Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
627/14.3GBILH.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ÉLIA SÃO PEDRO
Descritores: CRIME DE INJÚRIA
QUEIXA
ASSISTENTE
DECLARAÇÃO
Nº do Documento: RP20180221627/14.3GBILH.P1
Data do Acordão: 02/21/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIMENTO PARCIAL
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º7/2018, FLS.112-121)
Área Temática: .
Sumário: I - Na apresentação de queixa por crime particular, é obrigatória, nos termos do artº 264º4 CPP a declaração do denunciante de que pretende constituir-se assistente.
II - Apresentada denuncia por escrito subscrita pelo denunciante, pelo crime do artº 181º CP, sem conter a declaração de que pretende constituir-se assistente, a mesma não se mostra validamente efectuada.
III - Tal falta não pode ser suprida decorrido o prazo para o exercício do direito de queixa.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso Penal 627/14.3GBILH.P1
Acordam na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto
1. Relatório
1.1. O Ministério Público junto da Comarca de Aveiro, Ílhavo, Instância Local, Secção de Competência Genérica, J1, deduziu acusação para julgamento em processo comum e perante tribunal singular contra B…, devidamente identificada nos autos, imputando-lhe a prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143º nº 1 do Código Penal e de um crime de dano, p. e p. pelo art. 212º nº 1 do Código Penal.
1.2. A assistente C… deduziu acusação particular contra a mesma arguida, a qual foi acompanhada pelo Ministério Público, imputando-lhe a prática de um crime de injúria, p. e p. pelo art. 181º nº 1 do Código Penal.
1.3. A assistente/demandante C… deduziu ainda pedido de indemnização civil contra a arguida, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de€84,00, a título de danos patrimoniais, e a quantia de €1.850,00, a título de danos não patrimoniais, quantias acrescidas de juros de mora vencidos e vincendos (cfr. fls. 113 e ss.).
1.4. O Centro Hospitalar D…, E.P.E. deduziu pedido de indemnização civil contra a arguida, peticionando a sua condenação no pagamento da quantia de €94,41, acrescida de juros legais (cfr. fls. 117 e ss.).
1.5. Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, tendo a final sido proferida sentença (em 21-12-2016) com a seguinte decisão (transcrição):
“ (…)
Face ao exposto, julga-se a acusação pública e a acusação particular procedentes, por provadas e em consequência, o tribunal decide:
- Condenar a arguida B… pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo art. 143.º n.º1 do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa;
- Condenar a arguida B… pela prática de um crime de dano, previsto e punido pelo art. 212º n.º1 do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa;
- Condenar a arguida B… pela prática de um crime de injúria, previsto e punido pelo art. 181.º n.º1 do Código Penal, na pena de 40 (quarenta) dias de multa;
- Em cúmulo jurídico, condenar a arguida B… na pena única de 100 (cem) dias de multa à taxa diária de 12,00€ (doze euros), o que perfaz o montante global de 1.200,00 (mil e duzentos euros);
- Condenar a demandada B… no pagamento ao demandante Centro Hospitalar D…, E.P.E da quantia de 94,41€ (noventa e quatro euros e quarenta e um cêntimos), acrescida de juros de mora desde a data da notificação do pedido de indemnização civil à arguida, à taxa de 4%, até efectivo e integral pagamento.
- Condenar a demandada B… no pagamento à demandante C… da quantia de 984,00€ (novecentos e oitenta e quatro euros), acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% (cfr. Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril), desde a data da notificação do pedido de indemnização civil à arguida até efectivo e integral pagamento sobre o valor de 94,00€ (oitenta e quatro euros) e de juros de mora à taxa legal de 4% (cfr. Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril), desde a data da presente decisão (cfr. Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º4/2002, de 09/05/2002) até efectivo e integral pagamento sobre o valor de 900,00€ (novecentos euros), absolvendo-se do demais peticionado.
Custas na parte criminal pela arguida, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC’s – cfr. art. 513.º n.º3 e 515.º n.º 1 alínea a) do C.P.P. e art. 8.º n.º5 do R.C.P., por referência à Tabela III anexa àquele diploma.
Custas na parte cível na proporção do respectivo decaimento (cfr. art. 527.º n.º1 e 2 do C.P.C. ex vi art. 523.º do C.P.P.).
Após trânsito em julgado, remeta boletins ao registo criminal.
Notifique.
1.6. Posteriormente, em 13-01.2017, foi proferido o seguinte despacho:
“ (…)
Analisando o requerimento apresentado, constata-se que, efectivamente, a sentença padece de lapso relativamente à condenação da arguida e assistente em custas quanto ao pedido de indemnização civil. Nessa medida e ao abrigo do disposto no art. 380º, n.º 1, al. b) do CPP, reformula-se a decisão proferida quanto a custas na parte cível, da mesma fazendo constar o seguinte: “Sem custas na parte civil, atento o disposto no art. 4º,n.º 1, al. n) do RCP”. Rectifique em conformidade. Notifique.
1.7 Inconformada com a sentença condenatória, cuja motivação aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais, a arguida recorreu para esta Relação, suscitando, em resumo, as seguintes questões: (i) inexistência de queixa pelos factos por que foi condenada e qualificados como ofensa à integridade física simples e injúria; (ii) impugnação da matéria de facto e (iii) de direito, designadamente quanto à medida da pena/quantitativo diário da multa (que considera exagerado).
1.8. Responderam o MP e assistente, pugnando (ambos) pela improcedência do recurso e manutenção integral da sentença recorrida.
