Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | JOSÉ ANTÓNIO RODRIGUES DA CUNHA | ||
Descritores: | ACUSAÇÃO PARTICULAR FACTOS ALEGADOS FACTOS RELEVANTES OMISSÃO DE PRONÚNCIA NULIDADE DA SENTENÇA | ||
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Nº do Documento: | RP20231108691/21.9GBVFR.P1 | ||
Data do Acordão: | 11/08/2023 | ||
Votação: | MAIORIA COM 1 VOT VENC | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA) | ||
Decisão: | JULGADO PARCIALMENTE PROVIDO O RECURSO INTERPOSTO PELO ASSISTENTE. | ||
Indicações Eventuais: | 4. ª SECÇÃO CRIMINAL | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | A falta de enumeração nos “factos provados” e nos “não provados”, ainda que parcial, de factualidade relevante alegada pelo assistente na acusação particular, constitui o vício de nulidade da sentença nos termos do disposto no art.º 379.º, n.º 1, al. a), com referência ao art.º 374.º, n.º 2, ambos do CPP. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 691/21.9GBVFR.P1 Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto I. RELATÓRIO Nos presentes autos de processo comum e com a intervenção do Tribunal Singular, por sentença de 29.03.2023, foi decidido: A) Absolver o arguido AA da prática de um crime de difamação com publicidade, p. p. art.º 180.º e 183.º, n.º 1, al. a), do Código Penal. B) Julgar o pedido de indemnização civil improcedente por não provado e em consequência absolver o demandado AA do pedido. C) Condenar o assistente BB no pagamento da taxa de justiça que se fixa em 3 (três) UC’s, bem como nos demais encargos a que sua actividade deu lugar, nos termos dos artigos 8º nº 9, por referência à tabela iii do RCP, 515.º n.º1 al. a) e 518º do CPP. D) Condenar o demandante BB nas custas cíveis - cfr. art. 527.º n.º1 e 2 CPC ex vi art. 523.º CPP. * Inconformado, recorreu o assistente. Termina a motivação do recurso com as seguintes conclusões (tanscrição): a) O Tribunal a quo absolveu o arguido do crime de Difamação com Publicidade e Calúnia, previsto e punido nos termos do disposto nos artigos 180.º e 183º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, e do pedido de indemnização civil, nos termos do disposto no artigo 483º n.º 1. b) O Tribunal a quo considerou que dos factos provados não resulta que o arguido “quis” agir nos termos provados, que agiu “deliberadamente” e tal assim, desde logo, porquanto tal factualidade não resultou sequer imputada na acusação particular, não podendo o Tribunal fazê-lo, suprindo tal falta da acusação particular. c) É desta decisão que se discorda, porquanto não foi feita a correta interpretação da Acusação Particular, não foram dados como provados factos que teriam que ser obrigatoriamente dados como tal por força da confissão do arguido e da prova documental junta com a Acusação Particular. d) O arguido é licenciado em direito, apesar de não exercer, e a sua mulher uma advogada na Comarca. e) O arguido publicou os dizeres constantes no ponto 2 e 3 dos factos dados como provados. f) Confessou que sabia que o assistente nada tinha que ver com o alegado furto de instrumentos. g) Assumiu também a autoria das publicações descritas nos autos, fls. 7 a 13 e 88 a 97. (Cfr. Artigo 10º da Motivação deste Recurso). h) A Sentença, no lugar da matéria dada como provada, só o ponto 2 é que o Tribunal a quo dá como assente que o arguido sabia que não correspondia à verdade. i) Por maioria de razão, e por tudo ficou descrito acima, admissão dos factos pelo arguido, também o ponto 3, “CC…DD…BB e EE…decidam-se…assumam e devolvam os instrumentos.”, também era do conhecimento do arguido que tal publicação não correspondia à verdade. j) O arguido reconheceu, nas mensagens trocadas com o assistente, juntas aos autos, que sabia que aquele nada tinha que ver com o alegado furto. k) Assim, também o ponto 5 da Sentença, factos provados, terá que incluir obrigatoriamente o ponto 3 já que o arguido sabia que também não correspondia à verdade. l) No que diz respeito ao artigo 5º da Acusação Particular, “Sem esquecer as publicações no grupo do “Facebook”, “Instrumentos musicais ...!”, grupo que à data tinha cerca de 1.9 mil membros, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, fls. 9,10 e 11 dos autos”, o tribunal não se pronunciou acerca de tais factos, apesar do arguido ter assumido a sua autoria (Cfr. Artigo 10 da Motivação deste Recurso). m) O conteúdo era o seguinte: “Aguardo que os larápios devolvam. gente sem vergonha na cara! (Fls. 9 dos autos). n) Nas fls. 10 dos autos e doc. 10 da Acusação Particular, vem descrito o seguinte: “Mais um episódio desta novela: os 4 elementos da banda (CC, DD, BB, EE) da banda ..., ensaiavam em ... e tinham em poder deles, nessa sala de ensaio, alguns dos meus instrumentos roubados, cuja apreensão estava requerida na psp. mal souberam que iam ser apanhados, desapareceram dessa sala de ensaio e levaram tudo…”. (Sublinhado nosso). o) Na fls 11 dos autos o arguido disse o seguinte: “Os 4 visados: CC …DD…EE e BB membros dos ... apagaram a pagina do facebook na qual publicaram fotomontagens a denegrir o meu bom nome e imagem. Há um processo por difamação em curso contra eles por isso apagaram a pagina. Mais uma vez está demonstrado que se trata de uma quadrilha de assaltantes que em vez de me entregarem o que roubaram preferem a fuga para a frente. O grau de instrução deles é muito baixo. Espero que quem os está a instruir a nível jurídico pense bem nas consequências para o futuro deles. Eles andam todos a gozar com quem foi o maior amigo deles e quem mais os ajudou na musica. Apenas quero que me entreguem o que me roubaram. Inclusivamente lhes dei chance de desistir da queixa se me entregassem tudo”. (Sublinhado Nosso). p) Os factos pelos quais o assistente se queixou e deduziu Acusação Particular, artigo 5º, teriam forçosamente que constar no elenco dos factos provados da Sentença já que o assistente deles se queixou, fls. 9,10 e 11 dos autos, deduziu acusação particular e o arguido assumiu a sua autoria, conforme se descreveu no artigo 10º da Motivação deste Recurso. q) Na Acusação Particular remeteu-se o seu conteúdo para apreciação do Tribunal a quo, através da expressão “(…)cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, fls. 9,10 e 11 dos autos”, precisamente para que o Tribunal a quo tivesse a ideia clara que o arguido não agiu de forma esporádica, espontânea, irracional ou reativa, pois alimentou e utilizou expressões difamatórias uma e outra vez que, por sua vez, alimentaram outros comentários de outras pessoas aos quais foi respondendo e sustentando ainda mais as conversas de ódio por si criadas. r) Estas publicações, contidas nas fls. 9, 10 e 11, por via de remissão do artigo 5º da Acusação Particular, são essenciais para demonstrar que a atuação do arguido foi deliberada, reiterada e não espontânea. s) O Tribunal a quo, não tomou posição ou decisão sobre os factos descritos na Acusação Particular, artigo 5º que, por sua vez, remete para as fls.9,10 e 11 dos autos, e que a lei imponha que o juiz tomasse posição expressa por se tratarem de factos relevantes para prova que o arguido não atuou de forma espontânea e/ou isoladamente, mas antes sim de forma reiterada, deliberada e pensada. t) A Sentença é nula, portanto, por força do disposto na alínea c) n.º 1 do artigo 379º do CPP, “Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.”