Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3301/24.9T8PRT-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FÁTIMA ANDRADE
Descritores: PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO
DILIGÊNCIAS INSTRUTÓRIAS
Nº do Documento: RP202511243301/24.9T8PRT-B.P1
Data do Acordão: 11/24/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMAÇÃO
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - As fases do processo de promoção e proteção da criança e jovem em perigo, processo este de jurisdição voluntária, vêm definidas no artigo 106º, nº 1 da LPCJP: instrução, decisão negociada, debate judicial, decisão e execução da medida” (nº 1).
II - A não admissão de diligências instrutórias requeridas pela progenitora na fase dita “negociada” – vide artigo 112º - está a coberto dos poderes de direção do juiz orientados por juízos de equidade e oportunidade.
III - A progenitora terá direito a apresentar as provas tidas por pertinentes e oportunas, nos termos do artigo 114º se e quando for reconhecido pelo tribunal a quo não haver a hipótese de obter acordo ou este se mostrar manifestamente improvável.
Altura em que será agendado debate judicial.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº. 3301/24.9T8PRT-B.P1

3ª Secção Cível

Relatora – Juíza Desembargadora M. Fátima Andrade

1º Adjunto – Carlos Gil

2ª Adjunta – Ana Olívia Loureiro

Tribunal de Origem - Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Jz. Família e Menores do Porto

Apelante – AA

Sumário (artigo 663º nº 7 do CPC):

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Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório

(vicissitudes processuais relativas ao processo principal)

i- O MºPº requereu a abertura de processo judicial de promoção e proteção (processo principal do qual foi extraído este recurso), relativamente ao menor BB, nascido a ../../2015, filho de CC e de AA, com vista à aplicação de medida de promoção e proteção a seu favor de modo a garantir o respetivo bem-estar e desenvolvimento integral, nos termos dos artigos 1º, 3º, nºs 1 e 2, al. g), 11º, al. d) e 100º e segs., da Lei nº 147/99, de 1 de setembro, Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo.

ii- Após receção do requerimento inicial o juiz ordenou a realização das diligências instrutórias tidas por convenientes [nomeadamente elaboração de relatório social] e agendou audição dos progenitores e do TSS gestor do processo, seguido de conferência.

Agendada e realizada no dia 20/03/2024 a audição a que alude o art. 107º da LPCJP – foram aí ouvidos em declarações os progenitores do menor, bem como uma sua irmã.

Tendo em seguida e em sede de conferência sido homologado por sentença o acordo nela obtido, nos termos que aqui se reproduzem:

“Declaro encerrada a instrução.

Mostrando-se provável a obtenção de uma solução negociada, proceder-se-á de imediato à realização da conferência prevista nos art. 110º nº. 1 al. b) e 112º da LPP.

Após discussão com todos os presentes, logrou obter-se o acordo para a aplicação à criança BB da medida de promoção e proteção de apoio junto dos pais, a executar junto da progenitora, pelo período de seis meses, com apresentação de relatório no final da medida, conforme acordo que antecede e faz parte integrante da presente ata.


*

Determino a concessão de apoio económico ao agregado familiar da criança, nos termos previstos no art.º 13.º do Decreto-Lei n.º 12/2008, de 17/01, destinado a custear as consultas no GEAV.

Com cópia do relatório social que antecedente e da presente ata, solicite ao GEAV o início do processo terapêutico, devendo articular o mesmo com a técnica gestora do processo, Dra. DD.”

iii- Em 02/10/2024 foi junto Relatório Social de Acompanhamento da Execução da Medida.

E após (em 31/10/2024) proferida decisão de prorrogação da medida aplicada, ao abrigo do disposto no artigo 61º/1/c) da LPP “por mais 6 meses, mantendo-se o apoio económico destinado a custear as consultas de psicologia.”

iv- Foi junto novo Relatório Social de Acompanhamento da Execução da Medida em 09/05/2025.

