Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1174/14.9TBVFR-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: AUGUSTO DE CARVALHO
Descritores: INSOLVÊNCIA
VERIFICAÇÃO ULTERIOR DE CRÉDITOS
EFEITO PRECLUSIVO
Nº do Documento: RP201511091174/14.9TBVFR-C.P1
Data do Acordão: 11/09/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Os credores que tenham sido avisados nos termos do artigo 129º do CIRE não podem reclamar os seus créditos ao abrigo do disposto no artigo 146º do mesmo diploma, salvo se eles se tiverem constituído posteriormente a esse aviso.
II - A limitação consagrada na alínea a) do nº 2 do artigo 146º confirma o efeito preclusivo estabelecido no artigo 130º.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 1174/14.9TBVFR-C.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

B…, Lda., intentou, em 17 de Julho de 2013, por apenso ao processo de insolvência de C…, Lda., a presente ação de verificação ulterior de créditos, ao abrigo do disposto no artigo 146º, nº 1, do CIRE, contra a Massa Insolvente de C…, Lda., a devedora C…, Lda., e os credores de reclamantes do processo de insolvência, pedindo o reconhecimento do seu crédito, no montante de €57.399,11.

A Massa Insolvente de C…, Lda., contestou, alegando a extemporaneidade da apresentação da ação, dado que a autora foi avisada, nos termos do artigo 129º, nº 4, do CIRE, e não impugnou a lista de créditos apresentada.
O crédito que reclama é anterior à declaração de insolvência, não podendo beneficiar de prazo suplementar.
Estando fora de prazo, não pode a autora socorrer-se da ação prevista no artigo 146º do CIRE.
Conclui pela procedência da exceção e consequente absolvição do pedido.

Findos os articulados, foi proferido despacho saneador, no qual se concluiu pela procedência da exceção perentória deduzida e consequente absolvição dos réus do pedido.

Inconformada, a autora recorreu para esta Relação formulando, em síntese, as seguintes conclusões:
1. A reclamação de créditos foi efetuada pelo mandatário e junta a respetiva procuração forense e documentos.
2. Os elementos fornecidos com a reclamação são suficientes para o reconhecimento pela Senhora Administradora da Insolvência da existência do crédito.
3. Acresce que, à insolvente incumbe a obrigação de apresentar relação por ordem alfabética de todos os credores, com indicação dos respetivos domicílios, dos montantes dos seus créditos, datas de vencimento, natureza e garantias de que beneficiem, nos termos do disposto no artigo 24º do CIRE
4. O mandatário nunca foi notificado do não reconhecimento do crédito, designadamente por extemporaneidade da reclamação, nos termos do artigo 128º do CIRE.
5. Nem da possibilidade de impugnar a lista de credores reconhecidos, com fundamento na indevida inclusão ou exclusão de créditos, ou na incorreção do montante ou da qualificação dos créditos (artigos 129º, nº 4, e 130º, nºs 1 e 2, do CIRE).
6. Deve, pois, ser revogada a sentença, por falta de notificação do mandatário, nos termos do disposto no artigo 247º C.P.C.
7. E, em consequência ordenar-se a notificação do mandatário da reclamante do não reconhecimento do crédito, e respetivos fundamentos e ainda da possibilidade de impugnar a lista de credores reconhecidos, com fundamento na indevida inclusão ou exclusão de créditos, ou na incorreção do montante ou da qualificação dos créditos (artigos 129º, nº 4, e 130º, nºs 1 e 2, do CIRE).
8. Violou a douta sentença, entre outros o disposto nos artigos 24º, 128º, 129, 130º do CIRE, e 247º do C.P.C.

Não houve contra-alegações.

Cumpre decidir.

Na decisão recorrida foram considerados assentes os seguintes factos:
1. No dia 14 de Março de 2014 foi decretada a insolvência da devedora.
2. Foi fixado o prazo de 30 dias para os credores reclamarem os seus créditos.
3. No prazo referido no artigo anterior, a autora, B…, Lda., não reclamou os seus créditos;
4. A autora, através do seu mandatário, reclamou créditos após esse prazo;
5. Tendo em consideração a extemporaneidade da reclamação e alegando ter tido conhecimento da probabilidade da existência do crédito por parte do seu mandatário, à autora foi enviada a comunicação prevista pelo artigo 129º, n.º 4, do CIRE, através de carta registada, comunicação cuja cópia se encontra junta a fls. 36 e aqui se reproduz, com data de 26 de Junho de 2014;
6. A autora não impugnou a lista de créditos que se encontra junta ao apenso de reclamação de créditos;
7. A autora instaurou a presente ação de verificação ulterior de créditos no dia 18 de Julho de 2014, reclamando créditos de constituição anterior à data de declaração da insolvência, correspondendo o crédito ao referido no artigo 4º.

São apenas as questões suscitadas pelos recorrentes e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar – artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do novo C.P.C.
A questão a decidir consiste em saber se a comunicação a que se refere o nº 4 do artigo 129º do CIRE deveria ter sido efetuada ao mandatário da credora/apelante, e não, como aconteceu, apenas a esta.

