Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
273/14.1T8VNG-A.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MÁRCIA PORTELA
Descritores: INSOLVÊNCIA CULPOSA
SANÇÕES
NATUREZA CUMULATIVA
PROPORCIONALIDADE
Nº do Documento: RP20190115273/14.1T8VNG-A.P1
Data do Acordão: 01/15/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º865, FLS.195-203)
Área Temática: .
Sumário: I - As sanções previstas no artigo 189.º do CIRE são cumulativas, não podendo o juiz decidir aplicar somente parte delas.
II - A condenação na indemnização prevista na alínea e) do n,º 2 do artigo 189.º do CIRE não viola os princípios constitucionais da adequação e da proporcionalidade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 273/14.1T8VNG-A.P2
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
1. Relatório
Declarada a insolvência de “B…, Ld.ª”, teve lugar a abertura do incidente de qualificação de insolvência uma vez que a credora E… apresentou parecer propondo a qualificação da insolvência como culposa.

Também o Sr. administrador da insolvência e o MP apresentaram parecer de qualificação da insolvência como culposa, sendo afectado por essa qualificação o sócio C….

Cumprido o disposto no artigo 188.º, n.º 5 CIRE, o requerido C… deduziu oposição, pugnando pela qualificação da insolvência como fortuita.

Alegou para tanto, e em síntese, que a D… é um mero título sobre o qual se organizam um conjunto de artigos elaborados por vários jornalistas, sendo que esse título não tem qualquer valor comercial em si mesmo, sendo que o facto de agora ser editada por outra entidade em nada prejudica ou prejudicou a insolvente sendo que esse título nunca integrou o património imobilizado da insolvente.

Foi proferido despacho saneador e, posteriormente, procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, com observância das formalidades prescritas na lei.

A fls. 56 e seguintes proferiu-se sentença na qual foi decidido qualificar a insolvência da sociedade “B…, Ld.ª”, como culposa, declarar afectado pela qualificação da insolvência como culposa o requerido C…, decretar a inibição de C… para administrar patrimónios de terceiros pelo período de dois anos, declarar C… inibido para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa pelo período de dois anos, determinar a perda de quaisquer créditos do requerido C… sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente, condenando-o restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos e condenar o requerido a indemnizar os credores da insolvente no montante dos créditos não satisfeitos após o término da liquidação do activo da insolvente, até às forças do respectivo património, valor a apurar em liquidação de sentença.

O requerido interpôs recurso dessa decisão.

Por acórdão do Tribunal da Relação do Porto, a fls. 110 e ss., foi anulada a sentença proferida para apuramento das questões de facto enunciadas.

Em cumprimento desse acórdão, solicitou-se à Entidade reguladora para a Comunicação Social que informasse se o título “D… Revista para Automóveis …” alguma vez esteve registado em nome da insolvente, bem como para remeter cópia do expediente que esteve na base dos despachos constantes do documento junto a fls. 83.

Mais se determinou a realização de uma perícia à contabilidade da insolvente por forma a que seja apurado o valor que o título “D… Revista para Automóveis …” teve para a insolvente nos anos de 2010 a 2014.

A Entidade reguladora para a Comunicação Social prestou a informação solicitada a fls. 141.

Foi junto aos autos o relatório pericial.

Realizou-se audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença que decidiu:

1. Qualificar a insolvência da sociedade “B…, Ld.ª” como culposa;

2. Declarar afectado pela qualificação da insolvência como culposa o requerido C…;

3. Decretar a inibição de C… para administrar patrimónios de terceiros pelo período de dois anos;
4. Declarar C… inibido para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa pelo período de dois anos;
5. Determinar a perda de quaisquer créditos do requerido C… sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente, condenando-o restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos; ik.
6. Condenar o requerido a indemnizar os credores da insolvente no montante dos créditos não satisfeitos após o término da liquidação do altivo da insolvente, até às forças do respectivo património, valor a apurar em liquidação de sentença.

Inconformado, apelou o requerido, apresentando as seguintes conclusões:

1. Pelas razões em pormenor explanadas no texto, deve alterar-se a decisão sobre a matéria de facto por forma a que nos factos provados:

a) no ponto 6., se passe a dizer: “No decurso da insolvência não foram apreendidos quaisquer bens na posse da devedora”.

b) o ponto 8. seja considerado Não provado.

c) no ponto 16. se passe a dizer: “O requerido continua a ser o real impulsionador da revista”.

