Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1029/19.0T8AVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: DOMINGOS MORAIS
Descritores: CONCURSO DE ASSISTENTES OPERACIONAIS
MULHER LACTANTE
DISCRIMINAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Nº do Documento: RP202111151029/19.0T8AVR.P1
Data do Acordão: 11/15/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A SENTENÇA.
Indicações Eventuais: 4.ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Concorrente classificada em 3.º lugar, no concurso para cinco vagas de assistentes operacionais, aberto por Unidade Hospitalar, só não foi contratada para exercer tais funções, por estar a amamentar o seu filho com 19 meses de idade, tendo sido preterida pelo candidato seguinte na lista de classificados.
II - Tal comportamento constituiu um manifesto acto discriminatório relativo ao direito à igualdade no acesso ao emprego em função da maternidade, por virtude de a concorrente ter requerido o direito à amamentação, em horário compatível, que as leis – comunitária, constitucional e ordinária - reconhecem à mãe lactante.
III - Tal acto discriminatório, tendo causado graves danos morais e físicos à concorrente, inclusive, ao nível do rendimento familiar, justifica o valor de €15 000,00 (quinze mil euros) a título de danos não patrimoniais.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 1029/2019.0T8AVR.P1
Origem: Comarca Aveiro-Aveiro-Juízo Trabalho-J2
Relator - Domingos Morais - Registo 929
Adjuntos - Paula Leal Carvalho
Rui Penha


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

IRelatório
1. – B… intentou acção comum emergente de contrato individual de trabalho, na Comarca Aveiro-Aveiro-Juízo Trabalho-J2, contra
Cento Hospitalar …, EPE – Hospital C…, nos autos identificados, alegando, em resumo, que:
Em 09.07.2018, o Cento Hospitalar …, EPE – Hospital C..., deu início a procedimento concursal para preenchimento de vagas na categoria de assistente operacional.
A Autora concorreu, foi admitida e ficou graduada na terceira posição, tendo na entrevista realizada no âmbito desse procedimento referido às enfermeiras que a entrevistaram que se encontrava a amamentar o seu filho de dezassete meses, nada lhe tendo sido dito a esse respeito pelas mesmas.
Foi contactada para se apresentar no dia 19.9.2018, no Hospital C..., a fim de celebrar um contrato individual de trabalho, o que fez, tendo-se pelas 9 horas dirigido ao Departamento de Recursos Humanos onde conjuntamente com mais quatro candidatas preencheu a documentação necessária e, tendo referido a circunstância de se encontrar a amamentar o seu filho foi-lhe entregue também o formulário do pedido de dispensa para esse efeito, com a indicação de o apresentar na reunião que se seguiria com a Enfermeira Directora.
Quando na reunião apresentou tal formulário à Enfermeira Directora, esta sem qualquer justificação disse-lhe que não lhe concederia qualquer horário para amamentação, que tinha que cumprir os turnos existentes, que a amamentação era um problema que tinha que resolver.
Tentou explicar que não se recusava a fazer turnos, podendo fazer os turnos da manhã e os intermédios e que a dispensa para amamentação embora fosse um direito que lhe assistia era uma situação transitória.
A enfermeira directora ignorou os seus argumentos e disse-lhe que não tinha lugar naquele hospital, que tal circunstância era motivo impeditivo para que fosse admitida ao concurso, bem como, para ser desclassificada, que deveria resolver primeiro o problema da amamentação e depois talvez ainda tivesse alguma hipótese de vir a trabalhar naquele hospital.
Terminou, pedindo:
“(D)eve a presente acção ser julgada procedente e provada e consequentemente, ser o Réu condenado:
a) No pagamento da quantia de €4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros), a título de danos patrimoniais correspondentes à soma das quantias peticionadas em 47º e 48º, supra;
b) No pagamento de €20.000,00 (vinte mil euros) por danos não patrimoniais
c) E ainda no pagamento de juros à taxa legal desde a data da citação até integral pagamento, com as legais consequências quanto a custas, Procuradoria e demais encargos.”.
2. - Frustrada a conciliação na audiência de partes, o réu contestou, impugnando os factos essenciais da causa de pedir.
Terminou, concluindo:
“(D)eve
a) a presente acção ser julgada totalmente improcedente por não provada e, em consequência, o Réu, CH... EPE, absolvido do pedido.
Caso assim não se entenda e se apure qualquer responsabilidade do Réu no alegado pela Autora,
b) deve a ação ser julgada e decidida de acordo com a prova a produzir e, sendo o caso, segundo as regras de arbitramento da indemnização legalmente estabelecidas tendo, nomeadamente em consideração o grau de culpabilidade do agente, ou seja: o quanto o comportamento culposo do lesado contribuiu para a produção ou agravamento dos danos causados.”.
3. – A autora respondeu, concluindo como na petição inicial.
4. - No despacho saneador, a Mma Juiz fixou o valor da acção em €24.500,00 e admitiu os meios de prova.
5. - Realizada a audiência de julgamento, a Mma Juiz proferiu decisão:
Pelo exposto e, sem necessidade de mais considerações, julgando-se a presente acção parcialmente procedente decide-se:
1º- Condenar o R. a pagar à A. a quantia de €15.000,00 (quinze mil euros) a título de indemnização pelos danos de natureza não patrimonial por esta sofridos, com juros de mora, à taxa legal de 4%, contados a partir da presente decisão até integral pagamento.
2º- Absolver o R. do demais pedido.”.
6. – O réu apresentou recurso de apelação, concluindo:
1. Conforme o que consta dos autos e o alegado supra neste recurso a resposta aos factos identificados na douta sentença como 1, 2, 3, 4, 10, 14, 16, 18, 19, 29, 32, 36, 37, 38 e 39 dever ser precisamente a contrária.
Ou seja, devem considerar-se:
a) provados os factos identificados em 1, 2, 3 e 4 da douta sentença, e
b) não provados os factos ali identificados sob os números 10, 14, 16, 18, 19, 29, 32, 36, 37, 38 e 39.
E em consequência deve revogar-se a sentença e substituir-se a mesma por outra que julgue a ação improcedente por não provada e absolva o Réu, CH… EPE, do pedido.
Quando assim não se entenda, o que, sem consentir, por mera cautela e dever de patrocínio se admite, cumpre então ao Réu recorrente apresentar o seguinte
2. A MMª Juiz “a quo” ao fundamentar a, aliás, douta decisão, no incumprimento pelo A. do disposto nos artigos 23.º a 32.º, 47.º e 48.º e 60.º do Código do Trabalho e nas Directivas 2000/43/CE, a Directiva 2002/73/CE, a Directiva 2000/78/CE, a Directiva 92/85/CEE violou estes normativos, assim como na prolação dessa decisão violados foram
a. os artigos 23.º a 32.º, 47.º e 48.º, 60.º do Código do Trabalho;
b. o artigo 68.º da Constituição da República Portuguesa;
c. o art. 25.º da Portaria n.º 83-A/2009, de 22 de Janeiro, entretanto revogada, dando lugar ao artigo 17.º da Portaria n.º 125-A/2019, de 30 de Abril e
d. os artigos 342.º/1, 496º e 570.º e ss. do Código Civil;
Nestes termos e em conformidade com tudo quanto foi exposto nas presentes alegações, as quais deverão ser julgadas procedentes, e por tudo o mais que V. Exas. Doutamente suprirão, devem V. Exas. julgar totalmente procedente o presente recurso, e assim a douta decisão recorrida por outra que declare improcedentes os pedidos da Autora, com todas as legais consequências.
Se assim não se entender, deve a indemnização fixada pela primeira instância ser reduzida para um valor razoável a arbitrar por V. Exas entendendo-se que excessiva qualquer uma que ultrapasse os 1.000,00€ (mil euros).
Assim se fazendo a devida e esperada Justiça!
7. - A autora contra-alegou, concluindo:
A) Pretende o Réu/Recorrente que seja reapreciada a matéria de facto, sendo que no seu entendimento a resposta dada na douta sentença, aos factos 1, 2, 3, 4, 10, 14, 16, 18, 19, 29, 32, 36, 37, 38 e 39, dever ter sido precisamente ao contrário, pois segundo o mesmo, “a decisão sobre a matéria de facto assentou numa apreciação infundada e incorrecta da prova produzida no processo (…)”
B) À luz do princípio da livre apreciação da prova, não existe qualquer motivo para se considerar como incorrecta e infundada a apreciação da prova, nomeadamente a testemunhal, produzida de forma directa e presencial na audiência de julgamento, tendo ademais, a Mma. Juiz a quo elencado as razões pelas quais deu os factos como provados e, em consequência, decidindo pela clareza e veracidade da mesma.
C) Analisada a douta sentença proferida nos autos, e salvo melhor entendimento, verifica-se que a convicção da Mma juiz a quo assentou nas várias provas testemunhais e documentais, apresentadas em julgamento, tendo convictamente entendido que as provas carreadas e examinadas eram fundamento suficiente para a matéria de facto dada como provada.
D) Ao contrário do que pugna o Recorrente, e salvo melhor entendimento, não existe qualquer motivo para se considerar como incorrecta e infundada, face às regras da experiência, a apreciação e valoração da prova realizada, concretamente a testemunhal, a qual foi produzida de forma directa e presencial na audiência de discussão e julgamento, tendo a Mma. Juiz a quo claramente elencado as razões pelas quais deu os factos como provados.
