Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5480/16.0T8PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PEDRO DAMIÃO E CUNHA
Descritores: PROCEDIMENTO EXTRAJUDICIAL DE REGULARIZAÇÃO DA SITUAÇÃO DE INCUMPRIMENTO (PERSI)
EXCEPÇÃO DILATÓRIA INOMINADA
Nº do Documento: RP202206275480/16.0T8PRT-A.P1
Data do Acordão: 06/27/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O regime do PERSI, previsto no DL nº 227/2012, de 25.10, só se aplica a situações de incumprimento dos contratos de crédito referidos no seu art. 2º, nº 1, destinando-se apenas aos clientes bancários, enquanto consumidores na acepção da Lei de Defesa dos Consumidores, e aos fiadores destes que o requeiram, informados que sejam dessa possibilidade.
II - O legislador quanto aos fiadores (qualidade que aqui assumem os Embargantes/recorrentes), prevê que não basta à instituição de crédito informar os fiadores do incumprimento do devedor principal, e interpelá-los ao cumprimento – que foi o que a Embargada aqui fez – pois que impõe que, com essa interpelação, nos termos do artº 21°, nº 3 do Decreto-Lei nº227/2012, a instituição de crédito esteja obrigada a informar o fiador de que este pode solicitar a sua integração no PERSI, bem como sobre as condições para o seu exercício; e está obrigada a integrar esse fiador no PERSI, caso este o solicite (artº 21°, nº 2, do Decreto-Lei nº 227/2012)
III - A omissão da informação ao fiador de que este pode solicitar a sua integração no PERSI, bem como sobre as condições para o seu exercício, por parte da instituição de crédito e a falta de integração do fiador no PERSI, pela instituição de crédito, quando solicitado por este à instituição de crédito, constituem violação de normas de carácter imperativo, que podem configurar excepções dilatórias atípicas ou inominadas, por falta de pressuposto (antecedente) da instauração da acção.
IV - No caso concreto, incumbia à exequente alegar e provar que, na data em que interpelou os fiadores ao cumprimento das obrigações que sobre eles recaiam (resultantes do “mútuo com hipoteca e fiança”), cumpriu o dever de informar aqueles fiadores de que podiam solicitar a sua integração no PERSI, bem como informar sobre as condições para o seu exercício, pelo que, não tendo cumprido tal dever de informação, deve ser julgada procedente a excepção dilatória inominada de incumprimento das condições de procedibilidade da execução, devendo ser declarada extinta a instância executiva;
V - Neste âmbito, a instituição bancária também não pode prevalecer-se contra os fiadores do vencimento automático antecipado da obrigação garantida nos termos do artigo 91º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas decorrente da insolvência do devedor afiançado (e alegar que, verificando-se uma situação de incumprimento definitivo, se tornava desnecessário o cumprimento do regime do PERSI), justamente porque não diligenciou, como devia, junto dos fiadores, pela sua interpelação, no tempo devido e nos termos do artigo 21º do decreto-lei nº 227/2012 de 25 de Outubro, em ordem a tentar a regularização da situação de mora.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO Nº 5480/16.0T8PRT-A.P1
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Sumário (elaborado pelo Relator- art. 663º, nº 7 do CPC):
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Comarca do Porto - Juízo de Execução do Porto - Juiz 1
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Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto.

I. RELATÓRIO.
Recorrente(s): - AA E BB.
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Recorrido: “Banco 1..., SA”;
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Por apenso à execução movida pela “Banco 1..., SA”, vieram os executados, AA E BB, com os sinais nos autos, apresentar os presentes embargos de executado, pedindo a procedência dos mesmos, por provados, com a consequente extinção da execução, pelos fundamentos constantes da petição de embargos cujo teor se dá aqui por reproduzida.
Mais peticionaram, nessa peça a suspensão desta instancia por causa prejudicial, invocando que os aqui executados deram entrada de uma Petição Inicial de acção ordinária que foi distribuída nesta Comarca – Gondomar - Inst. Local - Secção Cível - J1, Processo: 1525/16.1T8GDM, na qual se discute a extinção do direito de crédito que a exequente se arroga. Que a ser procedente, tal acção, implicará a extinção desse mesmo direito de crédito, e consequentemente a extinção da presente instância.
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Notificado para contestar, a exequente pugna pela improcedência total dos presentes embargos.
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Procedeu-se à realização da audiência prévia, e posteriormente foi proferido despacho saneador, no qual se considerou que a acção invocada pelos embargantes foi decidida por sentença transitada em julgado, e no sentido de que inexistia o direito que estes ali pretendiam ver declarado - do qual o Banco exequente foi absolvido -deixando, assim, de haver fundamento para a apreciação da questão da suspensão da instancia, por inutilidade. Foram afirmados pela positiva os pressupostos processuais, fixado o objecto do litigio e enunciados os temas da prova.
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Posteriormente, e antes da realização da audiência de discussão e de julgamento os aqui embargantes vieram invocar a excepção dilatória do incumprimento do regime previsto no D.L. nº 227/2012, de 25-10 (PERSI), no que a estes tange, à qual a exequente não respondeu.
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Realizou-se a audiência de discussão e de julgamento, com observância do formalismo legal, como da acta emerge.
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De seguida, o tribunal recorrido proferiu a seguinte sentença:
“V – DECISÃO

Pelo exposto, julgo totalmente improcedentes, por não provados, os presentes embargos de executado, em consequência do que determino a prossecução da execução de que estes autos constituem um apenso, devendo observar-se a redução do pedido exequendo, nos moldes supra admitidos. (…)”
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É justamente desta decisão que os Recorrentes vieram interpor o presente Recurso, concluindo as suas alegações da seguinte forma:
“I. A douta sentença deve ser revogada, por violar lei adjectiva e substantiva;
II. O tribunal deu como provados os factos que no conjunto da prova produzida em julgamento, consistente no manancial documental junto à execução e a estes autos.
III. Porém o tribunal a quo quanto ao incumprimento do recurso ao plano de Acção para o Risco de Incumprimento – PARI e PERSI invocado pelos embargantes considerou que relativamente aos mutuários não havia que lançar mão deste procedimento pois que os mesmos se apresentaram à insolvência.
