Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2498/03.6TTPRT-D.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: DOMINGOS MORAIS
Descritores: OPOSIÇÃO À PENHORA
PENHORA EXCESSIVA
SUSTAÇÃO DA EXECUÇÃO
DESISTÊNCIA DA PENHORA
PRINCÍPIO DA EFECTIVIDADE
Nº do Documento: RP202012172498/03.6TTPRT-D.P1
Data do Acordão: 12/17/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I. – Um dos fundamentos de oposição à penhora é o bem penhorado ser de valor excessivo em relação ao crédito do exequente ou conduzir a um duplo pagamento.
II. – O n.º 1 do artigo 794.º do CPC não obriga a uma sustação integral da execução, mas apenas em relação aos bens cuja penhora anterior tenha ocorrido noutro processo, com a finalidade de evitar diligências de venda (ou outras) sobre os mesmos bens.
III. - Daqui decorre que o seu n.º 3 não deva ser interpretado no sentido de que apenas possam ser penhorados novos bens, se o exequente desistir da penhora sobre o bem que motivou a sustação da execução.
IV. - Essa desistência apenas se justifica no caso de a nova penhora satisfizer, integralmente, o pagamento do crédito em execução. Caso contrário, beneficiaria, injustificadamente, o devedor, pois, conduziria à diminuição ou eliminação da garantia processual do exequente, ao arrepio do princípio da efectividade, constitucionalmente consagrado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 2498/03.6TTPRT-D.P1
Origem: Comarca Porto-Porto-Juízo Trabalho-J1
Relator: Domingos Morais – R 884
Adjuntos: Paula Leal de Carvalho
Rui Penha

Acordam na secção social do Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório
1.B…, executado no âmbito da acção executiva n.º 2498/03.6TTPRT-D, a correr termos na Comarca Porto-Porto-Juízo Trabalho-J1, na qual figura como exequente C…, deduziu oposição à penhora, alegando, em resumo:
Na sequência do por si requerido, o exequente, C…, procedeu a 30 de Maio de 2005, à penhora do seguinte bem imóvel, propriedade do ora Oponente, conforme se junta sob Documento 1:
a) Prédio urbano, pavilhão desportivo, sito na Rua …, freguesia …, Conselho de Vila Nova de Gaia, descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, sob o n.º 04092/031297 e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo 2754.
Para além da penhora do imóvel acima identificado, o Exequente requereu ainda a penhora de bens móveis e de créditos do ora Oponente, a saber:
- Penhora de todos os bens penhoráveis existentes nas instalações do Executado, nomeadamente, bolas balizas, equipamentos de treino e de jogo, computadores, material de escritório, sistema de aquecimento, placard eletrónico, etc…
- Penhora das receitas das transmissões televisivas dos jogos do Executado.
- Penhora das receitas de bilheteira provenientes dos jogos realizados nas instalações do executado para a D… e para a E….
- Penhora dos subsídios e pagamentos decorrentes de protocolos ou contratos programa, de que espécie forem atribuídos pela Câmara Municipal … ao Executado.
- Penhora das receitas das transmissões televisivas dos jogos do Executado.
- Penhora de todo e qualquer depósito bancário feito pelo executado junto de qualquer instituição bancária.
O valor da presente execução ascende à quantia de 16.508,48€ (dezasseis mil quinhentos e oito euros e quarenta e oito cêntimos).
No âmbito dos presentes autos foram, desde logo, penhorados o bem imóvel e o saldo de uma conta bancária.
Notificado da penhora, o aqui Executado, requereu o levantamento da penhora sobre todos os seus créditos e outros bens nomeados, com base no valor do imóvel penhorado, visto ser suficiente para garantir o pagamento da quantia exequenda, de acordo com o princípio da proporcionalidade.
A oposição à penhora foi julgada improcedente, pois o imóvel objecto de penhora, tinha sido já antes objecto de várias penhoras anteriores, as quais se encontravam ainda em vigor.
Terminou, pedindo:
“Nestes termos e nos demais que doutamente serão supridos, deverá a presente Oposição à Penhora ser julgada procedente, por provada, e,consequentemente ser decretada a deserção da instância, nos termos do artigo 281º nº5 do Código de Processo Civil.