E) Quanto às normas que o recorrente entende terem sido violadas na prolação da sentença agora em causa, claramente a Mma. Juiz a quo, demonstrou que foi o Réu que violou as mesmas, pois, conforme consta da mesma e que se reproduz “o grau de ilicitude do actuação do R. foi elevado, a A. pelo facto de pretender exercer os seus direitos de lactante, não só se viu preterida e afastada do posto de trabalho a que legitimamente aspirava e de que necessitava, como foi tratada deforma rude e com desconsideração, o que a fez sentir vexada e humilhada. E a actuação do R. é ainda mais grave e censurável porquanto para tentar encobrir o real motivo da não contratação da A. que foi a reivindicação por estada redução de horário e a dispensa de trabalho nocturno para amamentação do filho, lhe imputou declarações inverídicas para arranjar um falso motivo que servisse para justificar a recusa da sua contratação, o que é completamente inadmissível numa entidade pública que tem responsabilidades éticas e sociais e a obrigação de pautar a sua actuação pelos princípios fundamentais do nosso ordenamento jurídico, como são os princípios da igualdade e não discriminação no trabalho e acesso ao emprego, nomeadamente, em função do exercício dos direitos inerentes à parentalidade (…)” – sublinhado nosso.
F) Analisada a douta sentença proferida, bem como as alegações de recurso é, salvo melhor opinião, entendimento da Autora/Recorrida que a douta sentença ora recorrida não merece censura quanto às questões levantadas pelo ora recorrente, e que deve a mesma ser integralmente mantida.
Assim, não padecendo a sentença ora recorrida de nenhum dos erros apontados pelo Recorrente, nem tendo violado qualquer norma legal, deverá concluir-se pela bondade do decidido, pelo que negando provimento ao recurso apresentado, e mantendo a sentença recorrida nos precisos termos em que foi proferida, farão V. Exas. a costumada JUSTIÇA!
7. - O M. Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
8. - Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. - Fundamentação
1. - Os factos
1.1. - Na 1.ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
1. Em 09.07.2018, o Cento Hospitalar …, EP– Hospital C..., deu início a procedimento concursal para preenchimento de vagas na categoria de assistente operacional, nos termos definidos no Aviso 04/2018, cuja cópia se mostra inserta a fls 9 e 10 dos autos, dando-se aqui por integralmente reproduzido o respectivo teor.
2. O Centro Hospitalar do … é composto pelas unidades de …, … e ….
3. A Autora candidatou-se ao referido concurso, concorreu, foi admitida, tendo, a final, obtido colocação na terceira posição, conforme lista de classificação final, cuja cópia se mostra junta e fls 11v a 14 dos autos.
4. Aquando do agendamento e comunicação da data da entrevista técnica, foi a mesma marcada para 01.08.2018; no decurso da mesma, a Autora informou as técnicas que realizaram a entrevista, Enfermeiras-Chefes, D... e E..., que estava a amamentar o seu filho, tendo em conta que o horário de trabalho seria praticado por turnos.
5. No entanto, na referida entrevista nunca disse que pretendia exercer as suas funções em regime especial, ou diferente daquele previsto no anúncio do concurso, mostrando disponibilidade para trabalhar em regime de turnos, nas três unidades do Centro Hospitalar.
6. De igual forma nada dito pelas técnicas que conduziam a entrevista quanto a esta informação nem quanto à questão da amamentação.
7. E no quadro de suporte à entrevista, cuja cópia se mostra inserta a fls 76, na parte relativa à disponibilidade e motivação, nomeadamente, quanto à questão 10) Quantos turnos noturnos estaria disponível para realizar num período de 4 semanas, atribuíram-lhe a pontuação máxima (2) que traduz inteira disponibilidade do candidato para realizar os turnos necessários e legalmente possíveis em cada período de um mês.
8. No dia 18.09.2018, foi a Autora contactada telefonicamente para se apresentar no dia seguinte, 19.09.2018, pelas 9 horas, no Departamento de Recursos Humanos, para celebrar contrato individual de trabalho.
9. Na data e hora marcada, apresentou-se a Autora juntamente com as outras quatro candidatas convocadas para o mesmo efeito, nos serviços acima mencionados, onde preencheram as fichas de admissão e outros documentos que lhe foram exibidos, necessários à celebração do referido contrato de trabalho.
10. Nesse momento a A. voltou a referir àqueles serviços a circunstância de estar a amamentar o seu filho, nascido em .6.2.2017, então com 19 meses de idade, mencionando o seu direito à dispensa para amamentação.
11. E foi-lhe então entregue o formulário do pedido de dispensa para amamentação para o preencher e apresentar na reunião que teria em seguida para que o mesmo fosse autorizado e assinado. Essa reunião seria com a Enfermeira-Directora para que esta desse conhecimento do serviço hospitalar onde iria exercer funções.
12. Nessa manhã, em hora não concretamente apurada, a Autora e as restantes convocadas foram chamadas para a reunião com a Enfermeira Directora F... e Enfermeira Chefe G..., para tomarem conhecimento dos serviços onde iam exercer funções.
13. No decurso dessa reunião, a A. exibiu o formulário do pedido de redução de horário para amamentação, acompanhado da declaração médica da pediatra, a qual atestava que a A. estava a amamentar o filho e que a amamentação era benéfica para a saúde deste, devendo a mesma beneficiar de redução de horário e isenção da realização de trabalho nocturno, cujas cópias se mostram insertas a fls 14v e 15 dos autos.
14. A Enfermeira Directora ao tomar conhecimento do pedido em causa, de forma rude e áspera, disse-lhe que “estava fora de hipótese ter horário para amamentação, que tinha de cumprir os turnos existentes em regime rotativo, nomeadamente o da noite; que não queria ninguém com horário de amamentação, pois, já tinha bastantes.”
15. A Autora tentou explicar a sua situação familiar, dizendo que o marido também trabalhava por turnos, mas que ela não se recusava a fazer turnos, podia fazer os turnos da manhã e os intermédios, que só não faria os turnos da noite enquanto estivesse a amamentar o filho, o que era uma situação transitória, pois logo que o filho se adaptasse a outro leite que não o materno faria o desmame.
16. Ignorando os argumentos da Autora, a Enfermeira Directora respondeu-lhe: “que tinha de resolver a sua situação familiar e depois que voltasse e logo se via… ; que não devia ter sido admitida na entrevista porque o concurso era para fazer turnos” e interrompeu a reunião, saindo da sala, sem indicar os serviços onde iam exercer funções às restantes trabalhadoras, que ficaram estupefactas com a atitude rude e inflexível da Enfermeira Directora para com a A..
17. Algum tempo depois, a Enfermeira Chefe G... chamou as outras quatro trabalhadoras e conduziu-as aos serviços onde ficaram a exercer funções.
18. A A. ficou chocada com a postura da Enfermeira Directora, pois face à classificação obtida no concurso tinha fortes expectativas de ser contratada que agora via goradas e a sua situação financeira sem a realização daquele contrato ficaria precária.
19. Quando a Enfermeira Directora regressou, a A. voltou a abordá-la fazendo-lhe notar que necessitava muito daquele trabalho mas esta mostrou-se insensível e disse-lhe que não autorizava a sua contratação porque daria prejuízo ao Hospital.
20. Ainda no dia 19.9.2018, perante a posição assumida pela Enfermeira Directora, a A. foi procurar a representante sindical H... e, no início da tarde, acompanhada desta, dirigiu-se novamente à Enfermeira Directora e ao Departamento de Recursos Humanos, solicitando a outorga do contrato ou um documento onde explicitassem os motivos pelos quais não era contratada, tendo-lhe sido mantida a recusa de contratação e negada a entrega de qualquer documento justificativo.
21. Após tal recusa, deixou as instalações do Réu pelas 15.05 horas, tendo registado a saída no relógio de ponto.
22. A A. no período de 02.01.2018 a 31.3.2018, tinha exercido, no âmbito de Programas Ocupacionais, ao abrigo de um Contrato de Emprego e Inserção, as funções de assistente operacional no serviço de consultas externas do Hospital de … e a partir da terceira semana teve dispensa para amamentação.
23. Nesse período tinha-lhe sido atribuído um número mecanográfico, número esse que foi reactivado na manhã do dia 19.9.2018 quando se apresentou no departamento de recursos humanos e voltou a ser desactivado pelas 18.00 horas desse dia.
24. A Enfermeira Directora nesse mesmo dia 19.9.2018 elaborou a comunicação interna inserta a fls 76 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido na sua literalidade, na qual, concluiu que não era possível a realização do contrato com a A., uma vez que os requisitos exigidos não estavam satisfeitos, solicitando que se chamasse de imediato o candidato seguinte.
25. A A. inconformada e desgostosa com a actuação do R., no dia 20.09.2018 dirigiu-se aos serviços da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), onde foi informada que deveria elaborar e apresentar uma participação à Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE), o que fez.
26. E também por orientação dada pela ACT, apresentou-se nas instalações do Réu, no Hospital de …, no dia 21.09.2018, pelas 9h, acompanhada pelos dirigentes sindicais I... e J....
27. Ao chegar às instalações do Réu e ao “picar o ponto”, percebeu que o seu número mecanográfico estava inactivo.
28. De seguida, dirigiram-se os três ao Departamento dos Recursos Humanos para tentarem resolver a situação. Aí por determinação da Presidente do Conselho de Administração, Drª K..., reuniram com a Dra. L..., directora dos recursos humanos, a Dra. M..., técnica superior, e a Dra. N..., jurista.
29. Nesta reunião, a A. manteve o que tinha dito à Enfermeira Directora no dia 19.9.2018, que podia cumprir os turnos da manhã e os intermédios, mas enquanto estivesse a amamentar não podia realizar turnos nocturnos. E tendo sido questionada se aceitava ir trabalhar para a Unidade de … se tal lhe fosse proposto, respondeu que isso não estava em questão, pois todas as trabalhadoras convocadas para iniciarem funções no dia 19.9.2020, tinham ficado na Unidade de ….