Neste sendo emitido o seguinte parecer técnico:

“Em face do exposto, e daquilo que foi possível apurar, ressaltam indicadores de que a instabilidade emocional e comportamental do BB possa estar intrinsecamente ligada ao meio, às dinâmicas familiares, questões relacionais e de vinculação, aparentando o BB carência afetiva, sentimentos de rejeição, insegurança, numa procura constante de aceitação/ aprovação. A tal associa-se sintomatologia ansiosa e depressiva, com episódios de severo descontrolo, sobretudo em contexto escolar, o que reflete graves dificuldades de autorregulação, com risco para o próprio e para outros.

A influência do meio é amplamente desacreditada pela progenitora, que também desvaloriza o parecer dos profissionais, insistindo que ainda não foi identificada ao filho a devida patologia, ao qual atribui níveis de maldade e intencionalidade alarmantes. Ao centrar todas as questões no filho, não se dispondo a avaliação/ intervenção especializada, pelo menos numa ótica de reajustamento das práticas parentais visando melhorias na relação materno-filial, a psicoterapia ao BB, por si só, não é suficiente.

Na articulação com os profissionais envolvidos, sobretudo da área da Psicologia, tem sido analisada a possibilidade de o BB mudar de contexto, atento o sofrimento que transparece, sem que as suas necessidades emocionais pareçam ser atendidas e aparente indisponibilidade materna.

Nesta conformidade, sugerimos, com a brevidade possível, a realização de nova Conferência de Pais, com a presença dos profissionais de saúde mental, cujo contributo reveste primordial importância na reapreciação da situação e projeto de vida que, no momento, melhor atenderá aos interesses e necessidades do BB, o que deixamos à consideração de V. Exa..

Simultaneamente, seria de toda a conveniência que a progenitora se submetesse a perícia forense na vertente da Psiquiatria e da Psicologia, com enfoque nas competências parentais, mas é de prever que se mantenha irredutível.”

v- Foi agendada nova conferência com vista à revisão da medida aplicada.

Sendo notificados para comparecer, entre outros, os “progenitores, TSS gestora do processo, Psicóloga do GEAV que acompanha a criança, Pedopsiquiatra do CMIN que acompanha a criança e Professor da criança, identificado no relatório social (…)”.

vi- Na data agendada - 18/06/2025 – foram ouvidas em declarações:

- a Pedopsiquiatra Dra. EE que acompanha o menor desde 2022, tendo emitido “a opinião que o BB devia ser retirado temporariamente do seio familiar.”

- a psicóloga da GEAV Dra. FF que acompanha o menor desde julho de 2024, a qual igualmente declarou concordar “que seria adequado o BB ser retirado do seio familiar, ainda que a única alternativa seja uma casa de acolhimento, porque vive numa família em que sente que não gostam dele”.

Tendo no decurso da suas declarações feito menção ao “padrasto do BB” para referir “O padrasto tem mais facilidade em dialogar com o BB, mas valida as crenças da mãe.

(…)

Os adultos com quem o BB vive não conseguem ajudá-lo a regular-se; o BB sente que não pode partilhar o que sente com a mãe, porque vê esta zangada e não consegue perceber porquê.

(…)”.

- o professor da EB1 ... onde o menor estuda, Dr. GG.

A continuação da diligência foi agendada para 10/07/25 e remarcada para 21/07/2025 por despacho de 10/07/25.

vii- No dia 08/07/2025, veio a progenitora requerer a audição do seu “namorado que a ajuda em todas as circunstâncias da vida - o Sr. HH, com quem o BB tem um excelente relacionamento, facto também referido pelos técnicos na conferencia ocorrida em 18.06.2025.”

Para tanto alegando:

“(…) o Sr. HH tem um conhecimento profundo da evolução comportamental do menor BB ao longo da sua vida, afigurando-se de extrema importância que o mesmo traga aos presentes autos o seu testemunho para a cabal compreensão da realidade emocional/comportamental do menor e contributo para ponderação de atuação.