Caso assim não seja entendido, o que apenas por mera hipótese académica se admite, deverá ser ordenado o levantamento da penhora, uma vez que, a reclamação do crédito foi efetuada no processo onde o bem foi penhorado em primeiro lugar, não tendo o aqui Exequente desistido do mesmo, nos termos e para os efeitos do artigo 794.º nº 3 do Código do Processo Civil”.
2. – O exequente contestou, pedindo: “termos em que se requer, a V.ª Ex.ª, se digne julgar conforme o alegado aqui pelo exequente, com as legais consequências, nomeadamente com a adjudicação dos montantes penhorados para o exequente e prosseguimento da presente execução até efectivamente obtido o pagamento do crédito do exequente.”.
3. – O Mmo Juiz proferiu decisão:
Termos em que julgo improcedente a presente oposição à penhora.
Custas pelo opoente/executado, fixando como valor do presente incidente o valor dos bens sobre os quais incide (€12.405,05) – cfr. art.º 527.º, ns 1 e 2 do C.P.C..”.
4. - O executado/embargante, inconformado, apresentou recurso de apelação em separado, concluindo:
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5. - O exequente/embargado contra-alegou, concluindo:
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6. - O M. Público não emitiu parecer, pelo motivo expresso nos autos.
7. - Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. – Fundamentação:
1. – Na 1.ª instância foi proferida a seguinte decisão de facto:
Com interesse à decisão, resultam dos presentes autos os seguintes factos:
1. Nos presentes autos foi penhorado o “Prédio urbano, pavilhão desportivo, sito na Rua …, freguesia …, Conselho de Vila Nova de Gaia, descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, sob o n.º 04092/031297 e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo 2754.” – cfr. certidão de fls. 43 dos autos de oposição (apenso B).
2. Por despacho proferido em 01/03/2006 foi sustada a execução, nos termos do art.º 871.º do C.P.C. quanto a tal imóvel - cfr. fls. 71 dos autos de execução apensos (apenso A).
3. Em 11/01/2008 o Sr. Agente de Execução requereu autorização para penhora de contas bancárias do executado, o que foi deferido por despacho datado de 16/01/2008 – cfr. fls. 86 e 87 dos autos de execução apensos (apenso A).
4. Por despacho proferido em 26/10/2009 foi decidido “ suspender a instância até que a Srª Solicitadora de Execução venha esclarecer quais as penhoras que ainda incidem sobre o imóvel.” – cfr. fls. 157 dos autos de execução apensos (apenso A).
5. Por despacho preferido em 02/12/2009 foi reiterada a notificação à Sr.ª Agende de Execução, sob cominação de multa - cfr. fls. 162 dos autos de execução apensos (apenso A).
6. Em 15/12/2009 a Sra Agente de Execução veio “juntar avisos de recepção das citações aos credores com garantia real no Processo” - cfr. fls. 164 dos autos de execução apensos (apenso A).
7. Por despacho preferido em 04/01/2010 foi considerado que a Sr.ª Agende de Execução não deu resposta ao ordenado, tendo a mesma sido condenada na multa de 1UC; e foi reiterada a sua notificação para dar resposta ao ordenado - cfr. fls. 179 dos autos de execução apensos (apenso A).
8. Em 22/01/2010 a Sr.ª Agente de Execução veio informar das penhoras que incidem sobre o imóvel - cfr. fls. 180 dos autos de execução apensos (apenso A).
9. Por despacho proferido em 05/01/2012 foi reiterada a sustação da execução quanto ao imóvel penhorado - cfr. fls. 206 dos autos de execução apensos (apenso A).
10. Por despacho proferido em 05/07/2017 a Sr.ª Agente de execução foi notificada para dar informação sobre o estado dos autos – cfr. fls. 223 dos autos de execução apensos (apenso A).
11. Por despacho proferido em 26/09/2017, a Sr.ª Agente de execução foi condenada em multa por não ter dado cumprimento ao ordenado - cfr. fls. 224 dos autos de execução apensos (apenso A).
12. Em 23/11/2017 a Sr.ª Agente de Execução informou que penhorou a quantia de €334,65, tendo procedido à citação do executado, mas a carta veio devolvida - cfr. fls. 227 dos autos de execução apensos (apenso A).