30. As representantes do R. na reunião mantiveram a posição de não contratação da A., e apresentaram-lhe a acta cuja cópia se mostra inserta a fls 17v, sem o último parágrafo. A A. refutou o teor da mesma por lhe atribuir declarações que não fizera perante a Enfermeira Directora e, por isso, foi introduzido o último parágrafo, com a sua posição.
31. Assim, nos quarto e quinto parágrafos da acta ficou consignada a versão dos factos sustentada pelo R., segundo a qual a A. não fora contratada porque tinha dito perante a Enfermeira Directora que apenas poderia realizar o horário das 8.00 às 17.00 horas em virtude de o seu marido trabalhar por turnos e que não poderia desempenhar funções nas unidades de … e ….. No sexto parágrafo consta a posição da A. que refutou as afirmações que lhe eram imputadas, dizendo que o que havia comunicado à Enfermeira Directora fora apenas que se encontrava temporariamente indisponível para a realização de trabalho nocturno por estar a amamentar o filho de 19 meses e o seu marido trabalhar por turnos.
32. A A. saiu da reunião com a convicção de que não foi contratada pelo R., apesar de classificada em terceiro lugar, somente pelo facto de estar amamentar o filho e ter apresentado o formulário para requerer a redução de horário e a isenção de trabalho nocturno.
33. Em consequência directa dos factos ocorridos tanto na reunião com a Enfermeira Directora no dia 19.09.2018, como nesta reunião nos recursos humanos do R., a A. sentiu-se vexada na sua dignidade de mulher e mãe.
34. Da situação deu a A. conhecimento à CITE, que emitiu o parecer inserto de fls 19 a 33 dos autos, aprovado por unanimidade, em 31.10.2018, considerando haver indícios sérios de discriminação no acesso ao emprego em virtude da A. pretender exercer os direitos de lactante, tendo recomendado ao R. a regularização da situação da Autora. O representante do Ministério das Finanças, além de votar favoravelmente o parecer, fez a seguinte declaração: “No entanto, devo manifestar profundo desagrado, enquanto entidade com especiais responsabilidades no que se refere aos recursos humanos da Administração Pública – com a inequívoca violação dos princípios e valores fundamentais do estado de Direito Democrático e da Constituição da República, que o Centro Hospitalar do …, E.P.E., como instituição de sector público, devia especialmente observar e defender.”
35. A remuneração base na categoria de assistente operacional na função pública, que a A. iria auferir era de €600,00.
36. A actuação do R. acima descrita reflectiu-se negativamente na personalidade da A., que se sentiu diminuída e humilhada.
37. Nos meses subsequentes aos factos acima descritos, a A. andou desgostosa, nervosa e abalada com tudo aquilo que presenciou e viveu e ainda denota um estado de ansiedade, apresentando sinais de perturbação comportamental, como frustração, insónias, desinteresse, desânimo, bem como irritabilidade e crescente sensibilidade a qualquer tipo de contrariedade.
38. A saúde da Autora ficou abalada, tendo em consequência começado a tomar medicação ansiolítica e antidepressiva, estando neste momento medicada com “paroxitina” e de “rivotril” e “alprozolan”.
39. Por via da postura assumida pelo Réu, a Autora não integrou um posto de trabalho que tinha por certo mercê da colocação obtida no concurso, e continua sem trabalho regular e sem perspectivas de vir a obter um trabalho similar ao que lhe foi negado, tendo frequentado algumas formações e arranjado trabalhos esporádicos de limpeza e numa pastelaria, situação que se traduz em dificuldades financeiras para o seu agregado familiar, que tem como rendimento apenas o vencimento do marido.
40. O CH…, E.P.E., por força das suas diversas atribuições, presta serviços todos os dias do ano, durante 24 horas por dia, e pratica um leque diversificado de turnos, que podem ser os seguintes:
- das 8.00 às 15.00 horas;
- das 15.00 às 22.00 horas;
- das 22.00 às 8.00 horas;
- das 8.00 às 16.00 horas;
- das 16.00 às 00.00 horas;
- das 00.00 às 8.00 horas;
- das 8.00 às 16.00 horas;
- das 8.00 às 18.00 horas;
- das 8.00 às 17.00 horas;
- das 12.00às 20.00 horas;
- das 8.00às 13.00 horas;
- das 16.00 às 20.00 horas;
- das 22.00 às 8.00 horas.
41. A A. sabia desde da publicitação do Aviso de abertura em 19.7.2018 que a bolsa de recrutamento se destinava à constituição de uma bolsa de recrutamento para a categoria de assistente operacional, a desenvolver em regime de turnos e em qualquer das três unidades do Centro Hospitalar.
42. A A. quando trabalhou no CH.. ao abrigo de um contrato de Emprego e Inserção entre 2.1.2018 e 31.3.2018, exerceu funções de Assistente Operacional, no serviço de consultas externas, de segunda a sexta-feira, no regime de horário desfasado entre 9as 8.00 e as 18.30 horas, cumprindo os seguintes horários: 8.00-16.30; 9.00-17.00; 9.00-17.30 e 10.00-18.30 horas.
43. E durante esse período esteve ausente do trabalho por diversas vezes, a maioria com justificação médica, tendo trabalhado apenas 13 dias no mês de Janeiro, 6 dias no mês de fevereiro e 9 no mês de Março.
44. O R. tem ao serviço várias mulheres, nomeadamente enfermeiras e assistentes operacionais, que estão a amamentar os filhos e que beneficiam da redução de horário para o efeito e dispensa de trabalho nocturno, no entanto, a algumas o R. só permitiu o exercício de tais direitos após intervenção da CITE.
*
Com interesse para a decisão não se provaram os seguintes factos:
1. Que na entrevista de selecção tenha sido perguntado à A. se estava disponível para trabalhar em todos os turnos indicados em 40. e a mesma tenha mostrado disponibilidade para trabalhar em todos eles mesmo no período de amamentação.
2. Que no dia 19.9.2018, quando se deslocou ao Hospital C…, sede do CH… para iniciar funções a A. declarou perante a Drª M..., técnica superior de recursos humanos, a Drª G... (Enfermeira Chefe do CH..) e a Drª F… (Enfermeira Directora do CH…) que por ser mãe de uma criança, naquela altura com 19 meses de idade, que ainda amamentava e pelo facto de o marido trabalhar por turnos:
a) ela (A) não poderia trabalhar no regime de turnos;
b) se encontrava também impedida de trabalhar aos fins de semana( sábados e domingos);
c) que apenas poderia desempenhar funções entre as 9.00 e as 17.00 horas;
d) que não podia exercer funções nas unidades de … e ….
3. Que na reunião realizada no dia 21.9.2018 no departamento de recursos humanos, a A. fez declarações distintas das que tinha feita à Enfermeira directora no dia 19.9.2020.
4. Que no dia 21.9.2018, as 8 autorizações dadas ao R. pela ACSS para a contratação de assistentes operacionais já estavam esgotadas e as vagas preenchidas.
III. – Fundamentação de direito
1. - Atento o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis por força do artigo 1.º, n.º 2, alínea a) e artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho (CPT), e salvo questões de conhecimento oficioso, o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões dos recorrentes, supra transcritas.
Mas essa delimitação é precedida de uma outra, qual seja a do reexame de questões já submetidas à apreciação do tribunal recorrido, isto é, o tribunal de recurso não pode criar decisões sobre matéria nova, matéria não submetida ao exame do tribunal de que se recorre.
2.Questão prévia: junção de documento.
2.1. - No ponto IV. RECURSO SOBRE MATÉRIA DE DIREITO, números 35 e 38, das alegações de recurso, o réu recorrente sustentou parte das suas alegações e considerações de direito num denominado “DOC 1”, que, a final, juntou aos autos:
35. Ademais a autora já com o presente processo judicial em curso voltou a candidatar-se e a ser admitida para integrar os quadros de pessoal do CH… e declinou essa possibilidade (cfr DOC 1) o que só reforça a tese do recorrente (aliás expressivamente plasmada no pedido desta acção) segundo a qual importância que a autora pretende atribuir ao seu ingresso era, no mínimo, muito discutível e não devia merecer compensações do Erário Publico, ou seja: de todos nós.”.
2.2. – Nas suas contra-alegações, a autora opôs-se a tal junção por não verificados os respectivos requisitos legais.
2.3. – É consabido que a junção de documentos, em sede de recurso, é excepcional, só podendo ter lugar quando a sua apresentação não tenha sido possível até então – superveniência -, ou quando a sua “junção apenas se tenha tornado necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª instância”. – cf. artigos 651.º, n.º 1 e 425.º, ambos do Código de Processo Civil.
O “DOC 1” foi junto com as alegações de recurso, mas sem qualquer requerimento dirigido ao respectivo Tribunal a pedir a sua junção e, muito menos, a justificá-la nesta fase processual, tanto mais que tal documento é uma DECLARAÇÃO emitida pelo próprio réu.
O direito processual civil consagra um princípio estruturante: o tribunal não pode resolver qualquer conflito de interesses que a acção ou o requerimento pressupõem, sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição – cf. artigos 3.º n.º 1 e 5.º n.º 1, ambos do CPC.
Dada a natureza excepcional da junção de documentos em sede de recurso - cf. artigos 651.º, n.º 1 e 425.º, ambos do CPC -, tal princípio do pedido judicial impõe que a ré tivesse requerido ao Tribunal de recurso a junção do “DOC 1”, justificando-a nesta fase processual, quer pela sua superveniência ou quer pela sua necessidade em virtude do julgamento proferido em 1ª instância.
Assim, dado que o réu não apresentou qualquer requerimento a pedir a junção do referido documento e muito menos a justificou nesta fase processual, tanto mais que se trata de documento particular de sua autoria, não é de o considerar no contexto do recurso interposto.