Em face do exposto e atendendo ao fim da conferência a Requerida vem requerer a V. Exa. que, em ordem à boa decisão dos autos, se digne permitir a audição do Sr. HH na conferência, agendada para o próximo dia 10 de Julho, comprometendo-se a parte a apresentar o mesmo na indicada data.”

viii- O assim requerido foi deferido por despacho de 09/07/2025.

ix- Por requerimento de 09/07/2025 a requerente veio aos autos informar que após a alteração de medicação dada ao menor no final do mês junho pela Sra. Dra. EE, o menor “tem vindo paulatinamente a apresentar (pela primeira vez desde os dois últimos anos), consideráveis melhorias e estabilidade nas suas emoções e no seu comportamento.”

Nos termos que em seguida de forma pormenorizada descreveu, para afirmar no ponto 23º do requerimento inicial:

“resultar à evidência o problema/doença/síndrome que o BB padece, não se deve ao putativo ambiente familiar, mormente à Progenitora, conforme referido no relatório realizado em Maio, mas sim à falta de assertividade da medicação até aí prescrita e à necessidade da sua mudança.”

O que procurou ainda justificar, descrevendo e relatando o percurso por si seguido no acompanhamento do seu filho.

Para concluir pela afirmação de absoluta discordância com a conclusão expressa no relatório de 09/05/2025 e invocando o superior interesse do menor o qual “deve ser realizado, sempre que possível, no seio da família, e que a aplicação de medidas que provoquem o afastamento do menor, e, consequente institucionalização, deve ser sempre o último recurso a aplicar-se, não estando minimamente justificada a necessidade de alteração de contexto do BB, que não sejam meras suposições não comprovadas, e atendendo ao facto de a própria medica a Sra. Dra. EE ter mudado a medicação do BB, após a realização do relatório, não tendo havido o necessário tempo, nem ter havido qualquer avaliação posterior, afigura-se no mínimo adequado, avaliar, também clinicamente, a situação de melhoria descrita, junto de todos

quanto a tem presenciado, considerando também de extrema relevância que tal avaliação deverá ocorrer em contexto escolar, sempre mais problemático, antes de ser ponderada ainda que de forma provisoria, qualquer alteração de residência do BB (reitera-se medida que a mãe refuta e entende como totalmente desadequada), atento o gravíssimo e irreversível impacto e repercussão no desenvolvimento do BB, tudo antes de qualquer ponderação de decisão dos autos.

Acresce ainda que o Progenitor deverá estar presente, na conferência agendada para dia 10 de Junho, porquanto também recai sobre o mesmo responsabilidades parentais, devendo ocorrer uma maior aproximação entre pai e filho.

Termos em que, em face do exposto requer que seja esclarecido, averiguado e complementado pela equipe técnica, tudo quanto relatado pela Progenitora em ordem ao superior interesse do menor BB e à boa decisão dos autos.”

Mais tendo requerido a inquirição de 5 testemunhas, entre as quais a irmã do menor II; do Professor João – monitor na Escolinha ...; JJ, educadora e chefe dos escuteiros no ...; as professoras KK e LL e MM.

Oferecendo ainda com este requerimento (e dois outros do mesmo dia) 35 documentos (dos 39 que protestara juntar com o primeiro).

x- Por decisão de 16/07/2025 e apreciando o requerimento de 09/07/2025 foi decidido:

“O requerimento em apreço carece de fundamento legal, uma vez que, estando agendada audição da progenitora, a mesma terá oportunidade de relatar os factos que reputar relevantes.

Assim sendo, tal requerimento não será considerado, devendo ser desentranhado do suporte físico do processo.”

xi- Na data agendada, foi realizada a continuação da audiência e nesta prestados esclarecimentos a instâncias da Il. Mandatária da progenitora, pelas técnicas Dra. EE, Pedopsiquiatra; Dra. FF, Psicóloga e professor Dr. GG.

Foram também ouvidos em declarações o progenitor e a progenitora, ambos se manifestando contra o acolhimento residencial do filho.