13. A Sr.ª Agente de Execução foi notificada em 22/10/2018; 27/10/2018 e a 21/02/2019 para informar do estado dos autos, nada tendo sido condenada em multa por despacho datado de 22/10/2019 - cfr. fls. 250 dos autos de execução apensos (apenso A).
14. Em 07/11/2019 a Sr.ª Agente de Execução veio justificar-se com o facto de ter o processo físico no arquivo, requerendo que fosse relevada a falta, informando ainda que iria repetir a penhora de saldos bancários - cfr. fls. 251 dos autos de execução apensos (apenso A).
15. Em 22/11/2019 a Sr.ª Agente de Execução procedeu à penhora de depósito bancário no valor de €12.405,05 – cfr. auto de penhora dos autos eletrónicos (apenso A).

III.Fundamentação de direito
1.- Atento o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis por força do artigo 1.º, n.º 2, alínea a) e artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho (CPT), e salvo questões de conhecimento oficioso, o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões da recorrente.
Mas essa delimitação é precedida de uma outra, qual seja a do reexame de questões já submetidas à apreciação do tribunal recorrido, isto é, o tribunal de recurso não pode criar decisões sobre matéria nova, matéria não submetida ao exame do tribunal de que se recorre.
2.Objecto do recurso:
- A deserção da instância executiva.
- O prosseguimento da execução com penhora de novos bens.
3. - Da deserção da instância executiva.
3.1. - Na decisão recorrida, foi consignado:
No que diz respeito à primeira das questões enunciadas, dispõe o art.º 281.º, n.º 5 do C.P.C. que “No processo de execução, considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.”
No caso dos autos, o executado entende que o processo esteve parado entre 26 de outubro de 2018 e 7 de novembro de 2019, e a paragem do processo ocorreu por falta de impulso processual, devido à negligência das partes, dado que foram inúmeras as vezes que a Sr.ª Agente de Execução foi notificada para informar o estado do processo e, mesmo sob cominação de multa, não o fez, facto que revela manifesta negligência, para não se dizer, ilicitude dolosa, pelo que deve ser declarada deserta a instância.
Ora, como parece evidente, a Sra Agente de Execução não é “parte” nos autos. “Partes” nestes autos são exequente e executado, mas não a Sra Agente de Execução, que é, sim, um profissional com poderes públicos, a quem é acometida a pratica de atos próprios do processo executivo, nos termos do disposto no art.º 719.º do C.P.C..
Qualquer atraso na realização das diligências acometidas à Sra Agente de Execução não é enquadrável na falta de impulso processual das partes a que alude a norma do n.º 5 do art.º 281.º do C.P.C..
Assim, não pode, com fundamento nos atrasos ou qualquer falta de diligência que seja imputável à Sra Agente de Execução, ser considerada deserta a instância executiva, nos termos do disposto no art.º 281.º, n.º 5 do C.P.C..
Improcede, pois, o fundamento invocado.”.
3.2. – O Livro Ido Código de Processo Civil tem como epígrafe: “Da ação, das partes e do tribunal”.
E “Das partes” regula o seu Título III, quer sobre Personalidade e capacidade judiciária -“A personalidade judiciária consiste na suscetibilidade de ser parte” artigo 11.º, n.º 1 -, quer sobre Legitimidade das partes:
1 - O autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer.
2 - O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha.
3 - Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.”.
Na acção executiva em apreço, são titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade, os sujeitos da relação controvertida, ou seja, o exequente, C…, e o executado, B….
Sobre a designação e competências do agente de execução, regulam os artigos 720.º e 719.º do CPC: “1 - Cabe ao agente de execução efetuar todas as diligências do processo executivo que não estejam atribuídas à secretaria ou sejam da competência do juiz, incluindo, nomeadamente, citações, notificações, publicações, consultas de bases de dados, penhoras e seus registos, liquidações e pagamentos.”.
Em síntese, o agente de execução é um profissional com poderes públicos para praticar os actos próprios dos processos executivos, que, embora não sendo representante ou mandatário do exequente, é por ele escolhido de entre uma lista fornecida pela Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução.