IV. E quanto aos embargantes que agiram como fiadores no contrato exequendo também não se aplica aqueles.
V. Contudo na modesta opinião dos Apelantes, o tribunal a quo labora em erro ao decidir que o regime do PERSI não era aplicável aos fiadores.
VI. Primeiro porque resulta dos autos que a exequente foi informada da invocação do regime de PERSI nos presentes autos e nada disse.
VII. E era ao banco embargado que cabia o ónus de provar que deu cumprimento ao regime do PERSI quanto aos fiadores aqui apelantes.
VIII. O tribunal a quo não pode considerar que os fiadores é que tinham a obrigação de pedir ao embargado a sua inclusão no regime do PERSI.
IX. Pois o decreto-lei nº 227/2012, de 25 de Outubro, como se refere no seu preâmbulo, definiu, além do mais, “um Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), no âmbito do qual as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objectivos e necessidades do consumidor.”
X. Para que os referidos objectivos do legislador se possam vir a concretizar, incumbe às instituições bancárias desencadear oficiosamente junto do cliente bancário o PERSI, devendo também e junto dos fiadores do seu cliente, no prazo de quinze dias após o vencimento da obrigação em mora, informar do atraso no pagamento e dos montantes em dívida (artigo 21º, nº 1, do decreto-lei nº 227/2012 de 25 de Outubro);
XI. Além disso, aquando da interpelação do fiador para o cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito que se encontrem em mora, a instituição de crédito deve informar o fiador da faculdade que lhe assiste de requerer a sua integração no PERSI, bem como sobre as condições para o seu exercício (artigo 21º, nº 3, do decreto-lei nº 227/2017, de 25 de Outubro).
XII. No caso dos autos, o banco não integrou o seu cliente no PERSI, nem informou os fiadores do seu cliente da situação de incumprimento verificado, dos montantes em dívida e da faculdade dos mesmos requererem a sua integração no PERSI, assistindo impávido e sereno à apresentação do seu cliente bancário à insolvência, à declaração de insolvência deste e ao consequente vencimento automático antecipado dos créditos exequendos nos termos do disposto no artigo 91º do CIRE.
XIII. Pelo que, o banco embargado ao não ter observado o disposto no DL 227/2012, de 25 de Outubro, violou uma obrigação legal que constitui uma excepção dilatória inominada, de CONHECIMENTO OFICIOSO - artigo 577.° do CPC, que impede, pois, o prosseguimento dos autos, para efectiva satisfação do crédito do banco exequente.
XIV. Pelo que, deveria o tribunal a quo ter julgada verificada a excepção dilatória inominada e absolvido os Embargantes da instância executiva (artigos 551.°, n.° 1, 576.°, n.°s 2, 577.° e 731.° todos do CPC).
XV. Assim, ocorreu errada interpretação e aplicação do direito em causa;
XVI. Violaram-se assim os corolários dos princípios do dispositivo, da legalidade, da igualdade – art.º 13.º da CRP.
XVII. Sendo que a douta decisão proferida nos autos carece de legalidade, nos termos supra expostos.
XVIII. Pelo que, a sentença recorrida não pode manter-se devendo ser revogada e substituída por outra que proceda a uma correcta apreciação dos factos e do direito aplicável.
XIX. Termos em que, e nos melhores de direito que doutamente serão supridos, deve proceder o recurso dos recorrentes e, consequentemente deve ser alterada a sentença recorrido, tudo como é de direito, o que se requer.
XX. Assim, apodíctico é que a douta sentença recorrida, violou, entre outros, o disposto nos artº 640º e 608.º do CPC e artº 2º do DL 227/2012, de 25 de Outubro e ainda os princípios do dispositivo, da legalidade, da igualdade plasmados no art. 13º da CRP.
Nestes termos, e nos melhores direito que V/Exas. mui doutamente suprirão, deve dar-se provimento ao presente recurso revogando a sentença recorrida, nos termos aqui sobejamente expostos. (…).”
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Foram apresentadas contra-alegações, tendo a recorrida/embargada apresentado as seguintes conclusões:
Conclusões
I. Contrariamente ao propugnado pelo Apelante, a douta decisão a quo não foi proferida em violação do disposto no Decreto-Lei n.º 227/2012 de 25 d Outubro.
II. Aquando da propositura da presente execução, o contrato do qual emerge o crédito exequendo encontrava-se já numa situação de incumprimento definitivo.
III. Disso bem sabendo os Apelantes, sem o poderem ignorar, na medida em que foram interpelados pelo Exequente/ apelado em finais de 2015 para procederem ao pagamento do remanescente do valor em dívida após apreensão e adjudicação do imóvel dos mutuários no respectivo processo de insolvência – vide certidão judicial da sentença da acção declarativa junta a fls. dos autos cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos efeitos legais.
IV. Mais, interpelados para fazerem o referido pagamento, os Apelantes optaram por intentar, contra o ora apelado, acção declarativa que correu termos na Instância Central Cível – Juiz 1, do Porto, sob o n.º 1525/16.1T8GDM com vista a ver declarada a inexistência e inexequibilidade do crédito do ora Apelado.
V. A referida acção declarativa, foi, todavia, julgada totalmente improcedente por sentença, transitada em julgado.
VI. Estava, por conseguinte, o Exequente/Apelado, absolutamente legitimado a propor a presente execução sem integrar os Apelantes no PERSI que, no caso dos fiadores, nunca operaria de forma automática.
VII. Acresce que, ainda que assim não fosse – o que se avança sem conceder - tendo sido interpelados pelo Apelado para pagar, sempre caberia aos Fiadores solicitar a sua integração no PERSI; facto que nunca alegaram e muito menos provaram.
VIII. Muito menos, alegaram e demonstraram, que tendo solicitado tal integração, o banco Apelado não o fez.
IX. É que contrariamente à situação dos mutuários – em que encontrando-se numa situação de mora – a sua integração em PERSI é automática e obrigatória – no caso dos fiadores, esta integração sempre dependeria de prévia solicitação destes.
X. O que, no caso, dos autos, sempre lhes estaria vedado, atenta a manifesta situação de incumprimento definitivo do contrato.
XI. A invocação da excepção dilatória inominada, decorrente de alegada violação pelo Apelado, do disposto no DL 227/2012 de 25 de Outubro, no caso dos Apelantes deve ter-se, inclusivamente, por abusiva.