1.9 Posteriormente à resposta, a assistente requereu ainda a correcção de um lapso de escrita da sentença, sobre o qual recaiu (em 22-05-2017) o seguinte despacho:
“ (…)
Veio a assistente requerer a rectificação de lapso de escrita no facto provado n.º1 da sentença proferida nos autos no que respeita ao ano da ocorrência dos factos em julgamento.
Ora, analisados os autos, constata-se que, efectivamente, a sentença padece de lapso na identificação da data em que os factos ocorreram no que respeita ao ano, lapso esse de que padecia a acusação, de que foi dado conta em audiência de julgamento mas que, por falha de que nos penitenciamos, não foi rectificado na sentença proferida.
Efectivamente, resulta de todos os elementos constantes dos autos e da própria motivação da resposta à matéria de facto constante da sentença que os factos em julgamento tiveram lugar no dia 20/10/2014 e não em 20/10/2015.
Segundo o art. 380.º n.º1 alínea b) do Código de Processo Penal que o Tribunal procede, oficiosamente ou a requerimento, à correcção da sentença quando esta contiver erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial.
Ora, no caso dos autos, trata-se de manifesto lapso de escrita que não influi na decisão da causa (tanto mais que, como se referiu, resultou da própria defesa apresentada pela arguida em audiência de julgamento), havendo que fazer corresponder a factualidade provada à motivação da resposta à matéria de facto, sem que tal correcção importe uma modificação essencial da decisão nos termos e para os efeitos do disposto no art. 380.º n.º1 alínea b) do Código Penal.
Ademais, uma vez que o recurso interposto ainda não subiu, não é aplicável o n.º2 do art. 380.º do C.P.P.
Face ao exposto, determina-se a rectificação da sentença de fls. 241 e ss. dos autos quanto ao facto provado n.º1, do mesmo fazendo constar o ano de “2014” onde se lê “2015”.
Notifique.
Rectifique em local próprio”.
1.10. Notificada desse despacho, a arguida invocou a nulidade do mesmo (fls. 404/9) e dele recorreu ainda para este Tribunal da Relação.
1.11. Por despacho de fls. 436/40 (de 28-09-2017) foi julgada improcedente a arguida nulidade e admitido o recurso interposto do despacho proferido em 22-05-2017.
1.12 O MP respondeu a este recurso (fls. 446/450), pugnando pela sua improcedência e manutenção do despacho recorrido (que procedeu à rectificação da sentença).
1.13 Do despacho proferido em 28.09.2017 (fls. 436/40), julgando improcedente a arguida nulidade, não foi interposto recurso.
1.14. Remetido o processo a esta Relação, o Ex.º Procurador-geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1.15. Deu-se cumprimento ao disposto no art. 417º, 2 do CPP.
1.16. Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência.
2. Fundamentação
2.1. Matéria de facto
A sentença recorrida deu como assente a seguinte matéria de facto:
Factos provados
Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos com relevância para a decisão a proferir:
1. No dia 20 de Abril de 2014, pelas 16h00m, na Av. …, …, freguesia da …, concelho de Ílhavo e na sequência de uma troca de palavras entre ambas, a arguida deitou as mãos à cara da assistente C…, com o que a arranhou na face esquerda, arrancou-lhe os óculos de sol que ela trazia e quebrou-os.
2. Com as suas condutas, causou a arguida à assistente escoriações na hemiface esquerda e deu causa a que os óculos de sol, sua pertença, ficassem imprestáveis para o fim a que se destinavam e que ela sofresse um prejuízo no valor de 84,00€.
3. A arguida estava ciente de que ao lançar as mãos à cara da assistente podia atingi-la na face, mas, apesar disso saber e de saber que a podia molestar no seu corpo e saúde e causar-lhe aquelas lesões corporais, não se absteve de assim actuar, conformando-se com essa possibilidade e agiu com o propósito concretizado de quebrar os óculos de sol daquela, bem sabendo que estes não lhe pertenciam e que agia contra a vontade e em prejuízo da sua dona.
4. Actuou livre, voluntária, conscientemente e sabedora de que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
5. Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, a arguida, dirigindo-se à assistente, sua irmã e à sua mãe, proferiu, em voz alta e para todas estas ouvirem, a seguinte expressão “são todas umas putas.”
6. A assistente, tal como a mãe e a irmã, acompanhava o irmão E…, que tinha ido entregar à arguida as três filhas que têm em comum.
7. A arguida agiu de forma livre, voluntária e consciente, com o intuito de atentar contra a honra e consideração da assistente, o que conseguiu, bem sabendo que as expressões que lhe dirigiu eram um meio idóneo e adequado à concretização desse intento e que a sua conduta era proibida e punida por lei.
8. A arguida foi casada com o irmão da assistente sendo que, após a separação do casal, as relações da arguida com a família daquele são tensas.
9. A assistente ficou surpreendida com o comportamento da arguida, sentindo-se injustiçada e humilhada, sendo que, em consequência da conduta da arguida, a assistente chorou, ficou triste e angustiada por ter tido de passar por tal situação.
10. Na segunda-feira seguinte e durante o resto da semana, a assistente sentiu-se envergonhada por diversas pessoas lhe questionarem a razão das suas escoriações na face ou simplesmente as observarem, mormente no consultório onde exercia a sua actividade de médica dentista.
11. A arguida é médica dermatologista, auferindo vencimento mensal de cerca de 1.200,00€ e ainda a quantia de cerca de 3.000,00€ do exercício da sua actividade no seu consultório; habita em casa própria, suportando prestação bancária de crédito à habitação no valor de 1.300,00€ por mês; vive com as suas três filhas menores, de 6 e 11 anos de idade; como habilitações literárias tem a licenciatura em Medicina.