Uma vez designado, cabe ao agente de execução dirigir o processo executivo e realizar todas as diligências de execução, incluindo as citações, notificações e publicações, as penhoras e vendas e a liquidação dos créditos, sob a orientação processual do juiz do processo, cuja competência está consagrada no artigo 723.º, n.ºs 1 e 2, do CPC:
“1 - Sem prejuízo de outras intervenções que a lei especificamente lhe atribui, compete ao juiz:
a) Proferir despacho liminar, quando deva ter lugar;
b) Julgar a oposição à execução e à penhora, bem como verificar e graduar os créditos, no prazo máximo de três meses contados da oposição ou reclamação;
c) Julgar, sem possibilidade de recurso, as reclamações de atos e impugnações de decisões do agente de execução, no prazo de 10 dias;
d) Decidir outras questões suscitadas pelo agente de execução, pelas partes ou por terceiros intervenientes, no prazo de cinco dias.
2 - Nos casos das alíneas c) e d) do número anterior, pode o juiz aplicar multa ao requerente, de valor a fixar entre 0,5 UC e 5 UC, quando a pretensão for manifestamente injustificada.”.
Da factualidade dada como provada, não resulta qualquer comportamento do exequente que possa ser enquadrado na previsão do citado artigo 281.º, n.º 5 do CPC, dirigida, em exclusivo, à “negligência das partes” na acção executiva, e, não também, ao agente de execução.
No entanto, essa mesma factualidade permite concluir, sim, por um comportamento passivo da designada agente de execução, comportamento passivo esse que determinou a aplicação de multa – cf. ponto 11 dos factos provados.
Improcede, pois, nesta parte, a apelação do recorrente.

4. - Do prosseguimento da execução com penhora de novos bens.
4.1. - Nesta parte, consta da decisão recorrida:
A segunda questão enunciada diz respeito a apreciar se ao exequente era permitido prosseguir com a presente execução com penhora de novos bens, sem que tenha desistido da penhora do imóvel em relação ao qual a execução foi sustada, em face do disposto no art.º 794.º, n.º 3 do C.P.C..
Nos termos do disposto no art.º 784.º, n.º 1, al. a) do C.P.C., constitui, precisamente, fundamento de oposição à penhora, a inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada.
No caso dos autos, o exequente considera que, tendo sido sustada a execução quanto ao imóvel penhorado, a Sr.ª Agente de Execução não poderia ter penhorado saldos bancários do aqui executado, uma vez que, nos termos do disposto no artigo 794.º nº3 do Código de Processo Civil, ao exequente é facultada uma das seguintes opções: ou mantém a penhora no bem que já foi penhorado no outro processo, reclamando nesse processo o seu crédito; ou desiste da penhora relativamente ao bem penhorado e indica outros em sua substituição.
Dispõe o art.º 794.º, n.º 1 do C.P.C. que “Pendendo mais de uma execução sobre os mesmos bens, o agente de execução susta quanto a estes a execução em que a penhora tiver sido posterior, podendo o exequente reclamar o respetivo crédito no processo em que a penhora tenha sido mais antiga.”
Por sua vez, dispõe o n.º 3 do mesmo artigo que “Na execução sustada, pode o exequente desistir da penhora relativa aos bens apreendidos no outro processo e indicar outros em sua substituição.”.
Com o devido respeito por diversa opinião, desta norma do n.º 3 do art.º 794.º do C.P.C., não decorre que a execução não possa prosseguir quanto a outros bens que já estivessem penhorados nos autos, ou quanto a bens que, entretanto, venham a ser penhorados, uma vez que o n.º 1 do mesmo artigo não impõe uma sustação integral da execução.
O n.º 1 do art.º 794.º do C.P.C. apenas “impõe” a sustação da execução quantos aos bens cuja penhora anterior tenha ocorrido noutro processo, com a finalidade de evitar diligências de venda (ou outras) sobre os mesmos bens. Não impõe uma sustação integral da execução, que prossegue os seus termos.
Assim, do n.º 3 do mesmo artigo não se pode retirar que apenas possam ser penhorados novos bens caso o exequente desista da penhora sobre o bem sobre o qual foi sustada a execução, até porque a ser assim não teria qualquer sentido a norma do n.º 4 do mesmo artigo que dispõe que a sustação integral determina a extinção da execução, sem prejuízo do disposto no n.º 5 do art.º 850.º, ou seja, de o exequente vir requerer a renovação da execução extinta, indicando novos bens à penhora.