. u) Nulidade que expressamente se invoca com os devidos efeitos legais. v) Ou, caso assim não se entenda, devem os factos contidos nas folhas 9,10 e 11 dos autos, por força do artigo 5º da AP, ser considerados como provados por resultarem de confissão do arguido como sendo autor das referidas publicações. w) Relativamente aos artigos 6º, 7º, 8º 9º e 10º, 11º e 12º da Acusação Particular, fls. 88 a 97 dos autos, o assistente teve o cuidado de realçar que aqueles factos ocorreram já depois da queixa pelo assistente “No dia 02/12/2021, já depois da queixa do Assistente, portanto, (…)”. (Sublinhado nosso). x) O objetivo da inclusão desses factos na Acusação Particular, também eles assumidos pelo próprio arguido, fls. 88 a 97 (Cfr. Artº 11 da Motivação deste Recurso), como sendo autor dos mesmos, foi o de demonstrar que a conduta criminosa do arguido continuou mesmo depois dos sucessivos arquivamentos, por falta de prova, dos processos instaurados por aquele a alguns membros da banda que não o assistente. y) As publicações e páginas descritas nos artigos 6º, 7º, 8º, 9º ,10º, 11º e 12º da Acusação Particular, fls. 88 a 97 dos autos, não tinham como objetivo a condenação do arguido por tais factos, mas antes sim o reforço na demonstração da conduta reiterada e deliberada do arguido que continuou mesmo depois da queixa do assistente. z) Tais factos, também eles assumidos pelo arguido, como se viu no artigo 10º deste Recurso, teriam que ser entendidos conjuntamente com os factos dados como provados na Sentença (pontos 2 e 3 correspondentes aos artigos 2º e 4º da Acusação a Particular), para além dos descritos no artigo 5º da AP, para entender que o arguido não praticou atos reativos, isolados e/ou espontâneos. aa) O arguido sabia que as suas publicações e mensagens, que incluíam o assistente, não correspondiam à verdade e mesmo assim publicou. bb) E em momento algum, tais publicações e mensagens tiveram carácter esporádico, espontâneo ou se desenvolveram numa forma reativa a qualquer ato praticado pelo assistente. cc) Relativamente à alínea c) dos factos dados como não provados: “As publicações do arguido referidas em 2. e 3. foram partilhadas. dd) O arguido publicou em diversas páginas, incluindo a sua com cerca de 5000 mil amigos, conforme descrito na Acusação Particular artigo 29º ,“O Arguido, ora Demandado, tem cerca de 5000 mil “amigos” na sua página, o grupo “...”, apesar de poucos seguidores, cerca de 600, ganhou imensa divulgação com as partilhas do Demandado, o grupo público “Instrumentos musicais ...!” à data tinha cerca de 1.9 mil seguidores, a página do bar “A...” cerca de 2600 seguidores e grupo “Grupos Musicais de ...” cerca de 300 seguidores”. ee) É inverosímil que tais publicações não tenham sido partilhadas, a tal questão deu o Tribunal da Relação do Porto o seu entendimento. (Cfr. artigos 37º a 39º da Motivação deste Recurso). ff) É irrelevante se as publicações foram duas ou mil vezes partilhadas ou vistas. Pelo que tal não deveria sequer constar na matéria dado como não provada. Assim o acórdão do TRP (artigo 41º da Motivação deste Recurso). gg) No que diz respeito à matéria dada como provada, ponto 7 dos factos provados, o Tribunal a quo considerou o seguinte: “O demandante sentiu-se ofendido e com raiva, ira, envergonhado e desonrado na sequência do referido de 1. a 6”. hh) Porém, deu como não provado na alínea f) o seguinte: “O referido de 1. a 6. criou no Demandante uma forte perturbação do equilíbrio emocional, psíquico e social”. ii) Assim, não se não se compreende como o referido no ponto 7 da Sentença foi dado como provado e já não o referido na alínea f) já que uma é consequência da outra. (Cfr. artigos 46º e 47º da Motivação deste Recurso). jj) Os sentimentos “ofendido”, “raiva”, “ira”, “envergonhado” e “desonrado”, dados como provados, ponto 7, têm uma forte implicação no “equilíbrio emocional”, “psíquico” e “social”, alínea f), já que são estados de ânimo que bem sabemos ter um impacto enorme nas respostas que o Homem, enquanto ser social, tem na sua vida em sociedade. kk) O referido em f) é resultado do provado em 7, tal matéria deveria ter sido incluída nos factos provados e não foi. ll) Resultado diferente seria se o Tribunal a quo chegasse à conclusão que o referido em 7 não se verificou pelo que, por maioria da razão, também não se verificaria o exposto em f). mm) O Tribunal a quo invocou para absolver o arguido do crime pelo qual vinha acusado a falta de preenchimento do elemento subjetivo (na sua globalidade) na factualidade dada como provada. Ou seja, que faltava na AP a alegação que o arguido “quis” agir nos termos da factualidade dada como provada. nn) O Tribunal a quo, nos factos dados como provados, ponto 6 da Sentença, considerou que o arguido “O arguido agiu livre e conscientemente bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.”. oo) Porém, absolveu o arguido porque não resultou da AP que àquele lhe tenha sido imputado a intenção/deliberação/querer. pp) Tal não corresponde à verdade, apesar de no artigo 24º da AP não mencionar a palavra deliberado/voluntário/intencional é pacífico na jurisprudência que não existem fórmulas rígidas e que o elemento subjetivo pode resultar imputado de formas diversas que, como veremos, se verificou nos presentes autos. qq) No artigo 14º da Acusação Particular vem descrito o seguinte: “O Arguido utilizou diversas páginas e grupos com um vasto alcance, nomeadamente a sua página, a página da banda “...”, o grupo público “Instrumentos musicais ...!”, a página do bar “A...” e do grupo “Grupos Musicais de ...”, para difamar os elementos da banda e, em especial, o Assistente” (Sublinhado e negrito nosso). rr) Utilizou um meio (Facebook, rede social) para difamar elementos da banda, em especial, o Assistente. ss) “Para difamar”, significa, sem mais, a intenção de difamar. Com o devido respeito pelo Tribunal a quo, a Acusação Particular não pode ser mais explícita. Ou seja, “para”, na linguagem portuguesa, é uma preposição que também serve para indicar finalidade e intuito, a fim de, com finalidade de, com intenção de, com o intuito de, com o objetivo de. Consultável em: e “Dicionário da Língua Portuguesa 2006 -Dicionários Editora”, Porto Editora, página 1249 (para – preposição que indica intenção, objectivo) e online em: https://www.sinonimos.com.br/para-que/ https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/para https://dicionario.priberam.org/para tt) Sobre esta questão, recordamos a Acusação Particular de um assistente, sobre expressões verbais difamatórias, e não publicações ou escritos como é o caso dos autos, sublinhe-se, imputadas por um arguido ao assistente. (Cf Artigo 59º, 60º e 61º da Motivação deste Recurso). uu) O arguido perante a situação em concreto, utilizou publicações, isto é, por escrito, através de páginas de uma rede social, para difamar o assistente. O assistente, na Acusação Particular, não imputou arguido qualquer pretensão, como o processo acima mencionado, foi ainda mais longe, referiu que utilizou páginas para difamar e “para”, como se demonstrou acima, é uma preposição que tem como sinónimo intenção, objetivo, finalidade etc. vv) As publicações do arguido – ao contrário de expressões verbais dirigidas a terceiros que muitas vezes saem da boca no calor da refrega –, estão aptas a ser visualizadas por qualquer membro do grupo ou amigo do assistente, ou pelo menos com a suscetibilidade de poder ser visto por número indeterminado de pessoas e que nas quais estão contidas dizeres e frases atentatórias da reputação do assistente. ww) O assistente, reforça ainda mais o elemento volitivo na Acusação Particular, quando no artigo 20º “Com o referido comportamento, o Arguido ofendeu e difamou o Assistente, imputando-lhe factos e comentários que atentaram contra a sua honra e consideração, em circunstâncias que não só facilitaram como efectivaram a sua divulgação”. (Sublinhado nosso) xx) Com o referido comportamento (conduta, atitude, maneiras, modos, procedimento, proceder, ação, reação, atuação) o arguido ofendeu e difamou o assistente imputando-lhe factos e comentários… yy) O artigo 20º da Acusação Particular ainda reforça mais os factos integradores do elemento volitivo. zz) Trazemos à colação outro aresto que decidiu dar provimento ao recurso, e que foi também ele acompanhado de parecer positivo do MP junto do Tribunal da Relação, que tratava de um processo de Injúria cuja a Acusação Particular foi rejeitada por omissão dos elementos subjectivos, nomeadamente, e entre outros, da falta do elemento volitivo. (Cfr. Artigo 67º e 68º da Motivação deste Recurso). aaa) Sem nos debruçarmos sobre o mérito da decisão sobre outras questões que estariam em causa, e que delas tratou o Tribunal daquela Relação, sem perder de vista o Acórdão Fixador de Jurisprudência n.º 1/2015, referiu o seguinte a propósito da alegada falta do elemento volitivo, “Ao alegar que “a arguida quis ofendê-la, o que conseguiu”, a assistente articulou suficientemente os factos que integram o elemento volitivo do dolo direto de injúrias, tal como definido no art. 14.º, nº1, do C. Penal e, também, o seu elemento intelectual ou cognitivo, pois os factos respetivos, ou seja, que a arguida representou o caráter ofensivo das palavras que proferiu, contêm-se lógica e necessariamente na afirmação de que a arguida quis ofendê-la na sua honra e consideração. Na verdade, a afirmação de que a arguida quis ofender a assistente, pressupõe que a arguida tinha conhecimento do caráter ofensivo das palavras que proferiu, pois quem pretende deliberadamente ofender outrem na sua honra com determinadas palavras conhece e pressupõe necessariamente o caráter ofensivo dessas mesmas palavras, afirmação que se contém, assim, no significado gramatical da locução “a arguida quis ofendê-la”. Este entendimento das coisas não contraria a jurisprudência fixada no AFJ 1/2015 do STJ, pois o objeto daquela, ditado pela questão relativamente à qual se verificou oposição de julgados, centrou-se na inaplicabilidade do mecanismo previsto no art. 358.