12. A arguida manifestou intenção de pedir desculpa à assistente pelo ocorrido com os seus óculos de sol e ainda para a ressarcir do correspondente prejuízo.
13. A arguida não tem antecedentes criminais.
Factos não provados
Com relevância para a decisão da causa, inexistem factos não provados.
Motivação
O tribunal valorou a globalidade da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, conjugada com os elementos probatórios já constantes dos autos, tudo ao abrigo do princípio da livre valoração da prova previsto no art. 127º do C.P.P.
Desde logo, a arguida B… prestou declarações, dizendo que, no dia em causa, Domingo de Páscoa do ano de 2014, o seu ex-marido lhe foi entregar as três filhas que têm em comum, acompanhado pela sua mãe e pelas suas duas irmãs. Mais afirmou que, quando interpelou o ex-marido para falar sobre o regime de visitas das filhas à quarta-feira, o mesmo recusou-se a falar consigo, dizendo que lhe enviasse um e-mail.
Assim, porque insistiu com o mesmo, aquele entrou para a sua viatura automóvel e, com a porta, entalou o braço da sua mãe que, entretanto se tinha aproximado. Nesse momento, disse a arguida que foi surpreendida pela assistente C… a agarrar-lhe o braço, puxando, enquanto lhe dizia para deixar o seu irmão em paz.
Segundo a arguida, para se libertar, fez um movimento de rotação do braço para trás, ficando com a sua mão entre o rosto da assistente e a haste dos óculos de sol que aquela trazia, os quais se partiram, ficando apenas com a haste na mão. Disse, desta forma, que efectivamente partiu os óculos de sol mas de forma inadvertida, não tendo atingido a assistente no rosto, tanto mais que a mesma não apresentava qualquer escoriação. Neste tocante, disse não ter explicação para as escoriações que a mesma apresentava nesse mesmo dia quando recebeu assistência hospitalar, dizendo que muita coisa pode ter acontecido entre o momento em que estes factos ocorreram e a hora de entrada no hospital. Ademais, negou ter insultado a assistente ou qualquer outra pessoa naquelas mesmas circunstâncias de tempo e lugar.
Já a assistente C… relatou que acompanhou o seu irmão naquele dia porquanto tinham já ocorrido incidentes aquando da entrega das suas sobrinhas à arguida. Disse então que, quando a arguida se abeirou do carro do arguido para insistir que aquele falasse consigo sobre a questão das quartas-feiras e também sobre um atraso na entrega das meninas, abriu a porta do condutor, pelo que a assistente se colocou no meio de ambos e, sem lhe tocar, disse para deixar o seu irmão em paz.
De seguida, porque a arguida lhe disse que a culpa de tudo o que se estava a passar era sua, respondeu-lhe que, se o seu irmão estava mais feliz, então ficava contente. Relatou então a assistente que a arguida lançou as duas mãos à sua cara, arranhando-a e arrancando os seus óculos de sol do rosto, partindo-os com ambas as mãos. Referiu ainda a assistente que a arguida, voltando-se para si e para a sua mãe e sua irmã F…, disse “são todas umas putas”. Segundo a assistente, os pais da arguida não estavam no local senão já depois do sucedido, levando a arguida e as sobrinhas dali.
Ora, se por um lado a versão apresentada pela arguida foi corroborada pela testemunha G…, sua mãe, a versão dos factos relatada pela assistente foi corroborada pelas testemunhas E…, seu irmão, H…, sua mãe, e F…, sua irmã, todos indiscutivelmente presentes no local.
E, quanto à dinâmica dos factos, adiantamos desde já que nos parece que todos os intervenientes em julgamento apenas relataram uma parte dos mesmos, omitindo ou descrevendo parcialmente acontecimentos que pudessem ser desfavoráveis a si ou aos seus familiares (o que não significa que o relatado não corresponda, efectivamente, à verdade).
Desde logo, quanto ao descrito pela arguida, cumpre referir que, em nosso entendimento, não se mostra credível, por si só, que tenha feito um tal movimento com o braço quando se sentiu agarrada pela assistente. Como resulta das regras da experiência, a reacção normal a um puxão do braço é efectuar um movimento em sentido inverso – no caso, para a frente – e não no mesmo sentido em que o braço está a ser agarrado e puxado. Para além do exposto, também não vemos como tal movimento poderia atingir a assistente e partir os óculos de sol que a mesma trazia postos da forma como a arguida descreveu, designadamente ficando com a mão entre o rosto e os óculos de sol da ofendida, ficando com a haste na mão, o que nos parece inverosímil.
Mais consentânea com as regras da experiência e com os depoimentos prestados em audiência de julgamento é a versão da assistente. Com efeito, é indiscutível que as relações entre as duas famílias se deterioraram de forma acentuada depois do divórcio da arguida e da testemunha E….
Assim, mostra-se verosímil que a arguida, quando confrontada com algum regozijo por parte da assistente em ter contribuído para tal situação, tenha actuado de forma impulsiva, atingindo-a na cara com as mãos. Isso mesmo foi descrito, de forma que nos pareceu sincera e objectiva, pela testemunha F…, mostra-se consentâneo com o relato feito pelas testemunhas E… e H… (que disseram que apenas viram a arguida e a assistente muito próximas e envolvidas, não tendo visto a agressão, mas que constataram as lesões no rosto que a assistente de imediato apresentou) e também com os elementos clínicos juntos ao processo dos quais resultam que a assistente efectivamente apresentava, naquela data, escoriações na face. E, note-se, não se mostra de forma alguma credível – como foi sugerido pela arguida – que tivesse sido a própria a infligir tais agressões com o propósito pensado de incriminar a arguida, tanto mais que as restantes testemunhas da acusação disseram que viram logo tais escoriações na face da assistente.