É certo que não pode o exequente obter duplicação de pagamento. No entanto, tal não obsta a que a execução prossiga quanto a outros bens, que não aqueles em relação aos quais foi sustada. No caso concreto, pese embora possa dar-se por adquirido que o exequente reclamou o seu crédito nos autos onde foi realizada a primeira penhora sobre o imóvel identificado (processo nº 1527/03.8TTVNG), o certo é que tal facto não resulta documentalmente comprovado nestes autos, nem qual a graduação do seu crédito naquela execução.
Sem prejuízo, ainda que o exequente venha a obter pagamento em qualquer das execuções, extinto o seu crédito, nunca poderá obter pagamento duplicado.
Assim, não procede também este fundamento.”.
4.2. - O artigo 2.º - Garantia de acesso aos tribunais – do CPC, dispõe:
1 - A proteção jurídica através dos tribunais implica o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar.
2 - A todo o direito, exceto quando a lei determine o contrário, corresponde a ação adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da ação.”. (negritos nossos).
Por sua vez, o artigo 10.º - Espécies de ações, consoante o seu fim - n.ºs 4, 5 e 6, estatui:
4 - Dizem-se «ações executivas» aquelas em que o credor requer as providências adequadas à realização coativa de uma obrigação que lhe é devida.
5 - Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva.
6 - O fim da execução, para o efeito do processo aplicável, pode consistir no pagamento de quantia certa, na entrega de coisa certa ou na prestação de um facto, quer positivo quer negativo.”.
É neste contexto legal - a realização coerciva,em prazo razoável,do direito reconhecido ao credor- que devem ser interpretados os normativos do Título III, do Livro IV, do CPC, atendendo às regras interpretativas do artigo 9.º do Código Civil.
É consabido que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, não podendo, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. Além disso, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
O objecto da execução está determinado no artigo 735.º do CPC:
1 - Estão sujeitos à execução todos os bens do devedor suscetíveis de penhora que, nos termos da lei substantiva, respondem pela dívida exequenda.
2 - Nos casos especialmente previstos na lei, podem ser penhorados bens de terceiro, desde que a execução tenha sido movida contra ele.
3 - A penhora limita-se aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução, as quais se presumem, para o efeito de realização da penhora e sem prejuízo de ulterior liquidação, no valor de 20 %, 10 % e 5 % do valor da execução, consoante, respetivamente, este caiba na alçada do tribunal da comarca, a exceda, sem exceder o valor de quatro vezes a alçada do tribunal da Relação, ou seja superior a este último valor.”. (negritos nossos)
Assim, podem ser penhorados bens imóveis, bens móveis e outros direitos do devedor, como quantias pecuniárias ou depósitos bancários – cf. artigos755.º, 764.º e 773.º e segs., todos do CPC.
Efectuada penhora sobre bens do devedor, este pode opor-se apenas com base nos fundamentos expressos no artigo 784.º, n.º 1 do CPC:
“1 - Sendo penhorados bens pertencentes ao executado, pode este opor-se à penhora com algum dos seguintes fundamentos:
a) Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada; (negrito nosso).
b) Imediata penhora de bens que só subsidiariamente respondam pela dívida exequenda;
c) Incidência da penhora sobre bens que, não respondendo, nos termos do direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido atingidos pela diligência.” (negrito nosso)
4.3. – No caso dos autos, consta dos factos provados:
1. Nos presentes autos foi penhorado o “Prédio urbano, pavilhão desportivo, sito na Rua …, freguesia …, Conselho de Vila Nova de Gaia, descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia, sob o n.º 04092/031297 e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo 2754.” – cfr. certidão de fls. 43 dos autos de oposição (apenso B).
2. Por despacho proferido em 01/03/2006 foi sustada a execução, nos termos do art.º 871.º do C.P.C. quanto a tal imóvel - cfr. fls. 71 dos autos de execução apensos (apenso A).
3. Em 11/01/2008 o Sr. Agente de Execução requereu autorização para penhora de contas bancárias do executado, o que foi deferido por despacho datado de 16/01/2008 – cfr. fls. 86 e 87 dos autos de execução apensos (apenso A).