Em conclusão: não tendo o réu apresentado requerimento ao Tribunal de recurso a pedir a junção do referido documento, justificando-a, não estão preenchidos os requisitos da excepcionalidade prevista nos artigos 651.º, n.º 1 e 425.º, ambos do CPC, para que tal documento se mantenha nos autos.
Assim, deve o mesmo ser desentranhado e devolvido ao réu recorrente.
3. - Objecto do recurso:
- A modificabilidade da decisão de facto.
- A discriminação de mulher lactante.
- O direito da autora aos danos não patrimoniais reconhecidos na sentença recorrida.

4. - Da modificabilidade da decisão de facto.
4.1. - Atento o disposto no artigo 662.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, o Tribunal da Relação deve alterar a decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto, “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Para o efeito da alteração da decisão de facto, o artigo 640.º, do CPC, dispõe:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo da possibilidade de poder proceder à respectiva transcrição dos excertos que considere relevantes; (…)”.
4.2. – Em comentário ao citado artigo, António Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, páginas 126, 127 e 129, escreve que “(…) O recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre ao recorrente indicar com exactidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos (…); (…), pretendendo o recorrente a modificação da decisão da 1.ª instância e dirigindo uma tal pretensão a um tribunal que nem sequer intermediou a produção da prova, é compreensível uma maior exigência no que concerne à impugnação da matéria de facto, impondo, sem possibilidade de paliativos regras muito precisas (…)”, acrescentado ainda que “(…) as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo (…)”.
A jurisprudência do STJ, quanto ao ónus que recai sobre o recorrente que pretenda ver impugnada a matéria de facto, defende que se exige do recorrente que dê cumprimento ao ónus de alegação, devendo obrigatoriamente especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Quer isto dizer que recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus:
Primo: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento;
Secundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa;
Tertio: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas.
Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão.
[Cf., também, sobre esta matéria, Lopes do Rego, in “Comentários ao Código de Processo Civil”, pág. 465 e que, nesta parte, se mantém actual].
No acórdão do STJ, de 09.07.2015, in www.dgsi.pt, foi escrito:
“Como também se teve já a ocasião de observar (cfr. “Notas sobre o novo regime dos recursos no Código de Processo Civil”, in O Novo Processo Civil, Contributos da doutrina para a compreensão do novo Código de Processo Civil, caderno I, Centro de Estudos Judiciários, Dezembro de 2013, pág. 395 e segs)., a reforma do Código de Processo Civil de 2013 não pretendeu alterar o sistema dos recursos cíveis, aliás modificado significativamente pouco tempo antes, pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto; mas teve a preocupação de “conferir maior eficácia à segunda instância para o exame da matéria de facto”, como se pode ler na Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 113/XII apresentada à Assembleia da República, de cuja aprovação veio a resultar o actual Código de Processo Civil, disponível em www.parlamento.pt .
Essa maior eficácia traduziu-se no reforço e ampliação dos poderes da Relação, no que toca ao julgamento do recurso da decisão de facto; mas não trouxe consigo a eliminação ou, sequer, a atenuação do ónus de delimitação e fundamentação do recurso, introduzidos em 1995.
Com efeito, o n.º 1 do artigo 640,º vigente:
- Manteve a indicação obrigatória “dos concretos pontos de facto” que o recorrente “considera incorrectamente julgados” (al. a),
- Manteve o ónus da especificação dos “concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos de facto impugnados diversa da recorrida” (al. b),
- Exigiu ao recorrente que especificasse “a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas” (al. c), sob pena de rejeição do recurso de facto.”.
E atento o disposto nos artigos 635.º, n.º 3 e 639.º, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões de recurso delimitam o objecto do recurso.
No dizer de António Abrantes Geraldes, (…) “as conclusões do recurso devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende obter do tribunal superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo, incluindo, na parte final, aquilo que efectivamente se pretende obter (revogação, anulação ou modificação da decisão recorrida) (…)”.- (negrito nosso)
[cf. António Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, página 118.].
Neste sentido, o acórdão do STJ, de 07.07.2016, in www.dgsi.pt, considerou que:
I.- Para que a Relação conheça da impugnação da matéria de facto é imperioso que o recorrente, nas conclusões da sua alegação, indique os concretos pontos de facto incorrectamente julgados, bem como a decisão a proferir sobre aqueles concretos pontos de facto, conforme impõe o artigo 640º, nº 1, alíneas a) e c) do CPC. (negritos nossos).
[Cf., no mesmo sentido, o acórdão do TRP, de 04.11.2019, www.dgsi.pt.].
4.3. – Em sede de impugnação da decisão sobre matéria de facto, mais concretamente nas conclusões de recurso, onde devem ser indicados os concretos pontos de facto incorrectamente julgados, o réu recorrente impugnou os pontos 10, 14, 16, 18, 19, 29, 32, 36, 37, 38 e 39 dos factos dados como provados e os pontos 1, 2, 3 e 4 dos factos não provados, que no seu entender devem ser dados como não provados, o primeiro grupo, e como provados, o segundo grupo.
Assim sendo, não são considerados, para efeitos de impugnação, os pontos 13) e 15) mencionados no corpo das alegações de recurso, mas não especificados nas conclusões de recurso como se impunha que o fossem, nos termos supra expostos.
Para a alteração da matéria de facto pretendida, o recorrente indicou como prova o depoimento de parte da autora e os depoimentos das testemunhas: D..., E..., N..., G..., Enfermeira Chefe, e F..., Enfermeira-Directora, que integra o Conselho de Administração do réu.
Assim, nada obsta ao conhecimento dos pontos de facto impugnados pelo réu, com excepção do infra consignado.
4.3.1. - Ouvida toda a prova pessoal gravada, mormente, os depoimentos testemunhais indicados pelo réu recorrente, nada a objectar quanto ao decidido na 1.ª instância sobre a matéria de facto.
A Mma Juiz, respeitando os princípios da imediação, da oralidade e da apreciação livre da prova - cf. artigo 607.º, n.º 5, do CPC -, formou a sua convicção acerca dos factos inseridos nos pontos da matéria de facto ora impugnados, conjugando as provas documental e testemunhal, como resulta do despacho de motivação inserido na decisão recorrida:
A convicção do Tribunal quanto à matéria de facto controvertida fundamentou-se na valoração conjunta da prova documental e testemunhal produzida, esta última apreciada segundo as regras da experiência comum, salientando-se os seguintes aspectos, por constituírem o cerne do litígio:
No que concerne ao que se passou na reunião da enfermeira directora com as candidatas convocadas para iniciarem funções de assistentes operacionais no dia 19.9.2018, no essencial, demos como provada a versão dos factos carreada aos autos pela A., com base nos depoimentos das testemunhas O... e P..., duas das convocadas que estiveram presentes na reunião e relataram o sucedido de forma espontânea, segura e credível, declarando, além do mais, o seguinte:
- Quando a A. mostrou o papel/formulário e disse que estava a amamentar o filho e era para pedir o horário para amamentação, “tudo se focou no papel e não houve mais reunião nenhuma,” pois a enfermeira directora, F... disse logo que não queria ninguém com horário de amamentação, que já tinha bastantes e que o concurso era para trabalhar por turnos rotativos;
- Que a A. tentou explicar a sua situação, tendo dito que o marido trabalhava por turnos, mas ela podia fazer os turnos da manhã e intermédios, os da noite é que seria complicado enquanto estivesse a amamentar, o que era temporário pois o filho tinha 19 meses e logo que se habituasse a outro leite faria o desmame.
- Que a enfermeira directora agiu de forma autoritária e áspera, não mostrando abertura para qualquer solução, acrescentando que a A. não devia ter sido admitida na entrevista.
- Depois, saiu sem indicar a nenhuma das convocadas os serviços onde iam prestar funções, o que foi feito, algum tempo depois pela enfermeira G....
Tais depoimentos corroboraram as declarações da autora que relatou com pormenor tudo o que se passou quer na entrevista, quer nas reuniões dos dias 19 e 21 de Setembro, denotando isenção e imparcialidade, não obstante as testemunhas continuarem ao serviço do R., tendo ainda esclarecido que os contratos de trabalho só lhes foram apresentados para assinarem cerca de um mês depois de iniciarem funções.
Ao invés os depoimentos da enfermeira directora, F..., e da enfermeira chefe, G..., que depuseram por forma a confirmar a factualidade alegada pelo R., revelaram-se tendenciosos e inverosímeis. A primeira negou que o formulário para a amamentação lhe tivesse sido apresentado pela A.. E a segunda também disse que nunca viu tal documento, mas após insistência, lá admitiu que, a determinada altura, a A. invocou a amamentação. Ora, face às declarações da A. e aos depoimentos das testemunhas O… e P… é evidente que “o problema” surgiu quando a A. mostrou tal formulário.
Relativamente à reunião do dia 21.9.2020, deu-se como provado o que resultou dos depoimentos das testemunhas J... e I... dirigentes sindicais que acompanharam a A., tendo este último esclarecido que a hipótese de a A. ir para … naquele momento não se colocava, pois todas as candidatas convocadas no dia 19 ficaram em … e a 8ª candidata foi chamada e não foi admitida porque só queria trabalhar na Unidade … e não havia vaga naquela Unidade, daí a resposta da A., mas que ele sabendo da situação se “ adiantou” e disse que ela estava disponível para ir para ….
As testemunhas do R., Drª M... e Drª N..., respectivamente, técnica superior de recursos humanos e jurista, que estiveram nesta reunião disseram que não assistiram à reunião do dia 19 e tiveram como verdadeiros os factos constantes da informação interna da enfermeira directora relativamente ao sucedido naquele dia que fizeram constar na acta e que tendo a A. no dia 21 refutado tais factos foi redigido o último parágrafo com a versão desta.
