Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
277/07.0TJPRT.P1
Nº Convencional: JTRP00043885
Relator: SÍLVIA PIRES
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
REALIZAÇÃO DE OBRAS
OBRAS DE CONSERVAÇÃO
AUMENTO DA RENDA
Nº do Documento: RP20100504277/07.0TJPRT.P1
Data do Acordão: 05/04/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO - LIVRO 369 FLS. 99.
Área Temática: .
Legislação Nacional: ART.° 38°, DO RAU.
Sumário: I- O NRAU nos artigos 30º, e seg., não previu para os contratos celebrados anteriormente à entrada em vigor do RAU, a possibilidade de aumento do valor da renda, como resultado da realização de obras de conservação realizadas por imposição da Câmara Municipal, podendo apenas ser pedida por qualquer senhorio uma actualização das rendas com base no valor actual do locado, calculado nos termos do art.° 32°, desse diploma.
II- Se as obras de conservação realizadas por imposição da Câmara Municipal se concluíram antes da entrada em vigor do NRAU, já se tinha constituído na esfera jurídica do senhorio o direito ao aumento da renda nos termos do art.° 38°, do RAU, pelo que ele poderia exercê-lo mesmo após a entrada em vigor do NRAU.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. 277/07.0TJPRT.P1 do 1º Juízo – 3ª Secção dos Juízos Cíveis do Porto
Relatora: Sílvia Pires
Adjuntos: Henrique Antunes
Ana Lucinda Cabral
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Autora: B…………….. –, S. A.

Réus: C……………
D…………….
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Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação do Porto

A Autora intentou, segundo a forma prevista pelo D.L. n.º 108/2006, de 8 de Junho, a presente acção, pedindo:
a) que seja declarado resolvido o contrato de arrendamento a que alude a p.i.;
b) que os Réus sejam condenados a despejar imediatamente o andar arrendado, devolvendo-o à Autora inteiramente livre de pessoas e coisas;
c) que os Réus sejam condenados a pagar-lhe a importância de € 896,94 de duodécimos de renda já vencidos e não pagos, desde o que teve vencimento em 1 de Junho de 2006 até ao que se venceu em 1 de Fevereiro de 2007, à razão de € 99,66 por cada um; e, ainda, os que posteriormente se venham a vencer até efectivo despejo do locado, naquele valor unitário ou com as actualizações que, porventura, venham a ocorrer nos termos legais.
Para fundamentar a sua pretensão invoca, em síntese, a existência de um contrato de arrendamento que a une aos Réus, referente ao 3º andar do prédio sito na Rua ………, 2 a 24, e Rua da …….., 304 a 314, no Porto; a realização de obras por imposição da Câmara Municipal do Porto que importaram em € 133.100,00; a exigência do aumento da renda em € 44,96 a partir de 1 de Junho de 2006 (o que eleva o valor total da renda para o quantitativo de € 99,66); e o não pagamento de tal quantitativo (de € 44,96) por parte dos Réus.
Alegou, ainda, que os Réus não têm residência permanente no andar locado.

O Réu contestou, alegando, em síntese:
Não paga o aumento da renda que lhe foi notificado porque não foram realizadas todas as obras necessárias a restabelecer as condições habitáveis no locado.
Que continuam as infiltrações essencialmente nos tectos da cozinha, sala e marquise, obrigando-o a manter baldes que aparam a água proveniente das infiltrações pelas caixilharias, tectos e paredes.
Não pagou o aumento de renda peticionado porque não lhe foi referido qual a comparticipação de cada fogo e essencialmente do locado para efeitos de actualização da renda; e, ainda, porque não concorda em pagar tal actualização achada sobre um valor total de obras que inclui reparações de danos que foram causados pela vizinha do 4º andar e, como tal, são de sua inteira responsabilidade.
Tem residência permanente no arrendado.
Concluiu pela improcedência da acção.

Veio a ser proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente.

Dessa decisão a Autora interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto que anulou a decisão de facto no que respeita aos pontos 13, 17, 18, 19 e 20 dos factos provados, e a primeira parte dos factos não provados.

Veio a ser proferida nova decisão que julgou a acção totalmente improcedente.
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Inconformada com aquela decisão dela interpôs recurso a Autora, formulando as seguintes conclusões:

1ª – Na base de factos verificados em vistoria realizada em 15 de Novembro de 2004, mercê de iniciativa provocada pelos recorridos, vistoria realizada pelos serviços competentes da Câmara Municipal do Porto, foi imposta administrativamente à apelante a realização no locado das obras discriminadas no respectivo Auto, no cumprimento de decisão de 20 de Janeiro de 2005 do Vice-Presidente da Câmara, ao abrigo de competência delegada (Doc. nº. 2 junto com a petição).
2ª – Assim, é óbvio que os factos (deficiências de conservação) que, por confirmados, levaram à exigência da realização dessas obras são temporalmente os situados e verificados antes daquela data de 15 de Novembro de 2004.
3ª – Apelante e apelados foram devidamente notificados pela Câmara da realização daquela Vistoria e de quanto dela resultara, seja no tocante aos vícios acusados, seja no que tangeu às obras que era mister serem executadas para os eliminar, e com tudo isso se conformaram, sendo, por via disso, homologada tal Vistoria, e seus resultados, em 20 de Janeiro de 2005 por despacho do mesmo Vice-Presidente da Câmara (Doc. nº. 2 junto com a petição, última lauda).
4ª – A recorrente realizou todas as obras administrativamente impostas o que foi verificado através de nova Vistoria a que se reporta a informação nº. 1192/06/GSS, emitida em 30 de Maio de 2006, vistoria que, portanto, se realizou ou nessa mesma data, ou em data a ela anterior (Doc. nº. 7, idem).
5ª – Em face dessa informação o processo administrativo foi mandado arquivar, o que foi devidamente e previamente notificado, designadamente ao apelado (Doc. nº. 9, ibidem).
6ª – Nunca os apelados impugnaram (nem alguma vez sustentaram que o tivessem feito) qualquer dos actos administrativos que foram praticados no desenvolvimento do processo administrativo a que se aludiu na Conclusão 1ª e identificado nos citados documentos, designadamente os actos de homologação da vistoria de Novembro de 2004, de determinação da realização de obras pela apelante, de mandar arquivar esse processo por se ter verificado a efectiva realização dessas obras.
7ª – Como também não impugnaram os documentos que se mencionaram nas conclusões 1ª, 3ª, 4ª e 5ª.
8ª – Assim, o quesito 12º da base instrutória deve ser respondido como “provado” e nunca como “não provado”.
Sem prescindir:
9ª – Os factos a que cumpria atender, e sobre que seria de fazer prova, só poderiam ser reportados a data anterior à da realização da Vistoria que fora efectuada em Novembro de 2004, ou seja os que tivessem que ver com os vícios que a coisa apresentaria nessa altura e a cuja sanação se destinariam as obras mandadas executar,
10ª – Vícios que, porém, tinham sido eliminados mercê da efectiva realização das obras ordenadas conforme a Câmara Municipal verificara e com que se conformaram os próprios apelados (ut, supra, Conclusão 6ª).
11ª – As provas feitas nos autos, muito especialmente a inspecção judicial (até pela data em que teve lugar), no que toca a vícios no locado tem, por isso, de reportar-se a novos vícios, ou seja que se manifestaram após 30 de Maio de 2006, pelo que são anacrónicas e trazem à colação factos posteriores às épocas da factualidade a que cumpre atender: sempre anterior a tal data.
12ª – Nada relevam, pois, aqueles factos para a matéria dos autos e da aplicação do direito a factos: aqui há apenas que cuidar de saber:
Se foram realizadas pela recorrente as obras determinadas administrativamente, e já se viu que o foram.
Se a apelante, em função disso, tinha direito a renda actualizada na decorrência da aplicação do art. 38º-1 do RAU, e a exigiu dos apelados, e vê-se que o fez.
13ª – Assim, a acção deveria ter sido julgada procedente, e não como foi decidida, pelo que a sentença ofendeu a disposição contida no art. 668º-1-c) do Cód. Proc. Civil e fez inadequada apreciação da prova e dos factos sobre que a prova incidiu.
14ª – No provimento da apelação deverá, pois, revogar-se a sentença proferida e julgar-se a acção procedente.
Conclui pela procedência da acção.

O Autor apresentou resposta, defendendo a confirmação da decisão recorrida.
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1. Do objecto do recurso
Encontrando-se o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente cumpre apreciar as seguintes questões:
a) A sentença é nula?
b) A resposta dada ao artigo 12º formulado na petição inicial deve ser alterada?
c) A Autora tinha direito a aumentar a renda nos termos constantes da notificação efectuada em 18 de Julho de 2006?
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2. Da nulidade da sentença

Vem a Autora, alegando que a decisão recorrida fez inadequada apreciação da prova e dos factos sobre que a prova incidiu, que a mesma enferma da nulidade a que alude o art.º 668º, n.º1, c), do C. P. Civil.
Dispõe aquele art.º 668º, n.º1, c):
É nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão.
A nulidade prevista na al. c), do nº 1, do art.º 668º, do C.P.C., verifica-se quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto ou seja, quando das premissas de facto e de direito que o julgador teve por apuradas, ele haja extraído uma conclusão oposta àquela que logicamente deveria ter chegado.
Só releva, para este efeito, a contradição entre a decisão e os respectivos fundamentos.
Em nosso entender a Ré discorda do julgamento da matéria de facto que conduziu à improcedência da acção.
Ora, face à matéria de facto dada como provada, revela-se lógica a decisão de julgar procedente a acção.
Não há, pois, qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão recorrida, não se verificando a nulidade apontada.
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3. Os Factos

A Autora impugna a matéria de facto, pretendendo ver alterada a resposta dada ao facto 12º da petição inicial.
É a seguinte a formulação deste artigo:
Assim notificada, a demandante procedeu à realização das discriminadas obras que lhe tinham sido determinadas administrativamente, o que encomendou à empresa E………….., L.da?

E obteve a seguinte resposta:
Provado apenas o que consta do teor dos artigos 17 e 18 dos factos provados.

Nestes factos consta como provado:
17 – A Autora realizou obras nas zonas comuns tendo procedido essencialmente ao restauro de toda a parede exterior (fachada principal e posterior) com revisão e colocação de azulejos em falta na fachada principal; e ainda reparação dos tectos e paredes de caixa interior, com entrada pelo n.º 24 da Rua ………….; procedeu á reparação geral do caleiro localizado na cobertura, bem como á desobstrução e limpeza dos ralos e dos tubos condutores; e procedeu á revisão/reparação das caixilharias, com excepção do locado.
18 – A Autora mandou reparar e pintar o tecto que havia sido derrocado; substituiu alcatifas; bem como pintou as paredes afectadas pelas infiltrações dos quartos que, no locado, têm janelas para a Rua ………..

Pretende a Autora que, analisando o teor dos documentos 2, 7, 8 e 9, juntos com a petição inicial, seja considerado provado que fez todas as obras cuja execução lhe foi administrativamente ordenada.
Os referidos documentos apenas demonstram que a Autora foi intimada pelos serviços da Câmara Municipal para efectuar obras no prédio onde se localiza o arrendado e que, após uma informação emitida por funcionários dessa Câmara, segundo a qual teriam verificado a efectivação daquelas obras, foi determinado o arquivamento do respectivo procedimento administrativo.
A referida informação não tem força probatória plena, nos termos do art.º 371º, do C. P. Civil, relativamente aos factos aí referidos, uma vez que, apesar dos funcionários que a lavraram terem actuado no exercício das suas competências funcionais, essas competências eram limitadas ao referido procedimento administrativo e não para efeitos de verificação do requisito exigido pelo art.º 38º, do RAU.
Em lado algum essa competência certificativa lhes foi atribuída, pelo que a referida informação não é mais que um elemento de prova sujeito à livre apreciação do tribunal, não fazendo prova plena da verificação dos factos descritos por aqueles funcionários camarários.
Da valoração de tais documentos não resulta, assim, a alteração da resposta pretendida.
Acresce que da análise da demais prova produzida – documentos, inspecção judicial e depoimentos prestados em audiência – não há motivos que justifiquem a alteração da resposta dada.
Da correspondência enviada pelo Réu à Autora resulta que no locado não foram levadas a cabo todas as obras em causa.
Também da configuração de todos os depoimentos das testemunhas do Réu – F…………, G………… e H……….. –, os quais relataram o estado em que o locado se encontra, mostra-se necessária a conclusão de que aquelas obras não foram efectuadas na sua totalidade, o que corroborado pelo depoimento de I………… – gerente da procuradora da Autora –, o qual afirmou que as caixilharias do locado não tinham sido substituídas.
Assim, mantém-se a resposta dada.
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Os factos provados são os seguintes:
I – A Autora é a proprietária do prédio urbano constituído por uma casa de 6 pavimentos, com fachada em cantaria e azulejo, com cave e rés-do-chão amplos, 3 divisões no 1º andar, 22 no 2º, 21 no 3º e 18 nas águas furtadas, sito na Rua ………., 2 a 24 e Rua ….., 304 a 314, freguesia de ………, nesta cidade do Porto, inscrito na matriz sob o artigo 825.

II – Com data de 1.3.1965, entre J…………, K…………., L…………. e M…………., na qualidade de senhorios e C………….., na qualidade de inquilino, foi celebrado um contrato, que denominaram de arrendamento, mediante o qual aqueles declararam ceder ao inquilino a utilização do 3º andar do prédio sito na Rua ………., n.º 24, no Porto, com as seguintes cláusulas:
1º - A duração é de um ano a começar no dia 1 de Março de 1965 e a findar em 28 de Fevereiro de 1966, devendo, porém considerar-se prorrogado por períodos sucessivos de um ano enquanto não houver despedida com antecipação e fundamentos legais.
2º - A renda anual é de 12.000$00, que o arrendatário deverá pagar em duodécimos de 1.000$00 no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que respeitar e em casa do senhorio ou do seu representante.
3º - O andar por este contrato arrendado destina-se a habitação, ….
….

III – Quando o Réu veio, posteriormente a casar com a Ré, o locado passou a constituir a casa de morada de família de ambos.

IV – A renda a partir de 1 de Janeiro de 2006 passou a ser, fruto das actualizações, de € 55,00.

V – Entre 2001/2002 as humidades existentes nos tectos do 3º andar agravaram-se e deram lugar a infiltrações de água proveniente do deficiente escoamento das caleiras e tubos de queda existentes entre o 3º e 4º andar.

VI – O 4º andar do n.º 24 da Rua ………… é o ultimo pavimento do prédio, cuja cobertura (terraço) há vários anos havia sido objecto de obras de impermeabilização.

VII – As infiltrações verificadas nos tectos e paredes do locado afectaram essencialmente os dois quartos da frente (a poente) com vista para a Rua ………., a sala de jantar, a cozinha, a casa de banho de serviço e marquise.

VIII – Durante o ano de 2003 a cozinha passou a ser permeável ás águas da chuva que escorriam pela chaminé em direcção ao fogão.

IX – O Réu deu imediatamente conhecimento à representante e administradora da Autora, a N…………, da existência de infiltrações em todas as divisões da habitação e ainda da derrocada do tecto do quarto de dormir dos Réus.

X – Por carta registada com A/R, datada de 22.10.2004, o Réu voltou a avisar directamente o senhorio da existência de infiltrações e da consequente derrocada do tecto, conforme carta junta aos autos a fls. 88 e cujo teor aqui dou por integralmente reproduzido.

XI – Face ao silêncio da Autora o Réu solicitou a 28.10.2004 junto da Câmara Municipal do Porto, uma vistoria de salubridade que veio a efectuar-se em Novembro de 2004, conforme AUTO DE VISTORIA junto aos autos a fls. 16 a 21 e cujo teor aqui dou por integralmente reproduzido.

XII – No início do mês de Dezembro de 2004 o Réu recebeu uma carta da senhoria, aqui Autora, datada de 30 de Novembro de 2004, junta aos autos a fls. 94, cujo teor aqui dou por integralmente reproduzido e onde imputava a existência das ditas infiltrações no locado a actos perpetrados pela vizinha do 4º andar esquerdo do n.º 304 da Rua ………., D. O…………...

XIII – Nos termos da carta enviada pela Câmara Municipal do Porto, junta a fls. 15 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, foi a Autora notificada para proceder a obras de conservação/beneficiação/reparação no prédio sito na Rua …………, n.º 24, 3º andar.