9. Por despacho proferido em 05/01/2012 foi reiterada a sustação da execução quanto ao imóvel penhorado - cfr. fls. 206 dos autos de execução apensos (apenso A).
12. Em 23/11/2017 a Sr.ª Agente de Execução informou que penhorou a quantia de €334,65, tendo procedido à citação do executado, mas a carta veio devolvida - cfr. fls. 227 dos autos de execução apensos (apenso A).
15. Em 22/11/2019 a Sr.ª Agente de Execução procedeu à penhora de depósito bancário no valor de €12.405,05 – cfr. auto de penhora dos autos eletrónicos (apenso A).”.
O artigo 794.º - Pluralidade de execuções sobre os mesmos bens – do CPC, prescreve:
1 - Pendendo mais de uma execução sobre os mesmos bens, o agente de execução susta quanto a estes a execução em que a penhora tiver sido posterior, podendo o exequente reclamar o respetivo crédito no processo em que a penhora seja mais antiga.
3 - Na execução sustada, pode o exequente desistir da penhora relativa aos bens apreendidos no outro processo e indicar outros em sua substituição.
4 - A sustação integral determina a extinção da execução, sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 850.º.”.
O n.º 5 do artigo 850.º prevê a renovação da execução extinta - “O exequente pode ainda requerer a renovação da execução extinta nos termos das alíneas c), d) e e) do n.º 1 do artigo anterior, quando indique os concretos bens a penhorar, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no número anterior -”. A alínea e) do n.º 1 do artigo 849.º reporta ao caso referido no n.º 4 do artigo 794.º.
A redacção do citado artigo 794.º é similar à do artigo 871.º do anterior CPC, cuja epígrafe é: “Pluralidade de execuções sobre os mesmos bens”.
Em anotação ao artigo 871.º do anterior CPC, pode ler-se em José Alberto dos Reis, Processo de Execução, vol. 2.º, pág. 287: este preceito “não se inspira em razões de economia processual, visto que não se manda atender ao estado em que se encontram os processos; susta-se o processo em que a penhora se efectuou em segundo lugar, ainda que a execução respectiva tenha começado primeiro e ainda que esteja mais adiantada do que aquela em que precedeu a penhora. O que a lei não quer é que em processo diferente se opere a adjudicação ou a venda dos mesmos bens; a liquidação tem que ser única e há-de fazer-se no processo em que os bens foram penhorados em primeiro lugar.”. (negrito nosso).
Assim, no dizer de Abílio Neto, Código de Processo Civil Anotado, 16.ª Edição Actualizada, pág. 1254, “Logo que tenha conhecimento de os bens já terem sido penhorados noutro processo, deve o juiz, oficiosamente ou a requerimento de exequente ou executado, proferir despacho a mandar sustar a execução em relação aos bens duplamente penhorados, a qual prossegue, no entanto, relativamente aos outros bens.” (negrito e sublinhado nossos).
Decorre da citada doutrina que a presente acção executiva, apesar de sustada quanto ao bem imóvel penhorado, em primeiro lugar, no processo n.º 1527/03.8TTVNG, pode prosseguir quanto a outros bens que já estivessem penhorados nos autos, ou quanto a bens que, entretanto, foram penhorados com a autorização do tribunal, neste caso, o depósito bancário no valor de €12.405,05 – cf. pontos 3) e 15) dos factos provados.
Dito de outro modo: o n.º 1 do citado artigo 794.º não obriga a uma sustação integral da execução, mas apenas em relação aos bens cuja penhora anterior tenha ocorrido noutro processo – como o caso do imóvel identificado no ponto 1) dos factos provados -, com a finalidade de evitar diligências de venda (ou outras) sobre os mesmos bens.
Daqui decorre que o n.º 3 do artigo 794.º não deva ser interpretado no sentido de que apenas possam ser penhorados novos bens,se o exequente desistir da penhora sobre o bem que motivou a sustação da execução.
O que, verdadeiramente, o regime executivo impede ao exequente é o uso de um mecanismo processual que conduza a uma penhora excessiva em relação ao valor da dívida ou a um duplo pagamento e não o prosseguimento da execução sustada,com a penhora de outros bens do devedor, que garantam o total pagamento do seu crédito.
