos doentes, bolas várias, bastões, cunhas, rolos, aparelhos de micro-ondas, parafina, aparelho de ultra-sons, gel de ultra-sons, passadeira, calores húmidos, parafango, material propriocetivo, luvas de latex, creme de massagem, escadas e barras paralelas, colchões elevados, aparelho de laser, aparelhos de multicorrentes, eléctrodos, bicicleta, desinfetante, e utiliza/veste diariamente uma farda fornecida pela ré. Mais se apurou que é a ré que procede à manutenção de todos esses equipamentos e à sua reposição, quando necessária, mesmo em relação aos instrumentos que o dito fisioterapeuta utiliza nos domicílios, tais como cremes e toalhas [os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertencem ao beneficiário da atividade].
É um facto que a ré provou que a regulamentação legal e o licenciamento a que está sujeita, bem como os contratos e convenções que suportam a sua atividade e os requisitos de qualidade a que se obriga, impõem que os tratamentos sejam realizados nas suas instalações, sendo evidente que a ré não poderia exigir a cada prestador de serviços que garantisse a obtenção de licenciamento de instalações e de equipamentos. Acresce que, relativamente a alguns equipamentos e instrumentos, não seria possível que os prestadores de serviços os conseguissem transportar, atendendo à sua dimensão, peso e fragilidade.
Sucede que se esta argumentação é compreensível no que respeita a máquinas de grande porte e e/ou muito especificas de determinados tratamentos e quanto aos equipamentos de elevado custo (como sejam, os aparelhos de parafango, de correntes micro-ondas, de calores húmidos), já não procede em relação a outros equipamentos e instrumentos e especialmente naqueles que o fisioterapeuta utiliza quando faz domicílios ao serviço da ré (como sejam, as toalhas, cremes). De facto, provou-se que é também a ré que disponibiliza ao fisioterapeuta C… os instrumentos e equipamentos quando este faz domicílios ao seu serviço, e que procede à sua manutenção e reposição, não colhendo aqui a argumentação de que estão em causa equipamentos que não seria possível a sua deslocação ou instrumentos de custo elevado.
Por outro lado, resultou apurado que o fisioterapeuta C…, por instruções emanadas da ré, utiliza obrigatoriamente uma farda nas instalações da Ré durante a realização das suas atividades, farda essa que é fornecida ao mesmo pela ré e que é composta por uma bata com o logótipo da ré, uma calça azul marinho e crachá de identificação com o logotipo da ré e o seu nome. Mais se apurou que tal fisioterapeuta, de acordo com as instruções da ré, utiliza obrigatoriamente nos domicílios uma bata com o logotipo da empresa, a qual lhe foi igualmente disponibilizada pela ré.
Mais resultou apurado que a ré deu instruções muito concretas ao fisioterapeuta C…, assim como aos seus trabalhadores e aos prestadores de serviços, sobre a utilização dessa farda, tendo estabelecido regras muito específicas quanto ao uso de farda.
Não se olvida que resultou apurado que os fisioterapeutas estão obrigados, nos termos do seu estatuto profissional, a usar uma farda. É perfeitamente compreensível que quem exerce essa atividade de fisioterapeuta deve usar uma farda de trabalho, desde logo por questões relacionadas com a higienização e proteção dos utentes.
Como tal, se a ré apenas impusesse aos seus colaboradores o uso de uma farda entenderíamos que a mesma não estaria a usar de qualquer poder de direção sobre os mesmos até porque eles, do ponto de vista do seu estatuto profissional, já estariam obrigados a usar uma farda.
Mas o certo é que a ré não se limitou a impor o uso da farda. Impôs também ao fisioterapeuta C… que a farda a usar teria que ser a que ela lhe fornecia (fosse nas suas instalações fosse nos domicílios), impondo regras sobre o uso dessa mesma farda, designadamente, proibindo-o de se ausentar da clínica com a mesma vestida, não entrar na clínica já fardado, vestir a bata na casa do utente. Aliás, a ré foi até mais além do que o próprio estatuto profissional e impôs-lhe que o calçado a usar tivesse que ser azul ou preto e fechado.
Resultou igualmente apurado que o fisioterapeuta C… praticava, à data da inspeção da ACT, um horário de trabalho de segunda a sexta-feira das 8 h até às 12h e das 14h às 17h, fazendo diariamente um domicílio marcado pela ré das 12 horas às 13 horas, sendo certo que esse horário não foi sempre o mesmo ao longo do tempo.