2. Como pelas razões melhor explanadas no texto deve alterar-se a decisão sobre a matéria de facto, agora quanto aos factos não provados sob os nºs 1 e 2, por forma a que um e outro se passem a considerar: “Provados”.

3. Alteração essa que pode e deve esse Venerando Tribunal fazer, ao abrigo do disposto no art. 662º do CPC.

4. Alterando-se os factos dados como provados e não provados, nos termos supra referidos, impõe-se considerar que não se verifica qualquer dos pressupostos exigidos pelo art. 186º do CIRE.

5. Pelo que, consequentemente, terá que revogar-se a sentença recorrida e substituir-se por outra que qualifique a presente insolvência como Fortuita.
6. O título de uma publicação não é marca, pois esta é um sinal que identifica e diferencia produtos ou serviços, enquanto que aquela se traduz num licenciamento junto da Entidade Reguladora para a Comunicação Social.

7. E esse licenciamento não é um activo, não sendo, por isso, passível de apreensão para a massa insolvente.

8. Mesmo que o título “D…” se tivesse mantido na esfera da insolvente teria, com a declaração da insolvência, a sua inscrição sido cancelada, porquanto não poderia subsistir por falta de publicação, como o impõe o n.º 2 do art.º 23.º do Decreto Regulamentar de 8/99, de 09/06, com as alterações introduzidas pelo Decreto Regulamentar n.º 2/2009.

9. Esta publicação, como ficou demonstrado, dependia essencialmente da actividade jornalística do sócio gerente C… – seu real impulsionador, como consta do elenco dos factos provados (vd. facto 16).

10. O que reforça a inexistência de valor económico objectivo de tal título e a conclusão de que a saída deste título da esfera da insolvente não poderia ter prejudicado, como não prejudicou, os credores.

11. O Tribunal está vinculado à proposta do Senhor Administrador de Insolvência e do Digno Magistrado do Ministério Público quanto à qualificação da insolvência e, logicamente, quanto aos seus fundamentos.

12. Estes fundaram os seu pareceres no n.º 1 e n.º 2, alíneas a), b, d), do art. 186, do CIRE.

13. Pelo que não poderia o Tribunal ter conhecido, como conheceu, também, da verificação dos pressupostos das alíneas e) e h) do nº 2 do art. 186 do CIRE.

14. Conheceu, assim, o o Tribunal de questão de que não podia conhecer, pelo que se verificou a nulidade da sentença, prevista no art. 615º, nº1 ,al. d) segunda parte, do CPC, no que toca aos fundamentos de qualificação da insolvência como culposa, previstas no art.º 186.º, nº 2, als. e) e h), do CIRE, a qual deve ser declarada.

15. O Tribunal a quo aplicou ao Recorrente todas as sanções previstas no disposto no art.º
189.º n.º 2 alíneas b), c), d) e e) do CIRE.

16. Mas o Tribunal a quo não está obrigado a aplicar cumulativamente todas as referidas sanções, devendo antes, em função do caso concreto, escolher a sanção mais adequada.

17. Por outro lado, as sanções aplicadas são desproporcionais ao caso concreto.

18. Mesmo que o título da revista fosse considerado um activo, é manifesto que o mesmo é de valor diminuto, o que é expressamente admitido na sentença recorrida.

19. Pelo que o dano causado pelo Recorrente, a existir, limita-se ao valor comercial que o título teria na esfera da Devedora Insolvente, e, só nessa medida, poderia satisfazer os direitos dos credores.

20. Ora, a sentença sub judice, para além da cumulação de sanções, condena o Recorrente “a indemnizar os credores da insolvente no montante dos créditos não satisfeitos após o término da liquidação do ativo da insolvente até às forças do respectivo património, valor a apurar em liquidação de sentença”.

21. Tendo o presente processo de insolvência sido encerrado por insuficiência da Massa Insolvente, desde logo não se verificando qualquer liquidação, o Tribunal a quo, condenado o Recorrente em indemnização superior ao dano.

22. A obrigação de indemnizar tem como limite o dano causado, nos termos dos arts. 483º, nº1, 562º, 563º do Código Civil.