º do CPP para a alteração não substancial de factos aos casos de falta de descrição, na acusação, [dos factos integradores] dos elementos subjetivos do crime” Excerto do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, Processo: 54/16.8T9CBA.E1 Relator: Desembargador ANTÓNIO JOÃO LATAS. bbb) Ora, na Acusação Particular é referido o seguinte, “Com o referido comportamento, o Arguido ofendeu e difamou o Assistente, imputando-lhe factos e comentários que atentaram contra a sua honra e consideração, em circunstâncias que não só facilitaram como efectivaram a sua divulgação”, ou seja, entre vários comportamentos possíveis, já que o arguido é humano, o arguido decidiu-se pela ofensa e difamação do assistente imputando àquele factos e comentários que atentaram contra a sua honra. Factos, aliás, e como consta da matéria provada, aquele sabia que não correspondiam à verdade (artigos 12º, 13º e 16º a 22º e 26º da Motivação deste Recurso). ccc) No artigo 22º da Acusação Particular vem descrito o seguinte, “Por outro lado, o Arguido sabia que com as suas publicações em diversas páginas da rede social “Facebook”, e também através de mensagens via “Messenger”, estava a imputar factos ao Assistente que não correspondiam nem correspondem à verdade”. (Sublinhado e negrito nosso). ddd) “A alegação de que os arguidos agiram livre, voluntária e conscientemente, na medida em que com tais expressões se pretenda abarcar os elementos intelectual e volitivo do dolo do tipo, seria redundante no caso presente, pois a menção de que os arguidos «…sabiam perfeitamente que lesavam na sua honra e consideração qualquer um dos ora requerentes» corresponde inequívoca e expressamente ao elemento intelectual ou cognitivo do dolo e, pelas razões expostas, encerra igualmente o seu elemento volitivo”. Excerto do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, Processo n.º 88/09.7TAABT.E1, Relator Desembargador António João Latas aqui citado pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Évora Processo n.º 347/09.0GFSTB.E1, Relator Desembargadora ANA BACELAR CRUZ (Sublinhado nosso). eee) Pelo exposto, na Acusação Particular vem imputado, aliás, como se provou, que o arguido sabia que os factos contidos nas suas publicações não correspondiam à verdade e ainda assim publicou. Mais uma vez, julgamos nós, está perfeitamente descrito factos integradores do elemento volitivo. fff) No artigo 25º da Acusação Particular vem, novamente, alegado o facto integrador do elemento subjectivo conjuntamente com as normas incriminadoras, “Pelo exposto, cometeu, em autoria material e na forma consumada, o crime de Difamação com Publicidade e Calúnia, previsto e punido nos termos do disposto nos artigos 183º, n.º 1, alínea a), por referência ao artigo do 180º do Código Penal, em circunstâncias que facilitaram a sua divulgação, sabendo que os factos que imputava ao Assistente eram e são falsos”. (Sublinhado e negrito Nosso). ggg) “Sabendo que os factos que imputava ao assistente eram falsos”. Mais uma vez, é feita referência, na Acusação Particular, ao facto que o arguido sabia que os factos eram falsos e ainda assim se decidiu pelas publicações em páginas das redes sociais incluindo a sua. hhh) Por tudo que ficou acima exposto, a Acusação Particular descreve claramente factos integradores do elemento subjectivo, mais concretamente os relativos ao elemento volitivo, artigos 14º, 20º, 22º e 25º da Acusação Particular, pelo que se deve concluir que elemento subjectivo se encontra plenamente preenchido. Isto porque o arguido utilizou um meio propagação em massa para difamar o assistente, por escrito, sabendo que os factos não correspondiam à verdade, ou seja, que o assistente nada tinha que ver com o alegado furto e esse seu comportamento, que podia ter sido outro, foi atentatório da honra do assistente. iii) De qualquer forma, sempre se diga, estamos no âmbito de escritos que constam em publicações de uma das maiores redes sociais conhecidas, que foram alegados e descritos na própria AP, e provando-se, como se provou, que o arguido agiu livre e conscientemente bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, seria redundante a menção das palavras deliberado/voluntário na velha e estereotipada locução gramatical. jjj) O arguido, para as seus “ataques”, escolheu o meio de difusão, rede social ( podia ter sido qualquer outro meio) e escolheu as palavras que, por sua vez, criaram frases que resultaram em conteúdos difamatórios e atentatórios da honra do assistente, tais como: “(…) virtude de alguns “amigos músicos” (... (CC, EE, DD e BB)) terem assaltado a minha sala de ensaio em abril de 2019” (artigo 2º Acusação Particular) e “CC…DD…BB e EE…decidam-se…assumam e devolvam os instrumentos.” (artigo 4º Acusação Particular), ou ainda “Aguardo que os larápios devolvam. gente sem vergonha na cara!” (Artigo 5º da Acusação Particular que remete para as Fls. 9 dos autos), e também “Mais um episódio desta novela: os 4 elementos da banda (CC, DD, BB , EE) da banda ..., ensaiavam em ... e tinham em poder deles, nessa sala de ensaio, alguns dos meus instrumentos roubados, cuja apreensão estava requerida na psp. mal souberam que iam ser apanhados, desapareceram dessa sala de ensaio e levaram tudo.” (Artigo 5º da Acusação Particular que remete para as Fls. 10 dos autos), e “Os 4 visados: CC …DD…EE e BB membros dos ... apagaram a pagina do facebook na qual publicaram fotomontagens a denegrir o meu bom nome e imagem. Há um processo por difamação em curso contra eles por isso apagaram a pagina. Mais uma vez está demonstrado que se trata de uma quadrilha de assaltantes que em vez de me entregarem o que roubaram preferem a fuga para a frente. O grau de instrução deles é muito baixo. Espero que quem os está a instruir a nível jurídico pense bem nas consequências para o futuro deles. Eles andam todos a gozar com quem foi o maior amigo deles e quem mais os ajudou na musica. Apenas quero que me entreguem o que me roubaram. Inclusivamente lhes dei chance de desistir da queixa se me entregassem tudo.” (Artigo 5º da Acusação Particular que remete para as Fls. 11 dos autos). (Sublinhado nosso). kkk) Somos assim da ideia que a publicação de escritos difamatórios em meios que facilitam a sua difusão, implica, desde logo, um acto deliberado. Já que, como se disse, envolve uma escolha de um meio, de palavras pelo que a sua simples descrição na Acusação Particular – provado claro está a voluntariedade e a consciência. Já relativamente ao conhecimento da proibição legal já levanta dúvidas que a mesma tenha que estar necessariamente descrita na Acusação Particular por estar em causa um crime clássico –, acarretará automaticamente a alegação de factos que preenchem o elemento volitivo. lll) Relativamente ao elemento subjectivo do crime de difamação este preenche-se com qualquer modalidade do dolo. (Cfr artigo 80º da Motivação deste Recurso). mmm) Ora, o arguido atuado como atuou, e de resto como se provou ter atuado, no mínimo a sua conduta foi a título de dolo necessário (n.º2 do artigo 14º do CP) ou eventual( n.º 3 do artigo 14º do CP). Apesar de considerarmos, por tudo que ficou exposto, e salvo melhor opinião, que a modalidade do dolo aqui em causa será a mais intensa, ou seja, o dolo direto (n.º 1 do Artigo 14º do CP). nnn) O MP aderiu à Acusação Particular e esta foi recebida pelo Tribunal a quo, em 29/09/2022, e no respetivo despacho constava o seguinte, “Não se verificam nulidades, outras questões prévias ou incidentais das quais cumpra conhecer e que obstem ao conhecimento do mérito da causa.” Ora, se a Acusação Particular não padecia de nulidades ou outras questões prévias ou incidentais, pois senão a mesma teria que ser recusada, nos termos do artigo 311º do CPP, não se compreende que o Tribunal viesse depois invocar esses vícios na Sentença para absolver o arguido. ooo) Desta forma, e em conformidade com o que ficou exposto, ou seja, atuação dolosa do arguido por preenchimento dos elementos subjectivos do dolo do tipo, e por preenchimento dos elementos objectivos do crime de difamação, há de também ela se refletir no pedido de indeminização civil por se verificarem os pressupostos da mesma e pelo a qual deve o arguido ser também condenado. ppp) Assim, deve-se conceder provimento ao recurso interposto pelo assistente, revogando a sentença recorrida e condenar o arguido pelo crime pelo qual foi acusado bem como do Pedido de Indemnização Civil. Nestes termos e nos melhores de direito, e sempre com o douto suprimento de V/Exas, Venerandos Desembargadores, deve-se conceder provimento ao presente recurso, sendo reconhecida razão ao assistente, ora recorrente, e, em consequência, declarar nula a sentença do tribunal a quo por omissão do dever de pronúncia relativamente aos factos descritos no artigo 5º da acusação particular ou, caso assim não se entenda, devem sempre aqueles factos ser dados como provados, bem como considerar o elemento subjectivo da acusação particular plenamente preenchido e, em consequência, revogar a decisão recorrida, que deve ser substituída por outra que condene arguido pelo crime pelo qual foi acusado, bem como condenando-o ainda no respetivo pedido de indemnização civil. * O Ministério Público junto do Tribunal de Primeira Instância apresentou resposta, pugnando no sentido de que deve dar-se provimento ao recurso.Sem formular conclusões, alega que perante os factos dados como provados, efectivamente, o arguido deveria ter sido condenado pela prática do crime de difamação quanto às publicações efectuadas e descritas nos pontos 2 e 3, dos factos provados - sendo que também deveria ter sido dado como demonstrado o referido no ponto 20º da acusação particular, porquanto não só resultou das declarações do assistente (cfr. As suas declarações identificadas na acta), como do ponto 7 dos factos provados. Concretiza os fundamentos da sua discordância quanto ao decidido nos seguintes termos: Com efeito, para além de o assistente se ter queixado, quanto a tais factos, tempestivamente, as expressões em causa são objectivamente susceptíveis de ofender a honra e consideração de quem quer que seja, por um lado e, por outro, o assistente sentiu-se ofendido na sua honra e consideração – cfr. Ponto 7 dos factos provados e declarações deste. Depois, consta também demonstrado nos autos, tal como consta dos factos provados, que o arguido agiu livre e conscientemente, perfeitamente sabedor que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. Ou seja, parece-nos que andou mal o Tribunal a quo ao absolver o arguido da prática deste crime em concreto, porquanto, atenta a matéria de facto dada por demonstrada, os escritos constantes dos autos, as declarações prestadas, tudo devidamente cotejado com as regras da experiência comum permitiram concluir que AA cometeu o aludido crime de difamação. Senão, vejamos. Com efeito, consta expressamente do libelo acusatório deduzido pelo assistente que, “com o referido comportamento, o arguido ofendeu e difamou o assistente, imputando-lhe factos e comentários que atentaram contra a sua honra e consideração, em circunstâncias que não só facilitaram como efectivaram a sua divulgação” e, bem assim, dos pontos 6 e 7 dos factos provados, que “O arguido agiu livre e conscientemente bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei” e “O demandante sentiu-se ofendido e com raiva, ira, envergonhado e desonrado na sequência do referido de 1. a 6.” Importa ter presente que são os elementos subjectivos do crime, com referência ao momento intelectual (conhecimento do carácter ilícito da conduta) e ao momento volitivo (vontade de realização do tipo objectivo de ilícito) que permitem estabelecer o tipo subjectivo de ilícito imputável ao agente através do enquadramento da respectiva conduta como dolosa ou negligente e dentro destas categorias, nas vertentes do dolo directo, necessário ou eventual e da negligência simples ou grosseira. Ora, não só consta do libelo acusatório que o arguido sabia da ilicitude da sua conduta, como que agiu livre e conscientemente, ou seja, porque quis e como quis. E consta ainda que a sua conduta ofendeu a honra e consideração do assistente, facto a que aquele não podia ser alheio. Entendemos, por isso, que não estamos perante a situação a que alude o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 1/2015, publicado no Diário da República I Série, de 27 de Janeiro de 2015, antes descrevendo a acusação particular deduzida, minimamente, todos os elementos constitutivos do dolo. Por esse motivo, deveria o arguido ter sido condenado pela prática do crime de difamação que lhe vinha imputado em sede de acusação particular, e que o Ministério Público acompanhou, a fls. 99 dos autos. Assim, e atendendo a que o arguido não tinha antecedentes criminais, que admitiu a prática dos factos, mas que publicitou por mais do que uma vez os dizeres descritos nos autos, entendemos que lhe deverá ser aplicada uma pena de multa - sendo que, quanto ao quantitativo diário, atendendo a que aufere cerca de €5.000 mensais, que vive com a esposa advogada, em casa própria, pagando mensalmente a quantia de cerca de €2.000 a título de amortização de empréstimo bancário, se deverá fixar em €20/dia. Deste modo, e em suma, ao absolver o arguido pela prática de 1 crime de difamação com publicidade, violou o Tribunal a quo o disposto nos artigos 180º, n.º1, 183º e 14º, todos do Código Penal, devendo, por isso, a sentença recorrida ser revogada nesta parte e substituída por outra que condene aquele pela prática do aludido crime, em pena de multa, com um quantitativo diário de €20. * O arguido apresentou resposta, pugnando no sentido de que o recurso deve ser julgado improcedente, alegando, para o efeito que a decisão recorrida não merece reparo, emergindo da mesma uma correta interpretação e aplicação da lei.* Subscrevendo na íntegra a resposta ao recurso do Ministério Público na primeira Instância, nesta Relação o Senhor Procurador Geral-Adjunto nesta Relação emitiu parecer no sentido de que a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que condene o arguido pela prática do crime de que foi absolvido, bem como no pedido de indemnização cível deduzido.* Cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, foi apresentada resposta pelo arguido. Reiterando a resposta que apresentou ao recurso, conclui que deve ser julgado improcedente e mantida na íntegra o decidido pelo Tribunal a quo.Colhidos os vistos legais e efetuado o exame preliminar, foram os autos à conferência. *** II. FUNDAMENTAÇÃO. Objeto do recurso Atento o disposto no art.º 412.º, n.º 1, do CPP, e como é consensual na doutrina e na jurisprudência, o âmbito do recurso é definido pelas conclusões que a recorrente extrai da sua motivação, sem prejuízo do conhecimento das questões de conhecimento oficioso. No caso concreto, considerando tais conclusões, são as seguintes as questões suscitadas pelo recorrente e colocadas à apreciação deste tribunal: > Nulidade da sentença. >Preenchimento do tipo. ** Factos alegados na acusação particular, acompanhada pelo Ministério Público 1.O Assistente é membro de uma banda musical com o nome “ ...” actualmente designada por “ ...”. (https://www.facebook.com/...). 2. No dia 03/11/2021, o Assistente constatou que na página do “Facebook” do Arguido, mais concretamente na sua biografia, constava o seguinte: “Em Novembro de 2018 integra a banda de covers …, com DD na voz e guitarra, FF nas teclas, GG na bateria e voz, HH na guitarra e voz e AA no baixo. Sai deste projecto musical a 18/09/19 em virtude de alguns “amigos músicos” (... (CC, EE, DD e BB)) terem assaltado a minha sala de ensaio em abril de 2019)” (sublinhado nosso). Tudo conforme cópias dos prints, fls. 12 e 13 dos autos. Documentos que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais. 3. Após ter tido conhecimento da queixa do Assistente, em 20/04/2022, o Arguido modificou conteúdo da biografia da sua página do “Facebook” onde, à data de 21/06/2022, constava o seguinte: “Em Novembro de 2018 integra a banda de covers ..., com DD na voz e guitarra, FF nas teclas, GG na bateria e voz, HH na guitarra e voz e AA no baixo. Sai deste projecto musical a 18/09/19 em virtude de alguns “amigos” terem assaltado a sala de ensaio.” Tudo conforme cópia do print à página da Biografia, no “Facebook”, do Arguido. Documento que ora se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. (Doc.1). 4. Para além dos factos acima relatados, o Arguido fez publicações onde identificou, claramente, o Assistente com o seguinte comentário: “CC…DD…BB e EE…decidam-se…assumam e devolvam os instrumentos.” Tudo conforme cópia do print, fl. 7 dos autos. Documento que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 5. Sem esquecer as publicações no grupo do “Facebook”, “Instrumentos musicais ...!”, grupo que à data tinha cerca de 1.9 mil membros, cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido, fls. 9,10 e 11 dos autos. 