Bem como o atual companheiro da progenitora, HH.


*


Findas as inquirições foi determinado pelo tribunal a quo:

“Solicite ao ISS a elaboração de informação social acerca das alternativas para acolhimento do BB em meio familiar, auscultando, nomeadamente, a irmã II.

Determino ainda a realização de perícia psiquiátrica e psicológica à progenitora, tendo por objeto saber se a progenitora reúne as capacidades para responder em concreto às necessidades do filho e se padece de patologia que ponha em causa o exercício das suas competências parentais.

Para melhor esclarecimento, remeta cópia do relatório social de 09/05/2025, da ata 18 de Junho de 2025, da presente ata e do relatório de avaliação neuropsicológica hoje junto aos autos.”


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Em 31/07/2025 interpôs a progenitora recurso do decidido em 16/07/2025, alegando e afinal apresentando as seguintes:

“CONCLUSÕES

(…)

Termos nos quais, nos melhores de Direito, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser dado provimento ao presente recurso,

Assim se fazendo Justiça.”

*

Contra-alegou o MºPº em 12/09/2025 em suma pugnando pela improcedência do recurso.
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O recurso foi por despacho de 16/10/2025 admitido – como de apelação, com subida em separado e efeito meramente devolutivo.
Tendo ainda o tribunal a quo expresso o entendimento de que a pela recorrente invocada nulidade da decisão por omissão de pronúncia se não verifica.
*

Foram colhidos os vistos legais.



II- Âmbito do recurso.

Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC – resulta das formuladas pela apelante serem questões a apreciar:
- se a decisão recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia;
- se merece censura o indeferimento das diligências probatórias pela recorrente requeridas na fase processual em que os autos se apresentavam.

III. FUNDAMENTAÇÃO

Para apreciação do objeto do recurso importa considerar as vicissitudes processuais acima já elencadas.


***

Conhecendo.

Em função das questões enunciadas como objeto do recurso e colocadas à nossa apreciação, respeitando a ordem indicada no artigo 608º do CPC (ex vi artigo 663º nº 2 do CPC), será apreciado em primeiro lugar o imputado vício de nulidade à decisão recorrida.

1) Nulidade da decisão.

A recorrente imputou à decisão recorrida o vício da nulidade por omissão de pronúncia [vide al. d) do nº 1 do artigo 615º do CPC].

Respeita este vício ao não conhecimento, ou conhecimento para além, no caso do excesso de pronúncia, de todas as questões que são submetidas a apreciação pelo tribunal, ou seja, de todos os pedidos, causas de pedir ou exceções cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo conhecimento de outra(s) questão(ões). Não se confundindo questões com argumentos ou razões invocadas pelas partes em sustentação das suas pretensões.

Sanciona este normativo, em respeito pelo princípio do pedido e do impulso processual associado ao princípio da contradição, consagrados desde logo no artigo 3º do CPC, a violação do disposto no artigo 608º nº 2 do CPC o qual dispõe que o “juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”

Sendo ainda de distinguir questões a resolver (para efeitos do artigo 608º nº 2 do CPC) da consideração ou não consideração de um facto em concreto que, e quando se traduza em violação do artigo 5º nº 2 do CPC, deverá ser tratado em sede de erro de julgamento e não como nulidade de sentença [1],[2].

É, portanto, em função do objeto processual delineado pelo autor, conformado este pelo pedido e causa de pedir, bem como pelas questões / exceções ao mesmo opostas pelo réu que a atividade do tribunal se desenvolverá, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

O mesmo é dizer que a pronúncia judicial deve recair “sobre a causa de pedir, o pedido, as exceções dilatórias e perentórias invocadas e os pressupostos processuais, se for controvertida a sua verificação”, sob pena de nulidade por omissão ou excesso de pronúncia.