De igual forma, foi coerente o relato feito pela testemunha H… que disse ter visto a arguida a partir os óculos de sol da assistente, o que fez de forma intencional e no contexto de discussão e exaltação que então decorria, sendo que a testemunha F…, não tendo visto tal facto, disse ter reparado que os óculos estavam no chão e que se encontravam partidos.
Por fim, no que concerne às palavras proferidas pela arguida, foi relevante o depoimento das testemunhas H… e F… que corroboraram as declarações da assistente, afirmando que ouviram a expressão em causa, interpretando-a como sendo dirigida a todas as familiares do ex-marido da arguida ali presentes. De referir que as testemunhas E…, H… e F… relataram os factos que observaram e percepcionaram do seu ponto de vista, o que nos pareceu sincero e espontâneo, apenas referindo os factos que efectivamente presenciaram e explicando, de forma que nos pareceu coerente, o motivo pelo qual não assistiram à totalidade dos factos. Por conseguinte, foram dados como provados os factos descritos em ambas as acusações deduzidas contra a arguida. Note-se que a tal conclusão não obsta o depoimento da testemunha G… que, a nosso ver, também mereceu credibilidade. Porém, esta referiu que apenas veio para o exterior da habitação quando ouviu gritos da sua neta mais velha, não tendo assistido à totalidade do ocorrido naquela data.
Ademais, referiu que ficou sempre próxima da sua neta, não tendo atentado em toda a dinâmica dos factos, pelo que viu a sua filha ser agarrada pela assistente e, de seguida, com os braços no ar no que lhe pareceu estar em desequilíbrio. Disse ainda que não a viu partir os óculos mas que a viu com uma haste dos mesmos na mão, não sabendo explicar como tal sucedeu. Negou ainda a testemunha G… que a filha tenha insultado qualquer dos presentes. Ora, não obstante este depoimento, tal não significa que tais factos não tenham ocorrido. Encontrando-se a testemunha preocupada com as netas – que se encontravam a chorar – e com o seu marido – que, segundo confirmou, se encontrava ferido – não atentou a mesma, como referiu, em todos os factos, podendo a arguida ter procedido da forma descrita pela assistente sem que a sua mãe se tenha apercebido. Aliás, é nossa convicção de que tal sucedeu, tanto mais que, como referimos, cremos que a dinâmica dos factos terá sido mais complexa do que aquela que resulta da factualidade provada. Porém, em face do que foi a prova produzida em audiência de julgamento, outra conclusão não podemos extrair que não a prova da factualidade que à arguida vinha imputada.
Relativamente aos factos atinentes à consciência e vontade da arguida em praticar tais factos, os mesmos resultaram da conjugação das próprias condutas da arguida em causa nos autos com as regras da experiência comum.
No que concerne aos danos alegados pelo Centro Hospitalar demandante, o tribunal valorou as declarações da assistente – que confirmou a assistência médica recebida na sequência destes factos – conjugadas com os elementos clínicos a fls. 8 e 9 do apenso e com a factura e nota de débito de fls. 121 e 122.
Para prova dos danos sofridos pela demandante civil, foram relevantes as suas declarações, concatenadas com os documentos de fls. 7 a 9 do apenso e com depoimento prestado pelas testemunhas E…, H… e F…, o que permitiu ao tribunal formar a convicção dos danos pela mesma sofridos, quer no que diz respeito aos óculos de sol, quer ainda quanto ao seu estado de espírito naquele dia e nos que se seguiram.
Quanto às condições socioeconómicas da arguida, o tribunal valorou as suas declarações que reputou como sérias e, consequentemente, credíveis.
Foi ainda valorado o certificado de registo criminal da arguida quanto à ausência de antecedentes criminais.”
2.2. Matéria de Direito
2.2.1. Objecto do recurso: questões a decidir.
Tendo em conta as vicissitudes ocorridas posteriormente à prolação da sentença e devidamente reportadas no relatório deste acórdão (pontos 1.6 e seguintes), verifica-se que a arguida recorreu (i) da decisão final e (ii) do despacho que procedeu à rectificação da sentença, corrigindo o “lapso de escrita” constante do facto provado sob o n.º 1 (”do mesmo fazendo constar o ano de “2014” onde se lê “2015”).
Relativamente a este despacho - proferido em 22-05-2017 e que procedeu à rectificação da sentença, corrigindo o “lapso de escrita” constante do facto provado sob o n.º 1 - a arguida recorreu do mesmo e arguiu também a sua nulidade.
Essa arguição de nulidade foi julgada improcedente, por despacho proferido em 28-09-2017 (fls.436/440) do qual não foi interposto recurso. Daí que se coloque desde já a questão de saber se, tendo transitado em julgado o despacho que desatendeu a arguição de uma nulidade, essa mesma nulidade ainda pode ser objecto de recurso.
A nosso ver, a questão está definitivamente decidida: caso julgado formal.
Com efeito, o trânsito em julgado do despacho que entendeu não ter sido cometida qualquer nulidade sobrepõe-se a qualquer outro que mais tarde venha a formar-se sobre a mesma questão, tendo em conta o disposto no art. 625º, 2 e 3 do CPC, segundo o qual “havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar”; regime (este) aplicável a questões que “versem sobre a mesma questão concreta da relação processual”.