23. Assim, o Tribunal a quo, ao condenar o Recorrente em todo o passivo da Devedora – é o que resulta da decisão uma vez que não existe liquidação em face do encerramento do processo por insuficiência da massa insolvente – está a condenar o Recorrente em indeminização muitíssimo superior ao dano.

24. Acresce que o Requerido se dispôs a entregar à massa insolvente tal título.

25. E a reconstituição natural é o primeiro critério da indemnização, só, na impossibilidade desta, sendo possível a indemnização em dinheiro, nos termos do art. 566º, n 1 do Código Civil.

26. Violou, assim, a sentença recorrida o disposto nos arts.º 483º n.º 1, 562º, 563º e 566º, nº 1 do Código Civil, como violou o art. 189º do CIRE.

27. E ainda o art. 8º da Constituição da República Portuguesa, na medida em que no mesmo se integra a Convenção Europeia dos Direitos do Homem e esta no seu art. 6º garante um processo equitativo.

28. Invocando-se, assim, a inconstitucionalidade que o Tribunal a quo faz da interpretação do disposto no art.º 189, n.º 2 e) do CIRE, no sentido em que pode ser interpretado que a indeminização da responsabilidade pelo afectado pela qualificação de insolvência pode ser superior ao dano por si causado.

29. O único valor determinado pela perícia realizada posterior ao Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, foi o valor contabilístico mínimo que o título D… teve para a insolvente, ou seja de 2.616,77€, o qual terá sido considerado na sentença recorrida como equivalente ao seu valor comercial.

30. Donde, das duas uma, ou efectivamente assim não é, e haverá ainda que apurar o valor comercial do titulo, ou, se assim é, sabemos já o valor do património da insolvente, que só pode ser os dos referidos 2.616.77€ somados ao de 922,05€, - valor contabilístico do equipamento administrativo não apreendido.

31. Logo, a condenação do ponto 6 da decisão apenas poderia ser: condenar o requerido a indemnizar os credores da insolvente no montante dos créditos não satisfeitos após o termino da liquidação do activo da insolvente, até ao limite de 3.538,82€.

32. Mas, então, estaríamos necessariamente em face da presunção da insuficiência da Massa para satisfação das custas do processo e das dividas previsíveis da Massa Insolvente, decorrente do art.º 39, n.ºs 1 e 9 do CIRE, sendo que, não fará qualquer sentido que se utilize essa presunção apenas para esse especifico fim e não para quaisquer outros do CIRE.

33. Mas, decisivamente, ainda que tal titulo tivesse sido apreendido e pelo valor agora supostamente determinado, por aplicação agora directa daquele preceito legal, nunca teria havido liquidação e, logo nunca teria havido pagamento a qualquer credor.

34. O que o mesmo, necessariamente, é dizer que nunca poderiam estes ter qualquer prejuízo pelo facto de um suposto negócio que, afinal, já há muito se demonstrou não ter existido.
Nestes termos, deve ser concedido provimento ao recurso e, em consequência, determinar-se a revogação da Sentença proferida, substituindo-a por outra que qualifique a Insolvência como Fortuita, com todas as consequências legais, como o que se fará a costumada inteira e sã JUSTIÇA.

Contra-alegaram a E… e o MP pugnado pela manutenção do decidido.

Foi proferida decisão que, julgando a apelação procedente, revogou a decisão recorrida, considerando a insolvência fortuita.

O STJ, na sequência de recurso interposto pela E…, revogou o acórdão da Relação, julgando a insolvência culposa e determinando a baixa do processo a este Tribunal para apreciação da questão suscitada nas conclusões 17.ª e ss., cujo conhecimento ficara prejudicado.
2. Fundamentos de facto
A 1.ª instância considerou provados os seguintes factos:

1. “B…, Ld.ª”, foi constituída em Março de 2010 para o exercício da actividade económica de edição de revistas, livros, publicações periódicas e design de comunicação, possuindo capital social no valor de €5.000,00.

2. Em Setembro de 2014 a “B…, Ld.ª”, apresentou-se à insolvência.

3. Por sentença proferida em 25 de Setembro de 2014, transitada em julgado, foi declarada a insolvência da “B…, Ld.ª”.

4. Nos três anos antecedentes à apresentação da “B…, Ld.ª”, à insolvência o único responsável pela mesma foi C… que era sócio e também gerente da sociedade.