6. No dia 02/12/2021, já depois da queixa do Assistente, portanto, o Arguido publicou, na sua página do Facebook, uma foto de um membro da banda, DD, com os seguintes dizeres: “Continuo a aguardar que os elementos desta banda envolvidos no assalto à minha sala de ensaio (em 2019) me devolvam os instrumentos musicais (valor: 8-10.000 eur). Alerto os colegas que tocam com eles para não irem em histórias da carochinha…pois a situação é grave e tem vários processos em tribunal. II, CC, DD, BB, EE, JJ, KK…podem ligar comigo a qualquer hora…...95. porque inventam histórias perante as autoridades, porque fogem? https://www.facebook.com/...) https:/fb....).” Tudo conforme cópia do print à página do Facebook. Documento que ora se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. (Doc.2). 7. Ainda no mesmo dia, 02/12/2021, o Assistente deu conta, na página do Facebook dos “Grupos Musicais de ...”, que o Arguido utilizou uma foto, publicada em 13 de novembro de 2021 pelo bar B..., onde figuravam os membros da banda, com o mesmo conteúdo descrito acima : “ Continuo a aguardar que os elementos desta banda envolvidos no assalto à minha sala de ensaio (em 2019) me devolvam os instrumentos musicais (valor: 8-10.000 eur). Alerto os colegas que tocam com eles para não irem em histórias da carochinha…pois a situação é grave e tem vários processos em tribunal. II, CC, DD, BB, EE, JJ, KK…podem ligar comigo a qualquer hora…...95. porque inventam histórias perante as autoridades, porque fogem? https://www.facebook.com/...) https:/fb....).” Tudo conforme cópia do print da página do Facebook dos “Grupos Musicais de ...”. Documento que ora junta e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. (https://www.facebook.com/Grupos-Musicais-....),(...- ...) e (Doc. 3). 8. A página do Facebook dos “Grupos Musicais de ...” é administrada pelo Arguido. (https://www.facebook.com/Grupos-Musicais-....). 9. Já no dia 25 de abril de 2022, os elementos banda “...”, incluindo o Assistente, tocaram no bar de praia “ C...”. Tudo conforme cópia do print cartaz do evento. Documento que ora se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido. (https://www.facebook.com/...) e (Doc. 4). 10. Nos dias seguintes, ou seja, já depois da actuação da banda “...”, foi dado a conhecer ao Assistente que o Arguido, desta vez por intermédio de mensagens, via Messenger do Facebook – incluindo para pessoas que nem sequer contavam da sua lista de amigos (como se pode constatar da informação do Messenger na linha final: “ Se responderes AA vai poder ligar-te e ver informações como quando estás online ou quando leste as mensagens”. “Bloquear” “Eliminar”) –, enviou mensagens com o seguinte conteúdo: “ Bom dia, venho informar que elementos da banda ...que tocaram no C... estão envolvidos em assalto de instrumentos musicais no valor de 10.000 euros, cujos processos decorrem no tribunal de santa maria da feira. seria avisado que esses senhores não deveriam participar em eventos musicais enquanto não devolverem os instrumentos. O senhor não sabe disto mas fica a saber por quem foi roubado. se quiser posso falar consigo e mostrar todos os documentos e provas. um bom dia! . Tudo conforme cópia da mensagem via Messenger do Facebook. Documento que ora se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido. (Doc. 5). 11. No dia 18 de junho de 2022, o Arguido publicou uma foto, na sua página pessoal, retirada da página oficial da banda “... ”, onde deixou o seguinte comentário: “ O assalto dos meus instrumentos foi numa sala por baixo deste bar. É preciso ter muita cara de pau…sabendo o que se passou…” Tudo conforme cópias dos prints da página do Facebook. Documentos que ora se juntam e aqui se dão por integralmente reproduzidos. (Doc. 6 e Doc. 7). 12. A publicação do Arguido deu origem a um comunicado, na página do Facebook do bar identificado, “A...”, Santa Maria da Feira, em 21/06/2022, com o seguinte conteúdo: “O A... informa que não se revê neste tipo de comentários que de muitas formas levam a crer a existência de responsabilidades a algum assalto de uma sala de ensaios existente por baixo do nosso espaço…infelizmente e ao que parece tem sido recorrente estes tipos de comentários a locais onde a banda actua!!! Em nome do A... pede-se respeito pelo nome da casa.tudo o resto que seja resolvido entre os demais envolvidos na questão”. Tudo conforme cópias dos prints da página do Facebook. Documentos que ora se juntam e aqui se dão por integralmente reproduzidos. https://www.facebook.com/... e (Doc. 8 e Doc. 9). 13. Que o Assistente trabalha em regime de prestação de serviços na área de controlo de pragas, para as mais variadas empresas, e utilizava a rede social “Linkedin”, para a procura e desenvolvimento de novos mercados e relações comercias. Porém, o Assistente foi obrigado a remover a sua página devido às publicações do Arguido, na sua página, onde este identificou e expôs outros membros da banda, designadamente DD e CC, o que impediu o Assistente de explorar e estender os seus contactos e, consequentemente, aumentar o volume do seu negócio. Tudo conforme cópia do print da página do Facebook. Documento que ora se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido. (Doc. 10). 14. O Arguido utilizou diversas páginas e grupos com um vasto alcance, nomeadamente a sua página, a página da banda “...”, o grupo público “Instrumentos musicais ...!”, a página do bar “A...” e do grupo “Grupos Musicais de ...”, para difamar os elementos da banda e, em especial, o Assistente. 15. O Assistente desconhece de todo os factos que lhe são imputados! 16. O Assistente não conhece pessoalmente o Arguido nem nunca privou com este. 17. O Assistente também desconhece qualquer processo contra si por furto ou roubo, para além do processo que o Arguido deduziu contra este por alegada difamação com publicidade e calúnia. Processo que ainda corre termos neste tribunal sob o número 620/20.7GBVFR. 18. Os comentários e expressões utilizadas pelo Arguido, visualizados por centenas, senão milhares de pessoas, nas redes sociais, dirigidas ao Assistente, tiveram repercussões devastadoras para a vida pessoal do Arguido e para a sua banda. 19. Consequências que ainda se sentem visto que o Arguido não cessou a sua conduta. 20. Com o referido comportamento, o Arguido ofendeu e difamou o Assistente, imputando-lhe factos e comentários que atentaram contra a sua honra e consideração, em circunstâncias que não só facilitaram como efectivaram a sua divulgação. 21. O Assistente é um homem trabalhador e sempre foi uma pessoa respeitada no meio em que vive, sendo-lhe reconhecida uma grande autoridade moral, pacatez e uma profunda honestidade. 22. Por outro lado, o Arguido sabia que com as suas publicações em diversas páginas da rede social “Facebook”, e também através de mensagens via “Messenger”, estava a imputar factos ao Assistente que não correspondiam nem correspondem à verdade. 23. Consequentemente, o Assistente viu o seu rendimento reduzido, tanto pelo cancelamento dos concertos da banda, bem como pela oportunidade de expandir o seu trabalho na área da sua residência. 24. O Arguido agiu livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei. 25. Pelo exposto, cometeu, em autoria material e na forma consumada, o crime de Difamação com Publicidade e Calúnia, previsto e punido nos termos do disposto nos artigos 183º, n.º 1, alínea a), por referência ao artigo do 180º do Código Penal, em circunstâncias que facilitaram a sua divulgação, sabendo que os factos que imputava ao Assistente eram e são falsos. ** Factos provados e não provados na sentença recorrida Factos provados: 1. O Assistente é membro de uma banda musical com o nome “ ...” actualmente designada por “ ...”. 2. No dia 03/11/2021, o Assistente constatou que na página do “Facebook” do Arguido, mais concretamente na sua biografia, constava o seguinte: “ Em Novembro de 2018 integra a banda de covers ..., com DD na voz e guitarra, FF nas teclas, GG na bateria e voz, HH na guitarra e voz e AA no baixo. Sai deste projecto musical a 18/09/19 em virtude de alguns “amigos músicos” (... (CC, EE, DD e BB)) terem assaltado a minha sala de ensaio em abril de 2019)”. 3. O Arguido fez ainda publicação em data não concretamente apurada, mas cerca de cerca de duas semanas antes de 04.11.2021, onde identificou o Assistente com o seguinte comentário: “CC…DD…BB e EE…decidam-se…assumam e devolvam os instrumentos.” 4. O referido em 2. e 3. foi visualizado por número não concretamente apurado de pessoas da rede social. 5. O arguido sabia que o referido em 2. não correspondia à verdade. 6. O arguido agiu livre e conscientemente bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei. – 7. O demandante sentiu-se ofendido e com raiva, ira, envergonhado e desonrado na sequência do referido de 1. a 6.