Assim, a questão da rectificação da sentença - decidida pelo despacho que corrigiu o “lapso de escrita” constante do facto provado sob o n.º 1, ”do mesmo fazendo constar o ano de “2014” onde se lê “2015” e que a arguida pretendia pôr em crise com o recurso dele interposto - está já decidida com força de caso julgado formal do despacho que entendeu não ter sido cometida qualquer nulidade (despacho de 28.09.2017, a fls. 436/440 dos autos). Nestes termos, o recurso desse despacho (de 22.05.2017) deve ser rejeitado, por ser manifestamente improcedente- art. 420º, 1, a) do CPP.
Impõe-se, deste modo, apreciar apenas o recurso da sentença final.
2.2.2. Recurso da sentença condenatória
A arguida insurge-se contra a sentença final condenatória, por entender que (i) não foi apresentada queixa pelos factos por que foi condenada e qualificados como ofensa à integridade física simples e dano; (ii) não foi apresentada queixa, nem deduzida acusação particular, pelos factos por que foi condenada e qualificados como injúria; (iii) a matéria de facto (provada) foi incorrectamente julgada e (iv) a medida da pena de multa e o respectivo montante diário são exagerados.
Vejamos cada uma das questões suscitadas.
2.2.1. Queixa pelos factos por que foi condenada, qualificados como crime de ofensa à integridade física simples e dano.
Entende a arguida que não foi apresentada queixa, nos termos legais. A motivação apresentada a este respeito não é nada clara, pelo que apreciaremos a questão em termos objectivos, isto é, tendo em conta os factos imputados à arguida, a queixa apresentada pela denunciante e a decisão condenatória.
Decorre dos autos que os factos aqui reportados - e qualificados como ofensa à integridade física simples e dano- ocorreram em 20-04-2014 (facto provado em 1, após correcção da sentença e tal como constava da acusação) e a queixa foi apresentada em 20 de Outubro de 2014, ou seja, seis meses depois da respectiva ocorrência.
Como se decidiu no Acórdão para Fixação de Jurisprudência nº. 4/2012, publicado no DR 98, I Série, de 21-05-2012, “o prazo de seis meses para o exercício do direito de queixa, nos termos do art. 115º, n.º 1 do C.P, termina às 24 horas do dia que corresponda, no 6º mês seguinte, ao dia em que o titular desse direito tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores; mas, se nesse último mês não existir o dia correspondente, o prazo finda às 24 horas do último dia desse mês”.
Do exposto resulta que o prazo de 6 meses para o exercício do direito de queixa previsto no art. 115º, 1 do C.P terminava, no presente caso, às 24 horas do dia 20 de Outubro de 2014, pelo que a queixa apresentada nesse mesmo dia foi-o dentro do prazo legal, ou seja, tempestivamente.
É pois elementar que a arguida não tem aqui qualquer razão, pois foi apresentada tempestivamente queixa relativamente aos crimes semipúblicos por que foi condenada, isto é, relativamente ao crime de dano (art. 212º, 3 do CP) e ao crime de ofensa à integridade física simples (art. 143º, 2 do CP).
2.2.2. Queixa pelos factos por que foi condenada, relativos ao crime de injúria
Neste segmento, a arguida/recorrente sustenta que a denunciante de um crime relativamente ao qual a lei exige acusação particular (crimes particulares) deve, logo na denúncia, declarar que pretende constituir-se assistente, nos termos do art. 246º, 4, do CPP. Só assim não será nos casos em que a denúncia for feita verbalmente, situação que não ocorreu neste processo.
Vejamos.
O art. 264º, 4 do CPP tem a seguinte redacção:
O denunciante pode declarar, na denúncia, que deseja constituir-se assistente. Tratando-se de crime cujo procedimento depende de acusação particular, a declaração é obrigatória, devendo, neste caso, a autoridade judiciária ou o órgão de polícia criminal a quem a denúncia for feita verbalmente advertir o denunciante da obrigatoriedade de constituição de assistente e dos procedimentos a observar”.
Do referido preceito resulta que, relativamente aos crimes particulares - como é o caso do crime de injúria, previsto no art. 188º, 1 do CP -, o denunciante tem o dever de, logo na denúncia, declarar que pretende constituir-se assistente.
Com efeito, no referido preceito legal estão previstas duas realidades, consoante se trate de crime semi-público ou particular: (i) no primeiro caso, o denunciante pode declarar, na denúncia, que deseja constituir-se assistente; (ii) no segundo caso, isto é, tratando-se de crime particular (cujo procedimento depende de acusação particular) essa declaração é obrigatória; se a denúncia for feita verbalmente, a autoridade judiciária (ou o órgão de polícia criminal) deve advertir o denunciante da obrigatoriedade de constituição de assistente e dos procedimentos a observar.
Ou seja, relativamente à declaração do denunciante de que pretende constituir-se assistente, a lei faz uma divisão: se o crime for semipúblico, essa declaração é facultativa; se o crime for particular, essa declaração é obrigatória. Quanto à advertência ao denunciante da obrigatoriedade de constituição de assistente e dos procedimentos a observar, a lei impõe que a mesma seja feita apenas nos casos de denúncia verbal. Por isso, nos casos em que denúncia não é verbal, o denunciante não é advertido da obrigatoriedade de constituição de assistente e respectivos procedimentos.