Já não sobre «os fundamentos (de facto ou direito) apresentados pelas partes para defender a sua posição, os raciocínios, argumentos, razões, considerações ou pressupostos - que, podem, na terminologia corrente, ser tidos como “questões”», mas das mesmas se distinguem, pois, «é diferente “(…) deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão (…)”[3]

No caso e por força do previsto no artigo 613º nº 3 do CPC sendo aplicável a mesma regra e raciocínio aos despachos proferidos, com as devidas adaptações.

Assim e tendo presentes estes considerandos releva apreciar se o tribunal a quo omitiu pronúncia sobre as questões que lhe foram suscitadas pela recorrente através do requerimento de 09/07/2015.

Neste requerimento a recorrente solicitou a produção de prova – testemunhal e documental, para além de ter solicitado esclarecimentos à equipa técnica que tem acompanhado o menor, visando por esta via demonstrar o desacordo que manifestou em relação ao teor do relatório junto aos autos em 09/05/2025.

O tribunal a quo emitiu a pronúncia que lhe competia – de admissão ou não admissão do requerido pela recorrente.

Tendo in casu indeferido o requerido por despacho de 16/07/2025 por entender não admissível a pretensão formulada, atendendo (nos termos que constam da decisão recorrida) que estava agendada audição da progenitora onde a mesma se poderia pronunciar sobre os factos tidos por relevantes.

Ou seja, o tribunal apreciou o requerimento apresentado, decidindo pela não admissibilidade do requerido.

Poderá a recorrente discordar do decidido, como o evidencia o recurso interposto, mas não lhe assiste razão quanto ao vício que aponta à decisão recorrida de nulidade por omissão de pronúncia.

Termos em que se julga improcedente a arguida nulidade fundada no disposto na al. d) do artigo 615º nº 1 do CPC.

2) Erro na aplicação do direito.

Improcedente a arguida nulidade da decisão recorrida com fundamento no disposto no artigo 615º nº 1 al. d) do CPC, cumpre apreciar se merece censura o indeferimento do requerimento probatório apresentado pela recorrente.

Nesta sede sendo analisado se o decidido merece ainda censura por referência ao previsto no artigo 195º do CPC, também pela recorrente convocado.

Para tanto importa recordar estarmos perante um processo de promoção dos direitos e proteção da criança e jovem em perigo, regulado pela Lei 147/99 [LPCJP] de 01/09 (na sua redação atual e de que ora em diante faremos referência, quando em contrário nada se diga), cujos princípios orientadores de intervenção estão definidos no artigo 4º e cujas medidas a aplicar se encontram elencadas nos artigos 35º e 39º e seguintes.

A dinâmica do processo judicial vem regulada nos artigos 100º e seguintes e destes resulta, no que ora releva ser este um processo de jurisdição voluntária – artigo 100º; sendo reconhecido à criança ou jovem, os seus pais, representante legal ou quem tiver a guarda de facto, o direito a requerer diligências e oferecer meios de prova (nº 1 do artigo 104º), dentro do quadro processual previsto.

As fases do processo de promoção e proteção da criança e jovem em perigo vêm definidas no artigo 106º, nº 1: instrução, decisão negociada, debate judicial, decisão e execução da medida” (nº 1).

O juiz, uma vez recebido o requerimento inicial (vide artigo 106º º 2) profere o despacho de abertura de instrução ou, se considerar que dispõe de todos os elementos necessários:

a) Designa dia para conferência com vista à obtenção de acordo de promoção e proteção ou tutelar cível adequado;

b) Decide o arquivamento do processo, nos termos do artigo 111.º; ou

c) Ordena as notificações a que se refere o n.º 1 do artigo 114.º, seguindo-se os demais termos aí previstos (nº 2).

Sendo o caso de ter declarado aberta a instrução, uma vez encerrada (após audição do MºPº), o juiz

a) Decide o arquivamento do processo;

b) Designa dia para conferência com vista à obtenção de acordo de promoção e proteção ou tutelar cível adequado; ou

c) Quando se mostre manifestamente improvável uma solução negociada, determina o prosseguimento do processo para realização de debate judicial e ordena as notificações a que se refere o n.º 1 do artigo 114º [vide artigo 110º].