Quanto à entrevista feita à A. no dia 1.8.2018, pelas enfermeiras D... e E..., do depoimento destas resultou que a A. não levantou qualquer óbice a trabalhar por turnos e nas várias unidades do Centro Hospitalar, tendo informado que se encontrava a amamentar o filho, mas de tais depoimentos não decorre que tenha sido perguntado à A. se estava disponível para trabalhar em todos os turnos existentes no CH… mesmo no período de amamentação e que esta tenha respondido afirmativamente. Além disso, as ditas enfermeiras disseram que o facto de a candidata ser lactante era irrelevante naquela fase, chefe de serviço onde viesse a ser colocada é que tinha de ter em conta essa condicionante na elaboração dos horários. Por outro lado, a interpretação das respostas da A. e o preenchimento da ficha de classificação é da responsabilidade das enfermeiras que conduziram a entrevista e não da A..
No que tange às repercussões da recusa de contratação por parte do R. na saúde e vida da A. demos como provado o que resultou da conjugação das declarações da própria e dos depoimentos, do marido, Q..., e das testemunhas, S... e T..., respectivamente, cabeleireira e investigadora na Universidade de …, suas amigas, que tiveram filhos na mesma altura, e, entre o mais, disseram, que a A. ficou contente e muito motivada com a classificação obtida no concurso porque queria trabalhar na área da saúde e o seu salário traria estabilidade económica ao respectivo agregado familiar, que só contava com o salário do marido, e quando lhe foi recusada a contratação se sentiu vítima de uma injustiça e ficou desmotivada e deprimida, tendo recorrido a ajuda médica. O marido referiu que a A. tem picos de ansiedade e está medicada e só conseguiu arranjar trabalhos esporádicos de limpeza e numa pastelaria.
Deu-se como provado que R. tem ao serviço várias mulheres, nomeadamente enfermeiras e assistentes operacionais, que estão a amamentar os filhos e que beneficiam da redução de horário para o efeito e dispensa de trabalho nocturno, no entanto, a algumas o R. só permitiu o exercício de tais direitos após intervenção da CITE, pois se enfermeiras U... e Y... vieram dizer que não lhes foi colocado qualquer obstáculo ao exercício de tais direitos quando necessitaram, a testemunha O… disse que quando a filha tinha 2 anos e 2 meses de idade teve necessidade de horário flexível e o hospital só lho concedeu depois da intervenção da CITE e a enfermeira J..., dirigente sindical, disse que as enfermeiras são pressionadas nos respectivos serviços a deixar de amamentar quando os filhos atingem um ano de idade e não fazem queixa por escrito.
Os registos juntos aos autos atestam os horários praticados e assiduidade da A. no anterior período ao serviço do R..
Os factos dados como não provados sob os nºs 2 e 3 resultaram infirmados pela factualidade provada.
Deu-se como não provado que no dia 21.9.2018, as autorizações dadas ao R. pela ACSS para a contratação de assistentes operacionais já estavam esgotadas e as vagas preenchidas, pois embora tenha sido referido que logo no dia 19.9.2020, os serviços chamaram outra pessoa para o lugar da A., nenhuma prova foi feita de quantas autorizações de contratação foram solicitadas e concedidas e quando foram preenchidas.
Por último, anota-se que a matéria não elencada nem nos factos provados, nem nos infirmados foi considerada de natureza conclusiva ou de direito.”.
4.3.2. - Ora, se é certo que os excertos dos depoimentos transcritos pelo recorrente nas suas alegações de recurso são uma parte da prova testemunhal prestada em audiência de julgamento, não podem, contudo, ser valorados de per si, sendo necessário formular um juízo global que abarque todos os elementos em presença, isto é, toda a prova carreada para os autos.
E esse juízo global, formulado na 1.ª instância, só poderia ser contrariado, em sede de recurso da matéria de facto, por elementos de prova seguros, consistentes e convincentes, que impusessem decisão diversa, como estatui o citado artigo 662.º, n.º 1 do CPC, o que não é o caso dos autos.
Apreciemos.
4.3.3 - Do ponto 10) dos factos provados.
O réu alega que este facto deveria ter sido considerado como não provado, com base nos transcritos excertos dos depoimentos das testemunhas D... e E....
Ora, nem de tais excertos nem dos depoimentos globais dessas testemunhas se pode concluir que a autora, no dia 19.09.2018, no Departamento de Recursos Humanos, onde se apresentou para celebrar contrato individual de trabalho – pontos 8) e 9) dos factos provados -, não tenha “referido àqueles serviços a circunstância de estar a amamentar o seu filho” e de ter “direito à dispensa para amamentação”.
Caso contrário, não faria qualquer sentido o teor do ponto 11) dos factos provados, não impugnado pelo réu, diga-se, e sequencial do ponto 10):
11. E foi-lhe então entregue o formulário do pedido de dispensa para amamentação para o preencher e apresentar na reunião que teria em seguida para que o mesmo fosse autorizado e assinado. Essa reunião seria com a Enfermeira-Directora para que esta desse conhecimento do serviço hospitalar onde iria exercer funções.”.
Improcede, pois, a pretendida alteração do ponto 10) dos factos provados.
4.3.4 - Dos pontos 14), 16), 18), 19), 29), 32) dos factos provados.
O réu pretende que tais factos deveriam ter sido considerados como não provados, com base nos transcritos excertos dos depoimentos das testemunhas F..., Enfermeira Directora, e da Enfermeira Chefe, G....
A factualidade fulcral que sustenta a causa de pedir – a postura e a conduta da Enfermeira Directora, na reunião de 19.09.2018, que terão conduzido à não contratação da autora – foi descrita de forma espontânea, segura e credível, pelas testemunhas O... e P..., duas das seleccionadas em 4.º e 5.º lugares no concurso em causa e convocadas para essa reunião, com a Enfermeira Directora e a Enfermeira Chefe, para tomarem conhecimento dos serviços onde iriam exercer as suas funções de assistentes operacionais.
Nos depoimentos prestados na audiência de julgamento, a Enfermeira Directora e a Enfermeira Chefe limitaram-se a negar a postura e a conduta da Enfermeira Directora descritas nos pontos 14) e 16) dos factos provados, mas não apresentaram qualquer justificação sustentável para a não contratação da autora nessa reunião, quando fora convocada para esse efeito, ao contrário das outras quatro classificadas (1.ª, 2.ª, 4.ª e 5.ª) nesse concurso que foram contratadas no dia 19.09.2018.
No que concerne ao que se passou na reunião do dia 19.09.2018, nas instalações do réu em …, com a Enfermeira Directora e a Enfermeira Chefe e as cinco primeiras classificadas no concurso em causa, as testemunhas O... e P... declararam que nesse dia 19.09.2018, após convocatória, compareceram as cinco nas instalações do réu, passaram pelo Departamento dos Recursos Humanos para preencher impressos vários e, passado algum tempo, entraram no gabinete da Enfermeira Directora, levando a autora em mão o “papel da amamentação” – cf. ponto 11) dos factos provados -, que mal colocou em cima da mesa, foi logo questionada pela Enfermeira Directora, perguntando-lhe que papel era aquele. A autora explicou que era o “pedido de horário da amamentação” e, logo de seguida, a Enfermeira Directora, respondeu à autora, numa “atitude áspera, agreste e rude”, que “não queria ninguém com horários de amamentação, já tinha bastantes; estava fora de hipótese um horário de amamentação”;nós precisamos de gente para trabalhar e não para amamentar”, “a entrevista devia ter sido mais rigorosa”, “tem que resolver a sua situação familiar, depois se verá”.
Mais declararam essas testemunhas que a autora “nunca pôs em questão não fazer turnos, incluindo aos fins de semana, à noite é que estava limitada, até terminar a amamentação do filho”, “a questão era a amamentação nos turnos da noite”, mas a Enfermeira Directora “nunca mostrou abertura nenhuma para conversar com a autora”, “à autora não lhe foi permitido explicar-se”.
Declararam ainda que no âmbito do concurso em que participaram “nunca foram mencionadas vagas em … e …. Só em …”. “As primeiras cinco vagas em …. Nunca foi abordada a hipótese de … ou …”.
Improcede, assim, a pretendida alteração dos pontos 14), 16), 18), 19), 29), 32) dos factos provados.
4.3.5 - Dos pontos 36), 37), 38), 39) dos factos provados.
O réu entende que tais factos deveriam ter sido considerados como não provados, mas não indicou nas alegações de recurso qualquer meio probatório que fundamente a alteração pretendida, como impõe o citado artigo 640.º, n.º 1, alínea b) do CPC.
Assim, incumprido tal normativo, é de rejeitar a impugnação dos pontos 36), 37), 38), 39) dos factos provados.
4.3.6. - Dos pontos 1, 2, 3 dos factos não provados.
O réu entende que tais factos deveriam ter sido dados como provados.
Como consta do despacho de motivação, supra transcrito, tais factos “resultaram infirmados pela factualidade provada.”.
Na verdade, tal factualidade está em oposição à factualidade dada como provada e não impugnada, nomeadamente, nos pontos 4) a 9), 11), 12), 13), 15), bem como nos pontos 14), 16) e 29), cuja impugnação foi indeferida, nos termos supra consignados.
Deste modo, improcede a pretendida alteração dos pontos 1), 2), 3), dos factos não provados.
4.3.7. - Do ponto 4) dos factos não provados.
O réu entende que tal ponto de facto deveria ter sido dado como provado.
No despacho de fundamentação de facto, a Mma Juiz consignou: “Deu-se como não provado que no dia 21.9.2018, as autorizações dadas ao R. pela ACSS para a contratação de assistentes operacionais já estavam esgotadas e as vagas preenchidas, pois embora tenha sido referido que logo no dia 19.9.2020, os serviços chamaram outra pessoa para o lugar da A., nenhuma prova foi feita de quantas autorizações de contratação foram solicitadas e concedidas e quando foram preenchidas.”.