– 8. O arguido é licenciado em Direito, é empresário da construção civil, auferindo cerca de €5.000 líquidos por mês, vive com a esposa, advogada e um filho, já a exercer actividade profissional, o qual não contribui para as despesas domésticas, habitam em casa própria do arguido, adquirida com recurso a crédito bancário, pagando mensalmente cerca de €2.000,00.– 9. O arguido não tem antecedentes criminais. Factos não provados: a) Com o referido de 1. a 6. o demandante ficou, inclusive, dominado por um sentimento de enorme justiça que é contrária à sua forma de estar. b) O Demandante sempre foi uma pessoa trabalhadora e respeitada no meio em que vive, sendo-lhe reconhecida uma grande autoridade moral, profunda honestidade, pacatez e educação. c) As publicações do arguido referidas em 2. e 3. foram partilhadas. d) O demandante experienciou os sentimentos referidos em 8. perante familiares, amigos, conhecidos, vizinhos e bares onde a banda actuou. e) O demandante é doente cardíaco, sendo que o referido de 1. a 6. fez com que o demandado ficasse ansioso, triste, amargurado, sobretudo, com a sua doença agravada tendo, inclusive, sido internado, na primeira quinzena de Setembro de 2021. f) O referido de 1. a 6. criou no Demandante uma forte perturbação do equilíbrio emocional, psíquico e social. * Na sentença consta a seguinte motivação da decisão de facto:Nos termos do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal, a prova é apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção do julgador. Assim, enunciados os factos, cumpre apreciar criticamente as provas, não bastando uma mera enumeração dos meios de prova, sendo necessária “ a explicitação do processo de formação da convicção do Tribunal” - cfr. Ac. TC nº680/98, de 02.12, in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19980680.html, por forma a resultar claro para os destinatários a compreensão do porquê da decisão e do processo lógico - mental que permitiu alcançar a decisão proferida. Na fixação da matéria de facto o Tribunal atendeu de forma crítica, conjunta e concatenada à prova produzida e CRC, apreciando-os à luz das regras da experiência (excepcionando a prova relacionada com matéria alegada e não elencada na decisão de facto pelas já sobreditas razões, seja quanto à acusação particular seja quanto ao pedido cível associado). Concretizando, No que se relaciona com a factualidade constante de 1. a 4. a convicção do Tribunal assentou nas declarações uníssonas do arguido e assistente, conjugadas com os documentos (“prints”) de fls. 12v a 13v e 7 dos autos, tanto mais que de tais documentos constam “gostos” e comentários de terceiros, figurando ainda da página pessoal do arguido vários “amigos”. No que se refere ao facto constante em 5. a convicção do Tribunal assentou no documento junto em audiência (fls. 116 e ss) e que consubstancia conversa trocada entre o arguido e o assistente, tendo aquele expressamente dito ao assistente que o projecto musical que o assistente integra nasceu logo a seguir “ao assalto”, não suspeitando do arguido, mas referindo que o mesmo poderia ter um papel relevante no sentido de confrontar os demais elementos com o alegado pelo arguido em tais mensagens. O que vai de encontro às declarações do arguido em juízo ao declarar que “não tem nada contra o assistente”. De resto, note-se que da certidão judicial junta aos autos relacionada com o P. 156/19.9PAVFR resulta que num momento inicial o arguido apresenta em 20.04.2019 queixa contra incertos, apontando no decurso suspeitas contra terceiros que não o ora assistente, que vem referido apenas declarações de 29.07.2020 como integrando a banda musical composta pelos restantes que já tinha indicado como suspeitos (fls. 125 e ss), merecendo os autos despacho de arquivamento em 21.01.2021, do que o ora arguido foi notificado via postal com PD a 01.02.2021, tendo subsequentemente em 26.02.2021 requerido intervenção hierárquica, não se vendo ao longo de tal requerimento qualquer referência ou imputação, mesmo sob a forma de suspeita, ao ora assistente, ou sequer diligências requeridas em relação a si, sequer se vendo que no despacho de 05.03.2021 ou subsequentes constantes da certidão junta tenha sido ordenada qualquer diligência visando expressamente o assistente, sendo proferido novo despacho de arquivamento a 03.11.2021 (não se vendo qualquer outra referência a BB, que não apenas para referir que integrava a banda musical), do qual o ora arguido foi bem assim pessoalmente notificado por via postal simples com PD de 09.11.2021, tendo o mesmo por meio do Il. Mandatário requerido nova intervenção hierárquica, do qual não se vê – uma vez mais – ressalte qualquer imputação/suspeita ao aqui assistente BB, tão pouco sendo solicitadas quaisquer diligências dirigidas a si. Tal requerimento veio a naufragar na sequência de despacho de 10.12.2021 que indeferiu a reabertura do inquérito. Para prova da factualidade constante em 6. o Tribunal socorreu-se das regras da experiência, tendo em conta o normal acontecer das coisas em situações similares e a livre apreciação, conjugada com a demais prova já referida supra para dar como provada aquela factualidade nos termos em que o fez, não colhendo, pelas apontadas razões as declarações do arguido neste particular em face dos já apontados elementos de prova, mormente certidão do id. inquérito e ainda mensagens trocadas com o assistente. - Para prova da factualidade relacionada com as consequências da actuação do arguido na pessoa do assistente o Tribunal socorreu-se das declarações do próprio assistente, que neste estrito particular nos mereceu credibilidade, tanto mais que tal, na medida do provado, é conforme às regras da experiência e ao normal acontecer das coisas em situações de natureza similar, tendo-se ainda apelado à livre apreciação.Os factos relativos às condições sócio económicas do arguido resultaram provadas por apelo às declarações do arguido que, neste estrito particular, mereceram credibilidade, não se vendo que o mesmo tivesse quanto a esta matéria interesse em faltar à verdade e não se vêm contrariadas por outra prova. A ausência de antecedentes criminais do arguido resultou por apelo ao CRC junto aos autos. - Os factos não provados resultaram assim em virtude de falta, insuficiência de prova ou prova produzida em sentido contrário.Desde logo note-se que as testemunhas arroladas pelo demandante não se mostraram de relevo para a decisão do Tribunal, na medida em que os seus relatos se mostraram associados a episódios que não faziam em concreto parte do objecto em discussão. Acresce que as declarações do demandante por si só, no mais que extravase os factos provados, não se mostram bastantes, desacompanhadas de outros elementos probatórios para prova de factualidade que lhe é favorável, não se podendo perder de vista que o assistente face a tal qualidade e de demandante tem manifesto interesse no desfecho da causa, tanto na vertente criminal, como cível. Certo é que, não obstante não se vislumbrar qualquer dificuldade, nem a mesma ter sido alegada (tanto mais que se trata de informação pessoal) o assistente não juntou qualquer documentação clínica a comprovar a sua condição de saúde, designadamente quanto às patologias alegadas ou internamento. - Na sentença consta a seguinte fundamentação de direito: Da qualificação jurídica. Estatui o 180º, nº 1, do CP, incorre na prática do crime de difamação “quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo”. Por sua vez, o art. 182º CP equipara à difamação verbal a feita por escrito, gestos, imagens ou qualquer outro meio de expressão. A norma insere-se no capítulo dos crimes contra a honra. O bem jurídico protegido consubstancia-se num bem imaterial, extremamente vulnerável, mas de difícil apreensão – a honra. Com efeito, a sua complexidade manifesta-se, desde logo, no modo como o seu conteúdo e limites têm sido analisados pelas duas principais concepções: fáctica e normativa. Os defensores da concepção fáctica revêem-se na chamada honra subjectiva (a ideia que alguém tem das suas próprias qualidades; o sentimento de dignidade e decoro; a soma dos valores morais que o indivíduo se atribui a si próprio) e na honra externa (a ideia que os outros têm de si; a estima e a consideração de que se goza; o património moral que deriva da consideração alheia, ou seja, a reputação ou bom nome). Na perspectiva da concepção normativa, o conteúdo do bem jurídico surge como que atado ao efectivo cumprimento dos deveres éticos. Vale por dizer, que apenas é tutelada a honra merecida. A importância do bem jurídico em causa é de tal modo acentuada que a própria Constituição da República Portuguesa (CRP) a tutela expressamente no art. 26º, ao consagrar, a parte de outros direitos de personalidade, o direito ao bom nome e reputação, que resulta, desde logo, da dignidade da pessoa humana, consagrada igualmente no art. 1º da CRP. Enquanto direito fundamental, o bom-nome e reputação constitui fundamento essencial ao desenvolvimento da pessoa em sociedade. Segundo Faria Costa [RLJ nº3926] a honra pode ser entendida como “(…) um bem jurídico complexo que inclui quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior”. No mesmo sentido, refere-se no Ac. STJ de 12.01.2000 [BMJ 493, p.156] que “A honra (e, por aproximação, o bom nome) está ligada à imagem que cada um tem de si próprio, construída interiormente mas também a partir de reflexões exteriores, repercutindo-se no apego a valores de probidade e honestidade; a reputação (e também a boa fama) representa a visão exterior sobre a dignidade de cada um, ao apreço social, o bom nome de que cada um goza no círculo das suas relações.” Face ao exposto, podemos dizer que, no que concerne ao conceito de honra, a doutrina dominante no nosso ordenamento jurídico tempera a concepção normativa com uma dimensão fáctica (concepção dual). Com efeito, a concepção dual é a única que se mostra compatível com a nossa lei. Na verdade, contrariamente ao que sucede noutros ordenamentos jurídicos, entre nós, na linha da tradição anterior e em inteira sintonia com a ordem constitucional, é alargada a tutela da honra também à consideração ou reputações exteriores. Neste sentido, já se defendeu que "a jurisprudência e a doutrina jurídico-penais têm correctamente recusado sempre qualquer tendência para uma interpretação restritiva do bem jurídico honra, que o faça contrastar com o conceito de consideração (...) ou com os conceitos jurídico constitucionais de bom nome e de reputação. Nomeadamente, nunca teve entre nós aceitação a restrição da honra ao conjunto de qualidades relativas à personalidade moral, ficando de fora a valoração social dessa mesma personalidade; ou a distinção entre opinião subjectiva e opinião objectiva sobre o conjunto das qualidades morais e sociais da pessoa; ou a defesa de um conceito puramente fáctico, quer -no outro extremo - estritamente normativo". - Faria Costa, RLJ nº 3926. Segundo Leal - Henriques e Simas Santos [in “O Código Penal de 1982”, Vol. II, 1986, pág. 196] a honra constitui “a essência da personalidade humana” o conjunto de valores éticos que cada pessoa humana possui, designadamente o carácter, a lealdade, a probidade, a rectidão, ou seja, a dignidade subjectiva, o património pessoal e interno de cada um; e a consideração “o património de bom nome, de crédito, de confiança que cada um pode ter adquirido ao longo da sua vida, sendo como que o aspecto exterior da honra, já que provém do juízo em que somos tidos pelos outros.”. Visto o bem jurídico protegido, atente-se agora no tipo objectivo de ilícito. O tipo objectivo consiste em difamar outra pessoa. Tal pode ocorrer, segundo o texto da lei, por duas vias: a) Dirigir-se a terceiro b) Imputar a outra pessoa factos (mesmo sob a forma de suspeita) ou c) Ou formular acerca de outra pessoa um juízo d) Ou reproduzir a imputação ou juízo referidos em b) e c) em qualquer dos casos, ofensivos da sua honra ou consideração. Para o preenchimento do tipo importa pois distinguir, desde logo, se estamos na presença de factos ou juízos de valor. Facto é tudo aquilo que é ou acontece “(…) na medida em que se considera como um dado real da experiência.” [Faria Costa, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, p.609]. “Juízo (…) deve ser percebido, neste contexto, não como apreciação relativa à existência de uma ideia ou de uma coisa, mas ao seu valor.” [Faria Costa, op. cit., p.610]. A imputação de factos pode preencher o tipo, mesmo que tenha lugar sob a forma de suspeita. Com efeito, “a imputação de factos (…) desonrosos podem ser ineqívocas, não apresentarem a mínima dúvida, ou podem estar recobertas pelo manto perverso e acutilante da suspeita. (…) o cerne da determinação dos elementos objectivos tem sempre de fazer[-se] pelo recurso a um horizonte de contextualização. Reside, pois, aqui, um dos elementos mais importantes para, repete-se, a correcta determinação dos elementos objectivos do tipo.” [Faria Costa, op. cit., p.612]. Estamos na presença de um crime de perigo, ou seja, o tipo basta-se com a verificação da susceptibilidade das expressões para ofender, não exigindo o dano. No que concerne ao tipo subjectivo, trata-se de um tipo doloso, em qualquer das suas modalidades – dolo directo, necessário ou eventual (arts. 13º e 14º CP) -, “bastando, portanto, que o agente, ao realizar voluntariamente a acção, se tenha dado conta da capacidade ofensiva da integridade moral da pessoa visada, não se exigindo qualquer finalidade ou motivação especial”- por todos, o Ac. TRP, de 25.01.1995, CJ, Ano XX, tomo I, pág. 245. Ou seja, no que ao tipo subjectivo respeita é pacífico que o mesmo também não exige uma actuação do agente com “animus injuriandi vel diffamandi” ou dolo específico. Basta, por isso, para preenchimento do tipo subjectivo de ilícito que o agente aja com dolo genérico, ou seja, que actue na consciência de que as expressões utilizadas são aptas a produzirem ofensa da honra e consideração da pessoa visada – cfr. art. 14.º CP. “É, pois, suficiente para a sua realização que o autor saiba que está a atribuir um facto, ou a formular um juízo de valor, cujo significado ofensivo do bom nome ou consideração alheia ele conhece, e o queira fazer, e isto em qualquer das modalidades do dolo previstas no art.º14.º, do CP, bastando a consciência da genérica perigosidade da conduta ou do meio da acção previstos nas normas incriminadoras respectivas.”. - cfr. Ac STJ de 13.07.2017, que se acompanha neste particular. - Contudo,além dos factos subsumíveis ao tipo objectivo, a factualidade há-de respaldar ainda elementos consubstanciadores do tipo subjectivo, com referência ao elemento intelectual (conhecimento do carácter ilícito da conduta) e ao elemento volitivo (vontade de realização do tipo objectivo de ilícito), sem os quais não é possível tal imputação[1], mais se exigindo que na conduta não intervenham quaisquer causas de justificação ou desculpação. “Num crime doloso - só esse está aqui em causa - da acusação há-de constar necessariamente, pela sua relevância para a possibilidade de imputação do crime ao agente, que o arguido agiu livre (afastamento das causas de exclusão da culpa - o arguido pôde determinar a sua acção), deliberada (elemento volitivo ou emocional do dolo - o agente quis o facto criminoso) e conscientemente (imputabilidade – o arguido é imputável), bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei (elemento intelectual do dolo, traduzido no conhecimento dos elementos objectivos do tipo).” – cfr. Ac. TRC de 06.01.2011, P. 150/10.5T3OVR.C1, in www.dgsi.pt -, sendo certo que não é admissível ao Juiz ordenar qualquer convite ao aperfeiçoamento ou correcção de uma acusação, formal ou substancialmente deficiente – Ac. TRP, de 14.12.2005, P.0315033, in www.dgsi.pt e citado por este o Ac. TRL, de 10.10.2002, in Col. de Jur., ano XXVII, tomo IV, pág. 132 e ainda AUJ 1/2015, 27.01, Diário da República n.º 18/2015, Série I de 2015-01-27, páginas 582 – 597, disponível também em https://dre.pt/dre/detalhe/acordao-supremo-tribunal-justiça/1-2015-66348204 (em situação similar) e Ac. TRL de 10.03.22, P. 8467/19.7T9LSB.L1-9, in www.dgsi.pt. De facto, dolo não é apenas conhecimento, mas também a vontade. - Para o que importa, resulta ainda do disposto no art. 183.º n.º1 al.s a) e b) e n.º2 CP que “1 - Se no caso dos crimes previstos nos artigos 180.º, 181.º e 182.ºa) a ofensa for praticada através de meios ou em circunstâncias que facilitem a sua divulgação; (…) as penas da difamação e da injúria são elevadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo.” - Referir ainda que o Tribunal não olvida que o direito à liberdade de expressão tem consagração constitucional no art. 37.º CRP, com dimensões na liberdade de criação cultural (art. 42°), na liberdade de consciência e de culto (art. 41°), na liberdade de aprender e ensinar (art.43°) e até na liberdade de reunião e manifestação (art.45°).Tais direitos não podem ser sujeitos a impedimentos nem discriminações (n° 1, do art. 37.º CRP), ou seja, dentro dos limites do direito não pode haver obstáculos ao seu exercício, todos dele sendo titulares em igualdade de circunstância, ressalvadas as exclusões constitucionalmente admitidas. Contudo, a liberdade de expressão não é, nem pode ser exercida nem entendida como absoluta, alheia à eventualidade de colisão com direitos/valores de igual ou superior consagração constitucional, de entre os quais consta o direito à integridade moral, ao bom nome e reputação, consagrado no art. 26.