Não se olvida também que foi apurado que o fisioterapeuta C… comunicou à ré a sua disponibilidade e os tempos de trabalho que pretendia e que o horário é previamente acordado com a ré. O certo é que ficou também apurado que a partir daí é estabelecido pela ré um horário certo, que redunda na prática e ao longo da relação contratual na observação por parte do fisioterapeuta C… de horas certas de início e termo da prestação.
Ficou igualmente apurado que a ré pré-determina na aplicação informática as marcações que são atribuídas a esse fisioterapeuta e o tempo de tratamento para cada utente, elaborando ainda uma escala que afixa nas suas instalações onde estabelece a colaboradora – sua trabalhadora – que irá auxiliar o fisioterapeuta C… nas suas marcações.
Ainda no que respeita a tais auxiliares/colaboradoras, resultou ainda apurado que o fisioterapeuta C… verifica o respetivo trabalho e dá-lhes instruções técnicas, nomeadamente no que se refere a alterações dos tratamentos a efetuar.
Ademais, resultou provado que a ré deu instruções ao fisioterapeuta C… no sentido de informar obrigatoriamente o Coordenador D… de qualquer ocorrência ou imprevisto, como reações inesperadas aos tratamentos, e no sentido de registar na aplicação informática que disponibiliza a esse fisioterapeuta tudo o que saia dos parâmetros normais. Mais, resultou ainda provado que a ré possui no seu quadro de pessoal os trabalhadores L… e D…, ambos com a categoria profissional de fisioterapeutas (este último exerce também funções de coordenador de fisioterapeutas), os quais exercem as mesmas funções e desempenham as mesmas tarefas do fisioterapeuta C…, nas mesmas condições no que se refere ao exercício da atividade profissional de fisioterapeutas, utilização dos instrumentos de trabalho, registos na aplicação informática, cumprimento de procedimentos internos e uso de farda. Apurou-se ainda que quando o fisioterapeuta C… se depara com dúvidas na execução das suas funções pode solicitar orientação coordenador D….
Ficou igualmente apurado o fisioterapeuta C… participa nas reuniões gerais com os administradores da ré e com os restantes trabalhadores e ainda nas reuniões de fisioterapia, sendo convocado para o efeito. Apurou-se ainda que nas reuniões de fisioterapia o fisioterapeuta C… e restantes trabalhadores da área de fisioterapia recebem instruções, nomeadamente sobre normas a seguir com os utentes, procedimentos internos, etc.
Apurou-se igualmente que o fisioterapeuta C… durante largo período, uns meses depois do início da prestação de atividade para a ré e até 2010, por ordem da ré, procedia ao registo dos seus tempos de trabalho tal como os restantes trabalhadores, através do sistema eletrónico com recursos a dados biométricos (impressão digital). Pese embora, entretanto tenha deixado de fazer esses registos, o certo é que também ficou provado que à data da visita da ACT a ré não possuía registo dos tempos de trabalho para nenhum dos seus trabalhadores, como foi constatado pelos serviços da ACT.
Além disso, apurou-se que a ré disponibilizou ao fisioterapeuta C… um cacifo e respetiva chave com a sua identificação, para o efeito de guardar a farda e objetos pessoais. O nome do fisioterapeuta C… consta do organograma da empresa que se encontra afixado na receção.
Todos os indicados factos são bem demonstrativos da inserção do fisioterapeuta C… na organização produtiva da ré, com sujeição a normas organizacionais/regulamentares e obediência a instruções e diretivas da ré, o que constitui um importante fator indiciador da subordinação jurídica.
Mas não se ficam por aqui os indícios apurados.
Outro indício muito relevante prende-se com a forma de retribuição do fisioterapeuta C…. Neste particular, apurou-se que o mesmo recebe por parte da ré, como contrapartida dos seus serviços, a quantia de € 7,00 por cada hora que permanecesse no local de trabalho na clinica em Fafe ou nos domicílios, independentemente de se verificar ou não a falta de utentes, não lhe sendo descontada qualquer quantia na retribuição quando falta algum doente das marcações que estão atribuídas. A ré estimou o tempo necessário para os tratamentos e a média dos tratamentos a fazer e acordou com o fisioterapeuta C… um valor à hora. Ficou plenamente claro de toda a prova produzida que numa situação em que faltassem utentes e, por essa razão, o fisioterapeuta C… não pudesse ministrar os tratamentos, a verdade é que o mesmo ficava nas instalações da ré, ainda que a executar outros serviços, e recebia no início do mês seguinte o valor hora contratado ainda que não tivesse prestado ao utente qualquer tratamento por este ter faltado. A retribuição era paga no início do mês seguinte à prestação do trabalho, ou seja era uma retribuição com uma periodicidade mensal em função de um valor hora acordado e de um número de horas previamente fixado, ainda que nessas horas o fisioterapeuta atendesse menos utentes do que o previsto.