XIV – Nos termos de tal carta deveria a Autora proceder ás seguintes obras de conservação/beneficiação/reparação no IMÓVEL:
a) reparação geral da fachada posterior, incluindo consolidação de todos os elementos que fazem parte da fachada bem como revisão e colocação de azulejos em falta na fachada principal e acabamentos finais;
b) reparação geral dos tectos e paredes da caixa de escada interior, com entrada pelo n.º 24 (da Rua ……….), incluindo acabamentos finais;
c) reparação ou substituição geral do caleiro localizado na cobertura, bem como desobstrução e limpeza dos ralos e dos tubos condutores;
c) revisão/reparação das caixilharias;
e) no 3º andar do dito prédio (O LOCADO) reparação dos pavimentos, das paredes e dos tectos afectados pelas infiltrações, sempre incluindo os acabamentos finais.

XV – Por carta datada de 9 de Junho de 2005 que se encontra junta aos autos a fls. 95 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a Autora comunicou ao Réu que as obras na habitação iriam iniciar-se no dia 15 de Junho de 2005.

XVI – O Réu desarmou e removeu os móveis dos quartos, tapou os móveis da sala e cozinha, arrancou a alcatifa encharcada e danificada para que as obras se fizessem sem obstáculos e impedimentos.

XVII – As obras não se iniciaram na data prevista e o Réu, pretendendo ir de férias a 27 de Junho informou pessoalmente e por escrito (através da entrega em mão da carta cuja cópia se encontra a fls.96 dos autos e cujo teor aqui se dá integralmente reproduzido) a representante da Autora que as chaves do locado se encontravam na vizinha do 4º andar.

XVIII – A Autora realizou obras nas zonas comuns tendo procedido essencialmente ao restauro de toda a parede exterior (fachada principal e posterior) com revisão e colocação de azulejos em falta na fachada principal; e ainda reparação dos tectos e paredes de caixa interior, com entrada pelo n.º 24 da Rua ……….; procedeu à reparação geral do caleiro localizado na cobertura, bem como á desobstrução e limpeza dos ralos e dos tubos condutores; e procedeu á revisão/reparação das caixilharias, com excepção do locado.

XIX – A Autora mandou reparar e pintar o tecto que havia sido derrocado; substituiu alcatifas; bem como pintou as paredes afectadas pelas infiltrações dos quartos que, no locado, têm janelas para a Rua ………..

XX – Após tais reparações, substituição de alcatifa e pintura do referido tecto e paredes, a Autora, perante o Réu, afirmou estar concluída a obra, através da comunicação datada de 17.2.2006 e recebida a 22.2.2006 junta aos autos a fls. 24, onde informava o Réu do custo global da obra como sendo de € 133.100,00 e lhe indicava o valor actualizado da renda a pagar em Março de 2006.

XXI – O Réu que se tinha ausentado durante a execução das obras, quando regressou ao locado apercebeu-se que se mantinham as infiltrações de água nas restantes divisões; designadamente na cozinha, junto ao quarto de banho e marquise que é contígua à sala (tal como a cozinha); e que nas caixilharias das janelas dos quartos que “dão” para a Rua ……….. não tinha existido nenhuma intervenção.

XXII – Nesse mesmo dia 22.2.2006 escreveu e remeteu à Autora a carta junta aos autos a fls. 97 a 100, através da qual informou a Autora que era necessário obras para pôr fim às infiltrações ainda existentes na habitação, bem como proceder à reparação dos restantes danos causados por essas infiltrações, nomeadamente «as fissuras das caixilharias, substituição da alcatifa dos quartos, sala e corredores, colocação de novos vidros partidos pelos homens das obras na janela da cozinha e reparação do tecto danificado pelas infiltrações das águas pluviais junto á casa de banho; e invocando que após a limpeza da pedra dos parapeitos das janelas não procederam á impermeabilização das fendas através das caixilharias, provocando infiltração das águas da chuva através das mesmas e vento, tornando a habitação muito húmida e estragos na alcatifa e saúde das pessoas».

XXIII – Nessa mesma carta o Réu contesta a aplicação do aumento de renda feita pela Autora invocando que o prédio não se encontra em regime de propriedade horizontal.

XXIV – Após o mês de Fevereiro de 2006 a Autora mandou proceder á substituição da alcatifa dos dois quartos da frente.

XXV – Em 18 de Julho de 2006 a Autora enviou ao Réu a carta junta aos autos a fls. 31, afirmando que as obras realizadas só foram vistoriadas em 15 de Maio de 2006, tendo sido emitida certidão da sua realização em 30 do mesmo mês; pelo que a nova renda de € 99,66 só seria devida a partir de 1 de Junho de 2006.

XXVI – Carta essa que o Réu recebeu em 20.7.2006 e quando já havia pago a renda vencida em 1 de Julho de 2006 referente a Agosto de 2006.

XXVII – Por carta datada de 31 de Julho de 2006 subscrita pela Mandatária do Réu e cuja cópia se encontra a fls. 101 a 102 dos autos, o Réu solicitou à Autora os esclarecimentos necessários para calcular o valor actualizado da renda, nomeadamente qual o valor imputado a actos de terceiros, qual o valor descriminado do custo das obras, referentes ao locado e às zonas comuns, o número de fogos que comparticipam nas despesas das zonas comuns e respectiva permilagem…

XXVIII – …nessa missiva o Réu informou a Autora que as obras de reparação não haviam sido concluídas e que as infiltrações continuavam a manifestar-se essencialmente nos tectos da cozinha, sala e marquise.

XXIX – Actualmente o Réu mantém baldes de água a aparar a água proveniente das infiltrações de água pelas caixilharias (que, no locado, não foram reparadas), tectos e paredes.

XXX – O Réu pagou as rendas relativas a Junho de 2006 e seguintes no montante de € 55,00.

XXXI – Após a citação e no prazo da contestação efectuou depósito condicional liberatório no valor de € 602,91 equivalente à parcela da renda actualizada acrescida de 50% na conta 0651531065350 da CGD e, desde então, as rendas subsequentes vêm sendo depositadas na referida conta.

XXXII – Actualmente dois dos quartos da casa não podem ser ocupados devido às infiltrações de água; as humidades e maus odores do bolor estão presentes na sala e cozinha.

XXXIII – A cozinha continua a ser permeável ás águas da chuva especialmente na direcção do fogão (chaminé) e ao lado da marquise e casa de banho de serviço.

XXXIV – O Réu, no locado, usufrui de um dos quartos interiores e de uma pequena parte da sala, já que a outra metade (contígua à marquise e cozinha) sofre de infiltrações.

XXXV – Em 14.12.2006 o Réu enviou à Autora a carta de fls. 132, através da qual levou ao conhecimento da Autora que as obras realizadas foram inadequadas porquanto continuam as infiltrações pluviais através da placa de cobertura do edifício, não com tanta intensidade, mas a suficiente para ter de utilizar baldes para apanhar as pingas que gotejam do tecto e uma das paredes laterais de um dos quartos se encontra já totalmente preta devido às infiltrações de água pluvial, tornando-se totalmente insalubre para habitação.

XXXVI – O Réu habitualmente almoça na cantina/refeitório dos Serviços Sociais do Ministério das Finanças e janta em casa da mãe.
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4. O Direito Aplicável