XII. Andou, por isso, bem o douto Tribunal a quo quando considerou que o Apelado, não tinha que dar cumprimento ao PERSI relativamente aos Apelantes.
XIII. Não padecendo a douta sentença recorrida de qualquer erro de julgamento ou enfermando de qualquer ilegalidade que importe a sua revogação ou substituição.
Termos em que deverá ser negado provimento ao recurso a que ora se responde, com todas as consequências legais. (…)”.
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Cumpridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- FUNDAMENTOS

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
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No seguimento desta orientação, os Recorrentes colocam as seguintes questões que importa apreciar:
- saber se, contrariamente ao decidido, a execução deve ser julgada extinta, por procedência da excepção dilatória inominada – preterição de sujeição do devedor (fiador) ao PERSI – de conhecimento oficioso.
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A) - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

“A – Factos provados
Discutida a causa resultaram provados os seguintes factos:
1. O Banco 1..., SA. sucedeu ao Banco 2..., S.A. na titularidade da(s) obrigação (ões) exequenda(s) e respectivas garantias, por força de deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 3 de Agosto de 2014. (art.º 1.º do requerimento executivo)
2. Foi apresentada à execução de que estes autos constituem um apenso, o documento junto a fls. 5 a 11e 12 a 25 dos mesmos, denominado “MÚTUO COM HIPOTECA E FIANÇA”, celebrado em 30.3.2010 nos termos do qual, para além do mais, o Banco 2..., SA declarou conceder um empréstimo na quantia de € 139.000,00 (cento e trinta e nove mil euros) a CC e DD, que se comprometeram a liquidar em 480 prestações mensais e sucessivas, vencendo-se a primeira no dia 30.4.2010, e as restantes em igual dia dos meses subsequentes, tendo os embargantes outorgado este contrato como “fiadores” – tendo declarado confessar-se e constituir-se solidariamente fiadores e principais pagadores por tudo quanto venha a ser devido ao Banco Credor em consequência deste contrato, com renuncia expressa do beneficio da excussão prévia, (cfr. doc. de fls. 5 a 11 dos autos de execução, cujo teor, no mais, se dá aqui por integralmente reproduzido). (art.º 2.º e 7.º do requerimento executivo, e art.º 7.º e 8.º da petição de embargos)
3. Os mutuários CC e DD foram declarados insolventes em 23.7.2013, por sentença transitada em julgado em 13.8.2013, sendo que para garantia do capital mutuado, respectivos juros e despesas, constituiu(ram) o(s) Mutuário(s) a favor do Exequente, uma hipoteca no valor de 144.500,00 € sobre um prédio urbano, descrito na conservatória do registo predial sob o nº ...- ..., imóvel este de propriedade dos mutuários, CC e de DD, que foi apreendido e vendido no processo de insolvência que correu os seus termos pelo Tribunal Judicial de Gondomar, 3º Juízo Cível de Gondomar, processo nº 2656/13.5TBGDM.(art.º 3.º do requerimento executivo e 9.º da petição de embargos).
4. As últimas prestações pagas pelo(s) Executado(s) foram as vencidas em 30/09/2012, não tendo efectuado o pagamento de qualquer uma das subsequentes. (art.º 4.º do requerimento executivo).
5. Nesse processo, o ora Exequente foi pago de parte do seu crédito, tendo sido o imóvel identificado em 4, adjudicado exequente pelo montante de € 75.000, 07, do qual foi deduzido da quantia de € 15.001,40, correspondente ao deposito efectuado pelo exequente nesses autos da caução de 20%, tendo ainda recebido por conta do crédito exequendo a quantia de € 5.047,70 em rateio final (art.º 5.º do requerimento executivo, art.º 11.º da petição inicial e art.º 4.º, 5.º e 7.º da contestação).
6. Os aqui executados deram entrada de uma Petição Inicial de acção ordinária que foi distribuída nesta Comarca – Inst. Central Cível do Porto- J1, Processo: 1525/16.1T8GDM (art.º 1.º da petição de embargos).
7. Essa acção, em que se apreciava a inexistência, inexigibilidade e inexequibilidade do credito (aqui exequenda) e a verificação do abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium foi julgada improcedente por não provada, e o aqui exequente e ali reu foi absolvido dos pedidos formulados pelos aqui executados e ali AA, nos termos constantes da certidão junta com a contestação como documento n.º 1, fls. 43 a 50 que se dá aqui por integralmente reproduzida. (art.º 10.º da contestação).
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B) - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Em primeiro lugar, importa referir que existe acordo entre as partes quanto ao facto (não enunciado do rol dos considerados provados) de o Embargado não ter informado os recorrentes (fiadores) para beneficiarem do regime do PERSI e do PARI previsto no DL 227/2012 de 25.10.
Nessa medida, deve tal facto considerar-se aditado à matéria de facto considerada provada.
A questão que, de seguida, se coloca, é a de saber se, mesmo assim, se deve manter a apreciação de mérito proferida pela Decisão Recorrida, designadamente na parte em que julgou improcedente a invocação da excepção dilatória inominada, em virtude do alegado incumprimento do regime do PERSI (preterição de sujeição do devedor ao PERSI), com a consequente extinção da instância[1].
O tribunal recorrido afastou tal invocação, com os seguintes fundamentos:
"Resta ainda apreciar a invocada excepção de falta de observância do PERSI, invocada antes da audiência de julgamento.
Em primeiro lugar, analisemos a invocada violação, por parte da exequente, do regime previsto no PERSI.
Note-se que relativamente aos mutuários não havia que lançar mão deste procedimento pois que os mesmos se apresentaram à insolvência.
Assim sendo, está fora do âmbito de aplicação este sistema PERSI relativamente aos mutuários.
Ademais, provou-se que a dívida é certa, líquida e exigível na medida em que se apurou quando se deu o incumprimento dos mutuários, e quais os pagamentos/recebimentos do exequente em sede de insolvência daqueles.
Chegados aqui resta apreciar se há violação do regime legal previsto no citado diploma legal (PERSI), relativamente aos embargantes que agiram como fiadores no contrato exequendo.