Os excertos dos depoimentos transcritos pelo réu, no corpo das alegações de recurso, sob o ponto 4) dos factos não provados, em nada esclarecem sobre o número concreto de autorizações de contratação solicitadas e concedidas, nem sobre as datas do seu preenchimento.
Improcede, assim, a pretendida alteração do ponto 4), dos factos não provados.
5. - Da discriminação de mulher lactante.
5.1. - Na sentença recorrida, após referência a legislação vária, a Mma. Juiz consignou:
No caso subjudice, a A. alegou, em síntese, que não foi contratada, apesar de estar classificada em 3º lugar na lista de candidatos admitidos da Bolsa de Recrutamento para assistentes operacionais, porque quando foi chamada para iniciar funções em 19.9.2018 apresentou à enfermeira directora o formulário e a declaração médica para requerer a redução de horário e isenção trabalho nocturno em virtude de estar a amamentar o filho, tendo as demais convocadas foram contratadas.
Por conseguinte, tendo-se provado a diferença de tratamento da A. em relação às restantes convocadas que iniciaram funções no dia 19.9.2018 e foram contratadas, competia ao R. demonstrar que a diferença de tratamento não tinha assentado na circunstância de a A. ser lactante, o que alegou, mas não provou.
Com efeito, o R. negou tal discriminação, alegando que, a A. não foi contratada porque não preenchia os requisitos exigíveis no respectivo aviso, designadamente, a disponibilidade para trabalhar por turnos e nas três unidades do Centro Hospitalar, tendo declarado na entrevista profissional encontrar-se no período de lactância mas disponível, mesmo nesse período, para trabalhar em todos os turnos, o que levou à sua admissão e classificação e, depois, quando convocada para iniciar funções no dia 19.9.2018 dito que só podia trabalhar de segunda a sexta-feira até 17.00 horas e apenas na unidade de …, porque o marido também trabalhava por turnos e estava a amamentar o filho de 19 meses, declarações que alterou na reunião do dia 21.9.2020, afirmando que só não podia prestar trabalho nocturno enquanto estivesse a amamentar o filho, por indicação médica, sendo que, nesta data, já não podia ser contratada porque as vagas se encontravam preenchidas.
Ora, como resulta da matéria de facto provada, a versão do R., não logrou adesão de prova.
Da factualidade apurada decorre que a A. nunca se recusou a trabalhar por turnos, nem aos fins de semana ou nas diferentes unidades do Centro Hospital e, quer no dia 19, quer no dia 21.9.2018 disse que faria os turnos da manhã e os intermédios, só não faria os turnos da noite enquanto estivesse a amamentar. E logo na entrevista inicial deu conhecimento que se encontrava a amamentar o filho, então com dezassete meses de idade. Assim, ao invés do alegado pelo R., não houve qualquer alteração das suas declarações.
Destarte, é indubitável que a A. não foi contratada porque na reunião com a enfermeira directora, no momento em que ia iniciar funções, já depois de ter preenchido toda a documentação necessária para a celebração do contrato ( que o R. só apresentou às restantes trabalhadoras para assinatura cerca de um mês depois) exibiu o formulário do pedido de redução de horário para amamentação e a declaração médica da pediatra do filho que atestava ser a amamentação benéfica para a saúde deste e que a A. devia beneficiar de redução de horário e isenção de trabalho nocturno.
O acto discriminatório foi inicialmente da iniciativa e responsabilidade da enfermeira directora, mas a A. não se conformou com a atitude desta e exigiu uma justificação e tomada de posição do R.. A administração do Centro Hospitalar podia, no dia 21.9.2018, ter reposto a legalidade, admitindo a A. ao serviço, mas não o fez, reiterando a posição da enfermeira directora, apesar de a A. ter afirmado que só não estava disponível para fazer trabalho nocturno enquanto estivesse a amamentar, não tendo feito prova de que nesse dia não a podia contratar por já ter preenchido todas as vagas autorizadas pela ACSS.
Corroboram-se todas as referências doutrinárias e jurisprudenciais referidas pelo R. na sua contestação, só que as mesmas impunham na vertente situação uma actuação diversa do R. para com a A.. Com efeito, o facto de o CH… prestar cuidados de saúde 24 horas por dia, justifica que a contratação tenha como requisito a disponibilidade para trabalhar por turnos, mas não pode justificar que não se contrate uma candidata classificada para o lugar porque, no exercício dos direitos que a lei lhe confere, requereu a redução de horário e a dispensa de trabalho nocturno enquanto estivesse a amamentar o filho, sem nunca se ter recusado a trabalhar nos turnos da manhã e intermédios que não abrangessem o período nocturno. O R. tem a obrigação de organizar o serviço dos seus trabalhadores de forma a observar os respectivos direitos de maternidade e paternidade.
Acresce que, se o R. entendia, como veio alegar, que o estado médico tem que certificar a necessidade da amamentação para a saúde da mãe ou da criança e que a declaração médica apresentada pela A. apenas emitia um juízo de conveniência, o que devia ter feito era contratar a A. e, depois, apreciar o requerimento, exigindo novo atestado ou indeferindo-o, o que não podia era recusar a sua contratação só por a mesma ter apresentado o pedido.
Por tudo o exposto, falece qualquer fundamento para o invocado abuso de direito por parte da A., sendo, ao invés, manifesto que a mesma foi discriminada no acesso ao emprego em virtude de ter exigido os direitos que a lei lhe conferia em virtude da sua condição familiar de lactante.”.
5.2. - Nas conclusões de recurso, a ré alegou:
2. A MMª Juiz “a quo” ao fundamentar a, aliás, douta decisão, no incumprimento pelo A. do disposto nos artigos 23.º a 32.º, 47.º e 48.º e 60.º do Código do Trabalho e nas Directivas 2000/43/CE, a Directiva 2002/73/CE, a Directiva 2000/78/CE, a Directiva 92/85/CEE violou estes normativos, assim como na prolação dessa decisão violados foram
a. os artigos 23.º a 32.º, 47.º e 48.º, 60.º do Código do Trabalho;
b. o artigo 68.º da Constituição da República Portuguesa;
c. o artigo 25.º da Portaria n.º 83-A/2009, de 22 de Janeiro, entretanto revogada, dando lugar ao artigo 17.º da Portaria n.º 125-A/2019, de 30 de Abril e
d. os artigos 342.º/1, 496º e 570.º e ss. do Código Civil;”.
5.3.Quid iuris?
5.3.1. - O artigo 59.º - Direitos dos trabalhadores - da Constituição da República Portuguesa (CRP), estatui:
1. Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito:
a) (…);
b) A organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação da actividade profissional com a vida familiar;”. (negrito nosso).
E o artigo 67.º - Família - consagra:
“1. A família, como elemento fundamental da sociedade, tem direito à protecção da sociedade e do Estado e à efectivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros. 2. Incumbe, designadamente, ao Estado para protecção da família: a) a g) (…);
h) Promover, através da concertação das várias políticas sectoriais, a conciliação da actividade profissional com a vida familiar.”. (negrito nosso).
Por sua vez, o artigo 68.º - Paternidade e maternidade – prescreve: 1. Os pais e as mães têm direito à proteção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível ação em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação, com garantia de realização profissional e de participação na vida cívica do país.
2. A maternidade e a paternidade constituem valores sociais eminentes.
3. As mulheres têm direito a especial protecção durante a gravidez e após o parto, tendo as mulheres trabalhadoras ainda direito a dispensa do trabalho por período adequado, sem perda da retribuição ou de quaisquer regalias.
4. A lei regula a atribuição às mães e aos pais de direitos de dispensa de trabalho por período adequado, de acordo com os interesses da criança e as necessidades do agregado familiar.”. (negrito nosso)
Como escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira, in CRP Anotada Vol. I, pág. 773, “O direito à organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, tem por destinatários, simultaneamente, os empregadores e o Estado, que deve tomar medidas no sentido apontado e de forma a facultar a realização pessoal (nº 1/b), pressupõe a ideia de que o trabalho pode ser pessoalmente gratificante, não podendo ser, de qualquer forma, prestado em condições socialmente degradantes ou contrárias à dignidade humana ou impeditivas da conciliação da actividade profissional com a vida familiar. Trata-se aqui também de um modo de protecção da família.
A págs. 860-861, acrescentam: “A conciliação da actividade profissional com a vida familiar impõe a concertação de várias políticas sectoriais e a possibilidade, se não mesmo a obrigação, de discriminações positivas a favor da família (justificando derrogações do princípio da igualdade em abstracto): política do trabalho, desde logo contra despedimentos por motivos ligados a maternidade; licença por maternidade e licença parental pelo nascimento ou adopção de um filho; promoção e segurança da saúde de trabalhadoras grávidas; direito a férias em consonância com os interesses da família; institucionalização de horários de trabalho flexíveis, declinação familiar do regime de trabalho em tempo parcial, do trabalho domiciliário, e do acesso à rede de creches, preferências de colocação profissional na proximidade do outro cônjuge ou parceiro, etc.”.
E na pág. 866: “A norma do nº 4 (acrescentada pela LC nº 1/97) contém uma imposição constitucional de legislação para regular os direitos de dispensa de trabalho por parte das mães e dos pais, a acrescentar à dispensa prevista na alínea anterior que respeita somente à dispensa da mãe, imediatamente a seguir ao nascimento. Trata-se agora de dar centralidade aos interesses da criança ou do agregado familiar, reconhecendo-se a licença por maternidade (Cód. Trab., art. 35º: 120 dias, 90 dos quais neces­sariamente a seguir ao parto) e a licença de paternidade (cfr. Cód. Trab., art. 36º). Estes direitos não consomem outras licenças especiais (ex.: dis­pensa ou redução do período de trabalho para assistência a menores com deficiências: dispensas para consultas, amamentações e aleitação; assistência inadiável e imprescindível a menores; licenças parentais para assistência a filho ou adoptado, licença para assistência a pessoa com deficiência ou doença crónica).” (negritos e sublinhados nossos).