A factualidade em referência permite concluir que a ré não contratou o fisioterapeuta C… para lhe prestar um determinado resultado; contratou-o, sim, para lhe prestar uma atividade. Diferente seria se a ré se tivesse limitado a contratar o fisioterapeuta C… para tratar os seus utentes e lhe pagasse em função do número de utentes atendidos. Mas, como impressivamente referiu o legal representante da ré nas suas declarações, “pagavam o número de horas previamente acordado, não acordaram o pagamento à peça” (sic).
Apelando às considerações gerais inicialmente tecidas, a diferenciação entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviço centra-se, essencialmente, em dois elementos distintivos: no objeto do contrato (no contrato de trabalho existe uma obrigação de meios, de prestação de uma atividade intelectual ou manual, e no contrato de prestação de serviço uma obrigação de apresentar um resultado) e no relacionamento entre as partes: com a subordinação jurídica a caracterizar o contrato de trabalho e a autonomia do trabalho a imperar no contrato de prestação de serviço.
No caso concreto, sem margem para dúvidas que a matéria apurada leva a concluir que a ré contratou o fisioterapeuta C… para lhe prestar uma atividade, obrigando-se aquele a prestar uma obrigação de meios e não a apresentar um resultado, o que como se viu é caraterístico de um contrato de trabalho.
Mas, mais importante que isso, entende-se que no caso dos autos a factualidade apurada leva a concluir pela existência de uma verdadeira subordinação jurídica do fisioterapeuta em causa face à ré.
Para tanto, apontam os muito importantes indícios que já foram elencados supra e ainda um outro indício muito forte, consistente no facto de se ter apurado que o fisioterapeuta C…, no caso de faltar ao serviço, não pode designar outra pessoa para o substituir.
É certo que no caso concreto ficou apurado que o fisioterapeuta C… não tem que justificar as suas faltas ou ausências ao serviço. No entanto, também se apurou que quando pretende ausentar-se ao serviço por um período de férias ou outra finalidade, tem que o comunicar previamente à ré, sendo que ocorreram já situações em que, por existirem outros fisioterapeutas que tinham marcado férias para os mesmos períodos temporais que o fisioterapeuta C…, a ré solicitou a marcação para outro período, tentando que os fisioterapeutas chegassem a acordo entre eles, de forma a assegurar o atendimento aos doentes/utentes. Tal situação não pode deixar de ser considerada uma ingerência da ré na liberdade do fisioterapeuta em causa para o efeito da organização e efetivação das pretendidas ausências ao serviço.
Não se olvida que o fisioterapeuta C… faz igualmente domicílios de fisioterapia e de osteopatia por conta própria e presta serviços de fisioterapia ao plantel de uma N…, mas o certo é também que cerca de 80% dos seus rendimentos anuais provêm do seu trabalho para a ré, o que traduz uma dependência em termos económicos em relação à ré.
A verdade incontornável é que o mesmo exercia para a ré as suas funções de fisioterapeuta, obedecendo a recomendações e instruções dos médicos fisiatras, cumprindo instruções, diretivas e recomendações da ré quanto ao uso da farda, quanto à utilização dos instrumentos de trabalho, quanto necessidade de registo de ocorrências na aplicação informática, quanto ao reporte a um responsável da ré de situações anómalas, quanto aos tempos de duração dos tratamentos, quanto às normas a seguir com os utentes, e num determinado período temporal até quanto ao registo dos respetivos tempos de trabalho.
O fisioterapeuta C… aparece referido no organograma que a ré mantinha afixado nas suas instalações.
Cumpria um horário, prestava as suas funções nas instalações da ré, com instrumentos fornecidos por ela e que eram repostos e mantidos pela ré, inclusive no que respeita aos serviços que prestava por determinação da ré nos domicílios.