Assim (e contrariamente ao que sustenta o MP na resposta ao recurso), a expressão “… pode declarar …” (conferindo ao denunciante uma possibilidade e não um dever ou ónus processual) não é aplicável aos crimes particulares. Nestes crimes, a lei diz que “ (…) a declaração é obrigatória (…) ” e, como sustenta a recorrente, tendo a denúncia sido apresentada por escrito, não existia o dever legal de advertência (da denunciante) da obrigatoriedade da constituição de assistente.
Deste modo, tem razão a arguida quando alega que, relativamente ao crime de injúria, p. e p. pelo art. 181º do C.P, de natureza particular, atento o disposto no art. 188º do mesmo Código, a queixa não continha um dos requisitos legalmente exigidos: a declaração da denunciante de que pretendia constituir-se assistente. Com efeito, lendo a denúncia apresentada pela denunciante e subscrita por si e pelo seu mandatário, constatamos que dela não consta essa declaração. Assim sendo, a referida denúncia, de 20.10.2014, não foi validamente efectuada relativamente ao crime de injúria.
Dado que o prazo para o exercício do direito de queixa (6 meses, como acima vimos) terminou precisamente nesse dia 20-10-2014, a declaração posterior da ofendida de que pretendia constituir-se assistente (que regularizaria a queixa, se tivesse sido feita oportunamente) não pode ser admitida, pois quando foi feita o direito de queixa já extava extinto (por ter decorrido o respectivo prazo de caducidade) – art. 115º, n.º 1 do CP.
Em consequência, e por falta de queixa apresentada nos termos legalmente previstos, deve julgar-se extinção do procedimento criminal relativamente ao crime de injúria, p. e p. pelos artigos 181º e 188º do C. Penal, uma vez que, como refere GERMANO MARQUES DA SILVA, Direito Processual Penal, III, Verbo, 2000, pág. 48, “não pode mais instaurar-se procedimento criminal e a consequência é a impunidade do facto”.
2.2.2. Recurso da matéria de facto.
Relativamente à matéria de facto, alega a arguida que os crimes de dano e de ofensa à integridade física simples são “crimes dolosos”, sendo que na motivação de facto não são referidos “factos ou meios de prova” que permitam a conclusão de que a arguida agiu com dolo. Conclui, assim, ser manifesta a insuficiência da motivação de facto quanto à verificação dos pressupostos do dolo eventual. Considera ainda existir uma contradição entre a motivação e os factos provados na sentença, uma vez que, “embora explicitando-se na doutra sentença recorrida motivação conducente à existência de dolo directo, mas concluindo-se pela verificação do dolo eventual, (…) se acentua aquela insuficiência e contradição da douta motivação”. Considera, por último, que a sentença recorrida é nula, “porque ininteligível”, por não ser possível descortinar e compreender o percurso mental que determinou a matéria de facto provada, nos termos dos artigos 379º,1 al. a) e 374º,2 do CPP.
Ainda no âmbito do recurso da matéria de facto, alega a arguida que os documentos de folhas 7 a 9 não demonstram nada e que os documentos de fls. 121 e 122 foram emitidos muito depois da ocorrência que reportam e que, relativamente às testemunhas E…, H… e F…, a sentença não refere minimamente o que afirmaram, nem as razões do merecimento dos seus depoimentos, nessa parte. Entende ainda ser excessiva a quantia de €900,00, arbitrada a título de indemnização por danos não patrimoniais, devendo a mesma ser reduzida para o montante de €300,00.
Vejamos as questões suscitadas.
(i) Condenação no Pedido de indemnização civil irrecorribilidade
Começamos por este aspecto da impugnação de facto, em que a arguida se insurge contra a prova de alguns factos relativos ao pedido de indemnização civil (conclusões XL a XLVI), precisamente porque a parte da sentença relativa ao pedido cível não é recorrível.
Com efeito, nos termos do n.º 2 do art. 400º, do CPP “ (…) o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada”.
O valor da alçada do tribunal recorrido é de €5.000,00 – art. 44º, 1, da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto – e a demandante foi condenada a pagar à demandante a quantia de €984,00 euros (cfr. fls. 259).
Uma vez que o despacho que admitiu o recurso não vincula o tribunal “ad quem” – art. 414º, n.º 3 do CPP, rejeita-se o recurso, nesta parte, nos termos dos artigos 417º, 6, a) e 420º, 1, b) do CPP.
(ii) Recurso da matéria de facto – elemento subjectivo das incriminações (dolo)
Insurge-se a arguida quanto à matéria de facto relativa ao elemento subjectivo dos crimes de dano e ofensa à integridade física simples por que foi condenada.
A motivação do recurso e respectivas conclusões não são muito claras, pelo que apreciaremos as questões colocadas tendo em conta os factos da acusação, da sentença e respectiva motivação.
Vejamos então.
A acusação imputou à arguida a prática de factos subsumíveis no crime de ofensa à integridade física, a título de dolo eventual, e a prática de factos relativos ao dano, a título de dolo directo – cfr. fls. 99.
A sentença recorrida deu como provada (no ponto 3 matéria de facto) a factualidade recortada em termos idênticos aos que constavam da acusação. Ao enquadrar juridicamente os factos referentes à ofensa à integridade física, a sentença disse que “mais resultou provado que a arguida agiu de forma voluntária e intencional, com dolo (art. 14º do C.P) ” – cf. fls. 246.
Ora, o artigo 14º do CP prevê efectivamente o dolo, em qualquer uma das suas modalidades, pelo que não existe qualquer contradição. A arguida não tem assim razão neste ponto, uma vez que a mesma foi acusada e condenada com base nos mesmos factos, os quais foram correctamente subsumidos no âmbito do dolo eventual, relativamente ao crime de ofensa à integridade física simples.