5.3.2. - No direito comunitário releva a Directiva 2006/54/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5/7/2006, relativa à aplicação do princípio da igualdade de oportunidades e igualdade de tratamento entre homens e mulheres em domínios ligados ao emprego e à atividade profissional, a igualdade entre homens e mulheres é um princípio fundamental do direito comunitário consagrado no artigo 2.º e no n.º 2 do artigo 3.º do Tratado, bem como na jurisprudência do Tribunal de Justiça. As referidas disposições do Tratado proclamam a igualdade entre homens e mulheres como “missão” e um “objetivo” da Comunidade e impõem uma obrigação positiva de a promover em todas as suas ações” (considerando 2).
Por sua vez, o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, em 30 de abril de 1998 – Acórdão Thibault, reportado à Directiva 76/207/CEE, de 9.02.1976, hoje revogada e substituída pela Diretiva 2006/54/CE -, esclareceu inequivocamente que: “25. (…) A atribuição de tais direitos, reconhecidos na diretiva, tem por objectivo garantir a concretização do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no que se refere tanto ao acesso ao emprego (artigo 3.º, n.º 1) como às condições de trabalho (artigo 5.º, n.º 1). Portanto, o exercício dos direitos conferidos às mulheres em conformidade com o artigo 2.º, n.º 3, não pode ser objeto de um tratamento desfavorável no que se refere ao seu acesso ao emprego.”.
5.3.3. - Na lei ordinária, o artigo 24.º - Direito à igualdade no cesso a emprego e no trabalho - do CT prescreve:
1- O trabalhador ou candidato a emprego tem direito a igualdade de oportunidades e de tratamento no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção ou carreira profissionais e às condições de trabalho, não podendo ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão, nomeadamente, de ascendência, idade, sexo, orientação sexual, identidade de género, estado civil, situação familiar, situação económica, instrução, origem ou condição social, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência, doença crónica, nacionalidade, origem étnica ou raça, território de origem, língua, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical, devendo o Estado promover a igualdade de acesso a tais direitos.
2 - O direito referido no número anterior respeita, designadamente:
a) A critérios de seleção e a condições de contratação, em qualquer setor de atividade e a todos os níveis hierárquicos;
b) A acesso a todos os tipos de orientação, formação e reconversão profissionais de qualquer nível, incluindo a aquisição de experiência prática;
c) A retribuição e outras prestações patrimoniais, promoção a todos os níveis hierárquicos e critérios para seleção de trabalhadores a despedir;
d) A filiação ou participação em estruturas de representação coletiva, ou em qualquer outra organização cujos membros exercem uma determinada profissão, incluindo os benefícios por elas atribuídos.
3 - O disposto nos números anteriores não prejudica a aplicação:
a) De disposições legais relativas ao exercício de uma actividade profissional por estrangeiro ou apátrida;
b) De disposições relativas à especial protecção de património genético, gravidez, parentalidade, adopção e outras situações respeitantes à conciliação da actividade profissional com a vida familiar. (…)”.
E o artigo 25.º, n.º 1 do mesmo diploma estabelece que “O empregador não pode praticar qualquer discriminação, direta ou indireta, em razão nomeadamente dos fatores referidos no n.º 1 do artigo anterior.”.
Por sua vez, o artigo 47.º -Dispensa para amamentação ou aleitação - do CT, dispõe:
1 - A mãe que amamenta o filho tem direito a dispensa de trabalho para o efeito, durante o tempo que durar a amamentação.
3 - A dispensa diária para amamentação ou aleitação é gozada em dois períodos distintos, com a duração máxima de uma hora cada, salvo se outro regime for acordado com o empregador.”. (negritos nossos)
O artigo 48.º - Procedimento de dispensa para amamentação ou aleitação -, n.º 1, acrescenta:
1 - Para efeito de dispensa para amamentação, a trabalhadora comunica ao empregador, com a antecedência de 10 dias relativamente ao início da dispensa, que amamenta o filho, devendo apresentar atestado médico se a dispensa se prolongar para além do primeiro ano de vida do filho.”.
E o artigo 60.º - Dispensa de prestação de trabalho no período nocturno – do CT, determina:
“1 - A trabalhadora tem direito a ser dispensada de prestar trabalho entre as 20 horas de um dia e as 7 horas do dia seguinte:
a) Durante um período de 112 dias antes e depois do parto, dos quais pelo menos metade antes da data previsível do mesmo;
b) Durante o restante período de gravidez, se for necessário para a sua saúde ou para a do nascituro;
c) Durante todo o tempo que durar a amamentação, se for necessário para a sua saúde ou para a da criança.
2 - À trabalhadora dispensada da prestação de trabalho nocturno deve ser atribuído, sempre que possível, um horário de trabalho diurno compatível.
3 - A trabalhadora é dispensada do trabalho sempre que não seja possível aplicar o disposto no número anterior.
4 - A trabalhadora que pretenda ser dispensada de prestar trabalho nocturno deve informar o empregador e apresentar atestado médico, no caso da alínea b) ou c) do n.º 1, com a antecedência de 10 dias.
5 - Em situação de urgência comprovada pelo médico, a informação referida no número anterior pode ser feita independentemente do prazo.
6 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, a dispensa da prestação de trabalho nocturno deve ser determinada por médico do trabalho sempre que este, no âmbito da vigilância da saúde dos trabalhadores, identificar qualquer risco para a trabalhadora grávida, puérpera ou lactante.
7 - Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto nos n.os 1, 2 ou 3.”. (negritos nossos)
As citadas normas, que estabelecem um regime especial mais favorável na prestação de trabalho de trabalhadora lactante, tal como as restantes normas de protecção da parentalidade, constituem medidas de diferenciação positiva – “de discriminações positivas a favor da família” – e daí que o legislador tenha explicitado na alínea b) do n.º 3 do artigo 24.º que o direito à igualdade de oportunidades e tratamento não prejudica a aplicação destas normas de protecção especial, ou seja, as “outras licenças especiais” como “amamentações e aleitação”.
E para facilitar ao trabalhador/trabalhadora ou ao candidato/candidata a emprego o exercício judicial dos direitos legalmente previstos para protecção da parentalidade, - neste caso, os direitos da mulher lactante -, o legislador alargou a estas situações a regra especial de repartição do ónus da prova, expressa no n.º 5 do artigo 25.º do CT, segundo a qual a quem alega discriminação basta indicar o trabalhador ou trabalhadores em relação aos quais se considera discriminado, cabendo ao empregador provar que a diferença de tratamento não assentou em qualquer factor de discriminação, dispondo o n.º 6: “O disposto no número anterior é designadamente aplicável em caso de invocação de qualquer prática discriminatória no acesso ao trabalho ou à formação profissional ou nas condições de trabalho, nomeadamente por motivo de dispensa para consulta pré-natal, protecção da segurança e saúde de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante, licenças por parentalidade ou faltas para assistência a menores.” (negritos nossos).
5.3.4. – No caso dos autos, está provado que:
- O réu, em 09.07.2018, deu início a procedimento concursal para preenchimento de vagas na categoria de assistente operacional, nos termos definidos no Aviso 04/2018, ao qual a autora concorreu, foi admitida e classificada na terceira posição;
- Na entrevista técnica no âmbito do concurso, ocorrida em 01.08.2018, a autora informou as técnicas que realizaram a entrevista, as Enfermeiras-Chefes, D... e E..., que estava a amamentar o seu filho, tendo em conta que o horário de trabalho seria praticado por turnos, as quais nada disseram quanto à questão da amamentação.
- Após convocatória do réu, as primeiras cinco classificadas no referido concurso, incluindo a autora, compareceram nas suas instalações, em …, no dia 19.09.2018, e dirigiram-se ao Departamento de Recursos Humanos, para celebrar o contrato individual de trabalho.
- No Departamento de Recursos Humanos preencheram as fichas de admissão e outros documentos que lhes foram exibidos, necessários à celebração do referido contrato de trabalho, tendo a autora voltado a referir a circunstância de estar a amamentar o seu filho, nascido em 6.2.2017, então com 19 meses de idade, mencionando o seu direito à dispensa para amamentação.
- Na sequência, foi-lhe entregue o formulário do pedido de dispensa para amamentação para o preencher e apresentar na reunião que teriam em seguida, com a Enfermeira-Directora, para que o mesmo fosse autorizado e assinado.
- Iniciada essa reunião para que a Enfermeira-Directora lhes desse conhecimento do serviço hospitalar onde iriam exercer funções, a autora exibiu o formulário do pedido de redução de horário para amamentação, acompanhado da declaração médica da pediatra.
- A Enfermeira-Directora ao tomar conhecimento do pedido em causa, de forma rude e áspera, disse-lhe que “estava fora de hipótese ter horário para amamentação, que tinha de cumprir os turnos existentes em regime rotativo, nomeadamente o da noite; que não queria ninguém com horário de amamentação, pois já tinha bastantes.”; “que tinha de resolver a sua situação familiar e depois que voltasse e logo se via… ; que não devia ter sido admitida na entrevista porque o concurso era para fazer turnos” e interrompeu a reunião, saindo da sala, sem indicar os serviços onde iam exercer funções as restantes trabalhadoras, que ficaram estupefactas com a atitude rude e inflexível da Enfermeira Directora para com a autora.
- As outras quatro classificadas no concurso foram conduzidas aos serviços onde ficaram a exercer funções.