Tal qual resulta do relatório supra no caso, após receção do requerimento inicial o juiz ordenou a realização das diligências instrutórias tidas por convenientes [nomeadamente elaboração de relatório social] e agendou audição dos progenitores e do TSS gestor do processo, seguido de conferência.

Obtido acordo que foi homologado por sentença, com aplicação da medida naquele definida, veio a mesma ser prorrogada uma primeira vez, após junção do Relatório Social de Acompanhamento da Execução da medida.

No momento de ser revista a medida aplicada uma segunda vez (vide artigo 62º quanto ao procedimento de revisão) e junto o competente Relatório Social de Acompanhamento da Execução da Medida, foi agendada nova conferência “com vista à revisão da medida aplicada”.

Recorda-se que em causa estava medida aplicada por acordo obtido e as decisões tomadas na revisão constituem parte integrante dos acordos de promoção e proteção ou da decisão judicial (vide artigo 62º nº 6).

Para a conferência assim agendada foram convocados de novo os progenitores, bem como os técnicos que acompanharam o menor e o professor deste.

No início da diligência (18/06/25), a progenitora fez juntar aos autos um “relatório médico referente ao menor”. Cuja junção foi admitida.

Foram ouvidas as técnicas e o professor.

E agendada nova data para continuação da diligência.

Em data prévia à agendada para a continuação da diligência apresentou a progenitora o requerimento em análise que mereceu o despacho de indeferimento recorrido.

Foi entretanto realizada a continuação da diligência (em 21/07/2025), no início da qual a progenitora fez juntar aos autos um “relatório de avaliação neuropsicológica” com a finalidade de obter esclarecimentos das técnicas, por confronto com o relatório pelas mesmas subscritas. O que foi admitido pelo tribunal a quo.

Requereu ainda a junção de dois documentos adicionais. Ambos não admitidos, um por se traduzir num depoimento escrito fora dos casos em que é legalmente admissível e outro por não relevar para a causa.

No decurso da diligência foram ouvidas em esclarecimentos a pedido da progenitora, as técnicas e o professor.

E após prestaram declarações tanto os progenitores, como o companheiro da progenitora.

Tendo ambos os progenitores declarado nesta diligência não querer que o menor vá para “uma casa de acolhimento” (progenitor) / não concordar com o “acolhimento residencial do filho” (progenitora).

Findas estas declarações, determinou o tribunal a quo:

“Solicite ao ISS a elaboração de informação social acerca das alternativas para acolhimento do BB em meio familiar, auscultando, nomeadamente, a irmã II.

Determino ainda a realização de perícia psiquiátrica e psicológica à progenitora, tendo por objeto saber se a progenitora reúne as capacidades para responder em concreto às necessidades do filho e se padece de patologia que ponha em causa o exercício das suas competências parentais.

Para melhor esclarecimento, remeta cópia do relatório social de 09/05/2025, da ata 18 de Junho de 2025, da presente ata e do relatório de avaliação neuropsicológica hoje junto aos autos.”

Aqui deixámos as vicissitudes processuais relevantes do processo para deixar claro que o tribunal a quo ordenou as diligências instrutórias tidas por convenientes com vista e no âmbito ainda da tentativa de obtenção de uma solução negociada. O que está conforme à natureza do processo de jurisdição voluntária (vide artigo 100º), o qual se rege não por critérios de estrita legalidade, mas antes por juízos de equidade e oportunidade, com vista à tutela dos interesses que visa salvaguardar (vide artigo 987º do CPC), in casu os interesses do menor/jovem.

Mais cumpriu o dever de audição dos progenitores, observando assim a obrigatoriedade de audição resultante do disposto no artigo 85º.

O contraditório em relação a todas as diligências que foram sendo realizadas foi observado, em respeito pelo artigo 104º. Concretamente na conferência realizada que visou a obtenção do acordo.