Quanto ao crime de dano, a arguida foi acusada de ter agido com dolo directo, factualidade que veio a provar-se e foi subsumida juridicamente como tal (cfr. fls 250).
Deste modo e como resulta do exposto, não existe qualquer contradição.
Ainda quanto ao elemento subjectivo das incriminações em causa - dano e ofensa à integridade física -, a arguida também não tem razão quando imputa à sentença recorrida o vício de falta de fundamentação ou fundamentação insuficiente. Os elementos subjectivos do tipo de ilícitos - representação, vontade e consciência da ilicitude - relativos a acções traduzidas em agressão física ou dano resultam sempre do (i) conteúdo exteriorizado dessa mesma acção, (ii) do respectivo contexto e (iii) das regras da experiência comum. Há mesmo situações em que esse elemento subjectivo não pode ser outro. “Deitar as mãos à cara” de alguém traduz claramente a vontade de agredir e o conhecimento (representação) de que isso pode molestar a pessoa e conformar-se com essa possibilidade. Do mesmo modo, “arrancar os óculos de sol” que alguém trazia e quebrá-los, no contexto de uma agressão é, sem qualquer dúvida, a exteriorização de uma intenção de danificar os mesmos óculos, sabendo e querendo fazê-lo.
É assim evidente que, numa situação como a descrita nos factos provados (designadamente em 1), o dolo emerge da simples descrição da conduta tipificada, pelo que não se verifica a alegada falta ou insuficiência de fundamentação.
Por outro lado, as referências feitas pela arguida aos meios de prova produzidos (depoimentos das testemunhas) é manifestamente inconcludente.
Decorre do n.º 3 do art. 412º do CPP que, pretendendo impugnar a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar os concretos meios de prova que impõem decisão diversa da recorrida. Não basta, portanto, apontar e avaliar alguns meios de prova produzidos em audiência de julgamento e interpretá-los de acordo com a conveniência própria do recorrente; é necessário demonstrar que os meios de prova concretamente invocados impõem decisão diversa da recorrida, isto é, mostrar que deles resulta a impossibilidade de formação da convicção do julgador ou, pelo menos, uma convicção formada em violação (ao arrepio) das regras da experiência comum. Com efeito, tendo em conta o disposto no art. 127º do CPP, ou seja, no âmbito da livre apreciação da prova, deve considerar-se válida a convicção formada em audiência de julgamento, sob os princípios da oralidade, imediação e contraditório, desde que a mesma seja possível e plausível e esteja de acordo com os meios de prova invocados (em que assentou) e as regras da experiência comum.
Ora, no presente caso, a convicção do julgador mostra-se exuberantemente fundamentada, nos termos constantes da respectiva motivação de facto. É certo que foram apresentadas duas versões dos factos. No entanto, a sentença referiu esse aspecto sem qualquer ambiguidade, quando disse existirem duas versões, sendo que a versão da arguida foi corroborada pela testemunha G… e a versão da assistente foi corroborada pelas testemunhas E…, H… e F….
Todavia, e perante as duas versões antagónicas, o tribunal entendeu que a versão da arguida “não se mostrava credível”, concluindo ser “verosímil que a arguida quando confrontada com algum regozijo por parte da assistente em ter contribuído para tal situação, tenha actuado de forma impulsiva, atingindo-a na cara com as mãos.”
Esta descrição (adianta a sentença) foi feita pela testemunha F… e é consentânea com o relato das testemunhas E… e H…, dizendo que apenas viram a arguida e assistente muito próximas e envolvidas, “não tendo visto a agressão, mas que constataram as lesões no rosto que a assistente de imediato apresentou” – cfr. fls. 246.
De resto, a sentença explicitou exuberantemente as razões de ter acreditado na versão da assistente, ao referir: “ (…) Assim, mostra-se verosímil que a arguida, quando confrontada com algum regozijo por parte da assistente em ter contribuído para tal situação, tenha actuado de forma impulsiva, atingindo-a na cara com as mãos.
Isso mesmo foi descrito, de forma que nos pareceu sincera e objectiva, pela testemunha F…, mostra-se consentâneo com o relato feito pelas testemunhas E… e H… (que disseram que apenas viram a arguida e a assistente muito próximas e envolvidas, não tendo visto a agressão, mas que constataram as lesões no rosto que a assistente de imediato apresentou) e também com os elementos clínicos juntos ao processo dos quais resultam que a assistente efectivamente apresentava, naquela data, escoriações na face. E, note-se, não se mostra de forma alguma credível – como foi sugerido pela arguida – que tivesse sido a própria a infligir tais agressões com o propósito pensado de incriminar a arguida, tanto mais que as restantes testemunhas da acusação disseram que viram logo tais escoriações na face da assistente.
(…)”.
É deste modo perfeitamente claro que a convicção do julgador é válida e deve manter-se pois, para além da versão da assistente, descrevendo a agressão de que foi vítima, as testemunhas viram o envolvimento de ambas (arguida e assistente) e observaram logo as escoriações na face da assistente, as quais estão objectivamente descritas nos respectivos elementos clínicos juntos ao processo – fls. 8 do apenso: “apresenta escoriações na Hemi-Face Esq.”
Impõe-se assim negar provimento ao recurso, também na parte relativa à impugnação da matéria de facto.
2.2.3. Recurso da matéria de direito: medida da pena.
A arguida foi condenada nos autos, além do mais, na pena única de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de 12,00€ (doze euros), ou seja, no montante global de 1.200,00 (mil e duzentos euros).