A resposta não pode deixar de ser negativa.
Seriam os embargantes, enquanto fiadores, que teriam de alegar e provar nestes autos ter pedido à exequente a sua integração no sistema PERSI, para o efeito previsto no art. 21º desse diploma legal, e que aquela não o teria feito.
Como essa situação não se verificou nos autos pois os embargantes perante a interpelação para pagamento optaram por lançar mão de acção declarativa que correu termos no Instancia Central Cível do Porto, com vista à libertação da sua responsabilidade no âmbito no credito exequendo.
Daqui resulta inexistir qualquer obstáculo legal existe para que a exequente instaure a pertinente execução (vide, entre outros, os Acórdãos da Relação de Évora de 6-10-2016, in CJ, Ano XLI, Tomo IV, pp. 218-222; e de 6-04-2017, este acessível in www.dgsi.pt; e o Acórdão da Relação de Lisboa de 20-03-2014, também acessível in www.dgsi.pt).
Tal não sucederia se, ao invés, a exequente não integrasse o embargante no sistema PERSI (após esta o ter requerido expressamente no prazo legalmente previsto para o efeito) ou se, fazendo-o, instaurasse a execução antes de extinguir tal procedimento extrajudicial.
Nesta senda, resulta dos autos que o banco exequente demonstrou ter diligenciado com respeito pelos ditames da boa fé negocial (vide art. 762º, do CC).
Nesta conformidade, improcede a invocada violação do regime legal relativo ao PERSI, por parte da exequente, relativamente à fiadora (visto que já verificamos que relativamente à mutuária não se aplica tal regime do PERSI).”.
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Insistem os recorrentes que assim não será, argumentando, no essencial, que, contrariamente ao defendido pelo tribunal recorrido, era ao Embargado que incumbia promover o cumprimento do Persi.
Julga-se que, quanto a esta questão, têm razão.
Vejamos, então, o que decorre do invocado regime do PERSI.
O decreto-lei n.º 272/2012, de 25 de Outubro, em vigor desde 1 de Janeiro de 2013, veio obstar que as instituições bancárias confrontadas com situações de mora ou incumprimento relativamente a contratos de crédito pudessem imediatamente recorrer às vias judicias para obterem a satisfação dos seus créditos relativamente aos devedores que possam integrar o conceito de “consumidores”, tal como este é tratado pela Lei de Defesa do Consumidor (Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril), visando, com isso, e através dos mecanismos nele previstos, a protecção dos que, na relação contratual da qual emergiram aqueles contratos, têm uma posição mais enfraquecida e menos protegida.
Desta forma, após a entrada em vigor do referido diploma, as instituições bancárias ficam obrigadas a promover várias diligências relativamente a clientes bancários em mora ou incumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, tendo de integrá-los, obrigatoriamente, no chamado Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) (artigo 12.º e 14º do citado DL nº 272/2012, de 25 de Outubro), “no âmbito do qual devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objectivos e necessidades do consumidor”.
De entre as situações em que a instituição de crédito terá necessariamente de iniciar o PERSI, inclui-se aquele em que “O cliente bancário se encontre em mora relativamente ao cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito e solicite, através de comunicação em suporte duradouro, a sua integração no PERSI”.
Assim, o DL 227/2012 de 25.10 veio determinar - tendo em conta uma especial necessidade de acompanhamento permanente e sistemático da execução dos contratos de crédito, decorrente da actual e progressiva degradação das condições económicas e financeiras - que todas as instituições de crédito criem um Plano de Acção para o Risco de Incumprimento (PARI), definindo procedimentos e medidas de acompanhamento da execução dos contratos de crédito que possibilitem o cumprimento.
Trata-se de um conjunto de medidas e procedimentos destinados a impulsionarem e facilitarem a regularização extrajudicial (evitando o recurso aos tribunais) das situações de incumprimento dos contratos de crédito celebrados pelas instituições de crédito com clientes que se revelem incapazes de cumprir os compromissos financeiros assumidos por factos de natureza diversa, em especial o desemprego e a quebra anómala dos rendimentos auferidos em conexão com as actuais dificuldades económicas, designadamente, através da criação do PERSI (procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento) no âmbito do qual as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do cliente e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objectivos e necessidades daquele.
Impõe a estas instituições, entre outras, a adopção célere de medidas susceptíveis de prevenir o incumprimento. (V, detalhe no artigo 6.º, do Aviso do Banco de Portugal n.º 17/2012 e anexo I) a disponibilizar, aos clientes bancários, informação sobre os procedimentos implementados para a regularização das situações de incumprimento em resultado da aplicação das regras previstas no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro e legislação complementar – dever de informação a todos os clientes bancários que se encontrem em situação de mora no cumprimento dos contratos de crédito (situações de mora anteriores ou posteriores à entrada em vigor da legislação em causa).
Certo é que, no período compreendido, entre a data de integração do cliente no PERSI e a extinção, por qualquer motivo, deste procedimento, as instituições de crédito estão impedidas de:
– Resolver o(s) contrato(s) de crédito com fundamento em incumprimento;
– Intentar acções judiciais tendo em vista a satisfação dos respectivos créditos;
– Ceder a terceiros uma parte ou a totalidade do(s) crédito(s) em causa;
– Transmitir a terceiro a sua posição contratual.
Pelo que, sendo a integração de cliente bancário no PERSI, obrigatória, quando verificados os seus pressupostos, a acção judicial destinada a satisfazer o crédito, só poderá ser intentada pela instituição de crédito contra o cliente bancário, devedor mutuário, após a extinção do PERSI (cfr. art. 18, nº1, al. b) do Decreto-Lei nº 227/2012).
Da mesma forma, sempre que esteja em causa um contrato de crédito no âmbito do Regime Geral que tenha como garantia uma fiança, o fiador deve ser informado do atraso do cumprimento e dos respectivos montantes em dívida. Trata-se apenas e só de um dever de informar o fiador no prazo de 15 dias da mora no cumprimento da obrigação principal (n.º 1 do art.21.º do Regime Geral).
A possibilidade de o fiador ser incluído no PERSI está também prevista (n.º 2 do art. 21.º do Regime Geral). No entanto, os casos em que o fiador poderá ser integrado no PERSI dependerão sempre de duas condições: que este tenha sido interpelado para cumprir a obrigação principal, e que, na sequência daquela interpelação, o fiador tenha solicitado a sua integração no PERSI no prazo de 10 dias a contar da data de interpelação.
No entanto, no momento de interpelação para o cumprimento da obrigação principal, a instituição de crédito tem o dever de informar o fiador da possibilidade de requerer a sua integração no PERSI e das condições em que tem esse direito.
A integração do fiador em PERSI segue procedimento igual para os mutuários com as devidas adaptações.
O PERSI desenvolvido com o fiador deverá ser um procedimento autónomo do que é aplicado ao cliente bancário (mutuário).
Uma vez que é condição de aplicação do PERSI ao fiador, a sua interpelação para cumprir, poderá estar em causa uma de duas realidades: i) já foi dado o benefício da excussão prévia e é vez de o fiador responder pela dívida ou ii) estaremos no caso que será prática recorrente, no âmbito de contratos de crédito desta natureza, em que existe cláusula de renúncia ao benefício da excussão prévia, o que permite à instituição de crédito exigir o cumprimento directamente ao fiador.
Ora, como decorre do exposto, o legislador, prevê ainda, quanto aos fiadores (qualidade que aqui assumem os Embargantes/recorrentes), que “não basta à instituição de crédito informar os fiadores do incumprimento do devedor principal, e interpelá-los ao cumprimento – que foi o que a Embargada aqui fez; com essa interpelação, nos termos do art. 21°, nº 3 do Decreto-Lei nº227/2012, a instituição de crédito está obrigada a informar o fiador de que este pode solicitar a sua integração no PERSI, bem como sobre as condições para o seu exercício; e está obrigada a integrar esse fiador no PERSI, caso este o solicite (artº 21°, nº2, do Decreto-Lei nº 227/2012)
a omissão da informação ao fiador de que este pode solicitar a sua integração no PERSI, bem como sobre as condições para o seu exercício, por parte da instituição de crédito; e
– a falta de integração do fiador no PERSI, pela instituição de crédito, quando solicitado por este à instituição de crédito;
constituem violação de normas de carácter imperativo, que configuram, também, excepções dilatórias atípicas ou inominadas, por falta de pressuposto (antecedente) da instauração da acção”. V. Ac. da RE de 06-10-2016 (proc. 4956/14.8T8ENT-A.E1) - José Tomé de Carvalho).
Nesta conformidade, não podemos acolher a posição do tribunal recorrido, quando, como único fundamento do indeferimento da excepção invocada pelos Embargantes, defende que seriam os embargantes, enquanto fiadores, que teriam de alegar e provar nestes autos ter pedido à exequente a sua integração no sistema PERSI, para o efeito previsto no art. 21º desse diploma legal, e que aquela não o teria feito.
Conforme resulta do exposto, não é assim.
Incumbia, bem pelo contrário, à exequente, na data em que interpelou os fiadores para o cumprimento das obrigações que sobre eles recaiam (resultantes do “MÚTUO COM HIPOTECA E FIANÇA”, celebrado em 30.3.2010), informar aqueles fiadores de que podiam solicitar a sua integração no PERSI, bem como informar sobre as condições para o seu exercício.
Ora, conforme resulta dos autos, a exequente não (alegou nem provou que…) cumpriu este dever de informação, violando o disposto no art. 21°, nº 2, do Decreto-Lei nº 227/2012.
Não tem, pois, razão o tribunal recorrido quando defende que seriam os embargantes, enquanto fiadores, que teriam de alegar e provar nestes autos ter pedido à exequente a sua integração no sistema PERSI, para o efeito previsto no art. 21º desse diploma legal, e que aquela não o teria feito.
Como se referiu, para que assim se pudesse afirmar, teria que estar previamente demonstrado que a exequente, na data em que interpelou os fiadores para o cumprimento, tivesse informado estes de que podiam solicitar a sua integração no PERSI, bem como informar sobre as condições para o seu exercício – incumbindo à exequente o ónus da prova de que cumpriu esse dever de informação.
A consequência da omissão desse dever de informação é aquela que vem sendo afirmada pela Jurisprudência (e que foi peticionada pelos recorrentes) - excepção dilatória atípica ou inominada, por falta de pressuposto (antecedente) da instauração da acção.
A recorrida, no entanto, veio ainda invocar que:
- Aquando da propositura da presente execução, o contrato do qual emerge o crédito exequendo encontrava-se já numa situação de incumprimento definitivo.
- Interpelados para fazerem o referido pagamento, os Apelantes optaram por intentar, contra o ora apelado, acção declarativa que correu termos na Instância Central Cível – Juiz 1, do Porto, sob o n.º 1525/16.1T8GDM com vista a ver declarada a inexistência e inexequibilidade do crédito do ora Apelado, em vez de solicitar a sua integração no PERSI (facto que nunca alegaram e muito menos provaram).
- Estava, por conseguinte, o Exequente/Apelado, absolutamente legitimado a propor a presente execução sem integrar os Apelantes no PERSI que, no caso dos fiadores, nunca operaria de forma automática.
- além de que, no caso, dos autos, sempre lhes estaria vedado, atenta a manifesta situação de incumprimento definitivo do contrato.
*
A questão que se coloca é a de saber se estes argumentos podem obstar à procedência da excepção dilatória inominada invocada pelos recorrentes.
Já vimos que não pode ser reconhecido o argumento de que os recorrentes/fiadores deviam ter solicitado a integração no PERSI quando foram interpelados pela exequente, pois que esta, nesse momento, tinha que ter informado os fiadores de que podiam solicitar a sua integração no PERSI, dever de informação que foi omitido pela exequente.
Nessa medida, sem o cumprimento desse dever de informação, não estavam os recorrentes obrigados a solicitar a integração no Persi, cujo regime não foi sequer “oferecido” aos fiadores.
Nessa sequência, não tendo sido cumprido tal dever de informação, também a instauração da acção declarativa pelos fiadores, com os fundamentos atrás transcritos, não poderá constituir obstáculo à invocação, em sede da acção executiva, da excepção dilatória aqui em discussão.
É que a instauração dessa acção não permite afastar o incumprimento por parte do banco das obrigações legais que lhe estavam cometidas relativamente aos fiadores, tanto mais que se poderá colocar a questão de saber se os aqui embargantes teriam instaurado essa acção, se o Banco tivesse cumprido essa obrigação de informação a que estava vinculado no âmbito do regime do PERSI.
De resto, tal instauração da acção não impede que a excepção dilatória aqui invocada seja conhecida, pois que, como se concluiu no ac. da RL 20.9.2020 (Micaela Sousa), in dgsi.pt “A preterição de sujeição do devedor ao PERSI é de conhecimento oficioso; como tal a sua invocação pela parte, ou a sua apreciação oficiosa, não está sujeita ao prazo concedido para apresentação da defesa, pelo que, atento o estatuído no artigo 573º, n.º 2, in fine do Código de Processo Civil, não está abrangida pelo princípio da preclusão”.
Finalmente, importa verificar se o facto de se verificar uma situação de incumprimento definitivo (desde logo, relativamente ao mutuário), tornava desnecessário o cumprimento do regime do PERSI (o que significa que afinal a exequente não tinha que cumprir o aludido dever de informação aos fiadores – na sequência do qual estes podiam solicitar a sua integração no PERSI -, pois que, segundo alega a exequente, esta integração não é admissível nessas situações de incumprimento definitivo).
A questão já foi abordada no ac. da RP de 26.4.2021 (Carlos Gil), in dgsi.pt (em termos que merecem a nossa integral concordância), tendo aí se concluído que:
“I - A instituição bancária não pode prevalecer-se contra a fiadora do vencimento automático antecipado da obrigação garantida nos termos do artigo 91º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas decorrente da insolvência do devedor afiançado, quando não diligenciou, como devia, junto da fiadora, pela sua interpelação, no tempo devido e nos termos do artigo 21º do decreto-lei nº 227/2012 de 25 de Outubro, em ordem a tentar a regularização da situação de mora.
II - O credor bancário não pode prevalecer-se da sua omissão, ilícita, porque violadora da lei vigente, subtraindo à fiadora soluções menos onerosas para liquidação das responsabilidades garantidas e confrontá-la com a necessidade do pagamento integral da dívida garantida, num prazo muito exíguo.
III - Essa conduta do credor bancário formalmente consistente no exercício de um direito de crédito é atentatória das exigência da boa-fé negocial e integra um exercício abusivo do direito na modalidade do tu quoque, devendo paralisar-se esse exercício abusivo do direito, no caso, não se admitir a invocação da existência de um incumprimento definitivo dos contratos afiançados já que se chegou a tal situação negocial sem que o credor tenha, como devia, desencadeado os mecanismos legais tendentes a permitir a tentativa de regularização do incumprimento verificado junto do seu cliente e bem assim junto da fiadora embargante.
IV - A violação dos deveres legais de tentativa de regularização dos contratos de crédito bancário, tal como se prevê no artigo 18º, nº 1, alínea b), decreto-lei nº 227/2012 de 25 de Outubro, impede o credor bancário de intentar acções judiciais para obter a satisfação do seu crédito, sendo esta previsão legal também aplicável aos fiadores, por força do disposto no nº 5, do artigo 21º do referido diploma legal.
V - Este impedimento legal ao exercício do direito de acção constitui uma verdadeira causa legal de inexigibilidade da obrigação e opera entre a data de integração do cliente bancário ou do fiador no PERSI e a extinção deste procedimento e, por identidade de razão e até por maioria de razão, o regime deve ser o mesmo nos casos em que não chega a ser instaurado PERSI, pois que, a não se entender deste modo, facilmente se frustrariam os propósitos do legislador de sujeitar as instituições bancárias a um dever de tentarem a regularização dos contratos de crédito incumpridos, beneficiando-se as instituições infractoras desse dever legal em confronto com aquelas que dessem início a esse procedimento. (…)”
A fundamentação do Acórdão, que, como referimos, merece a nossa integral concordância, é a seguinte:
Da inaplicabilidade ao caso dos autos do PERSI
O banco recorrente pugna pela revogação da decisão recorrida alegando para tanto, em síntese, que as situações de incumprimento definitivo, como se verifica no caso em apreço, estão excluídas do regime jurídico do PERSI, que, em todo o caso, a declaração de insolvência do mutuário implica a extinção do PERSI e, quando muito, no caso dos autos, a conduta do banco embargado apenas seria passível de ser sancionada a título contra-ordenacional, tal como previsto no artigo 36º, do decreto-lei nº 227/2012, de 25 de Outubro.(…)
O decreto-lei nº 227/2012, de 25 de Outubro, como se refere no seu preâmbulo, definiu, além do mais, “um Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), no âmbito do qual as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objectivos e necessidades do consumidor.”
Porém, para que os referidos objectivos do legislador se possam vir a concretizar, incumbe às instituições bancárias desencadear oficiosamente junto do cliente bancário o PERSI, devendo também e junto dos fiadores do seu cliente, no prazo de quinze dias após o vencimento da obrigação em mora, informar do atraso no pagamento e dos montantes em dívida (artigo 21º, nº 1, do decreto-lei nº 227/2012 de 25 de Outubro); além disso, aquando da interpelação do fiador para o cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito que se encontrem em mora, a instituição de crédito deve informar o fiador da faculdade que lhe assiste de requerer a sua integração no PERSI, bem como sobre as condições para o seu exercício (artigo 21º, nº 3, do decreto-lei nº 227/2017, de 25 de Outubro).
No caso dos autos, que fez o banco embargado?
Nada, rigorosamente nada, já que não integrou o seu cliente no PERSI, nem informou os fiadores do seu cliente da situação de incumprimento verificado, dos montantes em dívida e da faculdade dos mesmos requererem a sua integração no PERSI, assistindo impávido e sereno à apresentação do seu cliente bancário à insolvência, à declaração de insolvência deste e ao consequente vencimento automático antecipado dos créditos exequendos nos termos do disposto no artigo 91º do CIRE, remetendo para uma morada da fiadora que resulta de alguns dos contratos juntos aos autos uma interpelação volvidos mais de dois anos sobre a insolvência do devedor afiançado, informando do incumprimento e insolvência do mutuário, do vencimento da dívida, dos montantes vencidos, concedendo-lhe o prazo de dez dias para proceder ao pagamento.
A questão que se coloca neste momento é a seguinte: pode o embargado prevalecer-se deste vencimento automático antecipado da obrigação garantida quando não diligenciou, como devia, junto da fiadora, pela sua interpelação, no tempo devido e nos termos antes referidos, em ordem a tentar a regularização da situação de mora, confrontando-a com uma situação de vencimento antecipado automático decorrente da insolvência do devedor afiançado?
A nosso ver, o credor bancário não pode prevalecer-se da sua omissão, ilícita, porque violadora da lei vigente, subtraindo à fiadora soluções menos onerosas para liquidação das responsabilidades garantidas e confrontá-la com a necessidade do pagamento integral da dívida garantida, num prazo muito exíguo.
Essa conduta do embargado formalmente consistente no exercício de um direito de crédito é atentatória das exigência da boa-fé negocial e integra um exercício abusivo do direito na modalidade do tu quoque, devendo paralisar-se esse exercício abusivo do direito, no caso, não se admitir a invocação da existência de um incumprimento definitivo dos contratos afiançados, já que se chegou a tal situação negocial sem que o credor tenha, como devia, desencadeado os mecanismos legais tendentes a permitir a tentativa de regularização do incumprimento verificado junto do seu cliente e bem assim junto da fiadora embargante.
A afirmação do embargado de que a declaração de insolvência do mutuário implicou a extinção do PERSI é uma falácia na medida em que não se pode extinguir algo que não existe nem nunca existiu.
De facto, o que resulta do disposto no artigo 17º, nº 1, alínea d), do decreto-lei nº 227/2012, de 25 de Outubro é que o PERSI se extingue com a declaração de insolvência do cliente bancário, ou seja, o PERSI existente extingue-se por força dessa declaração.
Porém, mesmo que o embargado tivesse instaurado um PERSI relativamente ao seu cliente bancário, como devia ter feito, e este viesse a ser declarado insolvente com a consequente extinção desse procedimento, isso não obstava à existência e subsistência de um PERSI que eventualmente tivesse sido instaurado relativamente aos fiadores e a pedido destes (veja-se o nº 4, do artigo 21º do decreto-lei nº 227/2012, de 25 de Outubro).
A violação dos deveres legais de tentativa de regularização dos contratos de crédito bancário, tal como se prevê no artigo 18º, nº 1, alínea b), decreto-lei nº 227/2012 de 25 de Outubro, impede o credor bancário de intentar acções judiciais para obter a satisfação do seu crédito, sendo esta previsão legal também aplicável aos fiadores, por força do disposto no nº 4, do artigo 21º do referido diploma legal.
Este impedimento legal ao exercício do direito de acção constitui uma verdadeira causa legal de inexigibilidade da obrigação e opera entre a data de integração do cliente bancário ou do fiador no PERSI e a extinção deste procedimento.
Porém, que sucede, como se verificou no caso em apreço, quando a instituição bancária de todo se demitiu dos seus deveres legais de regularização dos contratos de crédito bancário, nada diligenciando quer junto do seu cliente bancário, quer junto dos fiadores do mesmo?
A nosso ver, por identidade de razão e até por maioria de razão, o regime deve ser o mesmo que seria aplicável se acaso tivesse sido instaurado o PERSI, pois que, a não se entender deste modo, facilmente se frustrariam os propósitos do legislador de sujeitar as instituições bancárias a um dever de tentarem a regularização dos contratos de crédito incumpridos, beneficiando-se as instituições infractoras desse dever legal. (…)
Por isso, em sede de direito civil, a violação do impedimento legal ao exercício do direito de acção, constitui causa legal de inexigibilidade das obrigações exequendas, patologia de conhecimento oficioso (artigo 578º do Código de Processo Civil) e não suprível no processo judicial indevidamente instaurado (…)”.
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No mesmo sentido se pronunciou o ac. da RL de 4.11.2021 (Teresa Pardal), in dgsi.pt, onde se concluiu o seguinte:
“(…) 2- A arguição pela executada embargante, fiadora da obrigação exequenda, da excepção inominada de omissão de condição de procedibilidade da execução por incumprimento das normas de aplicação do PERSI é de conhecimento oficioso, podendo ser arguida só em sede de recurso, cabendo ao exequente embargado o ónus de alegar e provar que cumpriu as referidas normas.
3- Não provando o exequente embargado ter cumprido as referidas normas, procede a excepção dilatória de omissão de condição de procediblidade da execução, devendo a executada embargante ser absolvida da instância executiva”.
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Na fundamentação do Acórdão refere-se também o seguinte:
“(…) impondo o DL 227/2012, nos seus artigos 12º e seguintes, a obrigação de o mutuante integrar o mutuário no PERSI sempre que este se encontre em situações de mora relativamente às obrigações decorrentes do contrato de crédito, obrigação que se estende ao fiador nas condições específicas enunciadas no artigo 21º e estabelecendo o artigo 18º nº1 deste diploma que, enquanto durar o PERSI, o mutuante não pode resolver o contrato com fundamento no seu incumprimento, nem intentar acção judicial para satisfazer o seu crédito, há que concluir que a imposição de integração do devedor no PERSI quando se verificarem os seus pressupostos legais é uma norma imperativa cujo cumprimento é condição de procedibilidade de acção judicial, nomeadamente da execução e cuja omissão constitui uma excepção dilatória inominada de conhecimento oficioso de acordo com o artigo 578º do CPC.
Sendo a questão de conhecimento oficioso, haverá então que apreciar se no caso dos autos houve omissão desta obrigação pelo mutuante embargado, cabendo-lhe o ónus de provar que a cumpriu e sendo que teve oportunidade de exercer o contraditório mediante a apresentação de contra-alegações, faculdade que não usou, nada tendo respondido à alegação da apelante (cfr. entre outros, acs RC 15/12/2020, p. 19728/19, RL 8/10/2020, p.14235/15, 13/10/2020, p. 15367/17, 21/5/2020, p. 5585/15, todos em www.dgsi.pt).
O DL 227/2012 de 25/10 é aplicável aos contratos de crédito dos autos pois, como resulta dos factos, estes destinaram-se à aquisição de habitação própria permanente do mutuário, incluindo-se nos contratos do âmbito do artigo 2º desde diploma e em que o mutuário é abrangido pela definição de consumidor, nos termos do artigo 3º nº1 a) e c) do mesmo diploma, artigo 2º da Lei 24/96 de 31/7 e 4º nº1 d) do DL 74-a/2017 de 23/6.
É também aplicável o DL 227/2012 aos contratos celebrados antes da sua vigência, mas em que já existia mora à data da sua entrada em vigor, em conformidade com o disposto no seu artigo 39º.
Estando o contrato garantido por fiança, como é o caso, estabelece o artigo 21º do mesmo DL 227/2012, no seu nº1, que a instituição de crédito deve informar o fiador no prazo máximo de 15 dias após o vencimento da obrigação em mora, do atraso do cumprimento do mutuário e, no seu nº2, que a instituição de crédito que interpele o fiador para cumprir as obrigações decorrentes do contrato que estejam em mora está obrigado a iniciar o PERSI com esse fiador, sempre que este o solicite no prazo máximo de 10 dias após a referida interpelação, sendo, nos termos do nº3 do mesmo artigo a instituição de crédito deve informar o fiador da faculdade referida no nº2 e sendo aplicável ao PERSI do fiador, por força do nº4 do mesmo artigo, o disposto no nº4 do artigo 14 e nos artigos 15º a 20º.
Como resulta destas disposições legais, a aplicação do PERSI pressupõe a mora do devedor principal, mas, no caso em apreço, o exequente, no requerimento executivo, limita-se a alegar o incumprimento definitivo e automático por via da declaração da declaração de insolvência do mutuário, o que faz sem discriminar quais as prestações que ainda estão em dívida e quais aquelas a que imputa o pagamento parcial, não indicando se houve mora antes da declaração de insolvência e, nesse caso, em que data.
Porém e conforme já atrás se referiu, cabia ao exequente embargado o ónus de provar que cumpriu as obrigações impostas pelo DL 227/2012, que são condição de procedibilidade da execução, sendo certo que estava sempre obrigado a informar a fiadora da existência de prestações em atraso, caso as houvesse, nos termos do nº1 do artigo 21º do DL 227/2012.
Mas, ao não indicar se houve mora antes da insolvência, nem respondendo à alegação da apelante para esclarecer esta questão, não permitindo sindicar se cumpriu ou não as normas do DL 227/2012, o exequente não cumpre o ónus de demonstrar tal cumprimento.
Conclui-se, portanto, que não está provado o cumprimento da condição de procedibilidade da execução.
A esta conclusão não obsta o facto de a fiadora embargante ter renunciado ao benefício do prazo, pois a imediata exigibilidade de todo o montante em dívida só opera se a instituição de crédito, ora exequente cumpriu as normas do DL 227/2012 e lhe facultou a possibilidade de proceder ao pagamento de prestações atrasadas e de beneficiar das negociações do PERSI e assim evitar o vencimento de toda a dívida, quer por via de incumprimento definitivo do mutuário, quer por via da declaração de insolvência deste (cfr. ac. RP de 26/4/2021, p. 19728/19 em www.dgsi.pt, num caso de vencimento antecipado por via da insolvência do devedor principal).
Procede assim a excepção dilatória inominada de incumprimento das condições de procedibilidade da execução, devendo ser declarada extinta a instância executiva”.
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É a esta mesma conclusão que aqui chegamos[2], devendo, pois, o recurso ser julgado procedente.
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Uma última nota para referir que também não se pode acolher o argumento da recorrida de que os recorrentes estariam a agir em abuso de direito (art. 334º do CC).
O instituto do abuso do direito tem que estar secundado em factos indiciários de má fé ou de contrariedade aos bons costumes ou ao fim económico e social do direito.
Ora, a má fé dos executados, no caso dos autos, não está provada, nem resulta da matéria de facto.
O recurso ao PERSI corresponde ao exercício de um direito que a lei concedeu aos devedores precisamente por entender que os clientes bancários, em dificuldades financeiras para assumirem as suas obrigações, precisam de protecção.
Para além de não estarem verificados os requisitos específicos do instituto do abuso do direito, nas suas várias modalidades, tal como vêm sendo sedimentados pela jurisprudência e pela doutrina, são aqui pertinentes as afirmações de Vaz Serra (“Abuso de direito”, BMJ, n.º 85, pp. 243 e ss.) e de Manuel de Andrade (Teoria Geral das Obrigações, Almedina, Coimbra, 1966, p. 63), que formulavam o abuso do direito através de cláusulas gerais – “clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante” ou “de modo particularmente escandaloso para a consciência jurídica dominante”[3].
Assim, por não estarem verificados os requisitos legais previsto no artigo 334.º do Código Civil, também não podemos acolher este argumento da recorrida.
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III-DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente o recurso, com a consequência se revogar a decisão impugnada, por procedência da excepção dilatória inominada de incumprimento das condições de procedibilidade da execução, devendo ser declarada extinta a instância executiva.
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Custas pela recorrida.
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Notifique.
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Porto, 27 de Junho de 2022
(assinado digitalmente)
Pedro Damião e Cunha
Fátima Andrade
Eugénia Cunha
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[1] Quanto a esta consequência processual, v., entre outros, os acs. da Relação de Lisboa de 7.06.2018, processo n.º 144/13.9TCFUN-A-2 e da Relação de Évora de 6.10.2016, processo n.º 4956/14.8T8ENT-A.E1, disponíveis em www.dgsi.pt
[2] No mesmo sentido, v. o ac. da RP de 7.3.2022 (Miguel Baldaia – também subscrito pelo aqui relator, como 2º Adjunto), disponível em Dgsi.pt. “(…) III - Verificados esses pressupostos, a falta de integração do cliente bancário no PERSI constitui impedimento legal a que a instituição de crédito instaure acção executiva destinada a obter a cobrança coerciva de crédito abrangido por esse regime legal. IV - Sendo a acção executiva intentada com preterição dessa obrigação, estar-se-á perante uma excepção dilatória inominada, a qual é insuprível e de conhecimento oficioso, acarretando a absolvição da instância dos executados”.
[3] V. ac. do STJ de 16.11.2021 (Clara Sottomayor), in dgsi.pt.