I. Nos autos de insolvência a que esta acção de verificação ulterior de créditos se encontra apensa, C…, Lda., foi declarada insolvente, por sentença proferida em 14.3.2014.
Nos termos do artigo 146º, nº 1, do CIRE, findo o prazo das reclamações, é possível reconhecer ainda outros créditos, bem como o direito à separação ou restituição de bens, de modo a serem atendidos no processo de insolvência, por meio de acção proposta contra a massa insolvente, os credores e o devedor, efectuando-se a citação dos credores por meio de edital electrónico publicado no portal Citius, considerando-se aqueles citados decorridos cinco dias após a data da sua publicação.
No nº 2 do mesmo preceito estabelece-se que o direito à separação ou restituição de bens pode ser exercido a todo o tempo, mas a reclamação de outros créditos nos termos do número anterior:
a) Não pode ser apresentada pelos credores que tenham sido avisados nos termos do artigo 129º, exceto tratando-se de créditos de constituição posterior;
b) Só pode ser feita nos seis meses subsequentes ao trânsito em julgado da sentença de declaração da insolvência ou no prazo de três meses seguintes à respetiva constituição, caso termine posteriormente.
É certo que a autora instaurou a presente acção de verificação ulterior de créditos no dia 18 de Julho de 2014 e, portanto, dentro do prazo de seis meses a que se refere a alínea b) do nº 2 do citado artigo.
Porém, na alínea anterior, consagra-se uma limitação à verificação ulterior de créditos, isto é, os credores que tenham sido avisados nos termos do artigo 129º não podem reclamar os seus créditos ao abrigo do disposto no artigo 146º, salvo se eles se tiverem constituído posteriormente a esse aviso.
Proferida a sentença de declaração de insolvência, é fixado o prazo para apresentação pelos credores das reclamações de créditos, mediante requerimento dirigido ao administrador da insolvência – artigo 128º do CIRE.
Nos 15 dias subsequentes ao termo do prazo das reclamações, o administrador da insolvência apresenta na secretaria uma lista de todos os credores por si reconhecidos e uma lista dos não reconhecidos, ambas por ordem alfabética, relativamente não só aos que tenham deduzido reclamação como àqueles cujos direitos constem dos elementos da contabilidade do devedor ou sejam por outra forma do seu conhecimento – 129º, nº 1, do mesmo diploma.
E, no nº 4 deste último preceito, estabelece-se: Todos os credores não reconhecidos, bem como aqueles cujos créditos forem reconhecidos sem que os tenham reclamado, ou em termos diversos dos da respectiva reclamação, devem ser avisados pelo administrador da insolvência por carta registada, com observância, com as devidas adaptações, do disposto nos artigos 40º a 42º do Regulamento (CE) nº 1346/2000, do Conselho, de 29 de Maio, tratando-se de credores com residência habitual, domicílio ou sede em outros Estados membros da União Europeia que não tenham já sido citados nos termos do nº 3 do artigo 37º.
Como referem Carvalho Fernandes e João Labareda, «o regime fixado no nº 4 visa a tutela dos credores não reconhecidos, daqueles cujos créditos foram reconhecidos sem terem sido reclamados e, ainda, dos titulares de créditos que foram reconhecidos em termos diferentes dos reclamados.
Embora por razões não coincidentes para todos estes credores, trata-se de lhes facultar a possibilidade de virem ao processo em defesa dos seus interesses, sustentando, quer que os seus créditos devem ser reconhecidos, quer que o devem ser em termos diferentes dos que constam da lista de credores reconhecidos.
Para tanto, os credores a que se refere a primeira parte do nº 4 devem ser avisados pelo administrador da insolvência do não reconhecimento dos seus créditos ou dos termos em que o reconhecimento foi feito, consoante o caso». Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, pág. 551.
O prazo para a impugnação não começa a correr sempre nos mesmos termos, como resulta dos nºs 1 e 2 do artigo 130º.
Em geral, o prazo tem início após o termo do fixado no nº 1 do artigo 129º para a elaboração, pelo administrador da insolvência, da lista dos credores reconhecidos e da lista dos não reconhecidos.
No que toca aos credores avisados por carta registada, o prazo só começa a contar a partir do terceiro dia útil posterior à data da expedição da correspondente carta.
No caso em apreço, de facto, a autora reclamou os seus créditos nos termos previstos no artigo 128º, para além do prazo de trinta dias fixado na sentença e, nesse contexto, a administradora da insolvência procedeu ao aviso por carta registada a que se refere o nº 4 do citado artigo 129º do CIRE.
A autora/apelante, no entanto, vem defender que a carta registada não lhe deveria ser enviada a si, como veio a acontecer, mas ao seu mandatário.
Cremos que não terá razão, pois, por um lado, a lei refere-se expressamente aos credores e, por outro, não se está perante um ato praticado pelo tribunal no decurso do processo, nem o mandatário da autora possuía procuração com poderes especiais para receber o aviso em causa. cfr. artigo 247º do C.P.C.
Neste sentido, ao ser avisada pela administradora da insolvência, nos termos do nº 4 do artigo 129º, a ora autora deveria ter impugnado a lista de credores e, não o tendo feito, ocorreu o efeito preclusivo estabelecido no artigo 130º, nº 3, do CIRE.
Quanto à verificação ulterior de créditos pretendida com esta ação, já acima referimos que os credores avisados nos termos do artigo 129º não podem reclamar os seus créditos ao abrigo do disposto no artigo 146º.
A limitação consagrada na alínea a) do nº 2 do artigo 146º confirma o efeito preclusivo estabelecido no artigo 130º.
Uma vez avisada nos termos do artigo 129º, dado que a autora não impugnou a lista de credores, ficou-lhe vedada a possibilidade de requerer a verificação ulterior do seu crédito.
Improcede, assim, o recurso da autora C…, Lda.

Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes desta secção cível em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmar a sentença recorrida.

Custas pelo apelante.

Sumário:
I. Os credores que tenham sido avisados nos termos do artigo 129º do CIRE não podem reclamar os seus créditos ao abrigo do disposto no artigo 146º do mesmo diploma, salvo se eles se tiverem constituído posteriormente a esse aviso.
II. A limitação consagrada na alínea a) do nº 2 do artigo 146º confirma o efeito preclusivo estabelecido no artigo 130º.

Porto, 9.11.2015
Augusto de Carvalho
José Eusébio Almeida
Carlos Gil