Relativamente à medida concreta da pena, a arguida insurge-se contra a decisão recorrida, na parte em que fixou em €12,00 o quantitativo diário da pena de multa. Com efeito, considera tal montante excessivo, defendendo ser mais adequado e justo o montante diário de €8,00, tendo em conta os seus rendimentos e encargos mensais: tem um rendimento global mensal de €4.300,00 euros, paga mensalmente a quantia de €1.300,00 de crédito à habitação e tem a seu cargo três filhos menores.
A nosso ver, a arguida não tem razão.
O montante diário da multa varia entre o mínimo de €5,00 e o máximo €500,00 e é fixada “em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais” - art. 47º, 2 do C.P.
Tendo em conta o critério legal e os factos a este respeito provados, julgamos que a taxa fixada (€12,00) se mostra proporcionada e justa. A arguida (médica) aufere rendimentos mensais muito acima da média e não tem encargos pessoais especialmente pesados. Por outro lado, na fixação da taxa diária da multa deve procurar-se que a mesma represente efectivamente um constrangimento ao condenado, pois trata-se de uma “pena”. Por esse motivo, a mesma deve obrigar o condenado (como diz o MP na resposta, citando um acórdão do TRC) a uma reflexão através do sacrifício, sem todavia colocar o mínimo de subsistência. Ora, perante o rendimento mensal da arguida (4.300,00 euros mensais) verifica-se que a quantia diária fixada (€12,00), representando um encargo de €360,00/mês, não põe claramente em causa o mínimo de subsistência com dignidade.
Daí que também nesta parte o recurso não mereça provimento.
2.3. Conclusão
Em conclusão, impõe-se agora reformular a condenação da arguida (do cúmulo jurídico), tendo em conta que a mesma deve ser absolvida do crime de injúria, por extinção do direito de queixa - art. 115º, n.º 1 do C.P), nos termos acima expostos.
A arguida foi condenada nestes autos nos seguintes termos:
(i) pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo art. 143.º n.º1 do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa;
(ii) pela prática de um crime de dano, previsto e punido pelo art. 212º n.º1 do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa;
(iii) pela prática de um crime de injúria, previsto e punido pelo art. 181.º n.º1 do Código Penal, na pena de 40 (quarenta) dias de multa;
(iv) em cúmulo jurídico, na pena única de 100 (cem) dias de multa à taxa diária de 12,00€ (doze euros), o que perfaz o montante global de 1.200,00 (mil e duzentos euros).
Dado que deve retirar-se a condenação pelo crime de injúria, a moldura abstracta do cúmulo passa a ser de 60 a 120 dias de multa – art. 77º, n.º 2 do C.P.
Assim, face à ilicitude do comportamento (não muito elevada, tendo em conta a agressão e dano provados no ponto 1) e as demais circunstâncias do caso, de onde ressalta integração social e profissional da arguida e a ausência de antecedentes criminais por um lado e, por outro, a ausência de arrependimento, a pena única deverá ser fixada aquém do termo médio, ainda que próxima dele. Nestes termos, consideramos adequada a pena única de 80 dias de multa, à taxa diária fixada na sentença, ou seja, €12,00, o que perfaz o montante global de €960,00.
A absolvição do crime de injúria não obsta à condenação no pedido de indemnização civil pelos danos causados, desde que o respectivo pedido se mostre fundado - art. 377º, 1 do CPP -, isto é, desde que se verifiquem os pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícito.
Ora, a sentença considerou verificados os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos, ou seja, deu como provado que (i) a arguida “dirigiu-se à assistente, sua irmã e à sua mãe” proferindo a seguinte expressão “são todas umas putas”; (ii) agiu com dolo e (iii) daí resultaram danos morais. Nessa parte, a sentença é, como vimos, irrecorrível - art. 400º, 2 do CPP.
A absolvição do crime de injúria ocorreu apenas por falta de queixa, ou melhor, porque a queixa apresentada não continha todos os requisitos legalmente exigidos, sendo que para a condenação civil não é necessário o exercício tempestivo do direito de queixa. A ofensa ao bom-nome está, de resto, expressamente prevista como geradora do direito à indemnização - art. 484º do C. Civil.
Assim, perante a irrecorribilidade da sentença que considerou verificados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual (incluindo neles o facto ilícito em que se traduziu a injúria), a absolvição do crime de injúria, por falta de apresentação de queixa nos termos legalmente exigidos, não se repercute na decisão sobre a condenação no pedido de indemnização civil.
3. Decisão
Face ao exposto, os juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto acordam:
a) Rejeitar, por manifesta improcedência, o recurso do despacho que ordenou a rectificação da sentença recorrida, nos termos acima expostos.
b) Rejeitar o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil, nos termos dos artigos 400º, 2, 417º, 6, a) e 420º, 1, b) do CPP.
c) Julgar parcialmente procedente o recurso da sentença relativo ao crime de injúria p.p. pelos artigos 181º e 188º do C.P e, consequentemente, por falta de queixa apresentada tempestivamente, nos termos legais, julgar extinto o respectivo procedimento criminal e absolver a arguida do referido crime de injúria;
d) Refazer o cúmulo jurídico (tendo em conta a absolvição do crime de injúria) e consequentemente condenar a arguida B… na pena única de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de €12,00 (doze euros), ou seja, na multa global de €960,00 (novecentos e sessenta euros).
e) Manter, em tudo o mais, a sentença recorrida.
Sem custas.

Porto, 21/02/2018
Élia São Pedro
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