Auferia uma retribuição mensal em função das horas de trabalho prestadas.
Significativo é também o facto de se ter apurado que o fisioterapeuta C… no que se refere à forma do exercício da atividade profissional, o fazia nas mesmas condições que os fisioterapeutas do quadro de pessoal da ré, quer quanto à utilização dos instrumentos de trabalho, registos na aplicação informática, cumprimento de procedimentos internos e de uso de farda.
Muito relevante, como dissemos já, é também o facto de o fisioterapeuta C… não se poder fazer substituir nas suas ausências, ou seja não pode designar pessoa para o substituir.
Analisada a factualidade apurada, não se pode deixar de considerar que o fisioterapeuta C… está na dependência e inserido na estrutura organizativa da ré e realiza a sua prestação, sob as instruções, diretivas e fiscalização da ré, mediante retribuição.
Tudo ponderado, sopesando o universo dos elementos e circunstâncias do caso concreto e confrontando-o com o paradigma legal do contrato de trabalho, entendemos que a apreciação global dos indícios que emergem da relação contratual em apreço conduz à conclusão de que a mesma se caracteriza como contrato de trabalho subordinado.
Usando a argumentação constante do já citado Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11-11-2013, que apreciou um muito similar ao dos presentes autos de um fisioterapeuta e que concluiu no sentido da caraterização como contrato de trabalho, a circunstância de o fisioterapeuta emitir “recibos verdes” para quitação das quantias que a ré lhe pagava e de o mesmo não ter que justificar as suas faltas ao serviço, “embora possam constituir um índice de que o contrato não tivesse natureza laboral, não têm relevância bastante para se sobrepor aos índices de laboralidade atrás referenciados, ponderando a situação de efetivo desequilíbrio entre os contratantes numa relação laboral, retirando à atitude passiva do trabalhador durante a vigência do contrato um conteúdo de conformação com a situação”.
Em conclusão, no caso dos autos, a apreciação global dos indícios que emergem da relação contratual em apreciação e que ficaram demonstrados conduz à conclusão de que a mesma se caracteriza como contrato de trabalho subordinado, pelo que a presente ação deve ser julgada procedente e, em consequência, deve ser reconhecido que entre a ré e o fisioterapeuta C… foi outorgado um contrato de trabalho e que a relação laboral se iniciou em 15 de novembro de 2006.”.

Estamos, no essencial, de acordo com as considerações tecidas na sentença recorrida, e acima transcritas, que dão resposta à argumentação aduzida, em sentido contrário, pela Recorrente, pelo que, mesmo seguindo o método indiciário, é de concluir que o vínculo contratual em causa nos autos consubstancia um contrato de trabalho.

3.5. De todo o modo, igual conclusão – existência de contrato de trabalho - se imporia por via da aplicação da presunção de laboralidade prevista no art. 12º do CT/2003, na redação introduzida pela Lei 9/2006.
Com efeito, e como melhor se dirá, a matéria de facto provada permite concluir no sentido da verificação, em termos factuais, dos pressupostos base de aplicação de tal presunção, quais sejam: inserção do prestador da atividade na estrutura organizativa do beneficiário; realização da prestação sob as ordens, direção e fiscalização deste; recebimento de retribuição; e dependência daquele em relação a este, tudo como aliás ressalta das considerações tecidas pela 1ª instância, que se transcreveram. E, concomitantemente, a Ré não fez prova do contrário, sendo que a factualidade provada não permite concluir, de forma segura e inequívoca- tal como o exige a prova do contrário – que o vínculo contratual consubstanciaria um contrato de prestação de serviços.
Mas explicitando.
No sentido da verificação dos pressupostos de base da aplicação da presunção de existência de um contrato de trabalho temos que:
Da matéria de facto provada decorre que o fisioterapeuta C… se encontra inserido na estrutura organizativa da Ré, como bem resulta, e sem necessidade de considerações adicionais, dos nºs 7, 8, 9, 10, 16, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 25, 26, 27, 28, 29, 31, 32, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 46 dos factos provados.
Resulta também que a atividade era prestada sob as ordens e direção da Ré: determinação, pela Ré, dos domicílios a efetuar pelo A. (nº 10); existência de um horário de trabalho que, conquanto tivesse sido acordado com a Ré, uma vez estabelecido deveria ser cumprido e pré determinação, pela Ré, das marcações atribuídas ao fisioterapeuta C…, tempo de duração dos tratamentos e normas a seguir com os utentes, procedimentos internos da clínica a seguir e registos na aplicação informática [nºs 16, 17, 18, 21, 32, 35, 37, 40]; determinação, pela Ré, dos colaboradores e fisioterapeutas que devem prestar auxílio relativamente a cada marcação [nº 20]; cumprimento de procedimentos internos e recebimento de orientações por parte do coordenador D… [nºs 25, 28 e 31]; instruções a que se reporta o nº 29, als. a) e b) e, bem assim, quanto à obrigatoriedade de utilização de farda e calçado [nº 29, als. c), d), e), f) e g)]; registo dos tempos de trabalho desde pelo menos 2007 até por volta de 2010 [nº 46]. E decorre também que essa atividade era fiscalizada pela Ré, ou poderia sê-lo se esta assim o entendesse, como resulta das ordens e determinações acima referidas, bem como da obrigatoriedade de registo na aplicação informática dos tratamentos e outras observações, designadamente quanto a incidentes ocorridos, tudo o que saia dos parâmetros normais, reações adversas aos tratamentos ou alterações de prescrições médicas, e de informação ao coordenador D… de qualquer ocorrência ou imprevisto, [nºs 21, 22, 23, 25 e 29, als. a) e b), 37)].
Resulta também que o fisioterapeuta recebia uma retribuição pela sua atividade, a qual aliás não era determinada em função de cada utente efetivamente atendido, remetendo-se para as considerações tecidas na sentença.
E resulta, por fim, que o fisioterapeuta estava na dependência, tanto organizacional, como económica, da Ré. No que se reporta à dependência organizacional, ela decorre de tudo quanto já ficou referido a propósito da sua inserção na organização da Ré e observância das determinações desta. Quanto à dependência económica, pese embora o fisioterapeuta C… faça domicílios de fisioterapia e de ostepatia por conta própria e preste serviços de fisioterapia ao plantel de futebol da N… (nº 51), tal representa uma ínfima parte dos seus rendimentos, pois que ascende apenas a cerca de 20% dos mesmos, consubstanciando os auferidos ao serviço da Ré cerca de 80% do seu rendimento global. Ora, assim sendo e pese embora o mesmo não preste a sua atividade exclusivamente para a Ré, não se poderá deixar de considerar que ele se encontra na dependência económica desta.

Por outro lado, como já referido, a Ré não fez prova do contrário, sendo que não basta a mera prova de factos que, em contraprova, pudessem tornar duvidosa a existência de um contrato de trabalho.
Mas vejamos.
Nos termos do nº 4 dos factos provados, os contraentes atribuíram ao contrato a natureza de contrato de prestação de serviços.
O nomen juris poderá ser, a par de muitos outros elementos indiciários, um dos fatores a atender na definição do tipo contratual concretamente em causa, designadamente na medida em que poderá indiciar a vontade contratual. No entanto, os contraentes não podem denominar um determinado vínculo contratual, mas, não obstante, submeterem a sua execução ao modelo de um outro tipo contratual. “Os contratos são o que são e não o que as partes dizem que são” – cfr. João Leal Amado, in Contrato de Trabalho à luz do novo Código do Trabalho, Coimbra Editora, pág. 68, reportando-se à questão do nomen juris e ao principio da primazia da realidade. Se um contrato consubstancia, substancialmente, um contrato de trabalho não podem os contraentes afastar o regime legal próprio desta figura contratual sob a alegação de que celebraram um contrato de prestação de serviços. Assim sendo, o nº 4 dos factos provados não é determinante da qualificação do vínculo contratual e, muito menos, o é, de modo seguro ou inequívoco, no sentido da existência de um contrato de prestação de serviços.
No que se reporta aos nºs 11, 12, 13, 14 e 15, que se referem à necessidade de prestação da atividade nas instalações da Ré e disponibilização por esta dos equipamentos de trabalho designadamente tendo em conta o licenciamento e regulamentação legal da atividade e a dimensão e custos dos instrumentos de trabalho, tais factos não são incompatíveis com a existência de um contrato de trabalho, pelo que deles não se pode concluir no sentido da existência, muito menos necessariamente, de um contrato de prestação de serviços. Acresce que, relativamente aos domicílios que o fisioterapeuta efetuava ao serviço da Ré, nem se coloca sequer a questão da dimensão e volume dos equipamentos utilizados, sendo que, nestes casos, a utilização de material da Ré aponta precisamente em sentido contrário ao da prestação de serviços.
No que se reporta ao horário de trabalho, não é totalmente incompatível com a existência de um contrato de trabalho que aquele, ou suas alterações, sejam acordadas entre as partes da relação contratual, pelo que os nºs 17 e 18, 1ª parte, dos factos provados [“17. O fisioterapeuta C… comunicou à ré a sua disponibilidade de tempos de trabalho e os tempos de trabalho que pretendia. 18. O horário de trabalho é previamente acordado com a ré, (…)”] não determinam, muito menos necessariamente, a existência de um contrato de prestação de serviços. Por outro lado, uma vez acordado o horário, deveria o fisioterapeuta efetuar a sua prestação dentro do mesmo, o que não abona em favor do mencionado tipo contratual (prestação de serviços)
Quanto ao nº 30 dos factos provados [“30. A obrigatoriedade do uso de farda insere-se no cumprimento das obrigações legais e regulamentares a que os fisioterapeutas estão obrigados”] não é incompatível com a existência de um contrato de trabalho. Acresce que a Ré não se limitou à exigência de utilização de farda, como decorre do nºs 29, als. c), d), e), f) e g) dos factos provados, antes definindo e impondo de forma minuciosa o tipo da mesma e condições da sua utilização.
As limitações à autonomia técnica do fisioterapeuta a que se reportam os nºs 33 e 34 não determinam a existência, muito menos necessariamente, de um contrato de prestação de serviços.
No que se reporta às faltas e ausências ao serviço, decorre do nº 54 dos factos provados que o fisioterapeuta C… não tem que as justificar, o que, mais do que os restantes elementos, poderia apontar no sentido da existência de um contrato de prestação de serviços. Ainda assim, não se nos afigura que o mesmo seja suficientemente concludente no sentido da existência, necessariamente, de tal figura contratual e da exclusão do contrato de trabalho, relembrando-se, a este propósito, que, perante a existência da presunção de laboralidade, não basta eventual dúvida quanto à natureza contratual, mas sim a prova do contrário. E se é certo que, no contrato de trabalho, o empregador pode exigir a justificação das faltas, é certo também que a isso não é obrigado, ficando na sua disponibilidade exigir, ou não, essa justificação. E, por outro lado, o fisioterapeuta comunicava previamente as faltas ao coordenador da Ré D… (cfr. nº 42), comunicação prévia esta característica do contrato de trabalho. Acresce que aquele, C…, não podia designar pessoa para o substituir (nº 43), para além de que, no que se reporta a ausências para férias, as mesmas eram comunicadas à Ré e por esta diligenciada a compatibilização do gozo das mesmas entre os vários fisioterapeutas (nº 44).
No que se reporta à remuneração (nºs 47 a 50 e 53) não vemos que a mesma seja incompatível com a existência de um contrato de trabalho. A remuneração em função do tempo de trabalho é também admitida no contrato de trabalho, sendo ainda de salientar que, no caso, essa remuneração não estava dependente do número de doentes efetivamente atendidos pelo fisioterapeuta C… [cfr. nº 47 dos factos provados, nos termos do qual a remuneração é paga independentemente de se verificar ou não falta de utentes, não sendo descontada qualquer quantia quando falta algum doente das marcações atribuídas].
Quanto ao facto de o fisioterapeuta se encontrar inscrito da Segurança Social como trabalhador independente (nº 55), tal facto não tem relevo significativo, nem, muito menos, é determinante da existência de um contrato de prestação de serviços, pois que, em caso de existência de contrato de trabalho, o mais que se poderá dizer é que consubstancia incumprimento das obrigações legais em matéria de Segurança Social. Aliás, o tipo de ação em causa nos presentes autos, visa precisamente combater tais situações.

Ou seja, e concluindo, não fez a Ré prova, como lhe competia por via da presunção da existência de um contrato de trabalho, que o vínculo contratual em causa era um contrato de prestação de serviços.
E, também por esta razão, se impõe concluir no sentido da improcedência do recurso.
***
IV. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Porto, 26.09.2016
Paula Leal de Carvalho
António José Ramos
Jerónimo Freitas
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[1] Todos os acórdãos que citaremos encontram-se publicados in www.dgsi.pt.