De outro modo, não faria sentido o disposto no n.º 4 do artigo 794.º, ao estatuir que a sustação integral determina a extinção da execução, sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 850.º, ou seja, de o exequente poder vir a requerer a renovação da execução extinta, indicando novos bens à penhora. Quem pode o mais - renovara execução extinta -, pode o menos – não desistir de bem penhorado -.
No caso dos autos, sustada a execução quanto ao bem imóvel penhorado no processo n.º 1527/03.8TTVNG, nada impede que a mesma prossiga quanto ao depósito bancário no valor de €12.405,05, tanto mais que este montante é insuficiente para garantir o pagamento da dívida exequenda, no montante de € 16.508,48, mais as custas processuais, e eventuais juros de mora de 17 anos!
Assim, dar provimento à pretensão do executado e ordenar o levantamento da penhora do depósito bancário, seria diminuir ou eliminar de vez (o dinheiro é um bem facilmente dissipável) a garantia do pagamento (parcial, diga-se) mais sólida e eficaz que o exequente tem nesta fase processual da execução, dado que a dívida inicial se mantém há 17 anos! [muito perto da prescrição dos vinte anos – cf. artigo 20.º do Código Civil] e sem solução, à vista,quanto à venda do imóvel penhorado.
Diferente seria se o novo bem penhorado fosse de valor excessivo em relação ao crédito do exequente ou conduzisse a um duplo pagamento.
Sendo de valor inferior, a interpretação do n.º 3 do artigo 794.º, no sentido pretendido pelo executado, violaria, além do mais, o disposto no artigo 20.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa.
No dizer de Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP Anotada, 2007, em anotação ao artigo 20.º, pág. 416, “Na epígrafe e no n.º 5 a Constituição alude expressis verbis ao direito à tutela jurisdicional efectiva (epígrafe) ou ao direito à tutela efectiva (nº 5). Não é suficiente garantia o direito de acesso aos tribunais ou o direito de acção. A tutela através dos tribunais deve ser efectiva. O princípio da efectividade articula-se, assim com uma compreensão unitária da relação entre direitos materiais e direitos processuais, entre direitos fundamentais é organização e processo de protecção e garantia. Não obstante reconhecer o direito à protecção de direitos e interesses, não é suficiente garantia o direito de acção para se lograr uma tutela efectiva. O princípio da efectividade postula, desde logo, a existência de tipos de acções ou recursos adequados (cfr. Cód. Proc. Civil, art. 2.º-2), tipos de sentenças apropriados às pretensões de tutela deduzida em juízo e clareza quanto ao remédio ou acção à disposição do cidadão (cfr. as formas de processo hoje consagradas no Cód. Proc. Trib. Admin., arts. 35º e ss.).”.
Dito em linguagem simplificada: salvo o disposto no artigo 784.º, n.º 1 do CPC, que protege o devedor de qualquer acto processual do credor que conduza à penhora de valor excessivo ou a um duplo pagamento, todas as demais normas da acção executiva devem ser interpretadas no sentido que conduzam ao pagamento efectivo do crédito do exequente, em prazo razoável, e não no sentido de proteger o devedor relapso.
Assim, a desistência prevista no n.º 3 do artigo794.º apenas se justifica no caso de a nova penhora satisfizer, integralmente, o pagamento do crédito em execução. Caso contrário, beneficiará, injustificadamente, o devedor.
Neste sentido, a manutenção da penhora sobre o bem imóvel é, aparentemente, a única garantia que o exequente continua a ter para o pagamento integral do seu crédito, isto é, para o pagamento efectivo da diferença entre o valor do depósito bancário penhorado e a totalidade da dívida.
Diferente interpretação do n.º 3 do artigo 794.º conduziria à diminuição ou eliminação dessa garantia processual do exequente, ao arrepio do princípio da efectividade, constitucionalmente consagrado.
Improcede, assim, também nesta parte, o recurso do executado.

IV.A decisão
Atento o exposto, acórdão os Juízes que compõem esta Secção Social em julgar improcedente o recurso de apelação, e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas a cargo do recorrente executado.

Porto, 17 de dezembro de 2020
Domingos Morais
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha