Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
518/06.1TALSD.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: DONAS BOTTO
Descritores: CRIME DE RECUSA DE MÉDICO
ELEMENTOS DO TIPO
Nº do Documento: RP20130710518/06.1TALSD.P2
Data do Acordão: 07/10/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – O crime previsto no art.° 284° do Código Penal é de perigo concreto quanto ao grau de lesão dos bens jurídicos protegidos - vida e integridade física - e de resultado quanto à forma de consumação do ataque ao objecto da acção.
II – A não prestação de cuidados consiste numa omissão, numa recusa de prestar os cuidados médicos indicados, em tempo útil, uma vez conhecida, directa ou indirectamente, a situação de perigo para a vida ou saúde, exigindo-se ainda que o perigo não possa ser removido de outra maneira, sendo a actuação médica, em concreto, o único meio capaz de eliminar esse perigo.
III – O crime é doloso, exigindo a representação do perigo para a vida ou do perigo de grave lesão da integridade física, a consciência acerca da indispensabilidade e adequação do auxílio médico que o omitente podia ter prestado e a conformação perante tal situação
IV - Se o agente se mantém passivo, apesar de ter consciência do perigo e da imprescindibilidade de auxílio médico, que podia prestar, poderá concluir-se que, no mínimo, se conformou com esse perigo, demonstrando uma atitude de indiferença (dolo eventual).
V – As omissões de auxílio por parte do médico podem constituir violação de dever de garante (artigo 10º°, n.º 2 do C. Penal), violação do dever específico de assistência médica (art.º 284º do C. Penal) ou violação do dever geral de auxílio (art.º 200º n.º 1 do C. Penal).
VI - A acção típica consiste, essencialmente, na «não prestação dos cuidados médicos indicados para o tratamento da situação de perigo para a vida ou para a saúde», que se exprime sob a forma de recusa, ou seja, «não prestação de médico em tempo útil, uma vez conhecida, directa ou indirectamente, a situação de perigo».
VII – O vocábulo recusar não deve ser tomado no sentido amplo que compreende tanto o negar-se como o protelar, o ficar indiferente, significando a não prestação de auxílio médico em tempo útil, uma vez conhecida, directa ou indirectamente, a situação de perigo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: .Proc. n.º 518/06.1TALSD.P2

Acordam em Conferência no Tribunal da Relação do Porto

Relatório

O Meritíssimo Senhor Juiz de Instrução pronunciou, em processo comum e com intervenção de Tribunal Colectivo, os arguidos:

B..., casado, médico, nascido a 15/03/1952, natural de …, Porto, filho de C… e de D…, com domicílio profissional no Centro Hospitalar …, EPE, em …, …, Penafiel,

E…, casado, médico, nascido a 13/11/1954, natural de …, Porto, filho de F… e de G…, residente na Rua …, …, ….-…, Porto;

H…, solteiro, médico, nascido a 17/05/1973, natural de São Tomé e Príncipe, filho de I… e de J…, com domicílio profissional no Centro Hospitalar …, EPE, em …, …, Penafiel; e

K…, casada, enfermeira, nascida a 31/12/1980, natural de …, Amarante, filha de L… e de M…, residente na Rua …, n.º …, …, ….-…, Lixa,

imputando a cada um dos arguidos B…, E… e H… a comissão, a título de autoria material, de um crime de recusa de médico agravado pelo resultado, previsto e punido pelos artigos 284º e 285º do Código Penal; e
à arguida K… a comissão, na forma de cumplicidade, de um crime de recusa de médico, agravado pelo resultado, previsto e punido pelos artigos 27º, 284º e 285º do Código Penal.

N… e O… requereram a constituição como assistentes, mas por despacho proferido a fls. 821, entretanto transitado em julgado, tal pedido veio a ser indeferido quanto à requerente O…, tendo apenas a requerente N… sido admitida a intervir nos autos como assistente.

N… deduziu o pedido de indemnização cível de fls. 557 a 569 contra os demandados B…, E…, H… e K… pedindo a condenação solidárias destes a pagar-lhe a quantia de:
a- 15.000,00 euros, a título de compensação pelo sofrimento e angústia da vítima P… enquanto esperava auxílio médico antes da morte, nomeadamente nas horas em que esteve na maca no corredor junto aos gabinetes médicos sem assistência;
b- 50.000,00 euros, a título de compensação pela perda do direito à vida do falecido P…;
c- 20.000,00 euros, a título de compensação pelos danos sofridos pela demandante; e
d- 182.000,00 euros, a título de indemnização pelos salários que o falecido deixou de auferir e com os quais sustentava o seu agregado familiar.

O… deduziu o pedido de indemnização cível de fls. 602 a 615 contra os mesmos demandados pedindo a condenação solidária destes a pagar-lhe a quantia de:
a- 20.000,00 euros, a título de compensação pelo sofrimento e angústia da vítima P…, enquanto esperava auxílio médico antes da morte, nomeadamente nas horas em que esteve na maca no corredor junto aos gabinetes médicos sem assistência;
b- 20.000,00 euros, a título de compensação pelos danos sofridos pela demandante decorrente das sequelas que a morte repentina de seu pai deixou naquela e pela consequente doença psiquiátrica que a afectou;
c- 50.000,00 euros, a título de compensação pela perda do direito à vida do falecido.
d- 20.000,00 euros, a título de indemnização, correspondente à parte dos salários que seu pai deixou de auferir e que revertiam a seu favor, uma vez que vivia na dependência económica daquele.

Admitidos os pedidos de indemnização cíveis formulados e designado dia para a realização da audiência de julgamento, o arguido B… apresentou a contestação escrita de fls. 1131 a 1135, onde, em síntese, sustenta não ter praticado o crime por que vem pronunciado, pedindo que seja absolvido da prática desse crime e, bem assim dos pedidos de indemnização cível formulados pelas demandantes.

Já o arguido E… apresentou as contestações escritas de fls. 1120 a 1122, onde oferece o merecimento das suas declarações e alega o mais favorável que decorra da audiência de discussão e julgamento e conclui pela improcedência dos pedidos de indemnização cíveis que contra si vem formulados, pedindo a sua absolvição desses pedidos.

O arguido H… apresentou a contestação escrita de fls. 1123 a 1130, onde sustenta, em síntese, não ter incorrido na comissão do crime por que vem pronunciado, pedindo a sua absolvição desse crime.

Por último, a arguida K… apresentou a contestação escrita de fls. 1136 a 1150, onde sustenta, nuclearmente, não ter cometido o crime por que vem pronunciada, pedindo a sua absolvição do mesmo.
No que tange aos pedidos de indemnização cíveis, invocou a excepção dilatória da ilegitimidade passiva para tais pedidos, sustentando que por via do regime jurídico explanado no art. 2º do Decreto-Lei n.º 48.051, aquela nunca podia ser responsabilizado pela satisfação da indemnização que vem peticionada pelas demandantes em virtude dos factos em que estas ancoram aquela sua pretensão indemnizatória terem sido por si alegadamente praticados no exercício da sua actividade profissional, enquanto funcionária da Administração Pública, e a título de negligência, pelo que apenas a Administração Pública detém de legitimidade passiva para tais pedidos uma vez que apenas ela poderá ser responsabilizada pelo direito indemnizatório que as demandantes vêm exercer nos presentes autos.
Conclui, pedindo que por via da procedência da invocada excepção dilatória da ilegitimidade passiva, seja absolvida da instância.
Subsidiariamente, pede que seja absolvida do pedido.
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Da excepção dilatória da ilegitimidade passiva da demandada K… para os pedidos de indemnização cíveis deduzidos nos autos pelas demandantes.
A demandada K… vem invocar ser parte ilegítima para os pedidos de indemnização cíveis que contra si e outros vêm formulados pelas demandantes à luz do preceituado no art. 2º, do Decreto-Lei n.º 48051 e, bem assim dos arts. 22º e 271º da CRP, sustentando para tanto que as demandantes fazem ancorar a sua pretensão indemnizatória em factos alegadamente por si praticados, a título de negligência, enquanto funcionária pública e no exercício e por via das suas funções públicas, pelo que apenas a Administração Pública poderá ser responsabilizada, à luz daqueles dispositivos legais, por tais pretensões indemnizatórias e, por conseguinte, apenas a Administração Pública detém interesse directo em contradizer tais pedidos.

Apreciando e decidindo.
Conforme decorre claramente dos pedidos de indemnização cíveis formulados pelas demandantes N… e O… estas fazem ancorar a sua pretensão indemnizatória contra os demandados B…, E…, H… e K…, em factos por estes alegadamente perpetrados, a título doloso, enquanto funcionários do Centro Hospitalar …, EPE, e no exercício dessas sua funções de, respectivamente, médicos e de enfermeira daquela unidade de saúde pública na noite de 16 para 17 de Abril de 2006, sustentando, aliás, em sede de dolo, que os mesmos “agindo voluntária, livre e conscientemente, sabendo que as suas condutas lhes não eram permitidas por lei, como poderiam e deveriam, não se deixaram motivar pelo quadro clínico, nem pelas queixas crescente que P… manifestava, de que tinham conhecimento e não ignoravam serem susceptíveis de provocar, como provocaram, perigo de grave lesão da integridade física ou perigo para a vida do mesmo, sobre eles incumbindo o dever de implementar observação médica mais célere, único meio capaz de eliminar tais perigos, mantendo-se sempre passivos, apesar de terem consciência dos perigos de grave lesão da integridade física ou da vida do doente P…, descorando a atenção e o auxílio médico que podiam concretizar, conformando-se com tais perigos e demonstrando uma atitude de indiferença”.
Refira-se que quer na perspectiva das demandantes, quer do Ministério Público, a prática dos alegados factos pelos demandantes fê-los, inclusivamente, incorrer na comissão de um crime de recusa de médico agravado pelo resultado, previsto e punido pelos arts. 284º e 285º do Código Penal, encontrando-se, aliás, os três primeiros demandados pronunciados, a título de autoria material, pela comissão de tal crime, e a demandada K…, a título de cumplicidade, tipo de crime esse que tal como vem amplamente explanado na decisão de pronúncia apenas pode ser cometido na forma dolosa.
Decorre do exposto que apenas por mero lapso, quiçá total alheamento daquilo que tem sido o desenrolar dos presentes autos e, bem assim da leitura do teor da decisão de pronúncia, bem como dos pedidos indemnizatórios deduzidos, os quais remetem, inclusivamente, para aquela decisão instrutória que pronunciou os arguidos pela comissão daqueles crimes, pode a demandada K… pretender, como pretende, que a pretensão indemnizatória em análise se funda na prática de factos alegadamente por si perpetrados, enquanto funcionária pública e no exercício dessas suas funções públicas, mas apenas a título de negligência.
E desfeito que está esse evidente lapso em que incorre a demandante, lapso esse que, salvo o devido respeito por opinião contrária, é patente e manifesto, já que os factos que lhe são imputados não lhe são assacados, relembra-se, a título de negligência, mas sim a título de dolo, a única afirmação que nos apraz dizer em relação às amplas explanações jurídicas que tece para sustentar a sua pretensa ilegitimidade passiva para os termos dos pedidos de indemnização cível que contra si, e outros, vem formulados pelas demandantes é a de que se concorda integralmente com tais explanações jurídicas, as quais, contudo, conduzem à legitimidade passiva dos demandados para tais pedidos quando se verifica, reafirma-se, que as demandantes imputam aos demandados os factos em que fazem ancorar essas suas pretensões indemnizatórias a título doloso.
Na verdade, assentando as pretensões indemnizatórias em análise em factos alegadamente perpetrados pelos demandados enquanto funcionários públicos e no exercício das suas funções de médicos (em relação aos três primeiros demandados) e de enfermeira (em relação à demandada O…) do Centro Hospitalar …, EPE, na noite de 16/17 de Abril de 2006, a pretensão em análise, carece de ser subsumida ao regime jurídico então vigente, que era o fixado pelo Decreto-Lei n.º 48.051, de 21/11/1967, já que este diploma apenas veio a ser revogado com a entrada em vigor, em 31/01/2008, da Lei n.º 67/2007, de 31/12.
Ora, conforme nos dá conta Fernandes Cadilha, in “Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado”, págs. 108, no domínio deste diploma legal, por efeitos dos respectivos artigos 2º e 3º, poderiam configurar-se quatro situações distintas: (a) responsabilidade exclusiva da Administração (actos praticados com negligência leve); (b) responsabilidade exclusiva da Administração com direito de regresso (actos praticados com negligência grave); (c) responsabilidade solidária da Administração (actos praticados com dolo); (d) responsabilidade exclusiva dos titulares de órgãos funcionais ou agentes (actos que excedam os limites das funções).
No mesmo sentido se pronuncia Fausto Quadros, in “Responsabilidade Civil Extracontratual da Administração Pública”, 2ª ed., págs. 66 e seguintes, onde após fazer uma explanação sobre aquelas quatro situações possíveis, a propósito da terceira hipótese supra referenciada, à qual, atento o quadro factual invocado pelas demandantes a fim de ancorarem as respectivas pretensões indemnizatórias, se subsume as pretensões em análise, propugna que o art. 3º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 48051, prevê a hipótese de responsabilidade solidária do Estado e demais pessoas colectivas públicas com os titulares dos seus órgãos ou agentes autores do facto ilícito culposo, tornando, contudo, ciente, que para que tal se verifique “é necessário, à semelhança do que acontece no tocante à responsabilidade exclusiva do Estado e demais pessoas colectivas públicas, que se verifique a existência de um acto ilícito culposo funcional”, no sentido de praticado pelo titular do órgão ou agente administrativo no desempenho das suas funções e por sua causa, e depois, para que exista responsabilidade solidária “é ainda necessário que a culpa dos titulares dos órgãos ou agentes administrativos revista a forma de dolo, ou seja, que exista por parte daqueles a intenção de praticar um acto ilícito (“Os titulares do órgão e os agentes administrativos (…) respondem civilmente perante terceiros pela prática de actos ilícitos (…) se, no desempenho das suas funções e por sua causa, tiverem procedido dolosamente – artigo 3º, n.º 1; “Em caso de procedimento doloso, a pessoa colectiva é sempre solidariamente responsável com os titulares do órgão ou agentes “- art. 3º, n.º 2).
Nesta hipótese, continua este autor, “o terceiro lesado poderá pois escolher entre demandar o autor do facto ilícito culposo que lhe causou danos (o titular do órgão ou agente administrativo) ou a pessoa colectiva pública ao serviço do qual aquele actua, ou ambos simultaneamente, a fim de ver o prejuízo que sofreu devidamente ressarcido”.
Posto isto, atendendo à relação material controvertida tal como vem delineada pelas aqui demandantes, única que nos termos do disposto no n.º 3 do art. 26º do Cód. Proc. Civil, se impõe atender para efeitos de aferição do pressuposto processual da excepção dilatória da legitimidade dos sujeitos da relação controvertida, onde se verifica que estas alegam que os demandados, enquanto, respectivamente, médicos e enfermeira do corpo clínico do Centro Hospitalar …, EPE, e no exercício dessas suas funções, omitiram os factos que descrevem a título doloso, mais concretamente, a título de dolo eventual, para com o falecido P…, de que emergiram os danos cuja indemnização reclamam, e podendo, por conseguinte, por via do citado art. 3º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 48051, os demandados vir a ser civilmente responsabilizados a título pessoal pela satisfação de tais indemnizações às demandantes, torna-se manifesto que todos eles, e logo, incluindo a demandada K…, dispõem de interesse directo em contradizer tais pedidos indemnizatórios, posto que da procedência de tais pedidos indemnizatórios advirá para os mesmos prejuízo manifesto – n.ºs 2 e 3 do art. 26º do Código de Processo Civil -, e daí que aqueles detenham de legitimidade passiva para os mesmos, de onde se conclui pela improcedência da excepção dilatória da ilegitimidade passiva invocada pela demanda K….
Nesta conformidade, acorda-se em julgar improcedente por não provada a excepção dilatória da ilegitimidade passiva que vem invocada pela demandada K… para os termos dos pedidos de indemnização cíveis que vêm deduzidos nos autos, declarando-a parte legítima.
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Inexistem outras questões prévias ou excepções de que cumpra conhecer e que obstem à apreciação de mérito.

A audiência de discussão e julgamento decorreu com observância do legal formalismo.
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Realizada a audiência de julgamento o Tribunal Colectivo logrou apurar os seguintes factos:
A- Na noite de 16 para 17 de Abril de 2006, a arguida K… encontrava-se a exercer as funções de enfermeira no serviço de urgência do Centro Hospitalar …, EPE, nesta comarca, integrada no turno entre as 20.00 horas do dia 16 e as 08.00 horas do dia 17.
B- Nesse mesmo turno encontravam-se também a exercer as suas funções como médicos os arguidos B…, H… e E…, sendo o primeiro como chefe da equipa médica de urgência e os dois últimos como clínicos gerais a quem estava atribuído o atendimento dos doentes com prioridade de Manchester laranja e amarela.
C- Na sobredita noite de 17/04/2006, P… foi acometido de fortes dores numa perna e na zona do tórax enquanto dormia no leito, na sua residência, sita no …, …, Lousada.
D- Como tais dores não abrandavam, a sua mulher, N…, telefonou para os Bombeiros Voluntários …, que rapidamente chegaram ao local e transportaram P… em ambulância INEM ao Centro Hospitalar …, EPE, no que foi acompanhado por N… e pela sua filha O….
E- Uma vez aí chegados, os bombeiros conduziram o doente P… ao serviço de urgências do sobredito estabelecimento de saúde, onde foi atendido pela enfermeira Q…, que pelas 04h43m, procedeu à triagem de Manchester, tendo atribuído a prioridade amarela e onde fez constar na ficha do episódio de urgência junta aos autos a fls. 40, dor torácica moderada.
F- De seguida, P… foi conduzido na maca onde era transportado para um corredor junto dos gabinetes dos médicos, onde ficou a aguardar ser atendido pelo arguido H… ou pelo arguido E…, sendo que a sua mulher N… e a filha O… tiveram que permanecer na sala de espera do público.
G- Cerca de uma hora depois, O…, preocupada com o estado de saúde de seu pai, abordou a arguida K…, perguntando-lhe pelo pai, a qual lhe referiu que seu pai ia ser atendido, mas que havia casos mais urgentes, palavras que, posteriormente, K… repetiu por mais duas vezes a O… quando esta a foi sucessivamente questionando sobre a demora no atendimento de seu pai.
H- Pouco depois uma doente, cuja identidade não foi possível apurar, surgiu do interior do serviço de urgência em direcção à zona de espera do público, tendo então sido interpelada pela O… que lhe perguntou se tinha visto o seu pai, ao que a mesma respondeu que realmente estava “um senhor” deitado numa maca a queixar-se de fortes dores no peito, acrescentando que outras pessoas também não estavam a ser atendidas e que ela própria, que aí se encontrava desde as 23 horas, ainda não tinha sido assistida.
I- Cerca das 06h30m, essa mesma doente voltou novamente à sala de espera do público para falar com o marido, trazendo a mesma na mão um papel que referiu ter retirado da secretária de um médico.
J- Logo de seguida surgiu no local S…, agente da GNR de Penafiel, aí em serviço de funções, que ao ver a sobredita doente exaltada, para acalmar a situação, pediu ao auxiliar de acção médica em serviço que fosse chamar o chefe da equipe médica, o que fez, sendo que momentos depois surgiu junto daqueles o arguido B….
K- Então B…, S… e a aludida doente entraram num gabinete próximo do local onde se encontrava P… deitado na maca, onde estiveram a conversar durante um período de tempo não concretamente apurado.
L- Nessa ocasião, O… telefonou ao seu cunhado T…, pedindo-lhe para se deslocar ao hospital e tentar levar o seu pai para outro estabelecimento de saúde uma vez que ainda não tinha sido assistido.
M- Pelas 07.00 horas, uma enfermeira não concretamente identificada e em circunstâncias não concretamente apuradas, ao passar junto da maca de P…, reparou que este se encontrava em paragem cardio-respiratória, após o que este foi conduzido para a sala de reanimação, tendo sido accionado o respectivo alarme de emergência.
N- Instantes depois P… foi sujeito a manobras de reanimação (suporte avançado de via) pela médica U…, durante cerca de 35 minutos, as quais não obtiveram êxito, acabando por ser verificado o óbito pelas 07h35 minutos.
O- No relatório de autópsia conclui-se que “a morte de P… foi de origem cardiovascular, nomeadamente cardiopatia isquémica aguda.
P- Os arguidos H… e E… não diligenciaram, como poderiam e deveriam, para que a vítima P… fosse atempadamente observado e assistido por um médico, sobretudo pelos próprios, sendo que a classificação de Manchester, para a prioridade amarela, aconselha a observação no espaço de uma hora, a qual podia ter sido concretizada, quanto ao doente P…, nesse lapso de tempo.
Q- De facto, entre a 01h50m e as 07h48m do dia 17/04/2006, o arguido H…, inscrito na Ordem dos Médicos sob o n.º ….., efectuou a observação dos seguintes doentes:
- V…, triado com prioridade laranja pela 1h26m, foi observado pela 01h50m;
- W…, triada com prioridade amarela pelas 04h20m, foi observada pelas 07h47m;
- X…, triada com prioridade amarela pelas 05h05m, foi observada pelas 07h48m;
- Y…, triado com prioridade laranja pelas 05h14m, foi observado pelas 05h20m;
- Z…, triado com prioridade amarela pelas 05h20m, foi observado pelas 06h40m;
- AB…, triada com prioridade laranja pelas 05h58m, foi atendida pelas 06h00m;
- AC…, triado com prioridade amarela pelas 06h11m, foi observado pelas 07h40m; e
- AD…, triada com prioridade laranja pelas 06h40m, foi atendida pelas 06h50m.
R- Por sua vez, o arguido E…, inscrito na Ordem dos Médicos sob o n.º ….., entre as 03h48m e as 07h45m do dia 17/04/2006 efectuou a observação aos seguintes doentes:
- AE…, triado com prioridade laranja pelas 03h30m, foi observado pelas 03h48m;
- AF…, triada com prioridade laranja pelas 03h35m foi observada pelas 03h48m;
- AG…, triada com prioridade amarela pelas 04h48m não respondeu à chamada pelas 07h40m; e
- AH…, triado com prioridade amarela pelas 05h52m não respondeu à chamada pelas 07h45m.
S- Entre as 04h45m e as 07h00m desse dia 17/04/2006 não havia no serviço de urgência do Centro Hospitalar …, EPE, número de doentes com prioridade vermelha laranja e amarela que justificasse demora significativa na sua observação médica, para além do tempo previsto na classificação de Manchester, nomeadamente aos doentes com prioridade amarela, como era o caso de P….
T- O qual, durante todo o período em que permaneceu deitado na maca no corredor junto dos gabinetes dos médicos e da enfermagem, apresentou queixas crescentes de fortes dores no peito e dificuldades na respiração, reclamando que fosse atendido por um médico no mais curto espaço de tempo, estado esse que não deixou de ser percepcionado pelo pessoal médico e de enfermagem que circulou ou permaneceu nessa zona, como foi o caso dos arguidos H… e E… como até de doentes, como foi o caso de X….
U- No período entre cerca das 05.00 horas e as 07.40 horas os doentes com prioridade amarela que aguardavam ser observados por médico começaram a exasperar-se pela excessiva demora no seu atendimento, tanto mais que não viam, no serviço de urgência, movimento de doentes que justificasse essa delonga.
V- AG… e AH…, ambos com prioridade amarela, tinham já abandonado a urgência e o hospital quando, respectivamente, pelas 07h40m e 07h45m, foi feita a sua chamada para serem observados pelo arguido E….
W- Os arguidos H… e E…, como poderiam e deveriam, não se deixaram motivar pelo quadro clínico nem pelas queixas de dores crescentes que P… manifestava, que tinham conhecimento e não ignoravam serem susceptíveis de provocar, como provocaram, grave perigo de lesão da integridade física do mesmo, sobre eles incumbindo o dever de implementar observação médica célere, único meio capaz de eliminar tal perigo.
Y- Os arguidos H… e E… mantiveram-se sempre passivos apesar de terem consciência do grave perigo de lesão da integridade física do doente P…, bem como da necessidade, para a sua remoção, de auxílio médico que podiam concretizar, conformando-se com tal perigo e demonstrando uma atitude de indiferença, sendo certo que eram capazes e dispunham das condições necessárias para actuar de acordo com as leges artis a que estavam vinculados.
X- Os arguidos B… e E…, à data dos factos, eram médicos do quadro de funcionários públicos do Centro Hospitalar …, EPE, o arguido H… era médico contratado por aquele centro hospitalar, e a arguida K... era enfermeira, também do quadro de funcionários públicos do mesmo estabelecimento de saúde.
Z- Os arguidos H… e E… agiram voluntária, livre e conscientemente, sabendo que as suas condutas lhes não eram permitidas por lei.
AA- P… quando foi conduzido, nas circunstâncias relatadas em F), para o corredor junto dos gabinetes médicos para ser atendido pelos clínicos que estavam de serviço, os seus familiares não o acompanharam, uma vez que aquele se encontrava consciente, orientado e, nessa área, em virtude da organização do Serviço de Urgência, só podem estar profissionais que estejam a trabalhar e doentes, já devidamente triados, ou acompanhantes desses mesmos doentes mas que se encontrem incapacitados de comunicar ou sejam menores.
AB- Os familiares e acompanhantes das pessoas que acorrem ao Serviço de Urgência, podem dirigir-se ao funcionário administrativo, para recolherem informações sobre os doentes que já se encontram triados e aguardam pelo atendimento do médico, de acordo com a prioridade da cor que lhes foi atribuída.
AC- Se os sintomas do doente se agravarem, enquanto esperam pelo atendimento, e tal for percepcionado por médicos, enfermeiros ou por auxiliares ou por doentes ou pelos acompanhantes referidos em AA), o doente cujos sintomas se agravaram são, em regra, retriados, sendo novamente avaliados pelo enfermeiro da triagem e a cor inicial que lhe foi atribuída pode ser alterada.
AD- A cor amarela atribuída ao falecido P… aquando da triagem referida em E), não foi alterada durante o período de tempo em que este permaneceu no corredor junto dos gabinetes médicos aguardando para ser atendido pelos clínicos que estavam de serviço.
AE- O arguido B… era o chefe de equipa do serviço de urgência nessa madrugada e no turno referido em A).
AF- É médico ortopedista, chefe de serviço, a exercer funções de Director do Serviço desde data não concretamente apurada.
AG- Enquanto chefe de equipa no Serviço de Urgência, de entre as funções que lhe estão confiadas, encontram-se a representação do Presidente do Conselho de Administração, apoio a todos os serviços do hospital e a promoção da informação aos familiares e acompanhantes de doentes que aguardam uma decisão clínica.
AH- Naquela madrugada nenhum familiar ou acompanhante de P… pediu para falar com o arguido B…, que esteve, nas circunstâncias relatadas em H) a K), no gabinete identificado em K), o qual fica próximo da sala de espera do público.
AI- O… não falou com o arguido B… quando este, nas circunstâncias relatadas em H) a K), se deslocou ao gabinete identificado em K) e aí esteve a falar com a doente cuja identidade não foi possível apurar.
AJ- O tempo de espera efectivo dos doentes que aguardam para serem atendidos pelos clínicos que estão ao serviço depende do número de doentes a serem atendidos e também da complexidade dos seus problemas de saúde.
AK- A triagem de Manchester, triagem de prioridade, determina tempos indicativos de espera dos doentes para serem atendidos pelos clínicos que estão ao serviço, sendo que o tempo efectivo de espera dos doentes está dependente do número de doentes a serem atendidos e da gravidade da situação dos doentes.
AL- De acordo com a triagem de Manchester, os doentes triados de “código laranja” têm prioridade no atendimento sobre os doentes triados com “código amarelo”.
AM- Entre as 04h43m, hora a que P… foi triado, e as 07h00m, momento em que se detectou que o mesmo estava em paragem cardio-respiratória, e após uma ausência que se estendeu pelo menos desde as 03h30m e até por volta das 05h15m, o arguido H… começou às 05h20m, por atender Y…, tendo depois observado Z…, seguindo-se a paciente AB…, participou na reavaliação de V…, em consequência de crise convulsiva, e atendeu a paciente AD….
AN- Os doentes Y…, AB…, V… e AD… haviam sido avaliados com “códigos laranja”, na Triagem de Manchester, pelo que de acordo, exclusivamente, com a triagem efectuada a estes doentes e a P…, apresentavam, à partida, quadros clínicos mais graves e urgentes do que o do último, que tinha um “código amarelo”.
AO- O atendimento a cada utente começa por um interrogatório, durante o qual o médico procura averiguar a história clínica do paciente.
AP- Prosseguindo com o exame clínico, que poderá incluir a medição de tensões arteriais, temperatura, auscultação e outras diligências conforme os casos.
AQ- Em parte das situações, há ainda a necessidade de recorrer aos meios auxiliares e complementares de diagnóstico, tais como electrocardiograma, gasimetria arterial, raios xis, entre outros.
AR- E só depois destes passos é que vem a fase da prescrição do tratamento, por via medicamentosa ou outra, tendente a debelar ou atenuar a doença.
AS- Pelas 05h20m, o arguido H… observou clinicamente Y…, com 69 anos de idade, o qual se queixava de dificuldades respiratórias, tendo um historial de DPOC (doença pulmonar obstrutiva crónica).
AT- Mediu a tensão arterial, verificou a temperatura, fez auscultação, electrocardiograma e gasimetria arterial.
AU- Prescreveu-lhe oxigénio, a 4 litros por minuto, 200 mg de Hidrocortisona endovenosa, nebulização com 10 cm3 de soro fisiológico, duas ampolas de Brometo ipatropium 0,5 cm3 de Salbutamol e uma grama de Paracetamol.
AV- Requisitou RX ao tórax e análises de sangue.
AW- Pelas 06h00m, observou a paciente AB…, com 85 anos de idade, a qual apresentava queixas de falta de ar e antecedentes de insuficiência cardíaca.
AY- Mediu a tensão arterial, verificou a temperatura axilar, fez auscultação, electrocardiograma e gasimetria arterial.
AX- Requisitou RX ao tórax e análises de sangue.
AZ- Prescreveu-lhe oxigénio a 24%, 200 mg de Hidrocortisona endovenoso, nebulização com 10 cm3 de soro fisiológico e duas ampolas de Brometo Ipatropium.
BA- Pelas 06h40m, o doente V…, com 54 anos de idade, teve uma crise convulsiva, pelo que o arguido H… pediu a colaboração do serviço de cirurgia.
BB- Este paciente tinha estado sob vigilância desde a 1h50m, altura em que o arguido H… o atendeu, após ter sido encontrado inconsciente no parque de estacionamento do hospital.
BC- Nessa consulta, apresentava hálito etílico e tinha uma ferida no couro cabeludo, mas estava orientado no tempo e no espaço.
BD- Prescreveu-lhe 1000 cm3 de soro fisiológico endovenoso, fez electrocardiograma, Rx do crânio, análises de sangue e ficou em vigilância.
BE- Pelas 06h50m, atendeu AD…, de 60 anos de idade, a qual tendo um historial de doença osteo articular e diabetes, se queixava de agravamento de dor lombar.
BF- Mediu a tensão arterial, verificou o pulso e medicou-a com Voltaren 75 mg + Relmus (uma ampola) intramuscular.
BG- Não é só o número de doentes que determina o tempo de espera no Serviço de Urgência, mas também, a maior ou menor complexidade do quadro clínico de cada um dos utentes que ali se apresenta.
BH- A demora no atendimento a cada paciente é algo de aleatório e depende dos factores enunciados em BG).
BI- V…, foi triado com prioridade laranja, pela 01h26m e foi observado pelo arguido H… pela 01h50 m (espera de 24 minutos).
BJ- Y…, foi triado com prioridade laranja, pelas 05h14m e foi observado pelo arguido H… pelas 05h20m (espera de 6 minutos).
BK- AB…, foi triada com prioridade laranja pelas 05h58m e foi atendida pelo arguido H… pelas 06h00m (espera de 2 minutos).
BL- AD…, foi triada com prioridade laranja, pelas 06h40m e foi atendida pelo arguido H… pelas 06h50m (espera de 10 minutos).
BM- O gabinete de triagem situa-se em local separado fisicamente do espaço onde os doentes, depois de triados, aguardam ser consultados por médico.
BN- O acesso ao espaço onde os doentes aguardam ser consultados é de acesso reservado, sendo a entrada controlada por segurança.
BO- Após a realização da triagem e de acordo com a rotina do serviço, o doente P… foi conduzido para o espaço onde aguardam os doentes ser consultados por médico.
BQ- A partir das 05h20m e até às 07h50m a arguida K… esteve a triar os doentes que, a partir dessa hora, recorreram ao serviço de urgência do estabelecimento hospitalar em questão, tendo:
- às 05h20m, triado o doente Z…;
- às 05h38m, triado a doente AJ…;
- às 05h52m, triado o doente AH…;
- às 05h58m, triado a doente AB…;
- às 06h10m, triado a doente AK…;
- às 06h11m, triado o doente AC…;
- às 06h22m, triado o doente AL…;
- às 06h40m, triado a doente AD…;
- às 07h25m, triado a doente AM…;
- às 07h45m, triado o doente AN… e
- às 07h50m, triado o doente AO:...
BR- Após a realização da triagem de todos e de cada um dos doentes, a enfermeira que realizou a mesma, entregava, em regra, a ficha elaborada na triagem ao seu auxiliar, o qual entrava no espaço de acesso controlado por segurança, para, então aí, colocar essa ficha nas caixas existentes para o efeito, as quais se situavam junto aos gabinetes médicos, sendo que essa colocação, a título excepcional, era efectuada pela própria enfermeira que realizou a triagem, que tinha, para o efeito, que sair do gabinete de triagem, passar no corredor que se interpõe entre a sala de triagem e o espaço de acesso controlado por segurança, entrar neste último espaço, para, então aí, colocar a ficha elaborada na triagem nas aludidas caixas.
BS- Tendo em conta o período de permanência do doente P… no serviço de urgência, desde o momento em que o mesmo foi triado, até à hora em que o óbito foi declarado, a arguida K… efectuou a triagem de nove doentes.
BT- A arguida K… na noite e no turno referido em A) esteve adstrita às funções de triagem.
BU- Por força de tais funções, a arguida K… não tinha a possibilidade de, em permanência, estar no mesmo espaço físico onde P… se encontrava.
BV- Durante o período de tempo em que estavam a decorrer as manobras de reanimação de P…, a arguida K…, às 07h25m, efectuou a triagem de AM….
BW- As abordagens da arguida K… referidas em G) não ocorreram no corredor onde se encontrava P…, dado que esse local é de acesso restrito.
BY- O estabelecimento hospitalar possui registo de todos os doente que na noite referida em A) recorreram ao serviço de urgência.
BX- Durante o lapso de tempo em que P… aguardou por auxílio médico, enquanto se encontrava na maca junto aos gabinetes médicos, o mesmo sofreu queixas crescentes de fortes dores no peito e dificuldades na respiração.
BZ- Afligiu-se e sentiu-se frustrado pela demora no atendimento.
CA- O facto de saber que a mulher e filha se encontravam na sala de espera do público na expectativa de notícias do seu estado, fê-lo sofrer.
CB- N… era casada com P….
CD- Dependia economicamente daquele para a sua subsistência, uma vez que não trabalhava e o ordenado que este auferia como trabalhador da construção civil perfazia a maior parte do sustento do seu agregado familiar.
CE- N… viveu muito angustiada desde a entrada do seu marido no hospital até ao dia de hoje.
CF- Com a dor que sentia e sente pela morte do seu marido nas circunstâncias supra relatadas, N… passou muitas noites sem dormir, muitos dias sem vontade de se alimentar e passou dias inteiros a chorar, desesperada e impotente.
CG- Essa dor é intensificada porque, na sua perspectiva, bastava o seu marido, naquele dia, ter sido atendido atempadamente para evitar a sua morte.
CH- Quando chegou a notícia de que o seu marido estava morto, N… ficou transtornada e incrédula.
CI- N… ficou mais triste, angustiada e revoltada quando soube que o seu marido faleceu sem nunca ser atendido pelos médicos.
CJ- N… sofreu grande desgosto com a morte de P…, seu amado marido, companheiro e amigo e sustento da casa.
CK- Face à estreita e forte relação que existia entre ambos, pois estavam casados há mais de trinta anos, N… sentiu e sente uma grande tristeza e amargura.
CL- A cada dia que passa acresce a solidão de N…, aumenta a sua tristeza e amargura.
CM- Sente muitas saudades do marido e não logra compreender as razões que levaram os arguidos H… e E… a não prestar auxílio a P….
CN- Sente muitas saudades das conversas diárias e do tempo que passava com P…, em especial aos fins-de-semana.
CO- P… era boa pessoa, trabalhadora, generosa, considerada, respeitada por todos e bom pai de família.
CP- O falecido P… era religioso e crente e era o sustento da família.
CQ- O falecido trabalhava diariamente para sustentar a família e contribuía para o sustento do seu agregado familiar.
CR- Auferia um salário médio de mil euros mensais.
CS- N… vive agora angustiada e triste por ter perdido o contributo que lhe era proporcionado por P… para o seu sustento.
CT- N… não trabalha.
CU- Com o falecimento de P…, N… e o seu agregado familiar perdeu a qualidade de vida a que estava habituada.
CV- P… tinha à data dos factos 52 anos de idade.
CW- O… é filha de P… e vivia na casa deste à data do seu falecimento.
CY- O… viveu muito angustiada desde a entrada do seu pai no hospital até ao dia de hoje.
CX-. Com a dor que sentia pela morte do seu pai nas circunstâncias supra relatadas, O… passou muitas noites sem dormir e passou dias inteiros a chorar, desesperada e impotente.
CZ- Essa dor é intensificada porque, na sua perspectiva, bastava ao seu pai, naquele dia, ter sido atendido atempadamente para evitar a sua morte.
DA- Quando chegou a notícia de que o seu pai estava morto, O… ficou transtornada e incrédula.
DB- O… ficou mais triste, angustiada e revoltada quando soube que o seu pai faleceu sem nunca ser atendido pelos médicos.
DC- O… sofreu grande desgosto com a morte de P…, seu querido pai e grande amigo.
DD- Face à estreita e forte relação que existia entre ambos, O… sentiu e sente uma grande tristeza e amargura.
DE- Sente saudades do pai e não logra compreender as razões que levaram os arguidos H… e E… a não prestar auxílio a P….
DF- Sente saudades das conversas diárias e do tempo que passavam juntos.
DG- Com o falecimento do pai, O… e o seu agregado familiar perdeu a qualidade de vida a que estava habituada.
DH- O falecimento súbito de seu pai originou transtornos psiquiátricos para O…, que a incapacitaram de trabalhar por um período de tempo não concretamente apurado.
DI- O… ficou afectada psicologicamente com o falecimento do pai.
DJ- O arguido B… é casado e tem dois filhos, um dos quais é casado e o outro tem vinte e quatro anos de idade e encontra-se a acabar a sua formação universitária, estando economicamente dependente do arguido.
DK- A mulher do arguido é médica.
DL- O arguido é licenciado em medicina e assistente na Faculdade de Medicina.
DM- Não tem antecedentes criminais.
DN- O arguido E… é casado e tem três filhos, dois dos quais, que contam, respectivamente, 28 e 14 anos de idade, estudam e estão dependentes economicamente daquele.
DO- A mulher do arguido é assistente de medicina.
DP- O arguido é licenciado em medicina e tem as especialidades de medicina geral e de medicina do trabalho.
DQ- O arguido vive em casa arrendada e paga dois mil euros de renda de casa.
DR- É proprietário de dois veículos automóveis, sendo um da marca “Mercedes”, do ano de 1991, e o outro da marca “Audi”, do ano de 2006.
DS- Aufere rendimentos mensais que ascendem a cerca de 3.500,00 euros mensais e as suas despesas mensais ascendem a cerca de 3.000,00 euros mensais.
DT- Não tem antecedentes criminais.
DU- O arguido H… é médico de profissão.
DV- E encontra-se a residir e a trabalhar na Inglaterra.
DW- Não tem antecedentes criminais.
DY- A arguida K… é enfermeira de profissão.
DX- É casada e trabalha no Centro Hospitalar …, EPE.
DZ- Não tem antecedentes criminais.
*
Não se provaram outros factos para além dos que antecedem e, designadamente que:
1- nas circunstâncias relatadas em E), P… tivesse referido a Q… que “lhe doía muito no peito e menos na perna”.
2- nas circunstâncias relatadas em F), após a triagem e antes de ser conduzido para o corredor junto dos gabinetes dos médicos, P… tivesse sido colocado deitado numa maca;
3- tivesse sido cerca de cinco minutos depois que nas circunstâncias relatadas em G), O… abordou a arguida K…;
4- nas circunstâncias relatadas em G), O… tivesse conseguido entrar no corredor onde estava o seu pai e, bem assim que tivesse sido nesse corredor que aquela abordou a arguida K…;
5- a resposta dada pela arguida K… à O… nas circunstâncias relatadas em G) de que havia doentes mais urgentes que o pai da última para serem atendidos não fosse verdadeira;
6- tivesse sido três ou quatro vezes o número de vezes em que O… sucessivamente questionou a arguida K… sobre a demora no atendimento de seu pai e que esta última repetiu as palavras referidas em G) a O…;
7- nas circunstâncias relatadas em I) a doente aí referida tivesse dito ao marido que o papel que trazia na mão e que dizia ter retirado da secretária de um médico, que esse médico se encontrava a ressonar;
8- nas circunstâncias relatadas em J) a doente dissesse ter-se deparado com um médico a ressonar num gabinete;
9- nas circunstâncias relatadas em K) a conversa entre B…, S… e a aludida doente tivesse perdurado especificamente durante cerca de dez minutos;
10- tivesse sido a arguida K…, quando se dirigia, mais uma vez, para a sala de enfermagem, que nas circunstâncias relatadas em M) reparou que P… se encontrava em paragem cardio-respiratória;
11- a enfermeira que nas circunstâncias relatadas em M) reparou que P… se encontrava em paragem cardio-respiratória tivesse, em face disso, chamado de imediato a sua colega enfermeira AP… para a ajudar a conduzir esse doente para a sala de reanimação;
12- o óbito de P… tivesse sido verificado nas circunstâncias relatadas em N) pelas 07h45m;
13- os arguidos K… e B… não tivessem, também eles, diligenciado, como poderiam e deveriam, para que a vítima P… fosse atempadamente observado e assistido por um médico;
14- o estado de P… relatado em T) reclamasse um atendimento prioritário face a todos os demais doentes que se encontravam no serviço de urgência;
15- os arguidos K… e B… tivessem circulado ou permanecido na zona em que se encontrava P… durante o período em que este aí esteve e tivessem percepcionado o estado deste relatado em T);
16- os doentes com prioridade amarela que aguardavam ser observados por médico continuassem a exasperar-se nos termos e pelas razões indicadas em U) para lá das 07.40 horas;
17- o abandono de AG… e de AH… relatado em V) tivesse sido motivado pela demora no atendimento referido em U);
18- os arguidos B… e K…, como poderiam e deveriam, não se tivessem deixado motivar pelo quadro clínico nem pelas queixas de dores crescentes que P… manifestava, que tinham conhecimento e não ignoravam serem susceptíveis de provocar, como provocaram, perigo de grave lesão da integridade física ou perigo para a vida do mesmo, sobre eles incumbindo o dever de implementar observação médica célere, único meio capaz de eliminar tais perigos;
19- nas circunstâncias relatadas em W) e Y), os arguidos H… e E… não ignorassem que o quadro clínico e as queixas de dores crescentes que P… manifestava e de que tinham conhecimento eram susceptíveis de provocar perigo para a vida do mesmo e se tivessem conformado com tal perigo;
20- os arguidos B… e K… se tivessem mantido sempre passivos apesar de terem consciência dos perigos de grave lesão da integridade física ou da vida do doente P…, bem como da necessidade, para a sua remoção, de auxílio médico que podiam concretizar, conformando-se com tais perigos e demonstrando uma atitude de indiferença, sendo certo que eram capazes e dispunham das condições necessárias para actuar com as leges artis a que estavam vinculados;
21- à data dos factos apurados o arguido H… fosse médico do quadro de funcionários públicos do Centro Hospitalar …, EPE, e, bem assim, que aquele, nessa concreta data fosse contratado como prestador de serviços;
22- os arguidos B… e K… tivessem agido voluntária, livre e conscientemente, sabendo que as suas condutas lhes não eram permitidas por lei;
23- o falecimento de P… seja consequência directa e necessária do apurado comportamento tido pelos arguidos E… e H… e exarado nos factos dados como provados;
24- aquando da triagem do falecido P…, este tivesse referido à enfermeira Q… que o triou e que lhe atribuiu prioridade amarela “dor torácica de características inespecíficas”;
25- nas circunstâncias relatadas em AC), quando os sintomas do doente se agravam e tal seja percepcionado pelas pessoas identificadas em AC), tais doentes cujos sintomas se agravaram sejam sempre retriados;
26- B… exerça funções de Director do Serviço desde 2003;
27- B… tivesse assegurado uma boa prática clínica, com total cumprimento da legis artis, pela equipa médica que estava no Serviço de Urgência naquela madrugada de 17 de Abril, tendo agido com toda a diligência, cuidado e conhecimento;
28- B…, nas circunstâncias relatadas em H) a K), tivesse estado na sala de espera do público;
29- nessa madrugada não tivesse havido mais pedidos para falar com o arguido B…;
30- O… tivesse tido oportunidade de falar com o arguido B… na sala de espera.
31- o doente P…, durante o tempo que permaneceu deitado na maca no corredor junto dos gabinetes médicos não tivesse apresentado alteração nas queixas que apresentou aquando da triagem de Manchester;
32- as queixas apresentadas por P… não tivessem sido crescentes;
33- o número de doentes que estão à espera de serem atendidos pelos clínicos que estão ao serviço não determine/influencie o tempo de espera desses doentes e, bem assim, que esse tempo de espera seja determinado/influenciado, única e exclusivamente, pela complexidade dos doentes;
34- a triagem de Manchester determine tempos médios de observação de doentes dependentes exclusivamente da gravidade da situação do doente;
35- o arguido H…, durante a madrugada em que ocorreram os factos apurados tivesse estado permanentemente ocupado no atendimento a doentes de código laranja;
36- a ausência do arguido H… e referida em AM) tivesse sido imposta para satisfação de necessidades pessoais;
37- todos os doentes atendidos pelo arguido H… no período temporal referido em AM) tivessem sido triados com código laranja e, bem assim que atendendo exclusivamente à cor amarela que na triagem foi atribuída a P…, todos eles tivessem prioridade no atendimento sobre P…;
38- o doente Z… tivesse sido avaliado com “código laranja” na Triagem de Manchester e, bem assim que este, de acordo exclusivamente, com a triagem efectuada, apresentasse, à partida, quadro clínico mais grave e urgente do que o do falecido P…;
39- o exame clínico referido em AP) inclua sempre a medição de tensões arteriais, temperatura, auscultação e outras diligências conforme os casos;
40- após a prescrição da medicação à paciente AD…, o arguido H… tivesse ido reavaliar os doentes que estavam com insuficiência respiratória, Y… e AB…, repetindo as respectivas gasimetrias.
41- cerca das 07h20m, o arguido H… tivesse sido chamado à sala de emergências, onde lhe perguntaram se sabia algo sobre o estado daquele doente, P…, ao que o arguido tivesse respondido que não sabia nada, pois nem sequer o tinha visto;
42- o arguido H… não tivesse visto o doente P…;
43- o arguido H… nunca tivesse estado em situação de poder ou dever diligenciar o atendimento ao decaído P…, com prioridade amarela, uma vez que se manteve ocupado no atendimento a doentes com prioridade “laranja”;
44- os doentes de código laranja que o arguido H… atendeu o tivessem permanentemente ocupado entre as 05h20m e as 07h20m;
45- o arguido H… tivesse estado devotado ao atendimento de outros doentes, prioritários em relação ao falecido e privado de representar o estado de saúde deste último;
46- P… não tivesse manifestado queixas crescentes de fortes dores no peito e dificuldades de respiração e, bem assim, que tais súplicas não tivessem sido percepcionadas pelo pessoal que se encontrava de serviço na Urgência;
47- o arguido H… não se tivesse apercebido nem das queixas, nem da gravidade do quadro clínico de P…, e bem assim que aquele não tivesse tido consciência dos perigos de saúde por que P… estava a passar, para os quais não foi alertado por ninguém;
48- o espaço que medeia o gabinete de triagem e o espaço onde os doentes, depois de triados, aguardam ser consultados por médico fosse de livre circulação por parte dos familiares dos doentes;
49- posteriormente às 04h43m tivesse ocorrido alteração das tarefas a que os membros da equipa de enfermagem estavam afectos, tendo a arguida K… passado a exercer funções na triagem;
50- a arguida K…, a partir das 05h20m e até às 07h50m tivesse estado continuadamente ocupada a triar os doentes que, a partir dessa hora, recorreram ao serviço de urgência do estabelecimento hospitalar;
51- a tarefa de colocação da ficha elaborada na triagem nos termos relatados em BR), nas caixas existentes para o efeito junto aos gabinetes médicos incumbisse à enfermeira que realizava a triagem, e bem assim que tivesse sido sempre ela que efectuava a colocação dessas fichas nas referidas caixas;
52- na sequência da triagem dos doentes identificados em BR), a arguida K… tivesse executado o percurso descrito em BR) vinte e duas vezes;
53- o número de doentes triados pela arguida K… no período de tempo referido em BS) ascendesse a dez doentes;
54- durante todo o período temporal referido nem BS), a arguida K… tivesse estado ocupada permanentemente no exercício das funções de triagem;
55- tivesse sido a arguida K… que se apercebeu que o doente P… se encontrava em paragem cardio-respiratória;
56- tivesse sido a arguida K… que deu o alerta para tal situação referida no anterior ponto 55 e, bem assim que aquela, após ter sinalizado essa situação, tivesse regressado à prestação de funções no âmbito da triagem;
57- a informação que a arguida K… transmitiu a O… nas circunstâncias relatadas em G) se tivesse baseado, exclusivamente, na constatação das fichas que iam sendo colocadas nas caixas existentes junto aos gabinetes médicos, tendo por referência as cores atribuídas e nada mais e, muito menos, com base em qualquer observação que tivesse efectuado ao doente P…;
58- durante o lapso de tempo referido em BX), P… tivesse também sentido dores na perna;
59- tivesse sido a espera e a aflição que dela resultou para P… que causou a sua morte;
60- tivesse sido a falta de actuação dos médicos que teve como consequência a morte de P…;
61- N… tivesse insistido junto dos médicos para atenderem P…;
61- N… viva do rendimento mínimo atribuído pela Segurança Social;
62- o único propósito na vida de P… fosse poder ajudar a família e sustentar a última;
63- O… fosse economicamente dependente de P… à data do seu falecimento e, bem assim, que aquela não trabalhasse;
64- O… tivesse insistido junto dos médicos para atenderem P…;
65- a tristeza e amargura sentida por O… se agrave de dia para dia.
*
Fundamentação:
O tribunal fundamentou a sua convicção na fixação da matéria dada como provada e, bem assim na dada como não provada na análise crítica da globalidade da prova produzida em audiência de julgamento, inserida num todo ou numa unidade significativa e significante, ciente de que não é lícito à luz das regras da experiência e também da incindibilidade da convicção fazer cisões ou compartimentações dessa mesma prova, tendo apreciado essa prova de acordo com a livre convicção do tribunal e sempre tendo por referência às regras da experiência comum, atendendo-se à prova pericial, documental e oral que foi produzida e aferindo-se, quanto a esta, da razão de ciência e de isenção de cada um dos depoimentos prestados.
Concretizando:
A matéria das alíneas A) a B), a respectiva assentou nas declarações prestadas pelos arguidos B… e K…, que pese embora tenham declarado em audiência de julgamento não terem lembrança dos factos em apreciação nos autos, argumentando com o tempo já decorrido sobre esses mesmos factos e por, na sua perspectiva, naquela concreta noite, caso tivessem estado ao serviço, nada de anormal tenha acontecido, no serviço de urgência, onde, na altura dos factos, confirmaram exercer, efectiva e respectivamente, as funções de chefe da equipa médica e de enfermeira, que os levasse a reter na sua memória os factos que então aconteceram, referiram que na sequência da instauração dos presentes autos em que são arguidos, foram analisar a documentação existente no Centro Hospitalar …, designadamente, os registos clínicos dos doentes que recorreram ao serviço de urgência daquela unidade hospitalar na noite de 16 para 17 de Abril de 2006, acabando por constatar que, realmente, naquela concreta noite, estiveram ao serviço e por confirmar a matéria dada como provada.
Tal matéria foi igualmente corroborada pelo arguido E…, que a confessou integralmente e sem reservas e, bem assim, pela testemunha Q…, enfermeira daquela unidade hospitalar e serviço de urgência, que à data e hora dos factos, estava ali a exercer funções de enfermeira e no exercício das quais realizou a triagem do falecido P…, tudo conforme confessou ter acontecido e é corroborado pelo teor do boletim do Serviço de Urgência do falecido, junto aos autos a fls. 40, onde se vê que este deu entrada, naquele serviço de urgência, no dia 17/04/2006, às 04h38m, tendo sido triado às 04h43m, pela “Enf. Q…”, tendo-lhe sido atribuída a “prioridade clínica” do código “amarelo”.
Teve-se também em consideração o depoimento prestado por AQ…, director da urgência do Hospital …, actual Centro Hospitalar …, EPE, no espaço temporal de 2006 a 2008 e desde Maio de 2010 até ao presente, o qual pese embora não se encontrasse ao serviço no turno a que se reportam os autos, desconhecendo, por conseguinte, todos os factos ocorridos naquele Serviço de Urgência e em apreciação nos autos, foi peremptório em afirmar que os arguidos E… e H… eram, à data dos factos, médicos naquela unidade hospitalar e serviço de urgências e que pela análise que fez do processo interno do hospital, verificou que o arguido B… desempenhava, então, as funções de chefe de equipa e tinha o horário das 20.00 horas às 08.00 horas do dia seguinte, acabando, assim, também ele, por corroborar a matéria dada como provada.
Mais se considerou o depoimento prestado por AS…, enfermeiro, que disse ter exercido funções no Serviço de Urgências do Hospital … entre 1997 a 2008, onde referiu ter trabalhado com a arguida K… naquele concreto serviço de urgências, não obstante tenha esclarecido que na noite a que se reportam os autos não esteve ao serviço, referindo ter sido o responsável pela elaboração da escala de serviço dos enfermeiros e que na noite em análise estiveram ao serviço, naquele serviço de urgências, um total de quatro enfermeiros, entre os quais, se contava a arguida K…, a qual desempenhou as funções de “enfermeira de triagem”.
Por último, teve-se em consideração o teor do ofício do Centro Hospitalar …, E.P.E, junto aos autos a fls. 232 a 234, onde se procede à identificação da equipa médica do Serviço de Urgências do dia 16/04/2006, e onde se identificam como clínicos gerais do S.U. Geral daquela unidade hospitalar os arguidos E… e H…, bem como o teor dos boletins dos doentes que recorreram ao serviço de urgências de fls. 235 a 281 e 1204 a 1246.
Na verdade, o teor desses boletins do serviço de urgência, nos quais se encontra aposto o número da cédula profissional do médico que atendeu, em cada momento, o doente a que se reportam, quando confrontado com o teor da fotocópia da cédula profissional da Ordem dos Médicos do arguido H…, junta aos autos a fls. 443, onde se vê que este arguido tem a cédula profissional n.º ….., e com a confissão do arguido E…, que confirmou estar inscrito naquela Ordem sob o n.º ….., confirma a matéria dada como provada em relação a estes dois concretos arguidos sob a alínea B).
Por sua vez, o teor desses mesmos boletins do serviço de urgências, onde se vê que a generalidade dos doentes a que se reportam esses concretos boletins foram triados pela “Enf. K…”, mostra-se conforme ao facto da arguida K… ter desempenhado, naquela concreta noite, as funções de “enfermeira de triagem”, acabando, assim, também eles, por confirmar a matéria dada como provada em relação à arguida K… sob a alínea A) dos factos provados.
Nessa sequência, perante o acervo probatório que se acaba de enunciar, que se mostra todo ele concordante entre si a propósito dos factos dados como provados sob as alíneas A) e B), forçoso é concluir pela prova dessa matéria.
A matéria das alíneas C) e D), a respectiva prova assentou nas declarações prestadas pela assistente N…, mulher do falecido P…, e pela demandante cível, O…, filha deste, as quais confirmaram a matéria dada como provada, a qual é também atestada pelo teor do registo do boletim do Serviço de Urgências do Hospital …, actual Centro Hospitalar …, EPE, referente ao falecido P…, junto aos autos a fls. 40, onde se procede à identificação do mesmo e à indicação da respectiva morada (o que confirma o que a esse propósito se deu como provado) e onde consta que aquele deu entrada no Serviço de Urgência desta unidade Hospitalar no dia 17/04/2006, pelas 4h38m, foi triado pelas 04h43m, pela “Enf. Q…”, lendo-se que como “queixa apresentada: refere dor torácica após se ter esforçado a berrar”, tendo-lhe sido atribuída a prioridade do código “amarelo”, bem como pela testemunha Q….
Com efeito, pese embora a testemunha Q…, que confirmou ter sido a enfermeira que triou o falecido P…, não obstante as funções de “enfermeira de triagem”, naquela concreta noite, estivessem a cargo da arguida K…, explicando as razões que estiveram subjacentes a esse facto, corroborando a esse respeito o depoimento prestado pela arguida K…, as quais, de resto, são atestadas pelos demais arguidos que prestaram declarações em audiência de julgamento e pelas testemunhas que nela depuseram e que então desempenhavam, e que continuam a desempenhar, as funções de, respectivamente, médicos e de enfermeiros no Centro Hospitalar …, tenha referido desconhecer a matéria em análise, disse que quando K… chegou à triagem, aquele já se encontrava numa maca do hospital e que tendo-o questionado sobre o que se tinha passado, obteve dele por resposta que em casa tinha tido cãibras muito fortes nas pernas, que o fizeram “berrar”, e ao gritar sentiu uma forte dor torácica e que, ao chegar ao hospital, essa dor era mais leve.
Nesta esteira, não obstante a identificada Q… não tenha conhecimento directo sobre os factos em análise, o certo é que a circunstância de o ter encontrado, na triagem, já deitado na maca do hospital, quando submetido às regras da experiência comum, se mostra compatível com o transporte do doente de ambulância da sua residência àquele serviço de urgências, operando-se o transbordo do doente da maca da ambulância para a maca do hospital à entrada do serviço de urgências, como aquilo que refere ter-lhe sido transmitido pelo doente sobre as razões que o levaram a recorrer a esse serviço de urgência se mostra compatível com as declarações prestadas, a esse propósito, pela assistente N…, e bem assim pela demandante O…, o que tudo, por conseguinte, força a que se conclua pela prova da matéria vertida nas alíneas C) e D) dos factos provados.
No que tange à matéria da alínea E), que uma vez chegados ao Centro Hospitalar …, os bombeiros conduziram o falecido P… ao serviço de urgência deste estabelecimento de saúde é corroborado pelos fundamentos já supra explanados, onde se verifica que tal facto não é apenas confirmado, de forma concordante entre si, pela assistente N… e pela demandante cível O…, como acaba por ser corroborado pela testemunha Q…, que fez a triagem deste concreto doente, e bem assim pelo teor do documento de fls. 40.
Já a restante matéria dada como provada, a respectiva prova assentou no depoimento prestado pela testemunha Q… e no teor do episódio de urgência relativo ao falecido P…, junto aos autos a fls. 40, o que tudo confirma a matéria em análise e dada como provada – veja-se que na referida ficha de fls. 40 se lê, além do mais, “refere dor torácica após se ter esforçado a berrar”, acrescentando-se no “discriminador escolhido” “dor moderada”.
Por outro lado, conclui-se pela não prova em como, na altura, P… tivesse referido à identificada Q… que “lhe doía muito no peito e menos na perna” uma vez que a identificada Q… não confirma esse facto, mas apenas que tendo perguntado ao doente sobre o que se passava, este respondeu-lhe que em casa teve cãibras muito fortes nas pernas, que o fizeram berrar e que ao gritar fê-lo sentir dor torácica forte, mas que chegado ao hospital a dor era mais leve.
Por sua vez, a demandante O… refere que tendo acompanhado o pai à triagem feita pela enfermeira, o falecido queixou-se àquela que “tinha falta de ar” (facto este que não é confirmado pela identificada Q…), mas acrescenta que logo, em seguida, a enfermeira mandou-a sair e ir fazer a ficha, o que fez, pelo que a identificada O… desconhece aquilo que o seu falecido pai relatou à testemunha Q… após a sua saída. Aliás, conforme resulta do que se vem explanando, nem a testemunha Q…, sequer a demandante O…, confirmam que o falecido P… tivesse referido à primeira que lhe “doía muito no peito e menos na perna”, o que tudo força, por conseguinte, a que se conclua pela não prova dessa matéria.
A matéria da alínea F), a respectiva prova assentou nos fundamentos já supra explanados, onde se verifica que toda a prova produzida é concordante entre si no sentido de que P… foi transportado da sua residência ao serviço de urgências de ambulância dos Bombeiros Voluntários …, dando entrada, nesse serviço de urgências de maca, onde foi triado pela testemunha Q…, deitado na maca do hospital – toda a prova é concordante entre si a propósito destes factos, não tendo sido produzida qualquer prova que aponte em sentido diverso, o que tudo, por conseguinte, força a que se conclua pela prova dessa factualidade e pela consequente não prova em como nas circunstâncias relatadas em F), após a triagem e antes de ser conduzido para o corredor junto dos gabinetes dos médicos, P… tivesse sido colocado deitado numa maca.
Que P…, após ter sido triado, foi conduzido na maca onde era transportado para um corredor junto dos gabinetes dos médicos onde ficou a aguardar ser atendido pelo arguido H… ou pelo arguido E…, é corroborado pela testemunha Q…, a qual, relembremos, confirmou esse facto, dizendo que foi o auxiliar que conduziu a maca até à sala de urgências adstrita às macas, onde a estacionou, ficando aí o falecido P…, deitado em maca, a aguardar para ser atendido por um dos médicos que estavam, então, ao serviço aos “laranjas e aos amarelos”, ou seja, conforme supra se demonstrou, por um dos arguidos, H… ou E…, espaço esse que, como referiu aquela Q…, se situa em frente à porta dos consultórios médicos daqueles arguidos, tanto assim que, conforme também disse, na altura, ela acompanhou o auxiliar, vindo atrás da maca, pelo que viu-o a estacionar a maca naquele concreto local com o P… nela deitado, facto esse que, posteriormente, veio a confirmar, nas diversas vezes que passou por aquele concreto local, junto à referida maca, continuando a vê-la aí estacionada, com o falecido P…, permanecendo nela a aguardar para ser atendido.
Tal factualidade é igualmente confirmada pelos arguidos K…, B…, E…, posto que pese embora os dois primeiros não tenham lembrança, como se disse, da noite em que ocorreram os factos, ambos, mas também o arguido E… e as testemunhas AQ…, AT…, esta enfermeira, tendo exercido funções no serviço de urgências da unidade hospitalar em apreço de 24/06/2005 a 29/06/2011, AU…, AS…, também enfermeiro, que exerceu funções naquele serviço de urgências de 1997 a 2008, são unânimes entre si em afirmar que o procedimento seguido naquele serviço de urgências é o seguinte: feita a triagem, o doente é conduzido para o interior do serviço de urgências, onde fica a aguardar para ser atendido pelos médicos, sendo que os doentes que são conduzidos em maca, a respectiva maca é estacionada num espaço que se situa em frente à porta dos gabinetes dos médicos, espaço este que é um corredor, onde circulam médicos, mas também enfermeiros, pessoal auxiliar e doentes, e onde há uma reentrância para estacionamento das macas para que estas não fiquem a obstruir a passagem pelo corredor, sendo que ao lado dessa reentrância destinada ao estacionamento daquelas macas, mas também de cadeiras de rodas dos doentes, se situa a sala de enfermagem, o que tudo, por conseguinte, acaba por corroborar, como se disse, aquele depoimento prestado pela testemunha Q…, posto que tendo sido triado já na maca do hospital, o falecido P…, de acordo com aquele procedimento habitual, teria de ser conduzido, como o foi, deitado na maca onde era transportado, para um corredor junto dos gabinetes dos médicos, mais concretamente, situado em frente à porta desses gabinetes (em número de dois), onde ficou a aguardar ser atendido pelos arguidos H… ou E…, médicos então de serviço aos doentes triados com prioridade laranja ou amarela.
Mas que o falecido P… após a triagem foi conduzido de maca para aquele concreto local, onde ficou a aguardar ser atendido pelo médico, para além de ser confirmado nos termos que infra se relatarão pela assistente N… e pela demandante O…, que se encontravam na sala de espera a aguardar por notícias daquele, é atestado pela testemunha X…, que também ela, conforme afirmou ter acontecido e é corroborado pela ficha de urgência junta aos autos a fls. 274, após ter sido triada, foi conduzida para aquele concreto espaço, ficando também ela, tal como o falecido P…, que ali já se encontrava a aguardar, a aguardar ser atendida pelo médico, como é corroborado pelo próprio arguido E….
Na verdade, o arguido E… não só confirma, como se viu, que o procedimento supra descrito que se segue à triagem em relação ao doente é o habitual/normal ser seguido naquele concreto serviço de urgências, como confirma que aquele concreto espaço onde as macas são estacionadas com doentes à espera para serem atendidos pelos médicos que se encontram ao serviço se situa no referido concreto local já apontado, designadamente, que esse espaço é uma simples reentrância aberta no corredor; que esse concreto local é visível por todos aqueles que circulem nesse corredor, nada existindo a separar o dito corredor dessa reentrância, como confirma que esse concreto espaço se situa em frente à porta dos consultórios médicos, mas afirma que por volta das 5h15m, tendo o arguido H… regressado da sua pausa, e antes dele próprio ter iniciado a sua, o que aconteceu logo após o regresso do primeiro daquela pausa e deste lhe ter passado os doentes, ter presente ter visto o falecido P…, deitado na maca, naquele concreto local, pretendendo, inclusivamente, que este era o único doente que, então, não tinha sido atendido (o que refira-se, desde já, não corresponder à verdade dos factos efectivamente acontecida, conforme infra se demonstrará), esclarecendo que para além daquele existiam, então, naquele serviço de urgências, outros doentes que já tinham sido atendidos mas que aguardavam, designadamente, por resultados dos exames e análises a que tinham sido submetidos.
Desta feita, perante tudo o quanto se vem explanando, onde se verifica que toda a prova produzida e supra explanada é concordante entre si no sentido de que submetido à triagem, P… foi conduzido na maca onde era transportado para um corredor situado junto dos gabinetes dos médicos, onde ficou a aguardar ser atendido pelo arguido H… ou pelo arguido E… (médicos que então se encontravam ao serviço aos doentes triados com código amarelo e laranja), forçoso é concluir pela prova dessa matéria.
Que a mulher do falecido P…, a assistente N…, e a filha de ambos, O…, tiveram que permanecer na sala de espera do serviço de urgências destinada ao público, é confirmado unanimemente pelas próprias, além de que tal facto se mostra concordante com as declarações prestadas pelos arguidos que prestaram declarações em audiência de julgamento e, bem assim pelas testemunhas Q…, AQ…, AU… e AS…, os quais são unânimes em referir que no interior do serviço de urgência não é permitida a presença de familiares dos doentes, excepto se os últimos forem menores ou se por qualquer motivo for necessária a sua presença, designadamente, por estarem impossibilitados de comunicarem, o que tudo, como se viu, não era manifestamente o caso do falecido P…, que falava/comunicava, acabando, assim, aqueles arguidos e testemunhas por corroborar as declarações prestadas pela assistente e pela demandante cível e, por conseguinte, que estas tiveram que permanecer na sala de espera do público a aguardar por notícias do falecido P….
Refira-se, contudo, que ao contrário do que pretenderam os arguidos e algumas daquelas testemunhas, o facto da assistente N… e da demandante O… terem sido obrigadas a permanecer na sala de espera destinada ao público enquanto o falecido P… permanecia, nos termos sobreditos, no interior do serviço de urgências a aguardar para ser atendido por um dos médicos que se encontrava ao serviço dos doentes triados com cor amarela e laranja – os arguidos E… e H… -, tal facto não é absolutamente impeditivo que os familiares entrem na porta que separa a sala de espera destinada ao público do corredor onde se localiza a sala de triagem e acedam a esse corredor, no qual também se situa a porta de acesso à sala de triagem e, bem assim a porta de acesso ao serviço de urgências e através dela acedam a este último espaço, em que se encontrava P….
Na verdade, pese embora todos os arguidos e todas as testemunhas supra identificadas que trabalham naquele serviço de urgências, sejam unânimes em referir que à porta de acesso ao serviço de urgências estava um auxiliar (o auxiliar da enfermeira de triagem), que impediria/barraria o acesso ao serviço de urgências, resulta das respectivas declarações e depoimentos que a porta de acesso ao serviço de urgências fica no corredor onde também se situa a sala de triagem, sala esta que se situa junto à porta que separa esse corredor da sala de espera do público, e que a porta de acesso ao serviço de urgências fica do outro lado do corredor, naquelas imediações, ou seja, nas imediações/próxima da sala de triagem.
Por outro lado, a testemunha AS… é bem claro e peremptório em referir que dada a proximidade da sala de espera do público em relação à sala de triagem é normal os familiares dos doentes abordarem o enfermeiro perguntando-lhe “se vai demorar”, o que também é confirmado pela arguida K…, que, inclusivamente, admite poder ter sido abordada pela demandante O…, a qual o afirma ter feito, dizendo que a toda a hora, ela K… e os restantes enfermeiros estão a ser abordada pelos familiares dos doentes a perguntarem-lhe por notícias dos últimos, perguntando-lhes, em regra, “se ainda demora muito”.
Ora, se por via daquela proximidade da sala de triagem em relação à sala de espera do público é fácil aos familiares dos doentes que estão nesta sala de espera penetrarem no interior do corredor e abordarem o enfermeiro que se encontra na sala de triagem e se, inclusivamente, os enfermeiros estão sistematicamente a ser incomodados pelos familiares dos doentes, conforme é confirmado pela própria arguida K… acontecer, dada a proximidade da porta de acesso ao serviço de urgências em relação à sala de triagem, à luz das regras da experiência comum, forçoso é concluir ser também fácil a um familiar de um doente ou a qualquer outra terceira pessoa que nisso tenha interesse, aceder à porta de entrada no serviço de urgências e aproveitar a ausência ou uma distracção do auxiliar que se encontra a essa mesma porta para abri-la e olhar para o seu interior (como disse a demandante O… ter feito, vendo, então, que o seu pai, que continuava a aguardar na maca, a queixar-se) e, inclusivamente, penetrar no interior daquele serviço de urgências.
Aliás, o que se acaba de concluir é confirmado pela testemunha AQ…, que referiu em audiência de julgamento que em princípio os acompanhantes não entram na sala das macas, mas pode acontecer que entrem, aproveitando a distracção do segurança.
A matéria das alíneas G) a L), a respectiva prova alicerçou-se nas declarações prestadas pela demandante O…, que relatou que estando na sala de espera do serviço de urgências destinada ao público, mais a sua mãe, aguardando por notícias do pai, cerca de uma hora depois deste ter entrado no serviço de urgências, vendo aquela uma enfermeira a passar, enfermeira essa que identificou como sendo a aqui arguida K…, dirigiu-se à porta que dava acesso da sala de espera do público ao corredor que dava, por sua vez, acesso ao espaço onde a mesma via a enfermeira, espaço esse que era envidraçado e daí que a visse nesse concreto espaço (sala de triagem, conforme o tribunal vem a concluir pela demais prova produzida em audiência de julgamento), pretendendo ter então relatado à arguida K… que o seu pai “tinha entrado, que o mesmo estava muito mal e que não diziam nada”, retorquindo-lhe a arguida K… que “havia casos mais urgentes, mas que ele ia ser atendido”. Mais disse ter repetido, posteriormente, esta diligência junto da arguida K… por mais duas ou três vezes, obtendo dela sempre a mesma resposta. Relatou também que durante o período de tempo em que esteve na sala de espera destinada ao público a aguardar por notícias do pai, a dado momento, saiu uma senhora, cuja identidade disse desconhecer, e que aparentava ter cerca de cinquenta anos de idade e que usava muletas, do interior do serviço de urgências, a qual se dirigiu ao filho e ao marido que se encontravam naquela sala de espera destinada ao público, queixando-se que ainda não tinha sido atendida; essa senhora, após regressar ao interior do serviço de urgências, deslocou-se uma segunda vez, à referida sala de espera do público, queixando-se, novamente, ao marido e ao filho do tempo de espera, dizendo que estava farta de esperar e que já se encontrava ali desde as 23.00 horas; tal senhora deslocou-se uma terceira vez à referida sala de espera destinada ao público, reafirmando que ainda não tinha sido atendida e dizendo que os médicos estavam a dormir, acabando por afirmar ao marido e ao filho que era tão certo eles estarem a dormir que tinha entrado num consultório e tinha dele retirado um documento/papel, afirmando que ouvia a ressonar, explicando a declarante que essa senhora dizia ao marido e ao filho que ouvia a ressonar e não propriamente que estava um médico, no interior do consultório de onde dizia ter retirado o papel, e que esse médico aí estivesse a dormir/ressonar, explicando que perante isso, ela depoente, abordou a referida senhora perguntando-lhe pelo pai, retorquindo-lhe esta que realmente encontrava-se um senhor de camisola bege, muito doente, no interior do serviço de urgência, “que quase não falava com dores no peito”, cor de camisola essa que a depoente referiu corresponder à cor da camisola que o pai dela realmente vestia. Mais relatou que em seguida, os familiares dessa senhora, na sequência daquilo que esta dizia, exigiram falar com o médico, acabando por aparecer o arguido B…, vendo-o, então, a depoente a falar com a referida senhora cuja identidade, reafirma-se, diz desconhecer, sequer a do marido e a do filho daquela, no interior de uma sala, não tendo ela O… abordado o arguido B…. Pretendeu que foi na sequência deste último episódio que abordou a arguida K… pela primeira vez nas circunstâncias já anteriormente relatadas. Referiu ter tentado entrar no serviço de urgências por diversas vezes e que de uma dessas vezes, após o que lhe foi relatado pela referida senhora cuja identidade diz desconhecer e após ter abordado a arguida K… pela primeira vez, conseguiu abrir a porta daquele serviço de urgências e viu o pai ao longe, deitado na maca e a queixar-se, numa segunda vez, ocorrida já após a ultima abordagem à arguida K…, viu novamente o pai ao longe, que permanecia na maca, queixando-se, mexendo com o braço e pedindo por socorro. Concretizou que entre a primeira e a segunda vez em que abordou a arguida K… decorreram cerca de vinte minutos e que da terceira vez em que a abordou eram cerca das 07 horas da manhã, relatando que acabou por telefonar ao cunhado a fim de que este se dirigisse ao hospital para tentarem tirar de lá o pai da declarante. Mais relatou que na sequência da confusão que se instalou com a senhora e com os familiares desta, veio a GNR.
Considerou-se também as declarações prestadas pela assistente N… que pese embora as evidentes limitações de memória que evidenciou ao longo do seu depoimento e do forte sentimento de comoção de que foi acometida, confirmou que estando, mais a filha O…, na sala de espera destinado ao público, aguardando por notícias do marido, por três ou quatro vezes, apareceu, nessa mesma sala, uma senhora, cuja identidade também ela diz desconhecer, dizendo ao marido e ao filho que aí se encontravam, cuja identidade a declarante também diz desconhecer, afirmando que “não se passava nada, que estava tudo a dormir e que estava lá dentro um senhor a berrar com dor no peito”. Mais confirmou que de uma dessas vezes, essa senhora falou que tinha tirado um “papel”, não tendo, porém, a declarante já presente o que a dita senhora dizia a esse respeito. Confirmou que, por diversas vezes, a sua filha O… lhe disse que ia falar com a enfermeira para ver o que se passava, vendo-a a declarante, na sequência dessas afirmações da O…, “a entrar lá para dentro”.
Mais se considerou o teor da reclamação apresentada pela declarante P…, junto do Ministério da Saúde, Hospital …, em 19/04/2006, junta aos autos a fls. 1384, reclamação essa que a declarante O… reconheceu, em audiência de julgamento, como sendo realmente da sua autoria e ter sido por ela, efectivamente, apresentada, onde se lê, além do mais, que: “por volta das 5.30, perguntei informações a uma enfermeira, ao que ela disse que ainda não tinha sido atendido mas que ia obter mais informações. Logo após ela ter obtido as informações, saiu uma paciente a queixar-se que o médico estava a dormir e não havia ninguém a assistir os doentes. Voltei a insistir e perguntei novamente à enfermeira como estavam as coisas com o meu pai e ela tornou a repetir que ainda não tinha sido atendido, ela virou costas e eu entrei para espreitar e vi o meu pai numa sala com mais doentes sozinhos sem médico ou qualquer enfermeiro. Mandaram-me retirar pois não podia lá estar e eu saí. Aí, nessa altura, instalou-se muita confusão porque mais pacientes reclamavam a demora com os agentes da GNR e com os seguranças. Entretanto saiu uma senhora a dizer que queria ser transportada para outro hospital porque já estava desde as 11 horas da noite anterior à espera de consulta e já eram 6.30 h da manhã e ainda não tinham feito nada, aí perguntei-lhe se teria visto um senhor deitado numa maca com dores no peito e ela disse-me que estava e que não tinha sido atendido e que estava muito mal. Aí voltei a insistir e entrei com a minha mãe, estava lá novamente a enfermeira e voltamos a perguntar como estava ele, aí já eram 7h00. Ela disse que ainda não tinha sido atendido pois haviam casos mais urgentes. A minha mãe queria entrar mas o segurança não deixava e eu consegui espreitar para essa sala e vi meu pai a pedir socorro, saí para fora. Passados 15 minutos chamaram os familiares de P… …”.
Considerou-se também os depoimentos prestados por:
- X…, doente, que tal como o falecido P…, recorreu ao serviço de urgências do Centro Hospitalar …, na noite a que se reportam os autos, tudo conforme referiu acontecer e é corroborado pelo teor do boletim do serviço de urgência respeitante a esta doente, junto aos autos a fls. 274, a qual relatou que estando a aguardar numa maca estacionada em frente aos consultórios médicos a fim de também ela ser consultada, ao lado dessa sua maca, encontrava-se uma outra maca com um senhor, o qual se queixava de falta de ar e dizendo que ninguém vinha ao pé dele. Esse senhor desabotoou a camisa e dizia, não muito alto, “ai, ai, tenho falta de ar, ninguém me vem ajudar!”; a dado passo, esse senhor calou-se e momentos depois a depoente viu uma senhora, que pela roupa que vestia, pensa tratar-se de uma enfermeira, a passar no corredor, a qual se abeirou da maca onde se encontrava o tal senhor que momentos antes se calara; essa senhora puxou uma cortina que existia entre a sua maca e a maca onde se encontrava aquele senhor, e a depoente ouvia-a a dizer “este já foi”; momentos depois a depoente viu a levarem esse senhor para a reanimação; entre o momento em que a depoente foi tríada e o momento em que a referida senhora, que pensa ser enfermeira, se aproximou da maca do dito senhor, ninguém se aproximara dela, sequer do referido senhor; aquela não chamou ninguém quando via o senhor a queixar-se porque não via ninguém a passar no corredor, embora houvesse pessoas, em número que não sabe precisar, na sala de espera dos doentes existentes no interior daquele serviço de urgências; só a vieram buscar para ser consultada quando já tinham levado o dito senhor para a sala de reanimação;
- T…, genro da assistente e do falecido P… e cunhado da demandante O…, que referiu que pelas 06.58 horas, recepcionou um telefonema da cunhada O…, comunicando-lhe que estava no Hospital … com o pai onde dizia haver uma grande confusão e pedindo-lhe para que ele aí se deslocasse a fim de tirarem o pai de lá e o levarem para outro hospital porque “eles” (os médicos) não o atendem, o que o depoente fez, deparando-se, quando chegou àquele serviço de urgências, já com a notícia do falecimento do sogro;
- S…, militar da GNR de Penafiel de 2005 a 2007, que relatou ter exercido funções no Centro Hospitalar …, EPE, relembremo-nos, anteriormente denominado Hospital …, o qual, conforme se vê do ofício da GNR de fls. 51, entre as 04h00m e as 08h00m, do dia 17/04/2006, se encontrava ao serviço naquela unidade hospitalar, o qual embora pretenda não ter ocorrido nada de anormal durante o seu turno, tanto assim que, afirmou, actualmente, quase não se lembra de nada do que então aconteceu e de relatar não ter tido conhecimento de qualquer episódio envolvendo “um papel” que tivesse sido retirado por alguém do interior de um consultório médico, pretendendo que caso tivesse conhecimento desse facto não o deixaria de relatar no livro de ocorrências, o que não fez, relata ter presente que, na altura da Páscoa, no final do seu turno, umas pessoas quiseram falar com o chefe de equipa, na sequência do que ele foi chamá-lo; e
- Q…, que como se viu, confirmou ter triado o falecido P… quando este deu entrada no serviço de urgências do Centro Hospitalar …, EPE, o que tudo é confirmado pelos demais elementos de prova nos termos já explanados, que relatou, além do mais, que naquela noite houve uma grande afluência de doentes ao serviço de urgências, tratando-se de uma noite de domingo para segunda-feira de Páscoa, pelo que se tratou de uma noite de muito serviço, relatando, igualmente, ter passado, por diversas vezes, junto do local onde o falecido P… se encontrava deitado na maca à espera de ser consultado e que este se queixava, tal como se queixavam os demais doentes que aí se encontravam, dizendo a depoente que é habitual os doentes queixarem-se de dores, uns com fundadas e objectivas razões para se queixarem do modo como o fazem e outros sem que esses motivos objectivos existam para semelhantes queixas, fazendo-o ou porque têm uma maior sensibilidade à dor ou porque propositadamente exageram nessas suas queixas com o objectivo de procurarem serem consultados mais rapidamente, esclarecendo que fruto da sua experiência profissional, consegue apreender quando as queixas manifestadas pelos doentes são ou não fundadas, produzindo, aliás, a arguida K… declarações em igual sentido. Mais referiu ter presente que cerca de uma hora depois de ter triado o falecido P…, quando passava junto à maca onde este se encontrava deitado, continuando a aguardar para ser consultado, foi por ele abordado, acabando aquela por lhe perguntar se se encontrava pior, obtendo dele por resposta que não, mas dizendo-lhe que “queria ser visto”. Por último, relatou que quando foi detectado P… em paragem cardio-respiratória, o que foi verificado por uma colega enfermeira, cuja identidade não é capaz de precisar, foi accionado o dispositivo de segurança, na sequência do que, a mesma, se encaminhou para a sala de reanimação.
Mais se considerou as declarações prestadas pelo arguido E…, o qual, além do mais, declarou que na concreta noite em apreço, o arguido H... fez uma pausa, que pretendeu ter perdurado no tempo durante cerca de uma hora/uma hora e pouco e que se estendeu até cerca das 05.15horas, ficando ele, durante a pausa do arguido H…, sozinho no serviço de urgências a atender todos os doentes aos quais tinham sido atribuída prioridade amarela e laranja, entrando aquele, após o regresso do arguido H… da sua pausa, e logo após esta, demorando apenas o tempo necessário para lhe passar os doentes, também em pausa, o que aconteceu por volta das 05h15m/05h20m, relatando, assim, que desde as 05h15m/05h20m e até ter sido contactado pela Dr.ª U…, dando-lhe conta que um doente tinha sido encontrado em paragem cardio-respiratória e perguntando-lhe se sabia alguma coisa sobre o doente em causa, o que o fez dirigir-se, de imediato, à urgência, esteve em pausa e, assim, ausente do serviço de urgências. Porém, quando confrontado com o documento junto aos autos a fls. 259, o arguido E… referiu que às 03h30m, o arguido H… já se encontrava em pausa, tanto assim que o doente a que se reporta esse concreto registo clínico tinha sido atendido pelo arguido H… às 00h20m, tudo conforme se vê do n.º da cédula da Ordem dos Médicos do médico que o atendeu que se encontra aposta nesse documento, no primeiro quadro destinado aos “elementos clínicos” – n.º ….. – (número este que conforme se extrai do documento junto aos autos a fls. 443, corresponde, realmente, ao número da Cédula Profissional do arguido H…), pelo que quando tal acontece, explicou, é o mesmo médico que depois continua a tratar o doente até lhe dar alta, excepto se, entretanto, terminar o seu turno ou se entrar em pausa, pelo que tendo sido ele E…, quem, às 03h30m, consultou o doente em causa, tal significa, referiu, que o arguido H…, às 03h30m, do dia 17/04/2006, já se encontrava de pausa. Mais declarou que antes de entrar de pausa, reparou no falecido E…, verificando que este se encontrava deitado na maca localizada em frente à porta dos consultórios médicos, no espaço destinado ao estacionamento dos doentes em maca e cadeira de rodas, pretendendo, contudo, que o falecido P…, na altura, não manifestava/exteriorizava quaisquer queixas e, bem assim que este era o único doente que estava por atender quando o mesmo iniciou a sua pausa, o que diga-se desde já não ter correspondência com a verdade factual efectivamente acontecida, conforme infra se demonstrará.
Considerou-se também o teor do certificado de óbito do falecido P…, junto aos autos a fls. 33, onde se lê, além do mais, que o doente em causa “foi observado às 07 horas em paragem cardio-respiratória, iniciadas manobras de reanimação sem sucesso. Verificou-se o óbito às 07h35m”, o que é de resto confirmado pelo teor dos documentos de fls. 27, onde se acrescenta que “um dos médicos envolvidos na reanimação cardio-respiratória foi a Dr.ª U… – n.º OM ….. – Médica Especialista em Medicina Interna deste Hospital”; de fls. 40 e 41, pelo teor do relatório de autópsia do falecido P…, junto aos autos a fls. 69 a 77, e, bem assim, pelo arguido E… e pelas testemunhas Q… e X…, esta quanto às circunstâncias em que o falecido foi encontrado em situação de paragem cardio-respiratória e levado para a sala de reanimação, posto que, evidentemente, que não possui conhecimento directo sobre o que ulteriormente aconteceu, naquela concreta sala, com o falecido P….
Por último, considerou-se o teor dos documentos de fls. 62 a 63 (listagem dos doentes entrados no serviço de urgências entre as 22h00m e as 23h46m, onde se vê que, nesse período temporal, deram entrada, um total de 21 doentes); de fls. 42 e 43 (listagem dos doentes entrados no serviço de urgências entre as 04h16m e as 7h49m do dia 17/04/2006, onde se vê que já neste período temporal deram entrada, um total de 17 doentes); de fls. 235 a 283 (boletins do serviço de urgências relativos aos doentes que deram entrada naquele serviço entre as 21h00 do dia 16/04/2006 e as 06h11m do dia 17/04, aos quais foi atribuída prioridade vermelha, laranja e amarela, onde se vê que, nesse lapso temporal, deram entrada um total de 47 doentes, aos quais foi atribuída prioridade laranja e amarela); e de fls. 1203 a 1246 (estes boletins do serviço de urgência relativos a todos os utentes - cfr. fls. 1203 – que recorreram ao serviço de urgência no dia 16/04/2006, a partir das 23h00 e até às 05h00, onde se vê que, nesse concreto período temporal, deram entrada um total de 43 doentes).
Desta feita, cotejados os elementos de prova que se acabam de explanar, verifica-se que não obstante se tenha pretendido colocar em crise as declarações prestadas pela demandante O… e, bem assim, o depoimento prestado pela testemunha X…, que aquilo que as mesmas declararam em audiência de julgamento resulta, grosso modo, confirmado pelos restantes elementos de prova nela produzidos, designadamente, pelas declarações prestadas pelos arguidos, pelos depoimentos das testemunhas e pela prova documental que se encontra junta aos autos.
Na verdade, relata a declarante O… que na noite de domingo para segunda-feira de Páscoa, o seu pai sentiu uma dor na perna, que se transferiu para o peito e que foram chamados os bombeiros … a fim de o transportar ao serviço de urgências do Hospital de …, onde estes, efectivamente, o transportaram, e onde aquele seu pai foi triado, o que tudo foi corroborado nos termos já supra expostos e nos termos que foram dados como provados.
Relata a demandante O… que cerca de uma hora depois do pai ter entrado no serviço de urgências, uma senhora, cuja identidade disse desconhecer, dirigiu-se à sala de espera destinada ao público, onde se encontravam o marido e o filho desta, senhora essa que anteriormente já tinha vindo àquela mesma sala por duas vezes, queixando-se que não era atendida e afirmando que os médicos estavam a dormir, acabando por afirmar ao marido e ao filho que era tão certo eles estarem a dormir que tinha entrado num consultório e tinha dele retirado um documento/papel, afirmando que ouvia a ressonar, o que a levou a abordar a dita senhora perguntando-lhe pelo pai, retorquindo-lhe essa senhora que realmente encontrava-se, no interior do serviço de urgência, “um senhor muito doente, de camisola bege, que quase não falava com dores no peito”, cor de camisola essa que a depoente referiu corresponder à cor da camisola que o pai da mesma realmente vestia e daí que não tivesse dúvidas que se tratava de seu pai o senhor de que aquela senhora falava, exigindo, então, os familiares da referida senhora, na sequência daquilo que esta dizia, junto dos agentes da GNR que aí se encontravam ao serviço falar com o médico, acabando por aparecer no local o arguido B…, vendo-o, então, a declarante a falar com a referida senhora de identidade desconhecida no interior de uma sala.
Pois bem, para além desta versão dos factos se mostrar, em termos gerais, conforme às declarações prestadas em audiência de julgamento pela assistente N… e ao teor da reclamação de fls. 1384, apresentada pela demandante O…, relembremo-nos, escassos dois dias após a morte de seu pai e quando, por conseguinte, esta tinha presente os factos então acontecidos, verifica-se que a afirmação da demandante O… de acordo com a qual os doentes e respectivos familiares se queixavam de não estarem a ser atendidos e manifestavam a sua pública revolta, ao ponto de ter sido chamado o arguido B…, acaba por ser corroborado pelos próprios arguidos E… e K…, a qual relembremos, não tem memória dos factos ocorridos nessa concreta noite, pelo que as declarações que prestou em audiência de julgamento assentam na análise que diz ter feito da documentação relativa a essa noite, quando confrontadas tais declarações com a prova documental que se encontra junta aos autos.
Na verdade, tendo os arguidos E… e K…, conforme confessam acontecer, iniciado o seu turno às 20 horas do dia 16 de Abril de 2006, ambos queixam-se de uma grande afluência de doentes ao serviço de urgências, dizendo, inclusivamente, o arguido E… que ele e o arguido H… tiveram de atender doentes que já vinham do turno que antecedeu o deles e que nele não tinham sido atendidos, enquanto a arguida K… afirma que para ela foi uma “noite complicada”, queixando-se do elevado número de doentes que teve de triar, o que tudo é também atestado pelos depoimentos prestados pelas testemunhas médicos, enfermeiros e pessoal auxiliar que depuseram em audiência de julgamento, incluindo por aqueles que não se encontravam ao serviço naquela concreta noite, os quais referem que sendo esta concreta noite uma noite de domingo de Páscoa para segunda-feira, que tais noites são sempre de elevada afluência de doentes ao serviço de urgências, concluindo, também eles, que tais noites nunca são “noites calmas”, mas antes de elevada intensidade de serviço para os médicos, pessoal de enfermagem e auxiliar que exercem funções no serviço de urgências.
Tais afirmações são de resto também atestadas pela prova documental junta aos autos e supra identificada, onde se verifica que entre as 21h00 do dia 16/04/2006 e as 06h11m do dia 17/04, entraram no serviço de urgências um total de 47 doentes aos quais foi atribuída prioridade vermelha, laranja e amarela, o que já corresponde a um número relevante de doentes, embora, em termos objectivos, não particularmente significativo.
Pois bem, pese embora aquele número de doentes, verifica-se que o doente AV…, apesar de ter sido triado às 21.57h, apenas foi atendido às 23h35m (cfr. fls. 244); a doente AW…, apesar de ter sido triada às 22h30m, apenas foi atendida às 00.18h (cfr. fls. 250); a doente AX… foi triada às 22h55m e apenas foi atendida às 00h48m (cfr. fls. 251); a doente AY… foi triada às 23h15m, tendo apenas sido atendida à 01h05 (cfr. fls. 254); o doente AZ…a foi triado às 23h30m, tendo apenas sido atendido à 01h00 (cfr. fls. 256); a doente BB… foi triada às 00h05m, tendo apenas sido atendida à 01h18m (cfr. fls. 258); o doente BC… foi triado às 02h12m, tendo apenas sido atendido às 03h30m (cfr. fls. 265); a doente W… foi triada às 04h20m, tendo apenas sido atendido às 07h47m (cfr. fls. 271); o falecido P… foi triado às 04h43m, tendo sido encontrado em paragem cardio-respiratória às 07h00m, sem que até aí tivesse sido atendido por nenhum dos médicos ao serviço (cfr. fls. 272); a doente AG…s foi triada às 04h48m, tendo apenas sido atendida às 07h40m (cfr. fls. 273); a doente X… foi triada às 05h05m, tendo apenas sido atendida às 07h45m (cfr. fls. 274), resultando, assim, por aqui confirmado o depoimento desta testemunha X… quando afirma, como afirma, que quando foi consultada o falecido P… já tinha sido levado para a sala de reanimação; o doente Z… foi triado às 05h20, tendo apenas sido atendido às 06h40m (cfr. fls. 277); o doente AH… foi triado às 05h52m, tendo apenas sido atendido às 07h48m (cfr. fls. 278); e o doente AC… foi triado às 06h11m, tendo apenas sido atendido às 07h40m (cfr. fls. 280), tendo no período entre as 21.00 horas do dia 16/04/2006 e as 07.00 horas do dia 17/04/2006 dois doentes abandonado o serviço de urgências e outros dois não responderam à chamada (cfr. fls. 283), o que tudo, por conseguinte, força a que se conclua que para além de ter havido um número já significativo de doentes que naquela concreta noite afluíram ao serviço de urgências e aos quais foi atribuído o código amarelo e laranja, que ocorreram atrasos significativos no atendimento dos doentes triados com o código amarelo, tendo a maior parte desses doentes de código amarelo sido atendidos para lá, e alguns, bastante para lá, do tempo de espera máximo (até uma hora) recomendado por esse código, o que tudo quando submetido às regras da experiência comum é apto a gerar o descontentamento de quem quer que seja e, particularmente, de quem está doente e dos respectivos familiares que os acompanham e ficam a aguardar na sala de espera destinada ao público por notícias respeitantes aos respectivos familiares doentes e, bem assim de gerar manifestações públicas desse mesmo descontentamento por parte de tais doentes e respectivos familiares, além de incidentes igual àquele que é relatado pela declarante O… envolvendo a referida senhora cuja identidade não foi possível apurar e respectivos familiares, que além de manifestarem o seu descontentamento, os respectivos familiares exigiram falar com o chefe de equipa.
Esse descontentamento público de doentes e respectivos familiares é potenciado quando se verifica, como aconteceu no caso, que os atrasos no atendimento aos doentes triados com código amarelo era geral e significativo e em alguns casos bastante significativo e quando, pelo menos, a partir das 03h30m e até às 07.00 horas, tal como é confessado pelo arguido E…, havia apenas um médico no serviço de urgências a atender a totalidade dos doentes que aí se encontravam e que tinham sido triados com código amarelo e laranja, o que tudo não deixava de ser percepcionado pelos doentes que aí aguardavam e por ser transmitido aos respectivos familiares, gerando descontentamento e manifestação pública desse descontentamento.
Mas que na noite em apreço existiram atrasos significativos no atendimento dos doentes triados com código de prioridade amarela e consequentes manifestações públicas desse descontentamento por parte de doentes e familiares, tudo conforme diz a declarante O… ter acontecido, é também confirmado pela testemunha Q…, a qual, não obstante pretenda dizer o contrário e afirmar, em audiência de julgamento, que naquela concreta noite não deu conta pela falta de médicos no serviço de urgências (o que, como se viu, é objectivamente falso atentos os atrasos significativos verificados ao nível do atendimento dos doentes triados com cor amarela, ou melhor dizendo, médicos havia – existiam dois – só que, na realidade, durante parte significativa daquela noite, ou seja, pelo menos, a partir das 03h30m e até às 07h00m, só existia, efectivamente, um médico a atender doentes, porquanto o outro encontrava-se em pausa) e, inclusivamente, pretender que foi uma noite normal, embora com muito trabalho, a dado passo do seu depoimento relata ter presente que, em determinada altura, ouviu um barulho na sala de espera e de ter perguntado ao auxiliar o que se passava, obtendo dele por resposta que era um familiar de um doente que estava a protestar por causa do tempo de espera, acabando, assim, a referida testemunha Q…, também ela, por confirmar as declarações prestadas pela declarante O… quando afirma, como afirma, que havia atrasos significativos no atendimento dos doentes (reafirma-se, objectivamente já demonstrados pela análise da prova documental que se encontra junta aos autos), que estes se queixavam que não eram atendidos e que esses doentes e respectivos familiares manifestavam publicamente esse seu descontentamento.
Esta concreta realidade é também corroborada por T…, que confirmou que tal como a declarante O… diz ter acontecido, que a mesma lhe telefonou, pelas 06h58m, pedindo-lhe para se deslocar ao hospital a fim de tentarem levar o pai para outro estabelecimento de saúde uma vez que ainda não tinha sido assistido, o que fez.
Essa realidade, incluindo, o incidente já relatado envolvendo a sobredita senhora cuja identidade não foi possível apurar que falava ter retirado um “papel” de um consultório médico, e que culminou com o marido e o filho desta a exigirem, junto dos elementos da GNR que naquele serviço de urgências se encontravam ao serviço, falar com o chefe de equipa, na sequência do que o arguido B… foi chamado e esteve a falar com a referida senhora numa sala, acaba também ela, incluindo este concreto incidente envolvendo a referida senhora e respectivos familiares, por ser confirmado pela assistente N…, bem como pela testemunha S….
Na verdade, apesar do identificado S… alegar ter falhas de memória a propósito dos factos ocorridos na concreta noite em análise e de, também ele, pretender que, nessa mesma noite, nada de anormal aconteceu, é o próprio quem afirma ter presente que “umas pessoas”, na altura da Páscoa, no final do seu turno, exigiram falar com o chefe de equipa em virtude de haver um problema relacionado com um familiar que não era atendido, relatando que, na sequência dessa exigência, ele S… diligenciou para que fosse chamado o chefe de equipa, ou seja, o arguido B…, o qual esteve, conforme confirma a testemunha, a falar com tais pessoas, acabando, assim, também ele, por confirmar a veracidade dos factos que são relatados pela declarante O… a tal propósito.
Acresce que aquele S… acaba por reconhecer que, naquela concreta noite, houve, efectivamente, um problema e que esse concreto problema se relacionava com o atraso no atendimento de um doente e, bem assim que esse problema assumia foros tais que, na perspectiva do doente e respectivos familiares, passou por exigirem aos elementos da GNR que se encontravam de serviço que chamassem o chefe de equipa. Ora, se assim é, como é, forçoso é concluir que o incidente em apreço, envolvendo atrasos no atendimento de um doente, não era um atraso qualquer, nem na perspectiva do doente e respectivos familiares, sequer do próprio S…, posto que se assim fosse, nem os primeiros teriam exigido falar com o chefe de equipa, sequer este último lhes teria chamado esse mesmo chefe de equipa – chamar o “chefe” significa que o problema do atraso verificado, que, como se viu (elementos documentais objectivos supra explanados), não era caso único daquela concreta doente e era real e verdadeiro, na perspectiva de quem fazia a exigência de falar com o chefe de equipa, já não passava por falar com os médicos que se encontravam ao serviço, mas a gravidade desses atrasos era já de tal ordem que, na perspectiva daquela doente e respectivos familiares, reclamava a intervenção do “chefe”, mais concretamente, do chefe de equipa, satisfazendo-lhes a testemunha S… essa exigência, tanto assim que, como diz, diligenciou, realmente, pela chamada desse chefe e este último esteve a falar com aquelas pessoas.
Mas este concreto episódio envolvendo a referida senhora cuja identidade não foi possível apurar que estamos a analisar acaba também ele por ser corroborado pela testemunha Q….
Com efeito, relembremos, a declarante O… refere que quando abordou a referida senhora cuja identidade não foi possível apurar perguntando-lhe pelo pai, retorquindo-lhe esta que realmente se encontrava, no interior do serviço de urgência, “um senhor muito doente, de camisola bege, que quase não falava com dores no peito”, cor de camisola essa que, tal como também refere a declarante O…, por corresponder à cor da camisola que o seu pai, efectivamente, vestia, não lhe deixou dúvidas tratar-se do seu pai o senhor a que essa senhora aludia, tinha decorrido cerca de uma hora sobre a entrada do pai no serviço de urgências.
Pois bem, compulsado o depoimento prestado pela testemunha Q… verifica-se que esta refere que tendo triado o falecido P…, passou, por diversas vezes, no corredor, junto ao local em que este se encontrava deitado na maca, aguardando para ser atendido pelos médicos que se encontravam ao serviço aos doentes triados com cor amarela e laranja, e que este se queixava, pretendendo, inclusivamente, a identificada Q… que o falecido P… se queixava como se queixavam os outros doentes que aí se encontravam. Contudo, pese embora dizer que pela sua experiência profissional consegue detectar quando essas queixas são objectivamente fundadas ou não, a referida Q… refere que numa daquelas suas passagens no corredor do serviço de urgências, junto à maca onde se encontrava P…, quando tinha decorrido cerca de uma hora sobre a altura em que o tinha triado, este abordou-a, de modo que aquela abeirou-se junto do mesmo perguntando-lhe “se estava pior”, obtendo dele por resposta que não, mas que queria ser visto, ou seja, insistindo para ser atendido pelo médico.
Ora, resulta do exposto que a testemunha Q… não só confirma que o falecido P… se queixava, como, inclusivamente, refere que quando estava decorrida cerca de uma hora sobre a hora em que o havia triado - o que nos remete para o momento temporal em que a demandante O… refere ter aparecido na sala de espera do serviço de urgências destinada ao público, pela terceira vez, a referida senhora cuja identidade não foi possível apurar e que aquela acabou por abordar perguntando-lhe notícias sobre o pai, obtendo dela a informação que aquele “estava muito doente” e que “quase não falava com dores no peito” -, aquela Q…, que afirma ser normal todos os doentes se queixarem e que pretende que o falecido P… se queixava como se queixavam os outros doentes que se encontravam no serviço de urgências, uns com razões objectivas para semelhantes queixumes que manifestavam mas outros sem que essas razões objectivas existissem e que, inclusivamente, pretende que graças à sua experiência profissional consegue aperceber-se quando essas queixas são objectivamente fundamentadas e quando não o são, confirma, não só que o falecido P… a abordou, mas também que aquela sentiu necessidade de se abeirar e de, inclusivamente, lhe perguntar “se estava pior” (veja-se tipo de pergunta que faz), o que tudo força não só a que se conclua que o falecido P… não só se queixava, exteriorizando a sua dor, como passado cerca de uma hora sobre o momento em que tinha sido triado, o mesmo apresentava queixas, que exteriorizava e manifestava publicamente, ao ponto de abordar a enfermeira Q… e, bem assim, que essas suas queixas não eram umas queixas quaisquer posto que foram suficientes para que a última, que reafirma-se, diz que todos os doentes se queixam e que graças à sua experiência profissional consegue detectar quando os doentes estão a “fazer fita”, se abeirasse daquele e lhe perguntasse se estava pior, e de apesar de pretender que este lhe retorquiu que “não”, confirma que este insistiu por ser atendido pelos médicos que se encontravam ao serviço, dizendo-lhe que “queria ser visto”.
O que se acaba de dizer, designadamente, o momento temporal em que a testemunha Q… posiciona a situação que se acaba de relatar, bem como o momento temporal em que a declarante O… posiciona, por sua vez, o incidente envolvendo a referida senhora cuja identidade não foi possível apurar (já que ela e a assistente não conseguiram fornecer elementos ao tribunal que permita essa identificação, sequer os autos contêm outros elementos de prova que a permitam fazer), que abordou perguntando-lhe notícias sobre o pai, corrobora, também ele, a veracidade das declarações prestadas pela declarante O… a propósito deste concreto incidente envolvendo aquela senhora e força a que se conclua pela prova da matéria dada como provada sob a alínea H).
Refira-se que as declarações prestadas pela demandante cível, O…, a propósito daquilo que lhe foi relatado pela referida senhora de identidade desconhecida a propósito do estado em que se encontrava P…, no interior do serviço de urgências, não pode ser considerado, nos termos do disposto no art. 129º do Cód. Proc. Penal, por este tribunal colectivo como meio de prova para sustentar a sua convicção a propósito da matéria vertida no ponto 20º do despacho de pronúncia, por consubstanciar depoimento indirecto de uma parte civil sobre o que ouviu dizer a uma testemunha, que para mais aquela não está em condições de poder identificar ao tribunal – cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código de Processo Penal”, pág. 353.
Contudo, como se viu e como melhor infra se demonstrará, aquela concreta factualidade acaba ela por ser confirmada, nos termos dados como provados sob a alínea T) não só pela testemunha Q…, como pela declarante O… e demais prova produzida.
É que não obstante a pretensão da testemunha Q… segundo a qual, o falecido P… lhe transmitiu “não estar pior” e que ela não detectou qualquer agravamento no estado de saúde daquele quando o abordou cerca de uma hora depois de o ter triado não corresponde à verdade efectivamente ocorrida atentos os demais factos que transmitiu a este tribunal em audiência de julgamento.
Na verdade, se era assim, porque é que o falecido P… a abordou?
E porque é que ela se abeirou junto do mesmo quando diz que todos os doentes se queixam e que a mesma, pela sua experiência profissional, consegue detectar quando os doentes têm razões objectivas para se queixarem e quando não as têm?
E porque é que ela lhe perguntou se “estava pior?”
E porque é que o falecido P… lhe disse, como aquela confirma que lhe disse, que “queria ser visto?”
E, finalmente, porque é que aquele morreu? Não foi certamente por ter ficado melhor!
A única resposta plausível para todas as apontadas questões apenas pode ser uma e simples: após a triagem, o estado de saúde de P… deteriorou-se significativamente, de modo que durante todo o período em que permaneceu deitado na maca no corredor junto dos gabinetes dos médicos e da enfermagem, apresentou queixas crescentes de fortes dores no peito e dificuldades na respiração, reclamando que fosse atendido por um médico no mais curto espaço de tempo, estado esse que não deixou de ser percepcionado pelo pessoal médico e de enfermagem, além de doentes, que circularam ou permaneceram nessa zona, incluindo pela testemunha Q…, que era enfermeira, tanto assim que a mesma, tal como confirma, o viu, por diversas vezes, a queixar-se, e quando estava decorrida cerca de uma hora sobre o momento em que o tinha triado, quando passava junto à maca onde aquele se encontrava e onde continuava a aguardar ser atendido por um médico, foi, inclusivamente, por ele abordada e sentiu necessidade de se abeirar junto dele e de lhe perguntar se estava pior?”, o que significava que aquilo que lhe era dado percepcionar, a ela Q…, apontava para um efectivo agravamento do estado de saúde de P…, tanto assim que este, também tal como confirma Q…, acabou por insistir junto daquela para ser atendido, dizendo-lhe que queria “ser visto”.
O que se acaba de concluir é também confirmado pela declarante O…, que relata que na sequência do episódio envolvendo a referida senhora cuja identidade não foi possível apurar e na sequência daquilo que esta lhe transmitiu a propósito do estado de saúde em que se encontrava o seu pai no interior do serviço de urgência e do não atendimento deste pelos médicos que se encontravam ao serviço, abordou a arguida K… e que após esta primeira abordagem daquela e da resposta que a mesma lhe deu, conseguiu abrir a porta do serviço de urgências em que se encontrava o seu pai, vendo-o ao longe, deitado na maca, a aguardar atendimento, queixando-se, e que já na sequência da última abordagem que fez à arguida K… e da resposta que esta lhe deu, conseguiu vê-lo novamente, vendo que aquele continuava a aguardar atendimento, queixando-se, agora mexendo com o braço e pedindo por socorro.
A demandante cível O…, como se viu, não faltou à verdade a propósito das abordagens que diz ter feito à arguida K…, sequer a propósito dos atrasos que diz terem ocorrido no atendimento médico aos doentes naquela concreta noite, sequer a propósito do descontentamento público de doentes e respectivos familiares que diz terem ocorrido por via desses atrasos no atendimento médico aos doentes, sequer ainda, a propósito do episódio que relata relativo ao incidente envolvendo a dita senhora cuja identidade não foi possível apurar e respectivos familiares, sequer também a propósito da chamada do arguido B… e da deslocação deste à sala de triagem, onde esteve a conversar com a referida senhora cuja identidade não foi possível apurar, pelo que não se descortina motivo válido para que a propósito daquilo que relata que lhe foi dado ver a propósito daquelas duas vezes em que afirma ter visto o seu pai e daquilo que lhe foi dado, então, percepcionar a propósito das queixas de P… e estado em que se encontrava, ter faltado à verdade, quando para mais aquilo que relata a esse respeito acaba, como se demonstrou, por ser corroborado pela testemunha Q….
Aliás, a versão dos factos apresentada pela demandante O… a propósito das queixas e do estado em que se encontrava o falecido P… é também ela corroborada pela testemunha X…, a qual, conforme se vê do documento de fls. 288, foi triada às 05.05 horas, ou seja, após o falecido P… ter também ele sido triado, e tal como este, foi-lhe atribuído o código amarelo, tendo ambos ficado a aguardar no mesmo espaço atendimento médico.
É que pese embora os evidentes lapsos de memória em que incorreu a identificada X… a propósito do problema de saúde que dizia tê-la afectado e que a levou a recorrer àquele serviço de urgências na concreta noite em apreciação nos autos, e a propósito do meio em que dizia ter sido transportada a esse serviço de urgências nessa concreta noite, bem como a propósito do código de prioridade que afirmava que lhe tinha sido atribuído e, bem assim a propósito de dizer que no serviço de urgências aguardou atendimento médico deitada em maca, maca essa que pretende que se situava ao lado da maca em que o falecido P… também aguardava atendimento médico e de pretender, inclusivamente, que a senhora, que julga, pela forma de vestir, ser enfermeira, que detectou o falecido P… em situação de paragem cardio-respiratória, ter puxado a cortina que separava a maca em que pretende se encontrava daquela outra em que se encontrava P…, lapsos esses que explicou em audiência de julgamento se deverem ao facto de ser pessoa doente, de frequentes vezes recorrer ao serviço de urgências do Hospital …, das mais das vezes em que tal sucede ser devido ao problema renal que a afecta e de ser, umas vezes aí transportada pelos bombeiros, e outras vezes em transporte particular, lapsos esses que, atenta aquela realidade que relata, se mostram perfeitamente normais acontecer dado o tempo já decorrido sobre os factos que presenciou e relatou – mais de seis anos – e a selectividade da memória, que tende a eliminar do seu registo os factos menores/supérfluos, como é o caso daqueles aspectos em que a testemunha X… incorreu nos apontados lapsos, mas não já aqueles importantes e marcantes da vida de uma pessoa, como é o caso do tratamento desumano ou o assistir à morte de uma pessoa, etc., verifica-se que tal como é corroborado pelo documento de fls. 288, a testemunha X… esteve, realmente, na unidade hospitalar na concreta noite a que se reportam os autos, tendo também ela, em parte do período em que o falecido P… esteve a aguardar por atendimento médico, a aguardar por esse mesmo atendimento médico – vide que conforme evidencia esse documento, a testemunha X… foi tríada às 05h05m, ficou a aguardar atendimento médico até às 07h45m, altura em que foi atendida.
Refira-se que em audiência de julgamento, na sequência do depoimento prestado pela testemunha X…, a fls. 1445, foi junto aos autos o original do documento de fls. 288, onde consta escrito, no canto superior direito, a palavra “cadeira”, cujo confronto com aquele original, força a que se conclua que a testemunha X…, ao contrário do que referiu em audiência de julgamento, não aguardou atendimento médico, na concreta noite em análise nos autos, no interior do serviço de urgências, deitada em maca, mas sim sentada em cadeira de rodas, posto que, conforme se vê da fotocópia daquele documento junto aos autos já a fls. 288, no respectivo canto superior direito, já consta a palavra “cadeira”, ainda que de forma não totalmente perceptível, sem que, contudo, esse facto seja susceptível de colocar em crise, até pelas razões que já anteriormente se explanaram (aquilo que a mesma relata mostra-se conforme às declarações prestadas pela demandante cível O…, cujas declarações acabam, por sua vez, como se viu, por ser atestadas pelo depoimento da testemunha Q…) e que infra se explanarão.
Com efeito, a questão de se saber se se aguardou atendimento médico deitado em maca ou sentado em cadeira de rodas é mais um daqueles aspectos marginais, que a memória tende a apagar do seu registo ou a confundir com outros episódios em que a pessoa interveio ou a que assistiu, sobretudo quando se verifica que na data em que a testemunha X… prestou o seu depoimento em audiência de julgamento, estavam decorridos mais de seis anos sobre os factos que relatou e quando, conforme diz, de forma peremptória, eram frequentes as vezes em que aquela recorria ao Hospital … por via dos recorrentes problemas de saúde com que se via confrontada, umas vezes transportada pelos bombeiros e outras vezes em veículo particular.
Acresce que conforme decorre da prova produzida em audiência de julgamento, os doentes que se encontram a aguardar atendimento médico em cadeira de rodas são estacionados no interior do serviço de urgências no mesmo espaço em que são estacionadas as macas com doentes a aguardar igual atendimento, ou seja, na dita reentrância do corredor, em frente aos gabinetes médicos, pelo a testemunha X…, tal como diz ter acontecido, aguardou, efectivamente, ainda que não deitada em maca, mas sim sentada em cadeira de rodas, por atendimento médico na concreta noite a que se reportam os autos entre as 05h05m (hora em que foi tríada) e as 07h45m (hora em que foi atendida por médico), no mesmo espaço em que também ali aguardava o falecido P… atendimento médico.
Pois bem, apesar de confrontada com o documento de fls. 288, demonstrativo desses manifestos lapsos em que incorrera, verifica-se que a testemunha X… deixou intocado o facto de afirmar, de forma peremptória e segura, ter bem presente que na noite de 16 para 17 de Abril de 2006, ter sido transportada ao serviço de urgências do Hospital …, onde uma vez nas urgências, enquanto aguardava ser atendida, deparou-se com um senhor que já lá se encontrava deitado numa maca, o qual se queixava de falta de ar e queixando-se que ninguém o atendia, senhor esse que disse ter desabotoado a camisa e que esfregava o peito, dizendo em tom de voz não muito alto, “ai ai, tenho falta de ar, ninguém me vem ajudar”, até que, a dado momento, aquele senhor se calou, para momentos depois se abeirar junto daquele uma senhora, que passava no corredor e que a depoente pensa ser enfermeira, a qual puxou a cortina, ouvindo-a, então, a dizer “este já foi”, vendo a X…, instantes depois, esse senhor a ser conduzido para a reanimação.
Na verdade, para além da identificada X… ter deixado intocado esta parte do seu depoimento, continuando a reafirmar a veracidade dos factos que relatara a propósito do estado daquele senhor, mesmo após ter sido confrontada com o teor do documento de fls. 288 e com os consequentes lapsos em que incorrera a propósito daqueles outros aspectos já relatados a respeito do problema de saúde que dissera tê-la afectado e que a levou a recorrer ao serviço de urgências nesta concreta noite, bem como a propósito do meio em que até aí dizia ter sido transportada, bem como a propósito da cor do código de prioridade que dissera ter-lhe sido atribuído, não convindo olvidar, reafirma-se, que estão decorridos mais de seis anos sobre a data da ocorrência destes concretos factos e que a memória é selectiva, verifica-se que os factos que a mesma relata se mostram conformes à demais prova produzida.
Com efeito, a referida X… diz que aquele senhor se queixava e conforme supra se demonstrou, tal facto é confirmado pela própria testemunha Q… e, bem assim pela declarante O…, mas também, conforme infra se demonstrará, pelo próprio arguido E….
Aliás, queixando-se o falecido P… de dores do peito quando foi submetido à triagem pela enfermeira Q…, e encontrando-se aquele a expressar queixas nas diversas vezes em que esta mesma enfermeira passou no corredor do serviço de urgências, junto à maca em que o mesmo se encontrava, e tendo aquele, inclusivamente, quando estava decorrida cerca de uma hora sobre o momento em que tinha sido triado, abordado a dita enfermeira, a qual, como se viu, teve, inclusivamente, necessidade de o revaliar, e de lhe perguntar se estava “pior” (o que tem ínsito à pergunta de quem a faz, que a percepção dessa pessoa é de agravamento da situação), insistindo junto desta para ser visto (evidentemente, concluímos nós, por um médico) tudo como a própria Q… confirma ter acontecido, e verificando-se que aquele, pelas 7h00m da manhã, foi encontrado em situação de paragem cardio-respiratória, sendo a sua morte de origem cardiovascular, nomeadamente cardiopatia isquémica aguda – cfr. relatório de autopsia de fls. 69 a 74 -, quando submetido tais factos às regras da experiência comum, forçoso é concluir que o identificado P… exteriorizou e manifestou as suas queixas desde a triagem até ao momento em que entrou em paragem cardio-respiratória e que essa sua dor torácica de que se queixara na triagem se foi intensificando desde que fora triado, debatendo-se aquele também com dificuldades de respiração, o mesmo sucedendo com as suas queixas, ao ponto de ter tido necessidade de abordar, como abordou, a enfermeira Q… cerca de uma hora após ter sido triado e desta ter tido necessidade de reavaliá-lo, como reavaliou e supra se descreveu, insistindo com aquela por ser atendido por médico, como insistiu, dizendo-lhe que queria “ser visto”, indo tais queixas, dores e dificuldades respiratórias em crescendo até o falecido entrar em paragem cardio-respiratória, posto que não é razoável aceitar-se à luz daquelas regras da experiência comum que essas queixas, dor e dificuldades respiratórias (estas confirmadas pela testemunha X…) tivessem abrandado e aquele deixasse de exteriorizar o seu sofrimento, manifestando a forte dor que o afligia, mal a testemunha Q… lhe virou costas após o ter reavaliado nos termos já explanados, quando se verifica que o seu estado de saúde que culminou, inclusivamente, com a sua morte e que, por conseguinte, se foi, necessariamente, deteriorando, e com ele as suas queixas, dores e dificuldades respiratórias se foram agudizando até porque, reafirma-se, teve necessidade de abordar a enfermeira Q… e esta sentiu necessidade de reavaliá-lo, acabando por insistir para ser visto (por um médico), culminando este processo com a sua morte, o que tudo, por conseguinte, se mostra conforme ao depoimento prestado pela testemunha X… a propósito daquilo que então lhe foi dado percepcionar em relação ao falecido P…, mas também ao que fora dado ver à demandante cível O… das duas vezes em que logrou ver o pai através da porta aberta do serviço de urgências, em cujo interior aquele se encontrava, o que tudo, por conseguinte, força a que se conclua pela veracidade dos factos que a X…, mas também a demandante O…, relatam a esse respeito.
Refira-se que o depoimento da testemunha X… a propósito das circunstâncias em que o falecido P… foi detectado em paragem cardio-respiratória e, bem assim a respeito da condução deste para a sala de reanimação é confirmado pela testemunha Q… e pelas demais prova produzida, resultando, também por aqui atestada a veracidade do depoimento que prestou acerca daquilo que lhe foi dado percepcionar envolvendo o falecido P….
Flui de tudo o quanto se vem dizendo ser de concluir pela veracidade dos factos relatados pela declarante O… em audiência de julgamento, com as excepções que se passam a enunciar e a tratar, e pela consequente prova da matéria em análise nos termos dados como provados.
Na verdade, em audiência de julgamento a declarante O… pretendeu ter abordado a arguida K… na sequência daquilo que a referida senhora cuja identidade não foi possível apurar, lhe relatou, quando compulsada a reclamação de fls. 1384, se verifica que a mesma aí refere que fez a primeira abordagem à arguida K… ainda antes da referida senhora ter surgido, pela terceira vez, na sala de espera destinada ao público, onde a abordou.
Ponderando que quando a declarante O… depôs em audiência de julgamento estavam decorridos mais de seis anos sobre a data da ocorrência dos factos em análise, e que a reclamação de fls. 1384 foi por ela redigida quando estavam decorridos escassos dois dias sobre a morte de seu pai e onde, por conseguinte, aquela tinha a memória mais fresca a propósito dos factos então, efectivamente, ocorridos, forçoso é concluir que os factos aconteceram pela forma como vem por ela relatada naquela reclamação, ou seja, pela forma dada como provada.
Outrossim, pretende a declarante O…, em audiência de julgamento, que quando abordou a arguida K… lhe disse que o pai tinha entrado e que aquele se encontrava muito mal, o que tudo é negado pela arguida K…, que embora diga não ter presente os factos, apenas admite que a declarante O… a tenha abordado perguntando se o pai ainda ia demorar.
Ponderando que na reclamação de fls. 1384 a declarante refere ter tão só pedido informações a uma enfermeira, e não que lhe tivesse especificamente transmitido que o seu pai estava muito mal/doente, como em princípio teria feito exarar na dita reclamação caso tivesse feito essa concreta advertência à arguida K…, forçoso é concluir pela prova em como apenas, a O…, abordou a arguida K…, perguntando-lhe pelo pai.
Por outro lado, em audiência de julgamento a declarante O… referiu ter abordado a arguida K…, posteriormente à primeira vez, por mais duas ou três vezes, obtendo dela sempre por resposta que aquele ia ser atendido mas que havia casos mais urgentes.
Ponderando nestas declarações e que na reclamação de fls. 1384, a declarante O… refere ter abordado a arguida K… apenas por três vezes, forçoso é concluir que depois daquela primeira abordagem, a declarante O… apenas abordou a arguida K…, questionando-a sobre a demora no atendimento do pai, por mais duas vezes.
Conclui-se pela não prova em como tivesse sido cerca de cinco minutos depois que nas circunstâncias relatadas em G), O… abordou a arguida K…, uma vez que conforme relata a primeira, tal aconteceu quando o seu pai tinha entrado no serviço de urgências há cerca de uma hora.
Deu-se como não provado que nas circunstâncias relatadas em G), O… tivesse conseguido entrar no corredor onde estava o seu pai e, bem assim que tivesse sido, nesse corredor, que aquela abordou a arguida K…, posto que conforme refere a declarante O…, aquela nunca chegou a entrar no serviço de urgências onde se encontrava o pai, mas apenas logrou abrir a porta desse serviço e avistá-lo à distância.
Acresce que conforme se extrai das declarações prestadas pela declarante O… quando conjugado com as restantes declarações e depoimentos prestados em audiência de julgamento, que apontam todos eles nesse sentido, aquela abordou a arguida K… na sala de triagem.
Conclui-se pela não prova em como a resposta dada pela arguida K… à declarante O… nas circunstâncias relatadas em G) de que havia doentes mais urgentes que o pai da última para serem atendidos não fosse verdadeira, uma vez que a declarante O… é bem expressa em referir que a primeira vez em que abordou a arguida K… foi cerca de uma hora depois do seu pai ter dado entrado no serviço de urgências, ou seja, por volta das 05h43m, pelo que basta atentar no documento de fls. 283, para se verificar que o doente Y… foi triado às 05h14m, tendo-lhe sido atribuído o código laranja, acabando por ser atendido às 05h20m (cfr. fls. 276); que a doente AB… foi triada às 05h58m, tendo-lhe sido atribuído o código laranja, acabando por ser atendida às 06h00 (cfr. fls. 279), e que a doente AD… foi triada às 06h40m, tendo-lhe sido atribuído o código laranja, acabando por ser atendida às 06h50m (cfr. fls. 281), pelo que tendo sido atribuído ao falecido P… o código amarelo, tal facto no confronto exclusivo com o código de prioridade atribuído àqueles outros doentes – laranja – e que, por conseguinte, tinham prioridade no atendimento sobre aquele quando se atenta, única e exclusivamente, nos códigos de triagem atribuídos aos doentes em análise, impede que se conclua que a afirmação feita pela arguida K… à declarante O… de que havia casos mais urgentes que o do seu pai não fosse verdadeira.
Conclui-se pela não prova em como nas circunstâncias relatadas em I) a doente aí referida tivesse dito ao marido que o papel que trazia na mão e que dizia ter retirado da secretária de um médico, que esse médico se encontrava a ressonar, uma vez que conforme esclareceu a declarante O… em audiência de julgamento, essa senhora dizia que ouvia a ressonar e não propriamente que se deparara com um médico no consultório médico de onde afirmava ter retirado o papel que trazia e que esse médico aí estivesse a ressonar.
Conclui-se pela não prova em como nas circunstâncias relatadas em K) a conversa entre B…, S… e a aludida doente tivesse perdurado especificamente durante cerca de dez minutos uma vez que a declarante O… não soube precisar o período temporal em que perdurou a referida conversa.
Refira-se que em função da prova produzida, que aponta toda ela nesse sentido, o gabinete onde o arguido B…, S… e a aludida senhora cuja identidade não foi possível apurar estiveram a conversar (sala de triagem) fica, realmente, próximo do local onde se encontrava o falecido P…, mas trata-se de espaços distintos, separados por paredes, havendo um corredor entre esses dois espaços, pelo que quem saísse da sala de triagem, entrava no dito corredor, e logo nas imediações daquele local, do lado oposto à sala de triagem, naquele corredor, ficava a porta de acesso ao serviço de urgências onde se encontrava o falecido P….
A matéria da alínea M), a respectiva prova ancorou-se nos fundamentos já acima explanados, pondo-se em devido destaque o depoimento prestado pela testemunha X…, que, como se viu, refere que momentos depois do senhor que se encontrava deitado na maca situada na mesma zona em que se encontrava se ter calado (o falecido P…), ao passar no corredor, uma senhora, que pela forma de vestir, aquela conclui ser enfermeira, ao reparar naquele, se abeirou dele, fechou a cortina do espaço em que se encontrava a maca com P… (o que tudo se mostra conforme às regras da experiência comum, as quais demonstram que é este o procedimento habitualmente seguido pelos profissionais de saúde em casos idênticos, tendo em vista isolar o espaço em que se encontra o doente em estado crítico), vendo após a X… pessoas a transportarem o falecido P… na maca para a sala de reanimação, corroborando, por sua vez, a testemunha Q… ter sido, realmente, uma sua colega enfermeira que detectou aquele doente em situação de paragem cardio-respiratória e, bem assim ter sido accionado/activado o alarme, o que a levou a dirigir-se para a sala de reanimação, o que tudo conjugado com o teor dos documentos de fls. 3, 27, 40, 41 e 69 a 77, força a que se conclua pela prova da matéria dada como provada.
Contudo, conclui-se pela não prova em como tivesse sido especificamente a arguida K…, quando se dirigia, mais uma vez, para a sala de enfermagem, que nas circunstâncias relatadas em M) reparou que P… se encontrava em paragem cardio-respiratória uma vez que a testemunha X… desconhece a identidade da senhora, que julga ser enfermeira, e que, como se viu, era realmente enfermeira, que detectou P… em situação de paragem cardio-respiratória; a testemunha Q…, apesar de confirmar tratar-se, efectivamente, de uma enfermeira a pessoa que detectou aquele concreto doente na referida situação, referiu não se lembrar da identidade da enfermeira em causa; e a arguida K…, apesar de nos pontos 36º e 37º da contestação de fls. 1136 a 1150 (subscrita por advogado e não pela própria) confirmar ter sido ela que detectou P… em situação de paragem cardio-respiratória, sustentou, em audiência de julgamento, não se lembrar do que aconteceu nessa concreta noite, desconhecendo, por conseguinte, se foi ou não ela que detectou P… na referida situação, pelo que não vinculando aquela confissão feita na contestação, a arguida, posto que não é subscrita pela própria, mas sim pela sua advogada, e não contendo os autos outros elementos de prova que permitam identificar a enfermeira em causa, forçoso é concluir pela não prova da matéria em análise.
Não se produziu qualquer prova em como a enfermeira que nas circunstâncias relatadas em M) reparou que P… se encontrava em paragem cardio-respiratória tivesse, em face disso, chamado de imediato a sua colega enfermeira AP…, para a ajudar a conduzir esse doente para a sala de reanimação, de onde se conclui pela não prova dessa matéria.
A matéria das alíneas N) e O), a respectiva prova alicerçou-se nos fundamentos já supra explanados, realçando-se o facto do arguido E… confessar que por volta das 07.00 horas da manhã, quando ainda se encontrava de pausa, foi a sua colega Dr.ª U…, quem lhe telefonou a perguntar se ele sabia alguma coisa sobre o doente em causa, facto que disse tê-lo levado, de imediato, a interromper a pausa e a dirigir-se para a sala de reanimação, o que tudo quando conjugado com o teor do certificado de óbito de P… junto aos autos a fls. 3; o teor da informação clínica de fls. 27; o teor do boletim do serviço de urgência daquele mesmo doente, junto aos autos a fls. 40 e 41; e o teor do relatório de autópsia de P…, junto aos autos a fls. 69 a 77, força a que se conclua pela prova da matéria dada como provada, designadamente, que o óbito de P… foi verificado pelas 07h35m (não pelas 07h45m, conforme consta da acusação).
A matéria da alínea Q), a respectiva prova assentou na análise dos boletins dos registos de urgência juntos aos autos a fls. 235 a 282, que conforme oficio de fls. 234 respeita a todos os doentes a quem foi atribuída prioridade vermelha, laranja e amarela e que deram entrada no serviço de urgências em análise entre as 21 horas do dia 16/04/2006 e as 07 horas do dia 17/04/2006, pelo que verificando-se, pelos fundamentos já supra enunciados, que no turno entre as 20h00 do dia 16/04/2006 e as 08h00 do dia 17/04/2006 os arguidos H… e E… eram os únicos médicos a quem estava atribuído o atendimento dos doentes com prioridade de Manchester laranja e amarela nesse concreto serviço de urgências, sendo seu chefe de equipa o arguido B…, e que conforme evidencia o documento de fls. 443, o arguido H… tem a cédula profissional da Ordem dos Médicos n.º ….., confrontados estes factos com o teor dos registos clínicos juntos aos autos a fls. 262, 271, 274, 276, 277, 279, 280 e 281, onde aquele número se encontra aposto como médico que atendeu os concretos doentes a que se reportam estes registos clínicos, forçoso é concluir pela prova da matéria dada como provada.
A matéria da alínea R), a respectiva prova fundamentou-se nas declarações prestadas pelo arguido E…, que confirmou estar inscrito na Ordem dos Médicos com o n.º …... Mais confessou que pelo menos entre as 03h30m até por volta das 05h15m, o arguido H… esteve de pausa (o que é corroborado pelo teor do documento de fls. 259 – vide fundamentos supra – e, bem assim, do facto decorrente da circunstância de analisados os registos clínicos de fls. 235 a 281, que como se viu respeitam aos doentes a quem foi atribuída prioridade vermelha, laranja e amarela que deram entrada no serviço de urgência entre as 21h00 do dia 16/04/2006 e as 07h00 do dia 17/04/2006, não se terem detectado quaisquer registos de atendimento de doentes feito pelo arguido H… no período que se interpõe entre as 03h30m e as 05h20m, hora em que atendeu o doente Y… – cfr. documento de fls. 276) e que regressado o arguido H… ao serviço de urgências, entrou ele, E…, de pausa, o que disse ter acontecido por volta das 05h15m/05h20m, logo após o regresso do arguido H… ao serviço de urgências e mal “passou os doentes” ao último, permanecendo em pausa até por volta das 07.00 horas, altura em que recepcionou o telefonema da supra referida colega, Dr.ª U…, nos termos já relatados.
Tais declarações do arguido E…, as quais de resto, reafirma-se, são corroboradas pelo teor dos documentos de fls. 234 a 281, quando confrontadas com o teor dos registos clínicos de fls. 269, 270, 273 e 278, onde se encontra aposto o seu nº da Ordem dos Médicos como sendo o médico que atendeu os concretos doentes a que se reportam estes concretos registos clínicos, força a que se conclua pela prova da matéria dada como provada.
A matéria da alínea S), a respectiva prova ancorou-se nos fundamentos já supra explanados a propósito dos atrasos verificados ao nível do atendimento dos doentes e a respeito da pausa que o arguido H… fez entre, pelo menos, as 03h30m até por volta das 05h15m e que, por sua vez, o arguido E… fez entre as 05h15m/05h20m e as 07h00m, conjugados com a análise dos documentos de fls. 234 a 283, os quais evidenciam que pelas 04h43m (hora a que o falecido P… foi triado e entrou no serviço de urgências) permaneciam no serviço de urgências os seguintes doentes:
- BD…, que foi triada às 22h06, tendo-lhe sido atribuído código amarelo e que foi atendida às 22h52m e teve alta às 20h00m do dia 17/04/2006 (cfr. fls. 246);
- BE…, que foi triado às 22h08m, tendo-lhe sido atribuído código laranja, foi atendido às 22h30m e teve alta às 04h45m do dia 17/04/2006 (cfr. fls. 247);
- AY…, que foi triada às 23h15m, tendo-lhe sido atribuída código branco, foi atendida à 01h15m, e teve alta às 10h57m do dia 17/04/2006 (cfr. fls. 254);
- AZ…, que foi triado às 23h30m, tendo-lhe sido atribuído código amarelo, foi atendido a 01h00, e teve alta às 05h00 do dia 17/04/2006 (cfr. fls. 256);
- V…, que foi triado à 01h26m, tendo-lhe sido atribuído código laranja, foi atendido à 01h50m, e teve alta as 10h00m do dia 17/04/2006 (cfr. fls. 262);
- BF…, que foi triado às 03h23m, tendo-lhe sido atribuído código laranja, foi atendido às 03h48m, e teve alta às 08h45m do dia 17/04/2006 (cfr. fls. 268);
- AE…, que foi triado às 03h30m, tendo-lhe sido atribuído código laranja, foi atendido às 03h48m, e teve alta às 12h00m do dia 17/04/2006 (cfr. fls. 269);
- AF..., que foi triada às 03h35m, tendo-lhe sido atribuído código laranja, foi atendida às 03h48m e teve alta às 08h00m do dia 17/04/2006 (cfr. fls. 270) e
- W…, que foi triada às 04h20m, tendo-lhe sido atribuída código amarelo, foi atendida às 07h47m e teve alta às 09h15m do dia 17/04/2006 (cfr. fls. 271).
Refira-se que a doente BG…, não obstante no documento de fls. 283 constar como permanecendo às 04h43m, do dia 17/04/2006, no serviço de urgências, efectivamente aí não se encontrava, posto que, conforme resulta do respectivo registo clínico junto aos autos a fls. 243 e 254, a mesma teve alta a hora não concretamente apurada do dia 16/04/2006, mas após as 23h00m.
Decorre do exposto que após ser triado às 04h43m, quando o falecido P… deu entrada no serviço de urgências, estavam apenas por atender uma doente, mais concretamente W…, posto que os restantes doentes supra identificados, apesar de ainda aí se encontrarem, já tinham sido atendidos.
Entretanto, após a entrada do falecido P… naquele serviço de urgências, deram entrada, no mesmo serviço de urgências até às 07h00, os seguintes doentes:
- AG…, que foi triada às 04h48m, tendo-lhe sido atribuído código amarelo, e que não chegou a ser atendida, não respondendo à chamada às 07h40m (cfr. fls. 273);
- X…, que foi triada às 05h05m, tendo-lhe sido atribuído código amarelo e que apenas foi atendida às 07.45 horas (cfr. fls. 274);
- BH…, que foi triado às 05.12 horas, tendo-lhe sido atribuído código amarelo, tendo sido atendido a hora não concretamente apurada por tal referência não constar do boletim de fls. 275;
- Y…, que foi triado às 05.14 horas, tendo-lhe sido atribuído código laranja e que foi atendido às 05h20m (cfr. fls. 276);
- Z…, que foi triado às 05h20m, tendo-lhe sido atribuído código amarelo e que foi atendido às 06h40m (cfr. fls. 277);
- AH…, que foi triado às 05h50m, tendo-lhe sido atribuído código amarelo, e que não respondeu à chamada às 07h48m (cfr. fls. 278);
- AB…, que foi triada às 05h58m, tendo-lhe sido atribuído código laranja, e que foi atendida às 06h00m (cfr. fls. 279)
- AC…, que foi triado às 06h11m, tendo-lhe sido atribuído código amarelo e que apenas foi atendido às 07h40m (cfr. fls. 280);
- AD…, que foi triada às 06h40m, tendo-lhe sido atribuído código laranja e que foi atendida às 06h50m (cfr. fls. 281),
pelo que após a entrada do falecido P… e até às 07horas, deram entrada no serviço de urgência apenas mais três doentes a quem foi atribuído código laranja e que, por conseguinte, atendendo, única e exclusivamente, ao código de prioridade de Manchester tinham prioridade no atendimento em relação à doente BI… e ao falecido P…, estes triados com código amarelo.
Pois bem, não obstante de acordo com a prova produzida (vide fundamentos supra), o arguido H… ter feito uma pausa que se estendeu no tempo pelo menos desde as 03h30m até por volta das 05h15m e do arguido E… ter feito, por sua vez, uma pausa entre as 05h15m/05h20m e as 07h00, verifica-se que quando o falecido P… deu entrada no serviço de urgências pelas 04h43m após ter sido triado, apenas se encontrava por atender uma doente, a saber, W…, à qual tinha sido atribuído código amarelo.
Ora, dado que o arguido E…, por via da pausa do arguido H…, se encontrava sozinho no serviço de urgências a atender todos os doentes com prioridade laranja e amarela desde pelo menos as 03h30m até por volta das 05h15m e aquele, conforme resulta do que se acaba de explanar, lograra atender todos os doentes que afluíram àquele específico serviço de urgências e aos quais tinha sido atribuído código laranja e amarelo, à excepção da identificada W…, quando o falecido P… nele entrou, forçoso é concluir que caso aí estivessem dois médicos, conforme se impunha que aí se encontrassem, aqueles teriam não só desenvolvido mais célere atendimento a todos aqueles concretos doentes, acabando os doentes triados com códigos laranja e amarelos por ser atendidos com mais rapidez que aquela com que o foram, estando, inclusivamente, a doente K…, esta tríada com código amarelo e entrada no serviço de urgências às 04h16m, atendida quando o falecido P… aí deu entrada pelas 04h43m, sob pena de assim não se entender sermos forçados a concluir que “dois médicos fazem o trabalho de um”, o que não faz qualquer sentido aceitar-se.
Por sua vez, independentemente da complexidade e morosidade dos cuidados médicos e não só que os doentes triados com código laranja demandaram para o arguido H…, e que este, de resto, atendeu até às 07h00m (em número de três), tendo o arguido E… estado de pausa desde 05h15m/05h20m até às 07h00m, torna-se a todas as luzes evidente que caso o arguido E… estivesse no serviço de urgências durante aquele período de tempo, como se impunha que acontecesse, estando nela, efectivamente, dois médicos ao serviço de atendimento aos doentes em vez de um, conforme aconteceu, que não só os doentes triados com código laranja teriam sido atendidos com mais celeridade que aquela que se verificou no seu atendimento, como que todos os doentes que nela entraram e que tinham sido triados com código amarelo após a entrada de P… naquele concreto serviço de urgências, incluindo o próprio falecido P…, segundo amarelo que se impunha ser atendido após o atendimento de W…, tinham sido atendidos dentro do tempo máximo – até uma hora - estabelecido pela classificação Manchester para esse atendimento acontecer quanto aos doentes triados com código amarelo.
E não objectem os arguidos que o que se acaba de concluir contende com o seu direito à pausa e que, inclusivamente, a doença de diabetes que alegadamente afectará o arguido E… reclamava que este gozasse aquele concreto tempo de pausa.
Na verdade, se é certo que todo o trabalhador tem direito a fazer “pausa” durante o seu tempo de trabalho/serviço, esse direito à pausa em relação aos médicos tem a particularidade de estar condicionada ao número e à gravidade dos doentes que afluem ao serviço de urgências, de modo que cede sempre que o número e/ou a gravidade dos doentes que aí acorram não comporte essa pausa por acarretar grave perigo para a saúde ou a vida destes.
Aliás, que assim é aponta-se o depoimento prestado por AQ…, médico e director do serviço de urgências do Centro Hospitalar …, que a propósito do tempo de pausa refere que não existe qualquer definição da duração do tempo da pausa, valendo, nesta matéria, o bom senso do médico e que acrescenta que se a urgência estiver “complicada”, isto é, se houver vários doentes para atender ou a gravidade do estado destes o reclamar, nem sequer há pausa, concluindo que o médico faz o repouso quando a urgência “está calma” e se o colega médico que fica na urgência não o chamar, posto que se o fizer, aquele tem de regressar ao serviço de urgências para lhe prestar apoio.
No mesmo sentido se pronuncia o próprio arguido E… que diz que não existe tempo definido para a duração do tempo da pausa e que situações existem em que nem sequer o médico faz pausa, esclarecendo que três/quatro doentes por atender no serviço de urgências o impediriam de fazer pausa, extraindo-se desta sua declaração que, segundo o seu próprio critério, o mesmo tem plena consciência que o direito do médico à pausa não é um direito absoluto e que, na sua perspectiva, fazer uma pausa com três ou quatro doentes por atender no serviço de urgências impede-o de fazer “pausa” por comportar grave risco para a saúde, e até, para a vida de tais doentes, pelo que segundo o seu próprio juízo ético e jurídico, o médico não tem em tais situações (3 ou 4 doentes por atender), condições para fazer pausa.
Acresce que “pausa” é por definição legal e corrente do termo uma interrupção por um período limitado e curto no tempo, interrupção essa que é necessário à satisfação das necessidades fisiológicos, alimentares e de descanso do trabalhador, o que não é o caso da pausa gozada pelo arguido H…, a qual perdurou no tempo desde pelo menos as 03h30m até por volta das 05h15m, sequer a do arguido E…, que se estendeu desde as 05h15m/05h20m até às 07h00m, não se estando assim, perante qualquer uma “pausa” mas antes perante um revezamento dos dois médicos que se encontravam ao serviço no atendimento aos doentes triados com código amarelo e laranja, de modo que pelo menos desde as 03h30m até às 07h00m apenas um deles ficava, como, efectivamente, ficou, no atendimento no serviço de urgências, no atendimento aos doentes triados com código laranja e amarelo.
Refira-se que atento o tempo em que perdurou a “pausa” do arguido E… que a alegada diabetes que o afectará não pode justificar aquela interrupção uma vez que as exigências específicas deste tipo de doença não exige semelhante tempo de interrupção de serviço.
Aliás, tendo ambos os arguidos entrado ao serviço pelas 20h00m, o eventual cansaço que os afectava também não poderá justificar semelhante interrupção.
Destarte, perante os fundamentos probatórios acabados de explanar, forçoso é pois concluir pela prova em como entre as 04h45m e as 07h00m do dia 17/04/2006 não havia no serviço de urgência do Centro Hospitalar …, EPE, número de doentes com prioridade vermelha, laranja e amarela que justificasse demora significativa na sua observação médica, para além do tempo previsto na classificação de Manchester, nomeadamente aos doentes com prioridade amarela, como era o caso de P….
Acrescenta-se a corroborar isso mesmo, o facto de que tendo, após o falecimento de P…, ambos os arguidos começado a atender doentes (relembremo-nos que entre, pelo menos, desde as 03h30m e até às 07h00m, a urgência só tinha estado a funcionar, em termos efectivos, com um médico a atender doentes), os mesmos entre as 07h40m e as 07h48m lograram atender todos os doentes triados com cor amarela que já aguardavam serem entendidos, alguns há já várias horas, como era o caso de W…, que aguardava desde as 04h16m.
A matéria da alínea T), a respectiva prova assentou nos fundamentos supra explanados, designadamente declarações da assistente O… e depoimento da testemunha X…, conjugados com os demais elementos probatórios já acima amplamente enunciados, o que tudo força a que se conclua que durante todo o período em que permaneceu deitado na maca no corredor junto dos gabinetes dos médicos e da enfermagem, o falecido P… apresentou queixas crescentes de fortes dores no peito e dificuldades na respiração, reclamando, por via desse seu estado clínico, que fosse atendido por um médico no mais curto espaço de tempo.
O que se acaba de dizer acaba também por ser corroborado pelas declarações prestadas pelo arguido E… posto que não obstante pretenda que quando entrou de pausa, o que aconteceu confessadamente pelas 05h15m/05h20m, apenas se encontrava o falecido P… por atender, o que conforme supra se demonstrou é objectivamente falso, mas antes estavam pelo menos, quatro doentes por atender, todos triados com código amarelo, a saber:
- W…, que contava 81 anos de idade e que aguardava ser atendida desde as 04h20m (cfr. fls. 271);
- o falecido P…, que aguardava ser atendido desde as 04h43m (cfr. fls. 272);
- AG…, que aguardava ser atendida desde as 04h48m (cfr. fls. 273); e
- X…, que aguardava ser atendida desde as 05h05m (cfr. fls. 274);
e que confirma ter visto o falecido P… deitado na maca estacionada na reentrância do corredor situada em frente dos consultórios médicos. É que não obstante o arguido E… pretenda que o falecido P… não se queixava, o que é, como se viu, comprovadamente inverídico, confirma ter reparado no último não obstante naquele serviço de urgências, para além de se encontrarem os supra identificados doentes que já se encontravam atendidos, se encontrarem, pelo menos, mais quatro doentes, os quais ainda não tinham sido atendidos, entre os quais se contava o falecido P…. Ora, se em semelhante lote de doentes que se encontravam no serviço de urgências, o arguido E… diz que viu, conforme confessa que viu, o falecido P… antes de ir para a “pausa”, cumpre questionar: porque é que o arguido E… reparou e tem memória de ter visto este concreto doente? A explicação só pode ser uma e prende-se com o estado de saúde em que se encontrava este doente e que o mesmo exteriorizava – queixas crescentes de fortes dores no peito e dificuldades na respiração.
Contudo, conclui-se pela não prova em como o estado de P… relatado em T) reclamasse um atendimento prioritário face a todos os demais doentes que se encontravam no serviço de urgências uma vez que para que se pudesse concluir nesse sentido necessário seria apurar qual o concreto estado clínico de todos os doentes que recorreram àquele serviço de urgências no período em que aí permaneceu P… por forma a podermos emitir aquele juízo.
Que o apurado estado do falecido P… reclamava que fosse atendido por um médico no mais curto espaço de tempo resulta da situação objectiva em que aquele se encontrava e que exteriorizava/manifestava - queixas crescentes de fortes dores no peito e dificuldades na respiração.
Que o pessoal médico e de enfermagem e, bem assim, os doentes circulavam e permaneciam no serviço de urgências na zona onde se encontrava P… deitado na maca nos termos já referidos, ou seja, na citada reentrância do corredor do serviço de urgências destinada ao estacionamento das macas e das cadeiras com os doentes a atender pelos médicos ao serviço (os arguidos H… e E…) é confirmado por toda a prova produzida, que é toda ela uniforme no sentido de que essa reentrância se situava no corredor do serviço de urgências, tratando-se de um espaço aberto, não havendo nada a separar aquela reentrância do identificado corredor - zona de passagem -; que ao lado dessa reentrância se situava a sala de enfermagem; que em frente à reentrância onde se encontrava estacionada a maca em que se encontrava P… ficavam os dois consultórios dos médicos ao serviço naquele concreto serviço de urgências, que ao lado desses consultórios se situava a sala de espera dos doentes que se conseguiam locomover pelos seus próprios meios, que havia médicos, enfermeiros, auxiliares permanentemente a circular naquele corredor e a passar junto à maca onde se encontra P…, pelo que quer os médicos que se encontravam ao serviço naquele serviço de urgências – os arguidos H… e E… –, quer os restantes médicos que por ali passavam e que, efectivamente, por ali passavam dado tratar-se de uma zona de passagem para outros serviços do hospital, quer o pessoal de enfermagem que por ali transitava, designadamente provindo ou deslocando-se para a sala de enfermagem, quer o pessoal auxiliar, designadamente o auxiliar da enfermeira da triagem, que tinha por incumbência levar os doentes triados e respectiva ficha clínica para o interior do serviço de urgências e depositar essas fichas em duas caixas situadas à porta dos gabinetes médicos – uma destinada às fichas dos doentes triados com código laranja e outra destinada às fichas respeitantes aos doentes triados com código amarelo -, quer os doentes que se encontravam na sala de espera, no corredor ou na própria reentrância a aguardar serem atendidos ou que tendo sido já atendidos aguardavam efectuar exames ou tratamentos ou os resultados desses tratamentos podiam, e efectivamente, viam, as macas e cadeiras de rodas que estavam estacionadas na referida reentrância do corredor com os respectivos doentes deitados ou sentados, tanto assim que, reafirma-se, não havia nada a separar a dita reentrância daquele lugar de passagem - o corredor do serviço de urgências - e as macas encontravam-se estacionadas em frente dos consultórios médicos, ao lado da sala de enfermagem, localizando-se a sala de espera dos doentes ao lado dos consultórios médicos.
Que o estado do falecido P… não deixou de ser percepcionado pelo pessoal médico e de enfermagem que, efectivamente, circulou ou permaneceu na zona em que aquele se encontrava, como foi o caso dos arguidos H… e E…, bem como até de doentes, como foi o caso de X…, resulta comprovado perante os fundamentos probatórios já acima explanados a propósito das concretas características do local em que a respectiva maca se encontrava estacionada e das específicas queixas que o falecido P… apresentava - queixas crescentes de fortes dores no peito e dificuldades na respiração.
As características específicas daquele espaço em que se encontrava o falecido P… aguardando por atendimento médico e do concreto tipo de queixas por ele apresentadas força a que se conclua que os médicos, enfermeiros, pessoal auxiliar e doentes por ali circulavam e permaneciam, como sucedeu com o arguido E… até às 05h15m/05h20m e o arguido H… a partir de cerca das 05h15m tinham imperiosamente de se aperceber das queixas crescentes de fortes dores de peito e dificuldades na respiração apresentadas pelo falecido P….
De resto, que o arguido E… teve, forçosamente, de ver o falecido P… deitado na maca e de se aperceber daquele seu apurado estado resulta corroborado não só do facto daquele ter confessadamente permanecido nesse concreto serviço de urgências até às 05h15m/05h20m a consultar doentes, como do facto da maca do falecido P… se encontrar estacionada em frente dos dois consultórios médicos onde o primeiro teve de, necessariamente, entrar, sair e permanecer no desempenho do serviço de atendimento aos doentes, como teve forçosamente de circular no corredor na execução desse mesmo serviço. De resto, o arguido E… confessa que antes de entrar em “pausa” viu o falecido P… deitado na maca naquele concreto local onde esta se encontrava estacionada.
Também o arguido E… teve forçosamente de ver o falecido P… deitado naquela maca em que se encontrava e de se aperceber, como se apercebeu, do apurado estado em que se encontrava quando regressada da “pausa”, o que aconteceu por volta das 05h15m, permaneceu naquele serviço de urgências no atendimento aos doentes.
Assim entre as 05h15m e as 07h00m, hora em que foi detectado P… em paragem cardio-respiratória, também o arguido H… teve de entrar, sair e permanecer naqueles consultórios médicos à frente de cuja porta se encontrava estacionada a maca com P… e teve de circular pelo corredor do serviço de urgências, passando junto àquela maca, e, por conseguinte, também ele teve, forçosamente, de ver P… e de se aperceber do seu apurado estado, até porque este estado era de queixas crescentes de fortes dores no peito e dificuldades na respiração, logo algo que não podia passar despercebido, sequer passava, a quem quer que seja, e muito menos a um médico.
Que X… viu o falecido P… e se apercebeu do seu apurado estado é confirmado pela própria.
Contudo, deu-se como não provado em como os arguidos K… e B… tivessem circulado ou permanecido na zona em que se encontrava P… durante o período em que este aí permaneceu e que tivessem percepcionado o estado em que este se encontrava uma vez que não se produziu prova segura a propósito destes factos.
Na verdade, não obstante a arguida K… afirmar que, na concreta noite em análise, teve, necessariamente, de circular, por várias vezes, entre a sala de triagem e a sala de enfermagem, passando junto à maca em que o falecido P… se encontrava, tanto assim que a mesma era enfermeira de triagem, mas embora tivesse por incumbência específica triar os doentes, tinha de prestar colaboração aos colegas enfermeiros na sala de enfermagem, o que tudo é corroborado pelas testemunhas Q… e AS…, verifica-se que:
- não se provou que a demandante O… tivesse alertado a arguida K… para o estado de saúde de P…, designadamente para um agravamento desse seu estado de saúde;
- a arguida K… afirma não ter memória do que se passou na concreta noite em análise, designadamente se as passagens que afirma ter feito pelo corredor do serviço de urgências da sala de enfermagem para a sala de triagem e vice-versa, passando junto à maca em que se encontrava o falecido P…, ocorreram no período em que este aí se encontrava;
- nenhuma das testemunhas que depôs em audiência de julgamento referiu ter visto a arguida K… a circular ou a permanecer no interior do serviço de urgências, passando junto à maca em que se encontrava P… no concreto período temporal em que este aí permaneceu;
- como infra se verá, a prova documental que se encontra junta aos autos demonstra que a arguida K…, naquele período de tempo em que o falecido P… permaneceu no interior do serviço de urgências, realizou um número significativo de triagens, as quais são realizadas na sala de triagem, que de acordo com a unanimidade da prova produzida nesse sentido, se situa num espaço fisicamente separado por paredes daquele serviço de urgências, interpondo-se entre ambos esses espaços um corredor;
- acrescidamente, resulta das declarações prestadas pela arguida K…, o que é de resto corroborado pelas testemunhas Q… e AS… que não obstante, esporadicamente, a enfermeira de triagem, ou seja, no caso, a arguida K…, conduza o doente triado para o interior do serviço de urgências e leve a respectiva ficha àquele serviço, depositando-a nas duas caixas existentes para esse efeito – uma para os amarelos e outra para os laranjas - à porta dos consultórios médicos, que essa função não incumbe à enfermeira de triagem mas ao respectivo auxiliar, o que tudo faz gerar a dúvida insanável sobre se a arguida K… circulou ou permaneceu, efectivamente, no serviço de urgências no período em que aí se encontrava P… a aguardar por atendimento médico e se, por conseguinte, esta se apercebeu do seu apurado estado, situação de dúvida essa que em face do princípio do in dubio pró reo carece de ser dirimido em benefício da arguida, de onde se conclui pela não prova em como a arguida K… tivesse circulado ou permanecido na zona em que se encontrava P… durante o período em que este aí esteve e tivesse percepcionado o estado deste relatado em T).
Quanto ao arguido B…, o mesmo afirma que enquanto chefe de equipa, tem por hábito deslocar-se, por diversas vezes, à zona do serviço de urgências do atendimento geral para ver o andamento do serviço, mas sustenta não ter lembrança da concreta noite em análise, pelo que nada de útil conseguiu esclarecer o tribunal sobre se se deslocou ou não a esse serviço de urgências no período em que nele esteve o falecido P… a aguardar por atendimento médico.
O arguido E… e a testemunha Q… referem que se lembram de terem visto este concreto arguido, no serviço de urgências, por diversas vezes, na concreta noite em que ocorreram os factos em apreço, sem que, contudo, tivessem conseguido concretizar temporalmente quando tal aconteceu, pelo que também eles nada de útil souberam ou quiseram esclarecer a propósito de tais deslocações do arguido B…, designadamente se essas deslocações a esse serviço ocorreram no período relevante em que aí se encontrava o falecido P….
Acresce que o arguido B… sustentou, em audiência de julgamento, que além de ser chefe de equipa, faz cirurgias e exerce funções no serviço de ortopedia, serviço esse que diz localizar-se, em termos materiais, num local distinto do local onde se situa o serviço de urgências, o que tudo é corroborado pelo arguido E…, que refere desconhecer se, nessa concreta noite, o arguido B… esteve ou não a fazer cirurgias, o que tudo faz gerar a fundada dúvida sobre se o arguido B… se se apercebeu ou não dos incidentes ocorridos na sala de espera destinada ao público do serviço de urgências e, bem assim do descontentamento dos doentes e respectivos familiares por via dos atrasos verificados ao nível do atendimento dos primeiros, até a ela ser chamado por volta das 06h30m.
Conforme resulta da matéria apurada, o arguido B… é chamado à zona do serviço de urgências por volta das 06h30m, onde fala com a senhora cuja identidade não foi possível apurar, na sala de triagem, mas desconhece-se por onde aquele se deslocou para aceder a esse concreto local onde esteve a falar com a referida senhora, designadamente se o mesmo fez esse seu trajecto pelo interior do serviço de urgências onde se encontrava o falecido P… aguardando por atendimento médico e, designadamente, por onde aquele posteriormente se ausentou desse local – a declarante O… apenas assistiu à chegada desse arguido à sala de triagem onde esteve a falar com a referida senhora cuja identidade não foi possível apurar.
Acresce ainda, que a declarante O… refere que, na altura, não abordou B….
Por último, atenta a hora em que o arguido B… se deslocou àquele concreto local – por volta das 06h30m -, a hora em que o falecido P… foi encontrado em paragem cardio-respiratória – 07h00m – e considerando que conforme referiu a testemunha X…, P… calou-se momentos antes de ser encontrado em situação de paragem cardio-respiratória -, desconhecendo-se o período temporal que demorou a conversa entre o arguido B… e a referida senhora cuja identidade não foi possível apurar, fica em aberto a hipótese de quando o arguido B… se ausentou da sala de triagem após ter estado nela a conversar com a dita senhora, o falecido P… já se encontrar em situação de paragem cardio-respiratória e do primeiro não se ter apercebido, sequer da presença deste, no interior do serviço de urgências ainda que tivesse feito o seu percurso por esse serviço, passando junto da maca em que se encontrava P….
Tudo o quanto se acaba de explanar faz gerar uma situação de dúvida insanável sobre se B… circulou ou permaneceu no interior do serviço de urgências no período em que P… lá se encontrava e, por conseguinte, se se apercebeu ou não do apurado estado em que este aí se encontrava, situação de dúvida essa que em face do princípio do in dubio pró reo carece também ela de ser dirimida em benefício do arguido, de onde se conclui pela não prova em como o arguido B… tivesse circulado ou permanecido na zona em que se encontrava P… durante o período em que o último aí esteve e tivesse percepcionado o estado deste relatado em T).
A matéria das alíneas P), W), Y) e Z) - a respectiva prova alicerçou-se nos fundamentos já supra explanados em que se verifica que o arguido E… permaneceu no serviço de urgências até as 05h15m/05h20m a atender doentes, onde também se encontrava o falecido P…, apresentando queixas crescentes de fortes dores no peito e dificuldades na respiração; que o arguido E… viu o falecido P… e percepcionou o estado em que este se encontrava e que, não obstante ser médico e de estar incumbido do atendimento aos doentes que tinham sido triados com a cor laranja e amarela, como era o caso de P…, que tinha sido triado com a cor amarela, e de ter, por conseguinte, enquanto médico em geral, e enquanto profissional daquele serviço de urgências que tinha por função atender este doente em especial, obrigações acrescidas de o socorrer, tanto mais que, não obstante a cor amarela com que P… tinha sido triado, aquele estado de queixas crescentes de fortes dores no peito e dificuldades na respiração que apresentava e que o arguido percepcionou, era bem demonstrativo que o estado de saúde de P… se tinha deteriorado de forma significava desde o momento em que tinha sido triado, e que corria, pelo menos, grave perigo para a sua integridade física, que não podia ser afastado a não ser por si – médico presente naquele serviço de urgências até às 05h15m/05h20m -, optou por não o socorrer, mas antes por entrar em pausa, ausentando-se do serviço de urgências e conformando-se, com essa sua conduta, pelo menos, e com toda a segurança, com aquele concreto grave perigo para a integridade física que o falecido P… efectivamente corria.
Acresce que, independentemente daquelas queixas que o falecido P… apresentava, verificando-se que:
- o arguido E… afirma que a presença no serviço de urgências de três ou quatro doentes por atender o teriam impedido de entrar em pausa, reconhecendo assim, ter consciência que, em tal situação, não existiam condições para ele, enquanto médico do serviço de urgências, fazer pausa por tal poder demandar, pelo menos, grave perigo para a integridade física dos doentes a atender,
- quando o mesmo entrou confessadamente de pausa às 05h15m/05h20m existiam, pelo menos, quatro doentes a aguardar serem atendidos por médico, entre os quais se contava o falecido P… e a doente W…, que contava 81 anos de idade e já aguardava ser atendida desde as 04h20m (cfr. fls. 271), abeirando-se, por conseguinte, o seu tempo de espera do tempo máximo de espera propugnado pelo método de triagem Manchester para aquela concreta doente, a qual tinha sido triada com a cor amarela – até uma hora –
- o que tudo tinha de ser, e era, do conhecimento do arguido, dadas as características do local em que ele e aqueles doentes se encontravam (vide fundamentos supra), mas que caso dúvidas tivesse bastava-lhe analisar os boletins de triagem que se encontravam depositados à porta dos consultórios médicos, pelo que se não o fez é porque esse facto era para ele irrelevante, tanto lhe fazendo que, naquele concreto momento, se encontrassem dois, cinco, dez, quinze, vinte ou mais doentes por atender, conformando-se com o número, a idade e o estado de saúde dos doentes que aí se encontravam, e
- verificando-se que não obstante isso e daquela sua consciência, entrou em “pausa”, ausentando-se do serviço de urgências desde as 05h15m/05h20m até as 07.00 horas, forçoso é concluir que ao assim agir o mesmo previu que essa sua conduta podia fazer incorrer os doentes que aí se encontravam por atender, pelo menos, em grave perigo para a sua integridade física e conformou-se com esse perigo.
O que se acaba de dizer em relação ao arguido E… mostra-se igualmente válido em relação ao arguido H….
Na verdade, tendo o arguido H… reiniciado o atendimento dos doentes de código laranja e amarelo por volta das 05h15m, após ter feito uma pausa cujo início ocorreu, pelo menos, às 03h30m, e começando este a atender os doentes triados com cor laranja que, entretanto, foram dando entrada naquele serviço de urgências (acabando também por atender o doente Z…, que tinha sido triado com cor amarela, mas que tinha entrado naquele serviço de urgências apenas pelas 05h20m – cfr. fls. 277), também ele sabia, tinha de saber, atentas as características do local em que o mesmo e esses doentes se encontravam e supra enunciadas (os doentes que se encontravam em maca e em cadeira de rodas, encontravam-se estacionados em frente à porta dos consultórios médicos, valendo as considerações a esse respeito tecidas em relação ao arguido E…, e os restantes na sala de espera localizada ao lado desses mesmos consultórios), que existiam, pelo menos, quatro doentes triados com cor amarela a aguardar serem atendidos por médico, entre os quais se contava o falecido P…, um dos quais, reafirma-se, a doente W…, que contava 81 anos de idade, aguardava ser atendida já desde as 04h20m (cfr. fls. 271), abeirando-se, por conseguinte, o seu tempo de espera do tempo máximo de espera propugnado pela método de triagem Manchester para aquela concreta doente, a qual tinha sido triada com a cor amarela – até uma hora -, o que tudo tinha de ser, e era, do conhecimento daquele, mas que caso dúvidas tivesse, as quais, de resto, não podia ter, bastava-lhe analisar os boletins de triagem que se encontravam depositados à porta dos consultórios médicos para dissipar essas suas eventuais dúvidas, pelo que se não o fez é porque esse facto era para ele irrelevante, tanto lhe fazendo que, naquele concreto momento, se encontrassem cinco, dez, quinze, vinte ou mais doentes por atender, conformando-se com o número, a idade e o estado de saúde dos doentes que aí se encontravam por atender, e verificando-se que, entretanto, foram dando entrada, naquele serviço de urgências, doentes triados com código laranja, que tinham de ser por ele atendidos prioritariamente em relação àqueles outros que já aguardavam atendimento (estes triados com cor amarela) quando ele reiniciou o atendimento dos doentes após a referida “pausa” e tendo os doentes que o mesmo atendeu demandado (laranjas e um amarelo) a sua ocupação, sem que este tivesse disponibilidade, quiçá vontade, para os atender, impunha-se-lhe, conforme foi atestado pelos arguidos B… e E…, mas também pelas testemunhas AQ…, que é também ele médico, ter chamado o arguido E…, designadamente, por telefone ou dando ordens para que alguém, designadamente, o pessoal auxiliar, o fossem chamar a fim de atender os doentes à espera do atendimento, já que ele arguido H… não estava a dar conta da totalidade do serviço com que se estava a ver confrontado no serviço de urgências.
Não o tendo feito, como não o fez, optando por não chamar ou diligenciar que fosse chamado o colega E… para o ajudar no atendimento aos doentes que ele, arguido H…, não conseguia atender, antes optando que esses doentes continuassem a aguardar por melhor oportunidade para por ele serem atendidos ou pelo arguido E… quando este, de motu próprio, decidisse interromper a “pausa” e regressar ao serviço de urgências, permanecendo estes a aguardar serem atendidos por médico até às 07h00m, altura em que foi detectado o falecido P… em situação de paragem cardio-respiratória, não obstante, enquanto médico, não ignorar que essa sua opção era susceptível de criar à medida que o tempo ia passando, pelo menos, uma situação de grave perigo para a integridade física daqueles doentes, como veio a acontecer com o falecido P…, que, inclusivamente, veio a falecer sem ser atendido por qualquer médico, forçoso é concluir que este concreto arguido não só previu que com essa sua conduta omissiva podia fazer incorrer, como fez, os doentes que aí se encontravam por atender, pelo menos, em grave perigo para a sua integridade física como que se conformou, pelo menos, com esse concreto perigo.
Acresce que tendo o arguido H… reiniciado o atendimento dos doentes no serviço de urgências por volta das 05h15m e aí permanecendo, onde também se encontrava o falecido P…, e apresentando este queixas crescentes de fortes dores no peito e dificuldades na respiração, forçoso é concluir que quando o arguido H… retomou o serviço de atendimento dos doentes por volta das 05h15m, o mesmo, logo aí, atentas as características do local em que ele e este concreto doente se encontravam, características essas já enunciadas, e a natureza das queixas apresentadas pelo doente, teve forçosamente de vê-lo, como viu, e de percepcionar, como percepcionou, o seu estado de queixas crescentes de fortes dores no peito e dificuldades na respiração, o que tudo o forçava a concluir que o estado de saúde deste concreto doente se tinha deteriorado de forma significativa desde a altura em que o mesmo tinha sido triado, e que, por conseguinte, que este corria, pelo menos, grave perigo para a sua integridade física, reclamando ser atendido por um médico no mais curto espaço de tempo por forma a remover/controlar esse perigo, já que só um médico o podia remover/controlar.
Deste modo, ao optar não atender P…, sequer chamar o arguido E… da pausa para que este o atendesse enquanto ele H… atendia os doentes com prioridade laranja, mantendo-se indiferente à sorte do falecido P…, forçoso é concluir que o arguido H…, pelo menos, se conformou com o grave perigo para a integridade física que, realmente, corria P…, tanto mais que veio a falecer, perigo esse que previu e com o qual se conformou.
Concluiu-se pela não prova em como os arguidos K… e B… não tivessem, também eles, diligenciado, como poderiam e deveriam, para que a vítima P… fosse atempadamente observado e assistido por um médico e bem assim, pela não prova da matéria vertida nos pontos 22º, 23º e 25º da acusação em relação a estes concretos dois arguidos K… e B…, uma vez que não se provou que os mesmos tivessem circulado ou permanecido na zona em que se encontrava P… durante o período em que este aí esteve e tivessem percepcionado o estado deste concreto doente e relatado em T).
Conclui-se pela não prova em como nas circunstâncias relatadas em W), os arguidos H… e E… não ignorassem que o quadro clínico e as queixas de dores crescentes que P… manifestava e de que tinham conhecimento era susceptível de provocar perigo para a vida deste e se tivessem conformado com tal perigo, uma vez que não se produziu prova segura e inequívoca em como, apesar do quadro de queixas crescentes de fortes dores no peito e dificuldade na respiração apresentado por P…, de que estes dois arguidos se aperceberam e percepcionaram, estes tivessem chegado a prever que aquele concreto doente corria perigo de vida e se tivessem conformado com tal perigo.
Os arguidos E… e H… são médicos de profissão e encontravam-se na concreta noite em que ocorreram os factos em análise no atendimento aos doentes triados com cor laranja e amarela no serviço de urgências do Centro Hospitalar …, EPE, pelo que tinham uma capacidade de entendimento e discernimento pelo menos igual à do cidadão médio, o que tudo conjugado com os concretos factos apurados, força a que se conclua que os mesmos agiram sempre, livre e conscientemente, bem sabendo que as suas apuradas condutas eram proibidas e punidas por lei.
A matéria da alínea U), a respectiva prova alicerçou-se nos fundamentos já supra enunciados, os quais forçam a que se conclua pela prova da matéria dada como provada.
Porém, conclui-se pela não prova em como os doentes com prioridade amarela que aguardavam ser observados por médico continuassem a exasperar-se nos termos e pelas razões indicadas em U) para lá das 07.40 horas uma vez que às 07h40m esses doentes começaram a ser atendidos e até às 07h48m todos eles foram atendidos (vide fundamentos supra), pelo que não é razoável aceitar-se que aqueles, vendo o andamento do serviço a partir das 07h40m, continuassem, a partir dessa hora, a exasperar-se por via do atraso efectivamente verificado até aí no atendimento aos doentes triados com cor amarela.
A matéria da alínea V), a respectiva prova fundamentou-se no teor dos documentos juntos aos autos a fls. 273 e 278, o que tudo conjugado com as declarações prestadas pelo arguido E… a propósito do seu número na Ordem dos Médicos força a que se conclua pela prova da matéria dada como provada.
Todavia, conclui-se pela não prova em como o abandono de AG… e de AH… relatado em V) tivesse sido motivado pela demora no atendimento referido em U) dado que não obstante a demora, realmente verificada, constata-se que outros doentes, também eles triados com cor amarela, que aguardavam atendimento médico, alguns dos quais, inclusivamente, há mais tempo que aqueles, como era o caso, designadamente de W…, permaneceram aguardando por aquele atendimento médico, não abandonando o serviço de urgências, pelo que o abandono dos identificados AG… e AH… pode ter outro ou outros fundamentos, que não, necessariamente, a demora efectivamente verificada no atendimento médico dos doentes.
A matéria da alínea X), a respectiva prova alicerçou-se nos fundamentos já acima explanados, em que se verifica que toda a prova produzida é uniforme no sentido de que os arguidos B… e E…, à data dos factos, eram médicos do quadro de funcionários públicos do Centro Hospitalar …, EPE, e a arguida K… era (e é) enfermeira, também do quadro de funcionários públicos do mesmo estabelecimento hospitalar, o que de resto foi confessado por estes concretos arguidos em audiência de julgamento, o que tudo, por conseguinte, força a que se conclua pela prova desta concreta factualidade.
Quanto ao arguido H…, o mesmo, no ponto 35º da sua contestação (subscrita por advogado e não pelo próprio), nega que fosse, à data dos factos, médico do quadro do Centro Hospitalar …, EPE, pretendendo que era médico contratado como prestador de serviços, e em audiência de julgamento não foi produzida prova, sequer os autos contêm outros elementos de prova, sobre a natureza do concreto vínculo contratual que ligava este arguido àquela unidade hospitalar. Contudo, sendo toda a prova produzida uniforme no sentido de que o arguido H…, na noite de 16 para 17 de Abril de 2006, encontrava-se a exercer funções como médico, no serviço do Centro Hospitalar …, EPE, integrado no turno entre as 20h00m do dia 16 e as 08h00m do dia 17, estando-lhe atribuído, mais ao arguido E…, o atendimento dos doentes com prioridade de Manchester laranja e amarela, o que reclamava, necessariamente, a existência de um vínculo contratual entre esta unidade hospitalar e o arguido H…, forçoso é concluir pela prova em como à data dos factos este concreto arguido era médico contratado por aquele centro hospitalar, independentemente da natureza desse vínculo contratual e da qualidade ou não de funcionário público do arguido H…, natureza e qualidade essas sobre as quais, de resto, como se disse, não se produziu qualquer prova o que leva, consequentemente, a que se conclua pela não prova em como, à data dos factos apurados, o arguido H… fosse médico do quadro de funcionários públicos do Centro Hospitalar …, EPE, e, bem assim, que aquele, nessa concreta data, fosse contratado como prestador de serviços.
Conclui-se pela não prova em como o falecimento de P… seja consequência directa e necessária do apurado comportamento tido pelos arguidos E… e H… e exarado nos factos provados, em face do teor do parecer de consulta técnico-científica do Conselho Directivo do Instituto Nacional de Medicina Legal, junto aos autos a fls. 170 a 171, onde se conclui “não podemos do mesmo modo concluir que se a observação e diagnóstico tivessem sido efectuados mais cedo a evolução teria sido diferente”, o que tudo conjugado com o teor do relatório de autópsia referente ao falecido P…, junto aos autos a fls. 69 a 79, onde se conclui que “a morte de P… foi de origem cardiovascular, nomeadamente cardiopatia isquémica aguda; esta é causa de morte natural”; e que “os resultados anátomo-patológicos corroboram este diagnóstico. “…Aterosclerose coronária com trombose recente … síndroma coronário agudo … isquemia cardíaca aguada”, impede que se possa concluir pela prova da existência de nexo causal entre a morte de P… e o apurado comportamento tido pelos arguidos H… e E….
Concluiu-se pela não prova em como aquando da triagem do falecido P…, este tivesse referido à enfermeira Q… que o triou e que lhe atribuiu prioridade amarela “dor torácica de características inespecíficas” uma vez que “dor torácica de características inespecíficas” é um conceito conclusivo, não sendo credível que P… tivesse usado semelhante expressão para a enfermeira que o triou. Aliás, conforme refere a própria Q…, P… não lhe referiu que estivesse a ter “dor torácica de características inespecíficas”, mas sim que “em casa teve cãibras muito fortes nas pernas, que o fizeram berrar e que ao gritar fê-lo sentir dor torácica forte, mas que chegado ao hospital a dor era mais leve”. Quanto à restante matéria alegada no ponto 3º da acusação apresentada pelo arguido B… o tribunal já se pronunciou.
A matéria das alíneas AA) a AD), a respectiva prova alicerçou-se nos fundamentos já acima explanados, onde se verifica que toda a prova produzida é uniforme no sentido da verificação da matéria dada como provada.
A matéria das alíneas AE) a AK), a respectiva prova ancorou-se nos fundamentos já acima explanados, sendo toda a prova produzida uniforme quanto à matéria dada como provada.
Assim, especificamente quanto à matéria das alíneas AE) a AG), a mesma não só foi confirmada pelo arguido B…, como foi corroborada pelo arguido E… e pelas testemunhas AQ… e BT…, o que tudo força a que se conclua pela prova dessa matéria.
Já quanto à matéria das alíneas AH) e AI), a mesma é confirmada por toda a prova produzida, incluindo pela própria O…, que confirma que naquela concreta madrugada a que se reportam os autos, nenhum familiar ou acompanhante de P…, incluindo a própria, pediu para falar com o arguido B… e que, inclusivamente, a mesma não falou com aquele quando ele, nas circunstâncias relatadas em H) a K), se deslocou ao gabinete identificado em K) – gabinete de triagem -, onde esteve a falar com a referida senhora cuja identidade não foi possível apurar, de onde forçoso é concluir pela prova da matéria dada como provada.
Por sua vez, a matéria das alíneas AJ) a AL), a mesma é confirmada pelos arguidos que depuseram em audiência de julgamento, bem como pelas testemunhas Q…, AQ…, sendo todos uniformes entre si em dizer que a triagem de Manchester determina tempos indicativos de espera dos doentes para serem atendidos pelos médicos que estão ao serviço (não tempos médios de observação de doentes), dependendo, contudo, o tempo efectivo de espera desses doentes de dois factores, a saber: o número de doentes que estão à espera e a gravidade da situação desses doentes, pelo que esse tempo indicativo de espera pode ser ultrapassado em função desses factores, o que de resto se mostra conforme às regras da experiência comum. Acresce que toda a prova produzida também é ela uniforme no sentido que de acordo com a Triagem Manchester, os doentes triados com código laranja têm prioridade no atendimento sobre aqueles que foram triados com o código amarelo, o que tudo, por conseguinte, força a que se conclua pela prova da matéria dada como provada.
Por outro lado, conclui-se pela não prova em como B… exerça funções de Director do Serviço desde 2003, uma vez que não se produziu qualquer prova a propósito da concreta data em que o arguido iniciou o exercício dessas concretas funções.
Conclui-se pela não prova em como o arguido B… tivesse assegurado uma boa prática clínica, com total cumprimento da legis artis, pela equipa médica que estava no Serviço de Urgência naquela madrugada de 17 de Abril, tendo agido com toda a diligência, cuidado e conhecimento, uma vez que os factos apurados e dados como provados não permitem extrair semelhante conclusão, embora, reafirma-se, não se tenha provado que este concreto arguido tivesse circulado ou permanecido na zona em que se encontrava P… durante o período em que este aí esteve e tivesse percepcionado o estado deste concreto doente e relatado em T), sequer que os arguidos H… e E… tivessem feito as “pausas” que fizeram com o conhecimento de B… ou que este se tivesse apercebido desse tempo de “pausa” que aqueles arguidos fizeram, pelo que é de aventar a hipótese de tudo isto se passar à sua revelia.
Conclui-se pela não prova em como B…, nas circunstâncias relatadas em H) a K), tivesse estado na sala de espera do público, uma vez que em função de toda a prova produzida, que aponta toda ela nesse sentido, aquele esteve no gabinete identificado em K), que mais não é do que a sala de triagem.
Conclui-se pela não prova em como nessa madrugada não tivesse havido mais pedidos para falar com o arguido B…, uma vez que não foi produzida qualquer prova que permita alicerçar esta matéria. Aliás, o arguido B… referiu que, frequentemente, é chamado para falar com doentes e/ou respectivos familiares.
Conclui-se pela não prova em como O… tivesse tido oportunidade de falar com o arguido B… na sala de espera, uma vez que a prova produzida não permite ancorar essa conclusão quando se verifica que o arguido B… veio à sala de triagem, onde esteve a falar com a senhora cuja identidade não foi possível apurar, cujos familiares exigiram falar com aquele nas circunstâncias já explanadas.
Quanto à restante matéria alegada no ponto 15º da contestação apresentada pelo arguido B… e, bem assim no ponto 17º da mesma peça, o tribunal já se pronunciou.
A matéria das alíneas AM) e AN), a respectiva prova alicerçou-se nos fundamentos supra explanados, em que se verifica que o arguido H… fez uma “pausa” que iniciou pelo menos às 03h30m e que se estendeu no tempo até por volta das 05h15m; que P… foi triado às 04h43m e que foi detectado em paragem cardio-respiratória pelas 07h00m, conjugado com o teor dos documentos de fls. 276, 277, 279, 262 e 281, de cujo confronto com a fotocópia de fls. 443, onde se vê que o arguido H… tem a cédula profissional da Ordem dos Médico n.º ….., tendo sido, consequentemente, ele que atendeu os doentes a que se reportam aqueles documentos, o que tudo comprova a matéria dada como provada.
Conclui-se pela não prova em como o arguido H…, durante a madrugada em que ocorreram os factos apurados, tivesse estado permanentemente ocupado no atendimento a doentes de código laranja uma vez que este esteve a fazer “pausa” pelo menos desde as 03h30m até às 05h15m, além de que, conforme se vê de fls. 277, às 06h40m atendeu o doente Z…, triado com código amarelo.
Conclui-se pela não prova em como todos os doentes atendidos pelo arguido H… no período temporal referido em AM) tivessem sido triados com código laranja e, bem assim que atendendo exclusivamente à cor amarela que na triagem foi atribuída a P…, todos os doentes atendidos por este concreto arguido tivessem prioridade no atendimento e sobre P… atentas as razões que anteriormente se acabaram de explanar a propósito do doente Z…, além de que, atendendo, única e exclusivamente, à cor atribuída na triagem a este e ao falecido P…, tendo a ambos sido atribuído o código amarelo, Z…, que tinha sido triado às 05h20m (cfr. fls. 277) e, por conseguinte, após o falecido P…, que tinha, por sua vez, sido triado às 04h43m (cfr. fls. 272), não tinha prioridade no atendimento sobre o último, conforme teve.
A matéria das alíneas AQ) a AR), a respectiva prova assentou nos depoimentos prestados em audiência de julgamento pelas testemunhas AQ…, médico, e as regras da experiência comum, as quais confirmam a matéria dada como provada.
A matéria das alíneas AS) a BF), a respectiva prova fundamentou-se no teor dos documentos de fls. 276, 279, 262 e 281, conjugado com o teor do documento de fls. 443, e com o depoimento de Q…, o que tudo comprova a matéria dada como provada.
Conclui-se pela não prova em como após a prescrição da medicação à paciente AD…, o arguido H… tivesse ido reavaliar os doentes que estavam com insuficiência respiratória, Y… e AB…, repetindo as respectivas gasimetrias, uma vez que não se produziu qualquer prova a propósito desta matéria.
Também não se produziu qualquer prova em como cerca das 07h20m, o arguido H… tivesse sido chamado à sala de emergências, onde lhe perguntaram se sabia algo sobre o estado daquele doente, P…, ao que o arguido tivesse respondido que não sabia nada, pois nem sequer o tinha visto, de onde se conclui pela não prova desta matéria, até porque detectado P… em paragem cardio-respiratória foi accionado o alarme.
A matéria das alíneas BG) e BH), a respectiva prova ancorou-se nos fundamentos já acima expostos.
A matéria das alíneas BI) a BL), a respectiva prova fundamentou-se no teor dos documentos de fls. 262, 276, 279 e 281, o que tudo corrobora a mesma.
Quanto à matéria alegada no art. 32º da contestação apresentada pelo arguido H…, o tribunal já se pronunciou nos termos que constam da al. AC) da matéria dada como provada.
Conclui-se pela não prova em como o arguido H… tivesse estado a observar outros doentes aparentemente prioritários sobre o falecido P…, por estarem sinalizados com código de maior urgência (“laranja”), uma vez que além daquele ter feito uma pausa que se estendeu no tempo entre, pelo menos, as 03h30m e até por volta das 05h15m, não se provou que aquele tivesse estado permanentemente ocupado no atendimento de doentes de código laranja, além de que o mesmo atendeu comprovadamente um doente de código amarelo, que não era prioritário em relação ao falecido P… mesmo que se atenda, única e exclusivamente, à cor com que este foi triado, abstraindo de tudo o quanto se disse a propósito do estado clínico do doente P…, que o arguido H… comprovadamente percepcionou.
A matéria das alíneas BM), BN) e BO), a respectiva prova alicerçou-se nos fundamentos probatórios já acima enunciados.
Deu-se como não provado que o espaço que medeia o gabinete de triagem e o espaço onde os doentes, depois de triados, aguardam ser consultados por médico fosse de livre circulação por parte dos familiares dos doentes, uma vez que conforme decorre das declarações prestadas pelos arguidos que depuseram em audiência de julgamento e dos depoimentos prestados pelas declarantes N… e O… e, bem assim dos depoimentos prestados pelas testemunhas Q…, AQ… e AS…, o espaço em causa é reservado, não sendo de circulação livre por parte dos familiares dos doentes, o que acontece é que é fácil aos últimos acederem a esse espaço e, bem assim à sala de triagem dada a proximidade daqueles com a sala de espera destinada ao público.
Deu-se como não provado em como, posteriormente às 04h43m, tivesse ocorrido alteração das tarefas a que os membros da equipa de enfermagem estavam afectos, tendo a arguida K… passado a exercer funções na triagem, uma vez que a arguida K… e as testemunhas Q… e AS… são bem expressos e concordantes entre si em referir que a arguida K… era a enfermeira de triagem. O que aconteceu é que enquanto enfermeira de triagem, embora a sua função seja triar os doentes, aquela tem de dar colaboração aos colegas enfermeiros nos tempos disponíveis, isto é, quando não tenha doentes para triar, de modo que estando aquela ocupada a prestar essa colaboração, caso chegue um doente para triar, cabe ao colega enfermeiro que naquele concreto momento esteja disponível, no impedimento da arguida K…, efectuar a triagem desse doente, tendo sido precisamente isso que aconteceu em relação à triagem efectuada ao falecido P…, em que no impedimento da enfermeira de triagem (a arguida K…), coube à testemunha Q…, então disponível, efectuar essa concreta triagem.
A matéria da alínea BQ), a respectiva prova fundamentou-se no teor dos documentos juntos aos autos a fls. 1204 a 1214, o qual corrobora a matéria dada como provada.
Conclui-se pela não prova em como a arguida K…, a partir das 05h20m e até às 07h50m tivesse estado continuadamente ocupada a triar os doentes que, a partir dessa hora, recorreram ao serviço de urgência do estabelecimento hospitalar, uma vez que tendo aquela, nesse período temporal, triado os doentes identificados na alínea BQ), verifica-se que chega a haver vinte minutos entre cada triagem.
A matéria da alínea BR), a respectiva prova assentou nas declarações prestadas pelos arguidos K… e E… e, bem assim, no depoimento prestado pela testemunha Q…, extraindo-se dos mesmos, os quais são unânimes nesse sentido, que a tarefa de colocar a ficha efectuada na triagem, após a triagem de cada um dos doentes triados, nas duas caixas existentes para o efeito em frente à porta dos consultórios médicos – uma para os amarelos e outra para os laranjas -, incumbia ao auxiliar da enfermeira de triagem e não à última, podendo, contudo, esta, a título excepcional, realizar esta tarefa de motu próprio e não por ser sua incumbência.
A matéria da alínea BS), a respectiva prova assentou nos seguintes fundamentos: o falecido P… foi triado às 04h43m (cfr. fls. 272) e o seu óbito foi declarado às 07h35m (cfr. fls. 3), pelo que analisados os documentos de fls. 1203 a 1246, forçoso é concluir que desde o momento em que P… foi triado, até à hora em que o seu óbito foi declarado, a arguida K… efectuou a triagem de nove (não dez) doentes.
A matéria das alíneas BT), BU) e BW), a respectiva prova ancorou-se nos fundamentos probatórios já acima explanados.
A matéria da alínea BV) fundamentou-se em tudo o quanto já supra se explanou a propósito do período temporal em que decorreram as manobras de reanimação do falecido P… – entre as 07h00m (hora em que foi detectado em paragem cardio-respiratória) e as 07h35m (hora em que foi declarado o óbito – cfr. fls. 3, conjugado com o teor do documento de fls. 1212, o que tudo confirma a matéria dada como provada.
A matéria da alínea BY), a respectiva prova fundamentou-se no teor do ofício de fls. 1203, o que tudo comprova a matéria dada como provada.
A matéria das alíneas BX) a CA), a respectiva prova alicerçou-se nos fundamentos probatórios já acima explanados, conjugados com as regras da experiência comum, o que tudo força a que se conclua pela prova da matéria nos termos dados como provados.
Contudo, deu-se como não provado durante o lapso de tempo referido em BX), P… tivesse também sentido dores na perna, uma vez que não se produziu qualquer prova nesse sentido.
Deu-se como não provado que tivesse sido a espera e a aflição que dela resultou para P… que causou a sua morte, uma vez que não foi a espera, sequer o sofrimento que matou P…, mas sim os seus problemas cardíacos.
A matéria das alíneas CB) a DI), a respectiva prova ancorou-se nos depoimentos prestados por BK…, filha da assistente N… e irmã da demandante O…; BL…, marido da demandante O… e genro da assistente; BM…, irmã da assistente e tia da demandante; BN…, Presidente de Junta da freguesia … há quinze anos, onde residia o falecido P… e respectivo agregado familiar e onde a assistente continuava a viver, residindo o casal a cerca de 50 metros de distância do edifício da sede da Junta de Freguesia; BO…, vizinha do falecido e respectivo agregado familiar há cerca de trinta anos; e por BP…, que foi, desde sempre, vizinho do falecido e seu agregado familiar, além de que trabalhou na mesma empresa em que o falecido trabalhava durante cerca de três/quatro anos, e teor do documento de fls. 617, de cujos depoimentos conjugados com o teor do referido documento (este quanto a O…) resulta comprovada a prova a matéria dada como provada, a qual é de resto também corroborada pelas regras da experiência comum.
Deu-se como não provado que N… e/ou O… tivessem insistido junto dos médicos para atenderem P… e que aquela N… viva do rendimento mínimo atribuído pela Segurança Social, uma vez que a própria N…, sequer O… não confirmam esses factos, os quais não são de resto confirmados por nenhum dos restantes elementos de prova produzidos em audiência de julgamento, sequer pela prova documental junta aos autos.
A idade do falecido P… dada como provada (52 anos) resulta comprovada em face do documento de fls. 40 e do teor do relatório de autópsia junto aos autos a fls. 69 a 77.
Deu-se como não provado que O… fosse economicamente dependente de P… à data do falecimento deste e, bem assim que aquela, então, não trabalhasse uma vez que BL:.., marido de O… e que na altura dos factos estava noivo daquela, referiu que a mesma trabalhava numa fábrica, em …, …, Felgueiras.
As condições pessoais e de vida dadas como provadas em relação aos arguidos B… e E…, a respectiva prova assentaram nas declarações prestadas pelos próprios arguidos.
Já as condições pessoais e de vida dadas como provadas em relação ao arguido H… assentaram no teor dos documentos de fls. 1382 e, bem assim nas declarações prestadas pelos restantes co-arguidos e testemunhas ouvidas em audiência de julgamento, que são todos unânimes em referir que o mesmo é médico de profissão.
Por sua vez, as declarações pessoais e de vida dadas como provadas em relação à arguida K…, a respectiva prova assentou nas declarações prestadas pela própria arguida, conjugadas com os depoimentos prestados por BQ…, BS…, BT…, BU…, AS… e BV…, seus colegas de trabalho, de cujos depoimentos unânimes se extrai que a arguida é enfermeira e continua a trabalhar no Centro Hospitalar …, EPE.
A ausência de antecedentes criminais dos arguidos, a respectiva prova assentou no teor dos respectivos certificados de registo criminal, juntos aos autos a fls. 1434 a 1437.
*
… …. …..
Decisão:
Nesta conformidade, acordam os juízes que compõem este Tribunal Colectivo em julgar a acusação pública parcialmente procedente por provada e, em consequência decidem:
I- absolver:
a- o arguido B…, pela comissão do crime de recusa de médico agravado pelo resultado, previsto e punido pelos artigos 284º e 285º do Código Penal, pelo qual vem pronunciado;
b- o arguido E…, pela comissão do crime de recusa de médico agravado pelo resultado, previsto e punido pelos artigos 284º e 285º do Código Penal, pelo qual vem pronunciado;
c- o arguido H…, pela comissão do crime de recusa de médico agravado pelo resultado, previsto e punido pelos artigos 284º e 285º do Código Penal, pelo qual vem pronunciado; e
d- a arguida K…, pela comissão do crime de recusa de médico agravado pelo resultado, previsto e punido pelos artigos 284º e 285º do Código Penal, pelo qual vem pronunciado;
II- condenar:
1- o arguido E…, pela comissão, em autoria material, de um crime de recusa de médico, previsto e punido pelo artigo 284º do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão, cuja execução lhe é suspensa por igual período de tempo, ficando essa suspensão subordinada à obrigação do arguido de pagar, no prazo de noventa dias, a contar do trânsito em julgado do presente acórdão, a cada uma das demandantes cíveis, N… e O…, metade do valor total que a cada uma delas se lhes arbitra a título de indemnização/compensação, devendo aquele, dentro daquele prazo de noventa dias, comprovar nos autos ter efectuado o referido pagamento, juntando aos mesmos o respectivo recibo de quitação;
2- o arguido H…, pela comissão, em autoria material, de um crime de recusa de médico, previsto e punido pelo artigo 284º do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão, cuja execução lhe é suspensa por igual período de tempo, ficando essa suspensão subordinada à obrigação do arguido de pagar, no prazo de noventa dias, a contar do trânsito em julgado do presente acórdão, a cada uma das demandantes cíveis, N… e O…, metade do valor total que a cada uma delas se lhes arbitra a título de indemnização/compensação, devendo aquele, dentro daquele prazo de noventa dias, comprovar nos autos ter efectuado o referido pagamento, juntando aos mesmos o respectivo recibo de quitação.
Mais acordam em condenar cada um dos arguidos E… e H… no pagamento de cinco UCs de taxa de justiça - arts. 513º e 514º, n.º 1 do Cod. Proc. Penal e 8º, n.º5 do RCCJ e tabela III anexa ao Regulamento.
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Acordam ainda, em julgar o pedido de indemnização cível de fls. 557 a 570 parcialmente procedente por provado e, em consequência, decidem em:
a- absolver os demandados B… e K… do pedido que contra eles vem formulado por N…;
b- condenar solidariamente os demandados E… e H… a pagar à demandante N… a quantia de 2.750,00 (dois mil setecentos e cinquenta) euros, a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pela própria e pelo falecido P… nos termos supra relatados, absolvendo-os do restante pedido.
Custas do pedido de indemnização cível por demandante N… e demandados E… e H… na proporção do respectivo decaimento, fixando-se a taxa de justiça de acordo com o disposto no art. 6º, n.º 1 do RCP e da tabela I-A a ele anexa.
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Mais acordam, em julgar o pedido de indemnização cível de fls. 602 a 615 parcialmente procedente por provado e, em consequência, decidem em:
a- absolver os demandados B… e K… do pedido que contra eles vem formulado por O…;
b- condenar solidariamente os demandados E… e H… a pagar à demandante O… a quantia de 750,00 (setecentos e cinquenta) euros, a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos nos termos supra relatados, absolvendo-os do restante pedido.
Custas do pedido de indemnização cível por demandante O… e demandado E… e H… na proporção do respectivo decaimento, fixando-se a taxa de justiça de acordo com o disposto no art. 6º, n.º 1 do RCP e da tabela I-A a ele anexa.
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Os arguidos E… e H… vieram, em separado, interpor recurso deste acórdão que os condenou, a cada um deles, pela prática de um crime de recusa de médico, p. e p. pelo art. 284° do Cód. Penal, na pena de 1 ano e 8 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com deveres.
Ambos os recursos são restritos à impugnação da decisão proferida quanto à matéria de facto, com a reapreciação da prova gravada, onde pedem a absolvição, sendo certo que a alteração que os recorrentes pretendem da decisão proferida quanto à matéria de direito assenta na alteração da decisão proferida quanto à matéria de facto.
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Assim, o arguido E… impugna os factos dados como provados nos pontos T. W. Y e Z, e o arguido H… impugna os factos dados como provados nos pontos P. S. T.W. Y. Z. BX. BZ e CA, os dois últimos relativos ao pedido de indemnização civil.

Ora, verificamos que os factos que estão em causa são, pois, os factos que se prendem com o elemento subjectivo do crime pelo qual foram os recorrentes condenados, isto é:
- se a vitima P... apresentava "queixas crescentes de fortes dores no peito e dificuldades na respiração, reclamando que fosse atendido por um médico no mais curto espaço de tempo, estado esse que não deixou de ser percepcionado pelo pessoal médico e de enfermagem que circulou ou permaneceu nessa zona, como foi o caso dos arguidos H… e E…" (ponto T);
- se os arguidos, "como poderiam e deveriam, não se deixaram motivar pelo quadro clínico nem pelas queixas de dores crescentes que B… manifestava, que tinham conhecimento e não ignoravam serem susceptíveis de provocar, como provocaram, grave perigo de lesão da integridade física do mesmo" (ponto W);
- se os arguidos "mantiveram-se sempre passivos apesar de terem consciência do grave perigo de lesão da integridade física do doente P…, bem como da necessidade, para a sua remoção de auxílio médico que podiam concretizar, conformando-se com tal perigo e demonstrando uma atitude de indiferença" (ponto Z) e
- se os arguidos "agiram voluntária, livre e conscientemente, sabendo que as suas condutas lhe não eram permitidas por lei (ponto Z).

O arguido H… impugna ainda os factos relativos a não ter diligenciado para que o doente P… fosse atempadamente observado e assistido por um médico, sobretudo por si e pelo arguido E… (ponto P) e que não houvesse número de doentes com prioridade vermelha, laranja e amarela que justificasse demora significativa na sua observação médica (ponto S), que o doente P…, enquanto aguardou por auxílio médico tivesse sofrido de queixas crescentes de fortes dores no peito e dificuldades na respiração (ponto BX) e os factos relativos ao pedido de indemnização civil dados como provados nos pontos BZ e CA.

Assim, o arguido E… alega, em síntese, que teve o último contacto visual, com o doente às 05H 15, por ter entrado na "pausa", que a única prova relativa ao estado do doente na entrada, aquando da triagem é o depoimento da enfermeira Q…, que referiu que o doente não estava com sintomas de privação de respiração ou de "enfarte", que não se pode presumir o agravamento do seu estado de saúde, já que, cerca de uma hora depois da triagem, quando o arguido já tinha iniciado a "pausa", o doente P… foi interpelado pela enfermeira Q…, tendo-lhe referido que não estava pior, que foi dado como não provado que a mulher e a filha do paciente tivessem tido qualquer contacto com o médico, que os factos referidos pela testemunha X… e pela filha ocorreram cerca de uma hora depois do internamento (fls. 40 e 43 da fundamentação), que o doente P… foi triado, às 04h43, com pulseira amarela, que a norma de "Manchester" prevê um período de espera para observação para doentes triados com esta cor e que o arguido se ausentou no máximo dentro de meia hora após o ingresso do mesmo e que, enquanto durou a pausa, ninguém o contactou para vir para a urgência por o serviço se ter complicado, pelo que o Tribunal não podia ter concluído que representou o perigo para a vida do doente, que teve consciência da indispensabilidade de cuidados médicos para a remoção do perigo, que se conformou com esse perigo e que demonstrou uma atitude de indiferença - dolo eventual.

Por seu lado, o arguido H… alega, em suma, que, depois da entrada de P…, entraram e foram atendidos, sucessivamente, três doentes a que foram atribuídos códigos de prioridade "laranja", pelo que não estava em situação de poder ou dever diligenciar o atendimento àquele, com prioridade "amarela", uma vez que se manteve ocupado no atendimento a doentes com prioridade "laranja", que as pausas dos médicos durante o serviço de urgência são necessárias, para evitar riscos para os utentes resultante da diminuição do discernimento face ao trabalho nocturno, que a cor amarela atribuída ao falecido P… aquando da triagem não foi alterada, que, de acordo com a triagem de Manchester, os doentes triados de "código laranja" têm prioridade no atendimento sobre os doentes triados de "código amarelo", que entre as 05H20 e as 06H50 atendeu quatro doentes com código "laranja" e um outro com código "amarelo", revelando assim a prova que esteve a observar outros doentes, aparentemente prioritários sobre o falecido, não se tendo apercebido nem das queixas, nem da gravidade do quadro clínico deste, para os quais também não foi alertado por ninguém, pelo que o Tribunal não podia ter dado como provado que teve consciência dos perigos para a saúde ou para a vida do doente P… e da indispensabilidade da sua actuação, como único meio capaz de eliminar tal perigo, conformando-se com o mesmo, numa atitude de indiferença.
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O MP em 1ª Instância é de parecer que o recurso deve improceder.
Já nesta Relação, a Ex.ma Srª. PGA, é de parecer contrário, isto é, que o recurso deve ser procedente.


Cumpre decidir.
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A questão a decidir em ambos os recursos, repetimos, prende-se com o elemento subjectivo do crime de recusa de médico do art. 2840 do Cód. Penal pelo qual os arguidos foram condenados.
Ora, efectivamente, o dolo pertence à vida interior de cada um, sendo portanto de natureza subjectiva, insusceptível de apreensão directa, pelo que tem de se deduzir dos factos objectivos apurados.
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Vejamos em primeiro lugar o direito aplicável ao caso em análise, não obstante a questão levantada no recurso se ligar directamente á impugnação da matéria de facto, mas esta questão está interligada com aquela.

Assim, atento o disposto no art.º 284º do Código Penal, o médico que recusar o auxílio da sua profissão em caso de perigo para a vida ou de perigo grave para a integridade física de outra pessoa, que não possa ser removido de outra maneira, é punido com pena de prisão até cinco anos.
Este crime é de perigo concreto, quanto ao grau de lesão dos bens jurídicos protegidos – vida e integridade física – e de resultado quanto à forma de consumação do ataque ao objecto da acção.
Ora, a não prestação de cuidados consiste numa omissão, numa recusa de prestar os cuidados médicos indicados, em tempo útil, uma vez conhecida, directa ou indirectamente, a situação de perigo para a vida ou saúde.
Exige-se ainda que o perigo não possa ser removido de outra maneira, sendo a actuação médica, em concreto, o único meio capaz de eliminar esse perigo.
Por outro lado, o tipo legal em análise é doloso, terá de haver o dolo de perigo concreto, ou seja, no caso da recusa de médico, a representação do perigo para a vida ou do perigo de grave lesão da integridade física, a consciência acerca da indispensabilidade e adequação do auxílio médico que o omitente podia ter prestado e a conformação perante tal situação. Se o agente se mantém passivo, apesar de ter consciência do perigo e da imprescindibilidade de auxílio médico, que podia prestar, poderá concluir-se que, no mínimo, se conformou com esse perigo, demonstrando uma atitude de indiferença (dolo eventual).
Ainda a este propósito, refere também Taipa de Carvalho, que as «omissões de auxílio por parte do médico» podem constituir violação de dever de garante (artigo 10.º, n.º 2), violação do dever específico de assistência médica (disposição sob apreço) ou violação do dever geral de auxílio (art.º 200º n.º 1). São susceptíveis de traduzir, pois, «o crime de homicídio ou de ofensas corporais por omissão, o crime de “recusa de médico” ou o crime de “omissão de auxílio”» (Comentário Conimbricence, 1017).
A acção consiste, essencialmente, na «não prestação dos cuidados médicos indicados para o tratamento da situação de perigo para a vida ou para a saúde» (ob. cit., 1018).
Eduardo Correia, na Comissão Revisora, acentuou que «de alguma forma, este tipo de crime significa uma agravação especial da violação do dever de auxílio».
A «não prestação de cuidados» exprime-se sob a forma de recusa, ou seja, «não prestação de médico em tempo útil, uma vez conhecida, directa ou indirectamente, a situação de perigo» (ob. cit., 1019).
A distinção entre recusa de médico e omissão de auxílio (art.º 200º,n.º1) atinge-se através da separação de duas hipóteses paradigmáticas. Na verdade, comete o crime em causa, o médico que «não presta assistência médica imediata e in loco, quando tal assistência é o único meio de impedir a lesão do bem jurídico». E, doutro modo, comete omissão de auxílio, o médico que, não possuindo os conhecimentos especializados, todavia não faça aquilo que é imposto a qualquer pessoa, isto é, quando não promova o socorro necessário.
Para além do dever de garante, repetimos, terá pois, de haver dolo (vimos que basta o dolo eventual) e que, segundo um juízo objectivo prévio, o tratamento, que o médico podia prestar, fosse considerado susceptível de impedir o resultado.
Trata-se, pois, de um crime de dolo específico cuja cominação implica que o agente, tivesse conhecimento do perigo que existia para o doente ou que, pelo menos, representasse a possibilidade de que da sua omissão ou inércia na intervenção pudesse resultar lesão para a integridade física ou para a vida.
Exige-se, portanto, como acima já referimos, o conhecimento da situação de perigo e a vontade de omitir o auxílio necessário, tendo de haver o dolo de perigo concreto – ou seja, no caso da recusa de médico, a representação do perigo para a vida ou do perigo de grave lesão da integridade física, a consciência acerca da indispensabilidade e adequação do auxílio médico que o omitente podia ter prestado e a conformação (atitude de indiferença) perante tal situação (cfr. Teresa Quintela de Brito, “Responsabilidade Penal dos Médicos: Análise dos Principais Tipos Incriminadores”, in RPCC, Ano 12, n.º 3, Julho-Setembro de 2002, p. 39l, e Conceição Ferreira da Cunha, “Algumas considerações sobre a responsabilidade penal médica por omissão”, in Liber Discipulorum para Jorge de Figueiredo Dias, Coimbra, Coimbra Editora, 2003, pág. 846).
Porém, o termo recusar não deve ser tomado no sentido amplo que compreende tanto o negar-se como o protelar, o ficar indiferente. Por isso, recusar significa a não prestação de auxílio médico em tempo útil, uma vez conhecida, directa ou indirectamente, a situação de perigo.
…Têm razão Figueiredo Dias e Sinde Monteiro (Responsabilidade Médica 1984 50 s.), quando observam que, diferentemente do que se passa no actual art. 200°, que consagra um “dever geral de auxílio”, o art. 284° impõe um dever de “prestação de cuidados médicos”. Mas também é correcta a afirmação proferida por Eduardo Correia, durante os trabalhos preparatórios do CP de 1982 (Actas 1979 309): “De alguma forma este tipo de crime significa uma agravação especial da violação do dever de auxílio”, actualmente imposto pelo art. 200°-1(ob. cit., pág. 1018).
Como atrás referimos, o tipo deste ilícito exige “recusa”, conceito este que pressupõe uma não aceitação de um pedido (cf. Leal-Henriques e Simas Santos, Código Penal Anotado, Vol. II, 2.ª Ed., Rei dos Livros, 1996, PÁG. 895), isto é, que alguém tenha conhecimento de um dado quadro clínico, da potencialidade de perigo para a vida, e que se abstenha voluntariamente de prestar o auxílio exigido.
«… Ao invés do que sucede nos restantes crimes de perigo comum, o agente (médico) tem de conhecer as características individualizadoras da pessoa cuja vida ou integridade física corre perigo (daí se justificando a menção neste crime a “outra –pessoa” e não ao pronome indiferenciado “outrem”; precisamente neste sentido, Actas CP/Figueiredo Dias, 1993: 355 e 356)» – anotação 8 ao art.º 284º de Pinto de Albuquerque.
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Visto o direito aplicável, vejamos agora a questão colocada em ambos os recursos.
Ora, os factos objectivos dados como provados consistem em o doente P… ter dado entrada no serviço de urgência do Centro Hospitalar …, onde os arguidos estavam a exercer funções como médicos, estando a seu cargo o atendimento dos doentes com prioridade de Manchester laranja e amarela, e, tendo-lhe sido atribuído, pelas 04H43, o código "amarelo", que aconselhava a observação no espaço de uma hora, ainda não tinha sido observado pelos arguidos, quando, às 07H00, entrou em paragem cardio-respiratória, tendo sido, nessa altura, conduzido para a sala de reanimação, onde foi verificado o óbito pelas 07H35.
Resulta ainda dos factos dados como provados que o arguido H… esteve ausente pelo menos desde as 03H30 até por volta das 05H15 e que, a partir das 05H20, atendeu cinco doentes.
Assim, os factos objectivos dados como provados, donde se pode concluir o elemento subjectivo do tipo do crime de recusa de médico por que os arguidos foram condenados, consistem em estes não terem observado o doente H…, quando a triagem que lhe fora efectuada aconselhava a observação no espaço de uma hora, vindo o doente a entrar em paragem cardio-respirarória, cerca de 2 horas c 20 minutos depois da triagem, sem que tivesse sido atendido, falecendo 35 minutos depois.
Sendo, pois, a conduta dos arguidos passiva, torna-se essencial, para se concluir que actuaram com dolo, saber-se se os mesmos tinham consciência do perigo grave para a integridade física que corria o doente P…, que só poderia ser removido com a prestação de cuidados médicos de imediato.
No acórdão recorrido (fls. 70 e segs.), considerou-se, a este propósito, na fundamentação que:
"As características específicas daquele espaço em que se encontrava o falecido P… aguardando por atendimento médico e do concreto tipo de queixas por ele apresentadas força a que se conclua que os médicos, enfermeiros, pessoal auxiliar e doentes por ali circulavam e permaneciam, como sucedeu com o arguido E… até às 05h15m/05h20m e o arguido H… a partir de cerca das 05h 15m tinham imperiosamente de se aperceber das queixas crescentes de fortes dores de peito e dificuldades na respiração apresentadas pelo falecido B….
De resto, que o arguido E… teve, forçosamente, de ver o falecido P… deitado na maca e de se aperceber daquele seu apurado estado resulta corroborado não só do facto daquele ter confessadamente permanecido nesse concreto serviço de urgências até às 05h15m/05h20m a consultar doentes, como do facto da maca do falecido P… se encontrar estacionada em frente dos dois consultórios médicos onde o primeiro teve de, necessariamente, entrar, sair e permanecer no desempenho do serviço de atendimento aos doentes, como teve forçosamente de circular no corredor na execução desse mesmo serviço. De resto, o arguido E… confessa que antes de entrar em "pausa" viu o falecido P… deitado na maca naquele concreto local onde esta se encontrava estacionada.
Também o arguido H… teve forçosamente de ver o falecido P… deitado naquela maca em que se encontra, e de se aperceber, como se apercebeu, do apurado estado em que se encontrava quando regressada da "pausa", o que aconteceu por volta das 05h15m, permaneceu naquele serviço de urgências no atendimento aos doentes.
Assim entre as 05h/15m e as 07h00m, hora em que foi detectado P… em paragem cardio-respiratória, também o arguido H… teve de entrar, sair e permanecer naqueles consultórios médicos à frente de cuja porta se encontrava estacionada a maca com P… e teve de circular pelo corredor do serviço de urgências, passando junto àquela maca, e, por conseguinte, também ele teve, forçosamente, de ver P… e de se aperceber do seu apurado estado, até porque este estado era de queixas crescentes de fortes dores no peito e dificuldades na respiração, logo algo que não podia passar despercebido, sequer passava, a quem quer que seja, e muito menos a um médico.".

O Tribunal considerou assim que os arguidos se aperceberam do estado clínico do doente P…, dado este apresentar queixas crescentes de fortes dores de peito e dificuldades na respiração e estar deitado numa maca que se encontrava em frente dos dois consultórios médicos, tendo concluído que o arguido E… teve, forçosamente, de ver o falecido P… e de se aperceber do seu estado, dado ter estado, até às 05H15/05H20, a consultar doentes, tendo o mesmo confessado que o viu, deitado na maca, antes de entrar em "pausa", e que o arguido H… teve forçosamente de ver o falecido P… deitado na maca e de se aperceber do seu estado a partir das 05H15, hora em que regressou da "pausa", e até às 07H00, hora em que este último foi detectado em paragem cardio-respiratória e aquele esteve no atendimento de doentes, entrando e saindo dos consultórios médicos.
Relativamente à percepção que o arguido E… terá tido do estado clínico do falecido P… e da necessidade de lhe serem prestados cuidados médicos de imediato para remover o perigo grave para a integridade física que o mesmo corria, temos de considerar que:
O doente P… foi triado com o código amarelo às 04H43, pelo que tinham decorrido cerca de 32/37 minutos quando, às 05H15/05H20, o arguido E… saiu para a "pausa".
Ora, conforme refere o recorrente, a enfermeira Q… interpelou este doente cerca de uma hora depois de este ter sido triado, portanto, cerca das 05H43, referindo no seu depoimento que o estado do mesmo não se tinha agravado, razão porque não foi efectuada uma nova triagem.
De facto, a testemunha Q…, referiu, a este propósito:
«…o doente disse-me, verbalizou-me que em casa tinha tido parestesia, câimbras muito fortes nos membros inferiores, em ambas as pernas, que tinham sido umas câimbras muito, muito fortes e que com essas câimbras o senhor iniciou um esforço bocal, que gritou porque era uma dor, uma dor não, umas câimbras muito fortes que ao gritar, ao fazer esse esforço bocal, iniciou uma dor torácica intensa, no domicílio, quando chegou ao hospital essa dor era muito ligeira, não era comparável com a dor que teve em casa. E foi isso que ele me relatou directamente, a mim, não relatado por outras pessoas». Depoimento gravado em CD entre o registo 14:33:38 e 16:30:32 em 09-10-2012, Ficheiro 20121009143338 - 131293 _64903, minuto 00h07m40s ao 00h08m26s).
«…eu fui contactar com o doente, ele diz-me que não agravou, portanto a queixa que tinha, o que sente é que quer ser observado como todas as outras pessoas, não foi retriado…» – (Ficheiro 20121009143338_131293_64903, minuto 00h26m48s ao 00h27m02s).

Face a este depoimento, tem de se concluir que o estado de saúde do falecido P… só se terá agravado, pelo menos de forma significativa, depois das 05H43, hora em que foi interpelado pela enfermeira Q…, que efectuara a triagem do mesmo, numa altura em que o arguido E… já se encontrava a descansar.
Os elementos a considerar para o dolo, que resultam da fundamentação do acórdão e da prova produzida, são assim os seguintes:
- O arguido E… nunca contactou directamente com o falecido P…, não o tendo observado;
- Este arguido só viu o mesmo de passagem, quando entrava ou saía do gabinete, sendo que a última vez que o viu foi às 05H15/05H20, quando foi descansar:
- O estado de saúde do doente P… só se terá agravado de forma significativa a partir das 05H43, quando o arguido E… já estava a descansar;
- Depois de o arguido E… ter iniciado a "pausa", ninguém o foi chamar para vir prestar cuidados médicos a este doente:
- Ao falecido P… foi atribuído, pelas 04H43, o código "amarelo", que, de acordo com a triagem de Manchester, aconselha a observação no espaço de uma hora, portanto, até às 05H43:
- O arguido E… entrou de "pausa" pelas 05H15/05H20 e, nessa altura, estavam para ser atendidos, com prioridade sobre o doente P…, a doente W…, triada com prioridade amarela às 04H20 e que só viria a ser atendida às 071147, e o doente Y…, triado, às 05H14, com o código laranja.

Assim, independentemente da maior ou menor censura que possa merecer a atitude do arguido E…, ao ir descansar, quando se encontram doentes na urgência para serem atendidos, o que está em causa nos autos é saber se o arguido teve consciência de que o doente P… (sendo certo que, nos presentes autos apenas está em discussão a omissão de cuidados médicos atempados a este doente) precisava de cuidados médicos imediatos para remover o perigo de grave lesão para a integridade física que corria e que, indo descansar, estes cuidados não lhe iriam ser prestados, em tempo útil, dado o colega que ficava sozinho a assegurar a urgência não ter capacidade para atender todos os doentes que demandavam a mesma.
Ora, a prova produzida não permite a conclusão de que o arguido E…, quando foi descansar, não confiou que o colega não tivesse capacidade para atender o doente P… em tempo útil, uma vez que havia apenas uma doente triada antes dele para ser atendida (não sendo possível concluir-se, nem o Tribunal concluiu, que o arguido também tinha conhecimento da existência do doente Y… para atender com prioridade sobre aquele, atenta a hora de triagem deste - 05H14 e ainda faltava cerca de 23/28 minutos para aquele ser observado no prazo de uma hora aconselhável, atento o código amarelo que havia sido atribuído àquele doente. e que não confiou que. caso a urgência se complicasse e o colega não tivesse capacidade para atender atempadamente todos os doentes. o mandasse chamar.
Com efeito, como se refere no acórdão, a fls. 76 e seg ., ao arguido H… "impunha-se-lhe, conforme foi atestado pelos arguidos B… e E…, mas também pelas testemunhas AQ…, que é também ele médico, ter chamado o arguido E…, designadamente, por telefone ou dando ordens para que alguém, designadamente, o pessoal auxiliar, o fossem chamar a fim de atender os doentes à espera do atendimento, já que ele arguido H… não estava a dar conta da totalidade do serviço com que se estava a ver confrontado no serviço de urgências.".
Ora, se era este o procedimento habitual, como, aliás, considerou o Tribunal, impõe-se concluir-se que o arguido E…, ao ter ido descansar, confiou que, caso o serviço de urgência se complicasse e o arguido H… não conseguisse observar todos os doentes, nomeadamente o doente P…, em tempo útil, o mandaria chamar.
Nestes termos, a prova produzida em audiência de julgamento não permite a conclusão a que o Tribunal chegou de que o arguido E…, quando entrou de "pausa", representou o grave perigo de lesão da integridade física que corria o doente P… (dado o estado clínico deste só se ter agravado de forma significativa quando aquele já se encontrava a descansar) e que, indo descansar, os cuidados médicos necessários para remover este perigo não lhe seriam prestados (dado só haver uma doente para atender com prioridade sobre o mesmo).
Não tendo, por outro lado, este arguido, quando se encontrava na "pausa", sido chamado para regressar à urgência, como, aliás, se reconhece no acórdão, o Tribunal incorreu, efectivamente, em erro de julgamento, ao concluir que o arguido E… tinha conhecimento do quadro clínico do doente P…, susceptível de provocar grave perigo de lesão da integridade física do mesmo, e que se manteve passivo, apesar de ter consciência deste perigo e da necessidade, para a sua remoção, de auxílio médico que podia concretizar.

Quanto à actuação do arguido H…, há que referir o seguinte:
Este arguido teve conhecimento, pelas 05H15, quando regressou da "pausa", de que o doente P… se encontrava por atender, desde as 04H43, hora em que foi triado com o código" amarelo".
A partir das 05H20 e até às 07H00, conforme resulta da matéria dada como provada, o arguido H… atendeu três doentes que foram triados depois de P…, mas que haviam sido avaliados com código laranja, na Triagem de "Manchester", tendo prioridade no atendimento, um outro doente também triado depois de P… com código amarelo e um outro doente, que já tinha sido atendido, mas que estava sob vigilância e que teve uma crise convulsiva, num total de cinco doentes.
É certo que o arguido H…, conforme se refere no acórdão, sabia que o doente P… devia ser observado no prazo de uma hora, uma vez que lhe fora atribuído o código amarelo, pelo que, decorrido esse período de tempo, não lhe sendo possível atender o mesmo, dado, entretanto, terem chegado à urgência outros doentes, que foram triados com a cor laranja, tendo prioridade de atendimento sobre aquele, devia ter mandado chamar o colega E…, que tinha ido descansar.
No entanto, o juízo de censura que se possa fazer sobre a sua conduta, sendo certo que é chocante que o falecido P… tenha estado no serviço de urgência 2 horas e 20 minutos à espera de ser atendido, até que entrou em paragem cardio-respiratória, vindo a falecer, não permite concluir, a nosso ver, como concluiu o Tribunal, que o mesmo agiu voluntaria, livre e conscientemente, sabendo que só com o auxílio médico que o próprio ou o colega E… prestassem é que o perigo de grave lesão para a integridade física do doente P… seria removido e se tenha abstido de o prestar ou de diligenciar para que o colega o prestasse.
É que, para se chegar a esta conclusão, teria de se fazer prova de que, no caso concreto, no caso do doente P…, que é o único que está em discussão nos presentes autos, o arguido teve consciência de que a situação clínica do mesmo não permitia que aguardasse, como aguardou, que lhe fossem prestados os cuidados médicos de que necessitava.
Ora, conforme se reconhece no acórdão, nem a família do doente P…, nem o pessoal de enfermagem contactaram o arguido H…, dando-lhe conhecimento da gravidade da situação clínica daquele e da necessidade de cuidados médicos imediatos.
O Tribunal concluiu, contudo, que o arguido H… se apercebeu da premência dos cuidados médicos a prestar a este doente, porque o mesmo estava numa maca que se encontrava à porta dos gabinetes médicos e o arguido esteve no atendimento de doentes, entrando e saindo destes gabinetes.
Se é certo que o arguido podia ter visto o doente deitado na maca, quando entrou no gabinete, às 05h15, ou quando saía e voltava a entrar, no decurso do atendimento médico, não se vê, contudo, como é que podia se ter apercebido que o mesmo corria grave perigo na sua integridade física, que só podia ser removido com cuidados médicos imediatos, sem ter falado com ele e quando esteve absorvido no atendimento de outros doentes com situações complicadas, conforme resulta da matéria de facto dada como provada.
Por outro lado, conforme referiu o médico AQ…, director do serviço de urgência, "Qualquer médico ou enfermeiro que se tivesse apercebido que aquilo era um ataque cardíaco tinha prestado assistência".
Assim, face às regras da experiência comum, só se pode concluir que o arguido H…, que esteve, durante todo aquele tempo, a atender outros doentes que se encontravam na urgência, se não observou o doente P…, nem mandou chamar o arguido E…, que se encontrava a descansar, para o atender, é porque não se apercebeu da premência dos cuidados médicos de este doente necessitava.
É certo que sobre o arguido recaía a obrigação de prestar ou de diligenciar para que fossem prestados ao doente P… cuidados médicos no prazo de uma hora, face à cor amarela que lhe fora atribuída na triagem.
Mas do facto de o arguido não o ter feito, não se pode concluir, sem mais, que tenha previsto o perigo de grave lesão para a integridade física que o doente P… corria e que só a prestação de cuidados médicos naquele prazo podia remover e que se tenha conformado com o mesmo, tal como foi dado provado.

Por isso, nenhuma das provas alcançadas nos autos autoriza a conclusão segura de que os Recorrentes percepcionaram um quadro clínico de queixas de dores crescentes por parte de P… e que se tenham mantido sempre passivos, apesar de terem consciência do grave perigo de lesão da integridade física do mesmo doente e da indispensabilidade das suas actuações, como único meio capaz de eliminar tal perigo, conformando-se com tal perigo, numa atitude de indiferença.
O médico H… esteve a observar outros doentes, aparentemente prioritários sobre o falecido, não se tendo apercebido nem das queixas, nem da gravidade do quadro clínico deste, para o qual também não foi alertado por ninguém.
Como disse o Director do Serviço de Urgência, Dr. AQ…, na escala de prioridades da triagem de Manchester, a gravidade das queixas associadas ao código amarelo é relativamente baixa, não sendo, portanto, previsível, sem mais, que as queixas alegadamente apresentadas pelo doente em causa fossem determinantes de perigo grave para a sua integridade física e, menos ainda, perigo para a sua vida.
Assim, nenhum médico, enfermeiro ou auxiliar de serviço àquela data, se recorda de o ofendido ter apresentado agravamento das suas queixas ou ter dado conhecimento desse agravamento, nem lida a prova recolhida dos autos não ressalta nenhum elemento que permita concluir que o ofendido tenha dado mostras de agravamento dos sintomas, de modo a que, directa ou indirectamente, fosse levado ao conhecimento dos Recorrentes, que o mesmo se encontrava em perigo de lesão para a integridade física ou para a própria vida, nem foi provado qualquer contacto directo entre P… e qualquer dos arguidos, pelo menos até ao momento em que aquele entrou em paragem cardio – respiratória.
Por isso, a prova produzida na audiência de julgamento, conjugada com as regras da experiência comum, não permite que sejam dados como provados os factos que constam dos pontos T.W. Y e Z. tendo o Tribunal incorrido, efectivamente, em erro de julgamento.

Assim sendo, é forçoso que os factos dados como provados nos pontos T,W,Y e Z devem passar a constar da matéria dada como não provada.
Estes factos, antes incluídos na matéria dada como provada, passam, pois, a constar da matéria dada como não provada.

Na matéria de facto dada como não provada, são aditados os seguintes factos:
Não se provou que:
… ……
66- O doente P…, durante todo o período em que permaneceu deitado na maca no corredor junto dos gabinetes dos médicos e da enfermagem, apresentou queixas crescentes de fortes dores no peito e dificuldades na respiração, reclamando que fosse atendido por um médico no mais curto espaço de tempo, estado esse que não deixou de ser percepcionado pelo pessoal médico e de enfermagem que circulou ou permaneceu nessa zona, como foi o caso dos arguidos H… e E… como até de doentes, como foi o caso de X….
67- Os arguidos H… e E…, como poderiam e deveriam, não se deixaram motivar pelo quadro clínico nem pelas queixas de dores crescentes que P… manifestava, que tinham conhecimento e não ignoravam serem susceptíveis de provocar, como provocaram, grave perigo de lesão da integridade física do mesmo, sobre eles incumbindo o dever de implementar observação médica célere, único meio capaz de eliminar tal perigo.
68 - Os arguidos H… e E… mantiveram-se sempre passivos apesar de terem consciência do grave perigo de lesão da integridade física do doente P…, bem como da necessidade, para a sua remoção, de auxílio médico que podiam concretizar, conformando-se com tal perigo e demonstrando uma atitude de indiferença, sendo certo que eram capazes e dispunham das condições necessárias para actuar de acordo com as leges artis a que estavam vinculados.
69 - Os arguidos H… e E… agiram voluntária, livre e conscientemente, sabendo que as suas condutas lhes não eram permitidas por lei.
70 - Todos os demais factos que estejam em oposição ou contradição com os acima descritos.
**
dos pontos T.W. Y e Z. tendo o Tribunal incorrido, efectivamente, em erro de julgamento.

Assim sendo, é forçoso que os factos dados como provados nos pontos T,W,Y e Z devem passar a constar da matéria dada como não provada.
Estes factos, antes incluídos na matéria dada como provada, passam, pois, a constar da matéria dada como não provada.

Na matéria de facto dada como não provada, são aditados os seguintes factos:
Não se provou que:
… ……
66- O doente P…, durante todo o período em que permaneceu deitado na maca no corredor junto dos gabinetes dos médicos e da enfermagem, apresentou queixas crescentes de fortes dores no peito e dificuldades na respiração, reclamando que fosse atendido por um médico no mais curto espaço de tempo, estado esse que não deixou de ser percepcionado pelo pessoal médico e de enfermagem que circulou ou permaneceu nessa zona, como foi o caso dos arguidos H… e E… como até de doentes, como foi o caso de X….
67- Os arguidos H… e E…, como poderiam e deveriam, não se deixaram motivar pelo quadro clínico nem pelas queixas de dores crescentes que P… manifestava, que tinham conhecimento e não ignoravam serem susceptíveis de provocar, como provocaram, grave perigo de lesão da integridade física do mesmo, sobre eles incumbindo o dever de implementar observação médica célere, único meio capaz de eliminar tal perigo.
68 - Os arguidos H… e E… mantiveram-se sempre passivos apesar de terem consciência do grave perigo de lesão da integridade física do doente P…, bem como da necessidade, para a sua remoção, de auxílio médico que podiam concretizar, conformando-se com tal perigo e demonstrando uma atitude de indiferença, sendo certo que eram capazes e dispunham das condições necessárias para actuar de acordo com as leges artis a que estavam vinculados.
69 - Os arguidos H… e E… agiram voluntária, livre e conscientemente, sabendo que as suas condutas lhes não eram permitidas por lei.
70 - Todos os demais factos que estejam em oposição ou contradição com os acima descritos.
**
Ora, atenta a matéria agora dada como não provada, conclui-se que, afastado o dolo e porque o ilícito em questão é essencialmente doloso, não se pode manter a condenação dos arguidos em termos criminais.

Soçobrando a condenação penal, há que observar o disposto no nº 3 do art. 403º do C.P.P., norma que impõe que, nos casos em que o recurso tenha como objecto apenas uma parte da decisão, se retirem da sua procedência as consequências legalmente impostas relativamente a toda a decisão recorrida. Em concreto, há que verificar se se deve ou não manter a condenação dos arguidos/demandados em termos civis.
E a resposta não pode deixar de ser negativa porque os factos que subsistem como provados não bastam para lhes imputar, nem mesmo a título de negligência, a prática de uma conduta violadora de direitos do lesado.
Ou seja, não se mostram preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil por actos ilícitos e, nessa medida, também a condenação em indemnização não se pode manter.
De todo o modo, não tendo ficado provados os factos constitutivos da causa de pedir do pedido de indemnização, a indemnização também não poderia ter lugar por factos diferentes dos imputados (cfr. Ac. STJ n.º 7/99 e 20/4/2005, CJ, Acs. do STJ, XIII,2, pág. 181).
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Pelo exposto, julgam-se procedentes os recursos interpostos pelos arguidos, pelo que se revoga a decisão proferida e, consequentemente, se absolvem os arguidos do crime pelo qual foram condenados e respectivo pedido cível.

Sem custas

Porto, 10-7-2013
Pedro Álvaro de Sousa Donas Botto Fernando
Maria Leonor de Campos Vasconcelos Esteves