A recorrente pôde em relação a tudo o que foi apresentado e produzido, expressar o seu entendimento e apresentar os seus argumentos, contra instando as testemunhas que foram ouvidas.

Pelo que não lhe assiste razão quando invoca que o princípio do contraditório foi violado, por referência ao previsto no artigo 104º nº 3.

A não admissão de diligências instrutórias requeridas pela progenitora na fase dita “negociada” – vide artigo 112º - está a coberto dos poderes de direção do juiz orientados por juízos de equidade e oportunidade.

A recorrente terá sim direito a apresentar as provas tidas por pertinentes e oportunas se e quando for reconhecido pelo tribunal a quo não haver a hipótese de obter acordo ou este se mostrar manifestamente improvável. Altura em que terá de ser agendado debate judicial nos termos do artigo 114º.

Então e por força do disposto no artigo 114º nº 1 e nº 5, o juiz notificará o Ministério Público, os pais, o representante legal, quem detiver a guarda de facto e a criança ou jovem com mais de 12 anos para alegarem, por escrito, querendo, e apresentarem prova no prazo de 10 dias.

Recebidas as alegações e apresentada a prova, designando então o juiz dia para o debate judicial, bem como a notificação das pessoas que devam comparecer (vide nº 3 do mesmo artigo)[4].

Assim sendo e de acordo com a tramitação processual prevista e analisada, não foi omitida a prática de nenhum ato ou formalidade prevista na lei, pelo que tampouco procede a arguida nulidade processual ao abrigo do previsto no artigo 195º do CPC. Ou sequer a invocada violação do direito à tutela jurisdicional efetiva, ou do direito à prova.

Este será oportunamente garantido se o processo vier a avançar para o debate judicial.

Concluindo, não merece censura a decisão recorrida com a consequente improcedência do recurso interposto.


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IV. Decisão.

Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente improcedente o recurso interposto, mantendo a decisão recorrida.

Custas pela recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.

Porto, 2025-11-24

(M. Fátima Andrade)

(Carlos Gil)

(Ana Olívia Loureiro)



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[1] Neste sentido Francisco Almeida in “Direito Processual Civil”, vol. II, edição Almedina de 2015, p. 371; Ac. STJ de 30-09-2010, Relator Álvaro Rodrigues, Ac. STJ de 06/12/2012, Relator João Bernardo e mais recentemente Ac. STJ de 23/03/2017, Relator Tomé Gomes (ambos in www.dgsi.pt/jstj), este último convocando o ensinamento de José Alberto dos Reis in CPC anotado, vol. V, 1981, p. 144-146 sobre a distinção entre erro de julgamento e nulidade de sentença nos seguintes termos (ainda por referência ao anterior 664º do CPC, hoje artigo 5º do CPC e no caso considerando o excesso de pronúncia, mas aplicável por identidade de razões à omissão): “(…) uma coisa é o erro de julgamento, por a sentença se ter socorrido de elementos de que não podia socorrer-se, outra a nulidade de conhecer questão de que o tribunal não podia tomar conhecimento. Por a sentença tomar em consideração factos não articulados, contra o disposto no art. 664.º, não se segue, como já foi observado, que tenha conhecido de questão de facto de que lhe era vedado conhecer.»
[2] Sendo certo que a mesma regra e raciocínio são aplicáveis aos despachos por força do previsto no artigo 613º nº 3 do CPC.
[3] Citando ALBERTO DOS REIS, “Código de Processo Civil Anotado”, Volume V, Reimpressão, Coimbra Editora, pág. 143 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Janeiro de 2000, B.M.J. n.º 493, pág. 387, vide Ac. STJ de 08/01/2015, Relator João Trindade in www.dgsi.pt/jstj.
[4] Paulo Guerra in LPCJP Anotada, 3ª edição de Almedina revista e aumentada de 2017, em anotação ao artigo 62º assinala precisamente só haver lugar a debate judicial em sede de revisão de medida quando inexista acordo (vide p. 151).