º CRP. O direito à liberdade de expressão não pode fazer, por isso, tábua rasa do direito à honra e reputação, já que a tal se opõe o art.18º, nº 3 CRP. Em face do que vai dito, impõe-se concluir que a prática de factos tipificados como crime de injúria e difamação não podem ser qualificados como manifestações da liberdade de expressão/informação. Não se desconhece que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, (TEDH) tem vindo a atribuir prevalência à liberdade de expressão, como apontado no acórdão STJ de 12/03/2009 “(…)TEDH tem vindo a firmar jurisprudência no sentido de, sob reserva do n.º 2 do art. 10.º da CEDH, a liberdade de expressão ser válida não só para as informações consideradas como inofensivas ou indiferentes, mas também para aquelas que contradizem, chocam ou ofendem.” - in https://www.pgdlisboa.pt /jurel/stjmostradoc.php?nid=28819&codarea=1. Contudo, mesmo no citado Ac. STJ se refere que o TEDH reconhece que o exercício da liberdade de expressão está sujeito “a restrições e sanções” em face do disposto no n.º2 do art. 10.º da CEDH. Vale por dizer que, no entender do TEDH, o Estado Português pode internamente determinar as sanções e restrições aplicáveis, como sucede com a previsão legal dos tipos legais de crime de injúria e difamação. - No caso concreto,não obstante a factualidade dada por provada não se vê que se mostre preenchido o elemento subjectivo na sua globalidade. Na verdade, em parte alguma dos factos provados resulta que o arguido “quis” agir nos termos provados, que agiu “deliberadamente” e tal assim, desde logo, porquanto tal factualidade não resultou sequer imputada na acusação particular, não podendo o Tribunal fazê-lo, suprindo tal falta da acusação particular, em face do já anunciado supra. Pelo que o arguido terá de ser absolvido do crime imputado. ** Decidindo as questões objeto do recurso Nulidade da sentença [al. c) do n.º 1 do art.º 379.º do CPP]. O assistente alega que a sentença recorrida padece do vício de omissão de pronúncia, sendo nula, por, segundo ele, o Tribunal a quo não ter tomado posição ou proferido decisão sobre os factos descritos no art.º 5.º da acusação particular, que, por sua vez, remete para fls. 9, 10 e 11 dos autos. Vejamos. Apesar de o assistente ter feito constar no referido artigo da acusação particular factos relevantes para o preenchimento do crime imputado ao arguido e consequentemente para a decisão (o teor das publicações no grupo do “Facebook” “Instrumentos musicais” de fls. 9, 10 e 11), o Tribunal recorrido nada disse sobre os mesmos, não os dando como provados, nem como não provados. Tal omissão configura um vício da sentença. Segundo uma corrente da jurisprudência, constitui o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada do art.º 410.º, n.º 2, al. a), do CPP[2]. Segundo uma outra corrente, constitui o vício de nulidade da sentença previsto no art.º 379.º, n.º 1, als. a) ou c), do CPP. Neste sentido decidiram os acórdãos do TRL de 10.01.2013, de 24.04.2019 e de 23.04.2023[3]. Como refere o primeiro, quando o tribunal não dá como provados ou não provados factos relevantes alegados na acusação, no pedido cível ou na contestação, padece do vício de nulidade por omissão de pronúncia (art.º 379º/1-c) do CPP) e não o de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (art.º 410º/2-a) do CPP). Já para os últimos, cujos fundamentos acompanhamos, tal omissão integra a nulidade da sentença recorrida prevista no art.º 379.º, n.º 1, al. a), com referência ao art.º 374.º, n.º 2, ambos do CPP. Em suma, revertendo ao caso concreto, dada a falta de enumeração nos “factos provados” e nos “não provados”, ainda que parcial, de factualidade relevante alegada na acusação particular, a sentença recorrida é nula nos termos do disposto no art.º 379.º, n.º 1, al. a), do CPP. Sendo a referida nulidade sanável, deverá ser suprida pelo Tribunal a quo e não por esta Relação, sob pena de suprimento de um grau de jurisdição, e consequente violação do art.º 32.º da CRP, o que implica o reenvio do processo para reelaboração de nova sentença, com vista à sanação do vício. Fica prejudicado o conhecimento da segunda questão suscitada pelo recorrente. * Sumário:……………….. ……………….. ……………….. ** III - DECISÃO: Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação do Porto em julgar parcialmente provido o recurso, e, em consequência, declaram a nulidade da sentença recorrida, que deve ser substituído por outra que se pronuncie sobre se considera provada ou não provada a factualidade alegada no art.º 5.º da Acusação Particular, que remete para fls. 9, 10 e 11 dos autos. Sem custas. * 8 de novembro de 2023* José António Rodrigues da Cunha William Themudo Gilman José Francisco Mota Ribeiro [Declaração de voto de vencido: Voto vencido, porquanto, a entender-se, como se faz na decisão que obteve vencimento, que faltam factos sobre os quais o Tribunal a quo deveria ter feito incidir o seu julgamento, dando-os como provados ou não provados, então, na sua substância, padece a decisão recorrida de uma insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a que alude o art.º 410º, nº 2, al. a), do CPP, aferível em função de “uma adequada perspetiva do objeto do processo, cujos confins são fixados pela acusação e ou pronúncia, complementada pela pertinente defesa” [Pereira Madeira, Código de Processo Penal Comentado, 4ª edição revista, Almedina, Coimbra, 2022, p. 1328, e também, no mesmo sentido, M. Simas Santos e M. Leal-Henriques, Código de Processo Penal Anotado, II Volume, (Art.ºs 241º a 524º), 2ª edição, Editora Rei dos Livros, Lisboa, 2000, p. 737 e 738, e também germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Editorial Verbo, 3ª edição revista e atualizada, Lisboa, 2009,p. 334, que considera, como fundamento do vício de insuficiência a que alude o art.º 410º, nº 2, al. a), do CPP, a necessidade de a matéria de facto “ser completada”], ademais porque, respeitando-se o entendimento perfilhado na decisão que obteve vencimento, de que está em causa a necessidade de apuramento do facto inserto no art.º 5º da acusação particular, a verdade é que também importará determinar, no âmbito dos factos a dar como provados ou não provados, tal como o fez o Tribunal a quo na decisão recorrida no ponto 5. dos factos provados quanto ao facto descrito no ponto 2. da mesma decisão, e como bem refere o recorrente, se também relativamente ao facto desonroso dado como assente no ponto 3. o arguido sabia que o mesmo não correspondia à verdade, dando-se este elemento subjetivo como provado ou não provado, o que faltou fazer, assim se suprindo uma tal insuficiência, tal como, por outro lado, e também se depreende do texto da decisão recorrida, importaria eliminar a contradição aí existente e, na realidade alternativa que ela implica, a verificação de um erro notório na apreciação da prova relativamente ao facto que tivesse de soçobrar, isto é, como também refere o recorrente, entre o dizer-se no ponto 7. que “O demandante sentiu-se ofendido e com raiva, ira, envergonhado e desonrado na sequência do referido de 1. a 6” e depois, na al. f) da mesma decisão, o dar-se como não provado que “O referido de 1. a 6. criou no Demandante uma forte perturbação do equilíbrio emocional, psíquico e social”. Assim sendo, e no entendimento que resulta da tese defendida na decisão que obteve vencimento, ainda que por uma outra via e fundamento, de que não é possível a este Tribunal decidir da causa, a solução a tomar deveria ser o reenvio do processo para novo julgamento, circunscrito às questões concretamente identificadas, nos termos previstos nos art.ºs 426º e 426º-A do CPP, e não a determinação da mera elaboração de uma nova sentença, como se as questões supra referidas representassem uma simples omissão de pronúncia, à luz do art.º 379º, nº 1, al. c), que tivesse por objeto uma determinada questão, isto é, “o dissídio” ou o “problema” concreto a decidir (Cf. Oliveira Mendes, Código de Processo Penal Comentado, 4ª edição revista, Almedina, Coimbra, 2022, p. 1167), que Tribunal tivesse simplesmente ignorado ou se esquecido de nela abordar.] __________________ [1] DIAS, Jorge de Figueiredo – “Direito Penal - Parte Geral” Tomo I, 2ª ed., p. 379. [2] Acs. STJ de 11.11.1998, relatado pelo Conselheiro Leonardo Dias, de 17.02.2003, relatado pelo Conselheiro Pereira Madeira, e de 21.06.2007, relatado pelo Conselheiro Simas Santos, todos in www.dgsi.pt. [3] Relatados, respetivamente, pelo Desembargador Abrunhosa de Carvalho e pelas Desembargadoras Helena Bolieiro e Madalena Caldeira, in www.dgsi.pt. |