- Quando a Enfermeira-Directora regressou ao local da reunião, a autora voltou a abordá-la fazendo-lhe notar que necessitava muito daquele trabalho, mas esta mostrou-se insensível e disse-lhe que não autorizava a sua contratação porque daria prejuízo ao Hospital, solicitando que se chamasse de imediato o candidato seguinte.
Resulta à evidência da factualidade provada nos autos que a autora, apesar de classificada em 3.º lugar no concurso para preenchimento de cinco vagas na categoria de assistente operacional, aberto pelo réu sob o Aviso, 04/2018, não foi contratada, ao contrário das restantes quatro classificadas nos 1.º, 2.º, 4.º e 5.º lugares.
E não foi contratada porque, à data, estava a amamentar o seu filho com 19 meses de idade, é o que decorre das afirmações da Enfermeira Directora, membro do Conselho de Administração do réu, proferidas na reunião de 19.09.2018: “estava fora de hipótese ter horário para amamentação; que não queria ninguém com horário de amamentação, pois já tinha bastantes; que não devia ter sido admitida na entrevista porque o concurso era para fazer turnos”.
E tanto assim foi que “A Enfermeira Directora nesse mesmo dia 19.9.2018, elaborou a comunicação interna inserta a fls 76 dos autos, na qual concluiu que não era possível a realização do contrato com a A., uma vez que os requisitos exigidos não estavam satisfeitos, solicitando que se chamasse de imediato o candidato seguinte.” – cf. ponto 24 dos factos provados (negrito nosso)
Em síntese: dúvidas não existem de que a autora, classificada em 3.º lugar no concurso aberto pelo réu, sob o Aviso 04/2018, só não foi contratada, em 19.09.2018, para exercer as funções de assistente operacional na Unidade Hospitalar de …, porque estava a amamentar o seu filho com 19 meses de idade, tendo sido preterida pelo “candidato seguinte”.
Tal comportamento do réu constituiu, pois, um manifesto acto discriminatório relativo ao direito à igualdade no acesso ao emprego em função da maternidade, em virtude de a autora ter exigido os direitos que a lei – comunitária, constitucional e ordinária - lhe reconhecem na sua condição de mãe lactante, nos termos supra descritos.
Se é verdade que tal acto discriminatório foi inicialmente praticado pela Enfermeira-Directora, membro do Conselho de Administração do réu, também é certo que foi confirmado pelo Departamento de Recursos Humanos, que negou à autora a entrega de qualquer documento justificativo de recusa da contratação, apesar de solicitado – cf. ponto 20 dos factos provados -; e que foi ratificado em reunião promovida pela Presidente do Conselho de Administração do réu, Dr.º K..., com a Dra. L..., directora dos recursos humanos, a Dra. M..., técnica superior, e a Dra. N..., jurista, que “mantiveram a posição de não contratação da A.” - cf. pontos 28) e 30) dos factos provados -.
Improcede, assim, nesta parte, o recurso do réu.
6. - Do direito da autora aos danos não patrimoniais reconhecidos na sentença recorrida.
6.1. – Neste particular, a Mma Juiz escreveu:
Ante este quadro factual, cremos não existirem dúvidas de que o grau de ilicitude do actuação do R. foi elevado, pois a A. pelo facto de pretender exercer os seus direitos de lactante, não só se viu preterida e afastada do posto de trabalho a que legitimamente aspirava e de que necessitava, como foi tratada de forma rude e com desconsideração, o que a fez sentir vexada e humilhada. E a actuação do R. é ainda mais grave e censurável porquanto para tentar encobrir o real motivo da não contratação da A. que foi a reivindicação por esta da redução de horário e a dispensa de trabalho nocturno para amamentação do filho, lhe imputou declarações inverídicas para arranjar um falso motivo que servisse para justificar a recusa da sua contratação, o que é completamente inadmissível numa entidade pública que tem responsabilidades éticas e sociais e a obrigação de pautar a sua actuação pelos princípios fundamentais do nosso ordenamento jurídico, como são os princípios da igualdade e não discriminação no trabalho e acesso ao emprego, nomeadamente, em função do exercício dos direitos inerentes à parentalidade, princípios que, além de constarem nos documentos, como sucede no Aviso do Concurso em apreço, tem que ser postos em prática no recrutamento de pessoal e na organização dos serviços e cuja violação é sancionada como contra-ordenação muito grave- nº8 do art. 25º do C. Trabalho.
Acresce que, os danos provocados e resultantes da acção ilícita do R., traduziram-se em sofrimento emocional e problemas de saúde para a A., associados a transtornos do seu comportamento que ainda persistem, continuando sob medicação.
Por tudo o exposto, afigura-se-nos, à presente data, adequada e equitativa a indemnização de 15.000,00 para compensar a A. pelos danos de natureza não patrimonial sofridos em consequência da conduta ilícita do R.”.
6.2. – Por sua vez, o réu alegou, em síntese:
“(O) montante de 15.000,00€ arbitrado a titulo de danos não patrimoniais não tem qualquer suporte razoável na comparação com a mais recente jurisprudência em matéria de fixação de tais danos, até porque equidade não é sinónimo de arbitrariedade, mas sim um critério para a correcção do direito, em ordem a que se tenham em consideração, fundamentalmente, as circunstâncias do caso concreto.”.
6.3.Quid iuris?
Os danos não patrimoniais são compensáveis quando, pela sua natureza e gravidade mereçam a tutela do direito, conforme disposto no artigo 28.º do CT:
“A prática de acto discriminatório lesivo de trabalhador ou candidato a emprego confere-lhe o direito a indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, nos termos gerais de direito.”
De acordo com o artigo 496.º, n.º 1, do Cód. Civil, “Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.
No dizer de Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, pág. 499, “O Código Civil aceitou, em termos gerais, a tese da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais, embora limitando-a àqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada). (…).”.
São quatro os requisitos para a tutela dos danos não patrimoniais: (i) comportamento ilícito e culposo do agente; (ii) existência de danos; (iii) que esses danos, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (não bastando um mero incómodo); (iv) que se verifique um nexo causal entre aquele comportamento e o dano, por forma a que este seja daquele consequência.
Por sua vez, a gravidade deve ser aferida por um padrão objectivo e não por critérios subjectivos, cabendo ao tribunal a sua avaliação.
No cálculo da indemnização, o n.º 3 do artigo 496.º do C. Civil, manda recorrer a critérios de equidade, tendo-se em conta o grau de culpabilidade do agente, a sua situação económica, bem como a do lesado e às demais circunstâncias que o justifiquem (cf. artigo 494.º, n.º 1 do C. Civil) e seu montante deve ser proporcional à gravidade do dano, fazendo-se uma criteriosa ponderação das realidades da vida e da justa medida das coisas.
No caso dos autos, relativamente aos alegados danos não patrimoniais importa realçar os factos descritos nos pontos 14, 15, 16, 18, 19, 20, 25, 30, 31, 32, 33, 36, 37, 38, 39, 44 dos factos provados, com realce para o comportamento “rude”, “áspero” e “insensível” da Enfermeira-Directora para com uma mãe lactante, que concorrera a um concurso aberto pelo próprio réu e que na entrevista técnica, ocorrida a 01.08.2018, informou as técnicas que realizaram essa entrevista, Enfermeiras-Chefes, D... e E..., que estava a amamentar o seu filho, nada tendo as mesmas referido sobre essa situação familiar da autora, que foi classificada em 3.º lugar no concurso, classificação essa que lhe criou convincentes perspectivas de ocupar uma das cinco vagas existentes na unidade hospitalar de ….
Ora, tais convincentes perspectivas da autora foram frustradas, de forma abrupta e rude, pelo comportamento da Enfermeira-Directora, descrito nos pontos 14, 16, 19, dos factos provados.
Mas mais grave ainda, o descrito nos pontos 30 e 31 dos factos provados, donde resulta que o réu imputou à autora declarações inverídicas com a finalidade de criar um falso motivo que lhe permitisse justificar a recusa da sua contratação.
Todo este comportamento reprovável do réu causou à autora as consequências morais e físicas descritas nos pontos 33, 36, 37 e 38 dos factos dados como provados.
Damos aqui por reproduzido o teor da declaração do representante do Ministério das Finanças no parecer do CITE: “No entanto, devo manifestar profundo desagrado, enquanto entidade com especiais responsabilidades no que se refere aos recursos humanos da Administração Pública – com a inequívoca violação dos princípios e valores fundamentais do estado de Direito Democrático e da Constituição da República, que o Centro Hospitalar do …, E.P.E., como instituição de sector público, devia especialmente observar e defender.”.
Na verdade, afirmamos nós, uma sociedade democrática que se preze e que envelhece a “olhos vistos”, por força da baixa natalidade, não pode, não deve, consentir que uma qualquer entidade privada e, muito menos, pública negue trabalho a uma trabalhadora só por que é mãe lactante, em violação das mais elementares normas comunitárias, constitucionais e ordinárias de protecção da maternidade.
Estão, pois, verificados todos os requisitos para a tutela dos danos não patrimoniais, reconhecidos à autora na sentença recorrida.
Assim, atento o grave acto discriminatório, praticado pelo réu, relativo ao direito à igualdade no acesso ao emprego em função da maternidade, com todas as consequências morais e físicas para a autora, supra descritas, inclusive, ao nível do rendimento familiar, justifica-se o valor de €15 000,00 a título de danos não patrimoniais, fixado na sentença recorrida.
Improcede, pois, o recurso do réu.

IV.Decisão
Atento o exposto, acordam os juízes, que compõem esta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, em julgar o recurso do réu improcedente, de facto e de direito, e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.

As custas são a cargo do réu recorrente.

Porto, 2021-11-15
Domingos Morais
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha