Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
19878/22.0T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO VENADE
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RP2024020819878/22.0T8PRT.P1
Data do Acordão: 02/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: É adequado fixar o valor de 9.000 EUR como compensação a lesado a título de danos não patrimoniais que, vítima de acidente de viação, agente da P. S. P., com 40 anos à data do acidente, foi imobilizado e conduzido a hospital, teve de realizar exames e várias sessões de fisioterapia, tendo-lhe sido atribuído, por seguradora, défice funcional permanente de quatro graus, sofreu dores em grau quatro de sete crescentes, sofrendo ainda de dores, as quais o limitam a nível pessoal e profissional.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 19878/22.0T8PRT.P1.

João Venade.
Isabel Silva.
Isoleta Almeida Costa.
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1). Relatório.
AA, residente na rua ..., ..., propôs contra
Gabinete Português da Carta Verde, com sede na Rua ..., Lisboa
Ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum pedindo que o Réu seja condenado a pagar-lhe a quantia global de 37.364,34 EUR, acrescida de juros à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento. Pede ainda que o Réu seja condenado a suportar os custos com eventual intervenção cirúrgica à coluna cervical, e a indemnizá-lo dos danos patrimoniais e não patrimoniais daí advenientes, a liquidar em ulterior incidente.
O sustento de tais pedidos radica em acidente de viação de que foi vítima enquanto conduzia motociclo.
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O Ré contestou, alegando a prescrição e impugnando, por desconhecimento, a dinâmica do acidente.
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Proferiu-se, em sede de audiência prévia, despacho saneador, onde:
. se relegou para sentença o conhecimento da exceção de prescrição;
. se ficou como
. Objeto do litígio - Responsabilidade civil extracontratual decorrente de acidente de viação e
. Temas de prova –
. lesões sofridas pelo Autor;
. danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo Autor.
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Realizou-se audiência de julgamento, proferindo-se sentença onde:
. se concluiu pela improcedência da exceção de prescrição:
. se condenou o Réu a pagar a quantia de 15.000 EUR, acrescida de juros de mora à taxa legal, a contar da decisão e até efetivo e integral pagamento, e 2.364,84 EUR, acrescida de juros de mora desde a citação até integral e efetivo pagamento.
Inconformado, recorre o Autor, formulando as seguintes conclusões:
«1 - Preceitua o art. 496º, n.º1 do CC: ”Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito".
2 - De acordo com o n.º 3 daquele mesmo normativo, "o montante da indemnização será fixado equitativamente, tendo em atenção as circunstâncias referidas no art. 494º".
3 - A gravidade do dano deve aferir-se por um padrão objetivo, e o montante da indemnização deve ser sempre calculado segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado, e às demais circunstâncias do caso (entre as quais se contam, seguramente, as lesões sofridas e os respetivos sofrimentos).
4 - A indemnização não visa propriamente ressarcir, tornar indemne o lesado, mas oferecer-lhe uma compensação que contrabalance o mal sofrido, compensação que deve ser significativa, e não meramente simbólica.
5 - No caso em apreço, o A. sofreu lesões que o obrigaram a frequentar muitas consultas médicas, a realizar exames complementares de diagnóstico, 28 sessões de fisioterapia, durante catorze meses, em que viu todo o seu ritmo de vida diário alterado.
6 - As dores sofridas são quantificáveis no grau 4, numa escala crescente de 0 a 7, ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 4 pontos.
7 - Apesar de clinicamente curado, continua e continuará para o resto da vida a sentir dores na clavícula e na cervical, que o limitam na maioria dos atos da vida diária, incluindo alguns dos mais elementares, como vestir-se e despir-se, ou ter um sono repousante.
8 - São consequências elevadamente extensas, intensas e graves! Não são “coisa pouca”. Pelo que, a título de danos patrimoniais é justa e equitativa a quantia de 13.000€, de acordo com a jurisprudência supra indicada a este propósito.».
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O Réu contra-alegou, pugnando pela manutenção do decidido.
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A questão a decidir é determinar se o valor atribuído a título de danos patrimoniais pode ser elevado de 5.000 para 13.000 EUR (apesar de no recurso se terminar com a referência a danos patrimoniais, pensamos que, por toda a alegação se reportar a danos não patrimoniais, é a estes que o recorrente se reporta).
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2). Fundamentação.
2.1). Foram julgados provados os seguintes factos:
«1. No dia 01-01-2019, cerca das 18H30, no cruzamento formado pelas artérias rua ..., rua ... e rua de ..., Porto, ocorreu um acidente de viação.
2. Nele foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula espanhola … CLH, conduzido e propriedade de BB, que havia transferido a responsabilidade civil emergente de acidentes de viação para companhia de seguros A... (Espanha).
3. E o motociclo de matrícula ..-NZ-.., conduzido e propriedade do Autor.
4. A rua..., no local do acidente, possui três hemifaixas de rodagem, no sentido Norte/sul, sendo as duas mais à esquerda para seguir em frente e entrar na rua de ...; a do lado direito para voltar à direita.
5. A rua ..., no local do acidente, possui duas hemifaixas de rodagem, no sentido Este/Oeste
6. O trânsito é regulado por semáforos.
7. O NZ circulava na rua... na hemifaixa do lado esquerdo, atento o sentido Norte/Sul, com o semáforo a emitir luz verde.
8. Por sua vez, o CLH girava ao seu lado direito, na hemifaixa central.
9. Sem que nada o fizesse prever, o CLH efetuou manobra de mudança de direção à esquerda, cortando e obstruindo a linha de passagem do NZ.
10. Existe um traço continuo no pavimento da rua..., e sinal vertical de sentido proibido na rua ... no sentido Oeste/Este.
11. Em resultado direto desta manobra, o CLH embateu com a frente do lado esquerdo na lateral do lado direito do NZ, arrastando-o para a rua ....
12. Como consequência do acidente o Autor foi transportado para o Hospital de S. João do Porto, imobilizado em plano duro com colar cervical.
13. Apresentava: Dor supra-clavicular esquerda e membro inferior esquerdo; Dor a palpação do acrómio á esquerda; Dor na perna esquerda.
14. Foi observado em Ortopedia, apresentando dor à palpação do quadricípite femoral agravada com flexão sem défices.
15. Realizou RX que não revelou qualquer lesão.
16. Teve alta hospitalar com analgesia em SOS.
17. Como as dores na cervical e clavícula se intensificaram, passou a frequentar a consulta de Ortopedia, com o Dr. CC, que lhe prescreveu a realização de RM da coluna cervical e ecotomografia das partes moles.
18. Na posse daqueles meios complementares de diagnóstico, prescreveu-lhe a realização de fisioterapia.
19. Realizou 9 sessões de fisioterapia.
20. Dado que as dores persistiam, em consulta de Ortopedia no dia 06-09-2019 foi-lhe prescrita a realização de RM cervical e RM do ombro esquerdo.
21. Em 19-09-2019, realizou aquelas ressonâncias magnéticas ao ombro esquerdo e à coluna cervical que evidenciaram luxação acrómio-clavicular de grau I e protusão C5/C6 com radiopatia de C6 esquerda.
22. Esteve sempre de baixa médica até 24-02-2020.
23. Em março e abril de 2022 realizou mais 19 sessões de fisioterapia.
24. Foi reconhecido ao Autor pelos serviços clínicos da B... – companhia de Seguros, S.A. uma IPG de 4 pontos e um quantum doloris de 4/7.
25. À data do acidente o Autor tinha 40 anos de idade.
26. Era e é agente da Polícia de Segurança Pública, auferindo a quantia média mensal líquida de 1.368€.
27. Apesar de clinicamente curado, ficou a padecer de lesões que implicam esforços acrescidos no exercício da sua profissão, bem como em aspetos da sua vivência diária.
28. Quando está de serviço no carro patrulha por mais do que uma hora consecutiva, tem que parar e sair para descansar a coluna.
29. No exercício da sua atividade profissional, quando necessita de usar força muscular, sente dores na clavícula esquerda e na cervical.
30. O Autor mantém cervicalgia e dores na clavícula.
31. Lesões que o limitam a vestir-se e despir-se.
32. Tem dificuldades em dormir com as dores que sente nas partes atingidas.
33. Tinha um quintal em casa, que cultivava com produtos agrícolas para consumo próprio, o que deixou de poder fazer por causa das dores.
34. Deixou de frequentar o ginásio (tapete, bicicleta e pesos) e de fazer corridas, em virtude das dores de que ficou a padecer.
35. Tem dificuldades em correr ou jogar à bola com os seus filhos menores.
36. Em consultas, fisioterapia e realização de exames complementares de diagnóstico, o Autor despendeu a quantia de 673,75€.
37. A roupa que o Autor usava ficou danificada, sendo que o seu custo é de 204,50€.
38. Ficou, também, danificado no acidente o capacete que usava, sendo que um semelhante ao seu custa 125.00€.
39. Danificou ainda os seguintes objetos que usava: relógio – 69€, camara de filmar 434,67€, casaco - 375€, luvas – 62,92€, telemóvel e tablet – 120€ + 300,00€.
40. A presente ação foi instaurada em 16/11/2022.».
E resultou não provado:
«a) O Autor poderá vir a necessitar de ser submetido a intervenção cirúrgica à coluna cervical.».
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2.2). Do mérito do recurso.
Está em causa a ponderação do valor arbitrado a título de danos não patrimoniais (5.000 EUR).
Para calcular a compensação a atribuir por estes danos, atende-se àqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (n.º 1, do artigo 496.º, do C. C.), decidindo-se segundo a equidade, tomando em consideração o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso (n.º 3, do artigo 496.º e 494.º, do C. C.).
Vejamos então os factos a atender:
. o Autor, era à data do acidente agente policial, o que ainda é;
. como consequência do acidente, foi transportado para Hospital, imobilizado em plano duro com colar cervical;
. tinha então dor a palpação do acrómio à esquerda e na perna esquerda, ;
. não padecendo de lesões, teve alta hospitalar com analgesia em S. O. S.;
. como as dores na cervical e clavícula se intensificaram, passou a frequentar consulta de ortopedia, tendo realizado nove sessões de fisioterapia;
. as dores persistiram, tendo-se descortinado, após exames, que tinha luxação acrómio-clavicular de grau I e protusão C5/C6 com radiopatia de C6 esquerda;
. realizou depois mais dezanove sessões de fisioterapia;
. ficou a padecer de I. P. G. de 4 pontos e quantum doloris de 4/7, de acordo com serviços clínicos de B... – Companhia de seguros, S. A.;
. quando está de serviço no carro patrulha por mais do que uma hora consecutiva, tem que parar e sair para descansar a coluna;
. tinha, à data do acidente, 40 anos de idade.
. mantém cervicalgia e dores na clavícula, que o limitam a vestir-se e despir-se, tendo dificuldades em dormir com as dores que sente nas partes atingidas;
. deixou de cultivar quintal para consumo próprio por causa das dores;
. deixou de frequentar o ginásio (tapete, bicicleta e pesos) e de fazer corridas, em virtude das mesmas dores, tendo dificuldades em correr ou jogar à bola com os seus filhos menores.
Tendo presente estes danos, pensamos que está perante um quadro com a gravidade suficiente para ser indemnizável nos termos acima referidas e que, em concreto, já revela contornos com uma gravidade que pensamos que supera a ligeira. Na verdade, o recorrente sofreu dores, que foram quantificadas em grau quatro de sete crescentes; e ainda hoje sofre de dores. Estas limitam-no na sua atividade pessoal, seja a nível de exercício físico (que, atendendo à sua profissão, pode ser bastante relevante) seja a nível de prazer (jogar à bola com filhos), seja igualmente em atividades diárias básicas (vestir-se e dormir).
Realizou várias sessões de fisioterapia o que, naturalmente, para quem tem dores, é sempre mais um fator doloroso.
Assim, pensamos que o valor de 9.000 EUR é um valor adequado e equitativo para compensar o Autor/recorrente por tais danos. Em termos de jurisprudência podemos encontrar:
. R. G. de 15/09/2022, processo n.º 187/21.9T8VRL.G1 – 10.000 EUR, com lesada com cerca de 60 anos, com escoriações, hematomas e equimoses nos membros inferiores, traumatismo ao nível dos joelhos muito dolorosos, traumatismo da coluna dorso-lombar, incapacitada durante 91 dias, 15 sessões de fisioterapia, quantum doloris de 3/7, não se consegue vestir com facilidade, não consegue fazer a sua higiene com facilidade, tem dificuldades em subir e descer escadas, não consegue transportar objetos pesados, tem picos de tristeza e depressão.
Este Acórdão cita outros quatro Acórdãos com valores aproximados, um último no valor de 15.000 EUR mas por o lesado sofrer dores em partes do corpo mais dolorosas;
. R. P. de 13/11/2023, processo n.º 891/21.1T8GDM.P1 – 12.000 EUR, vítima com 42 anos de idade à data do acidente, com o défice permanente parcial da integridade física de 6 pontos, com repercussões permanentes nas atividades da vida diária, incluindo familiares e sociais, quantum doloris de grau 4/7, dano estético de grau 2/7;
. S. T. J. de 21/04/2022, processo n.º 96/18.9T8PVZ.P1.S1 – 15.000 EUR, onde se transcreve que «não sendo muito significativos os danos físicos permanentes, tendo a A.. ficado, por dor, com um défice funcional de apenas 3 pontos, que afetará até ao fim da sua vida, previsivelmente, por mais de 30 anos, teve, no entanto, sofrimento expressivo e prolongado ao longo de cerca de meio ano, com a realização de difíceis e prolongados tratamentos, com vários transtornos psicológicos e sociais de ordem profissional e familiar. Sofreu dores mais fortes durante vários meses, teve perturbação do sono, e ainda sofre de dores de esforço e de dor à palpação difusa e inespecífica da região da nuca, perdeu alguma agilidade e fica com a sensação de desequilíbrio se fizer movimentos bruscos com a cabeça.” (todos em www.dgsi.pt).
Assim, pensamos que aquele valor de 9 000 EUR se reputa adequado à situação em concreto do recorrente.
Procede assim, parcialmente, o recurso interposto pelo Autor.
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3). Decisão.
Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o presente recurso e, em consequência, altera-se o valor fixado a título de compensação por danos não patrimoniais de 5 000 EUR para 9.000 EUR.

Custas do recurso a cargo de recorrente e recorrido, na proporção dos respetivos decaimentos.

Registe e notifique.


Porto, 2024/02/08.
João Venade.
Isabel Silva.
Isoleta de Almeida Costa.