A presente acção foi intentada em 13 de Fevereiro de 2007, quando já estava em vigor o NRAU, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro.
No entanto a mesma foi interposta ao abrigo do RAU e, na sua decisão, foram consideradas as normas deste diploma.
O NRAU que entrou em vigor em 27 de Junho de 2006 contém normas específicas relativas à sua aplicação no tempo, dispondo no n.º 1, do art.º 59º:
O NRAU aplica-se a contratos celebrados após a sua entrada em vigor, bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, sem prejuízo das normas transitórias.
No que às normas transitórias respeita, as mesmas têm conteúdo diferente consoante a data de celebração do contrato de arrendamento. Assim, considerando que o contrato que une a Autora aos Réus é habitacional e foi celebrado em 1 de Março de 1965, as normas transitórias eventualmente a considerar são as do art.º 27º a 58º, do NRAU, inclusive.
Vejamos o caso que nos ocupa:
Na sequência de realização de obras coercivamente impostas, a Autora, informou o Réu por carta datada de 17.2.2006 e recebida a 22.2.2006 do custo global da obra como sendo de € 133.100,00 e indicando-lhe o valor de € 99,66, como valor actualizado da renda a pagar em Março de 2006.
Com data de 22.2.2006 o Réu enviou uma carta à Autora, através da qual a informa de que se mostrava necessário realizar obras para pôr fim às infiltrações ainda existentes na habitação, bem como proceder á reparação dos restantes danos causados por essas infiltrações, descriminando-os. Nessa mesma carta o Réu contesta a aplicação do aumento de renda feita pela Autora invocando que o prédio não se encontra em regime de propriedade horizontal.
Posteriormente à recepção desta carta a Autora mandou proceder à substituição da alcatifa dos dois quartos da frente do arrendado.
E em 18 de Julho de 2006 a Autora enviou ao Réu nova carta dando-lhe conhecimento que em virtude da realização das obras a renda de € 99,66 seria devida a partir de 1 de Junho de 2006.
No âmbito do RAU a actualização da renda por motivo da realização de obras pelo senhorio encontrava-se regulada no art.º 38º onde se lia o seguinte:
“1 — Quando o senhorio realize no prédio obras de conservação ordinária ou extraordinária, ou obras de beneficiação que se enquadrem na lei geral ou local necessárias para a concessão de licença de utilização e que sejam aprovadas ou compelidas pela respectiva câmara municipal, pode exigir do arrendatário um aumento de renda apurado nos termos do Regime Especial de Comparticipação na Recuperação de Imóveis Arrendados (RECRIA).
2 — A renda actualizada nos termos do número anterior ou a que resulte de obras realizadas ao abrigo do RECRIA é exigível no mês subsequente ao da conclusão das obras, sendo actualizável nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 31º.
3 - O disposto neste preceito não prejudica a possibilidade do acordo referido no artigo seguinte.
4 — A actualização por obras de conservação ordinária prevista no n.º 1 só é aplicável aos arrendatários que se mantenham no local arrendado há oito ou mais anos nessa qualidade, considerando-se também para este efeito como tendo a qualidade de arrendatário a pessoa a quem tal posição se transfira por força dos artigos 84º e 85º, contando-se o decurso do tempo de que o transmitente já beneficiasse.”
Da leitura deste preceito resulta que o direito ao aumento de renda, em resultado da realização de obras de conservação impostas pela Câmara Municipal, constituía-se com a conclusão dessas obras, podendo esse aumento ser exigido no mês subsequente ao termo das obras, não sendo aqui aplicável os regimes procedimentais previstos para as actualizações de renda anuais – art.º 32º a 37º, do RAU – ou para os aumentos em resultado da realização de obras ao abrigo do Programa RECRIA – art.º 13º, do D.L. n.º 329-C/2000, de 22 de Dezembro.
O NRAU nos artigos 30º, e seg., não previu para os contratos, como o presente, celebrados anteriormente à entrada em vigor do RAU, a possibilidade de aumento do valor da renda, como resultado da realização das referidas obras, podendo apenas ser pedida por qualquer senhorio uma actualização das rendas com base no valor actual do locado, calculado nos termos do art.º 32º, desse diploma.
Assim, se as obras de conservação realizadas por imposição da Câmara Municipal se concluíram antes da entrada em vigor do NRAU, já se tinha constituído na esfera jurídica do senhorio o direito ao aumento da renda nos termos do art.º 38º, do RAU, pelo que ele poderia exercê-lo mesmo após a entrada em vigor do NRAU.
Mas se as referidas obras ainda não estavam concluídas quando entrou em vigor o NRAU, então qualquer actualização da renda só podia ser peticionada já ao abrigo do disposto deste diploma.
Ora, conforme resulta da matéria de facto provada neste processo, não se demonstrou que o Autor tenha concluído todas as obras que foi compelido a efectuar pela Câmara Municipal antes da entrada em vigor do NRAU, pelo que não é possível verificar que se tenha constituído na sua esfera jurídica o direito de exigir um aumento de renda, nos termos previstos no art.º 38º do RAU.
Assim não se revelando que o montante da renda exigido pelo Autor na sua comunicação de 18 de Julho de 2006 fosse devido, não está demonstrado qualquer incumprimento parcial por parte do Réu da sua obrigação de pagamento da renda, sendo acertada a decisão de improcedência da acção.
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Decisão
Nos termos expostos, julga-se improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
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Custas do recurso pela Autora.
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Porto, 4 de Maio de 2010
Sílvia Maria Pereira Pires
Henrique Ataíde Rosa Antunes
Ana Lucinda Mendes Cabral