5. À data de 18.9.2014 a “B…, Ld.ª” tinha um passivo de, pelo menos, €69.594,65.

6. No decurso da insolvência não foram localizados, nem apreendidos quaisquer bens na posse da devedora.

7. A principal fonte de receitas da insolvente era proveniente da venda de exemplares em banca ou por assinatura da revista automóvel designada por “D…”, bem como de publicidade nessa revista.

8. Previamente à apresentação aos credores, a respectiva administração, representada pelo seu sócio-gerente, o ora apelante, transmitiu a propriedade do título da publicação D… – Revista de Automóveis … para o ora apelante.

9. O requerido tem morada na Avenida …, n.º …, Porto, que é também a morada de F….

10. O referido F… é filho do requerido.

11. E é sócio da “G…, Unipessoal, Ld.ª”

12. A “G…, Unipessoal, Ld.ª”, tem por objecto social a edição de revistas e outras publicações periódicas, edição de livros, design de comunicação e realização de eventos.

13. Pelo menos desde a edição n.º .. referente ao mês de Dezembro de 2013 consta como proprietária da “D…” a “G… Unipessoal, Ld.ª”.

14. A “D…” possui como fontes de receita o preço de venda ao público de cada exemplar - €4,95 – e a publicidade inscrita no seu interior.

15. A tiragem típica dessa revista é de 12.500 exemplares.

16. O requerido continua a ser o real impulsionador da revista.

17. No editorial da revista “D…” aparece como director de publicações e redactor do editorial o requerido.

18. O título “D…” nunca integrou o imobilizado da insolvente.

19. No registo da publicação periódica “D… Revista para Automóveis …” consta com a inscrição ……. como seu proprietário, desde a sua inscrição a 21.4.2010 e até 26.11.2013 a aqui insolvente.

20. Em 27.11.2013 passou a constar desse registo como proprietário o requerido.

Para além da factualidade acima elencada e com interesse para a decisão não resultaram provados quaisquer outros factos, designadamente não se provou que:

1. O título “D…” não tem qualquer valor comercial em si mesmo.

2. O facto de agora ser editado por outra sociedade em nada prejudica ou prejudicou a insolvente.
3. Do mérito do recurso
O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1 CPC), salvo questões do conhecimento oficioso não transitadas artigo 608.º, n.º 2, in fine, e 635.º, n.º 5, CPC), consubstancia-se nas seguintes questões:
- cumulação de sanções aplicadas, desproporcionalidade das mesmas ao caso concreto e inconstitucionalidade.
É o seguinte o teor do artigo 189.º CIRE, aplicável ao caso dos autos:
1. A sentença qualifica a insolvência como culposa ou como fortuita.
2 - Na sentença que qualifique a insolvência como culposa, o juiz deve:
a) Identificar as pessoas, nomeadamente administradores, de direito ou de facto, técnicos oficiais de contas e revisores oficiais de contas, afetadas pela qualificação, fixando, sendo o caso, o respetivo grau de culpa;
b) Decretar a inibição das pessoas afetadas para administrarem patrimónios de terceiros, por um período de 2 a 10 anos;
c) Declarar essas pessoas inibidas para o exercício do comércio durante um período de 2 a 10 anos, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade, empresa pública ou cooperativa;
d) Determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos pelas pessoas afectadas pela qualificação e a sua condenação na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos.
e) Condenar as pessoas afetadas a indemnizarem os credores do devedor declarado insolvente no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças dos respectivos patrimónios, sendo solidária tal responsabilidade entre todos os afetados.
3 - A inibição para o exercício do comércio tal como a inibição para a administração de patrimónios alheios são oficiosamente registadas na conservatória do registo civil, e bem assim, quando a pessoa afetada for comerciante em nome individual, na conservatória do registo comercial, com base em comunicação eletrónica ou telemática da secretaria, acompanhada de extrato da sentença.
4 - Ao aplicar o disposto na alínea e) do n.º 2, o juiz deve fixar o valor das indemnizações devidas ou, caso tal não seja possível em virtude de o tribunal não dispor dos elementos necessários para calcular o montante dos prejuízos sofridos, os critérios a utilizar para a sua quantificação, a efetuar em liquidação de sentença.

A sentença recorrida, após declarar a insolvência culposa e declarar afectado pela qualificação da insolvência como culposa o requerido C…, decidiu:
1. Decretar a inibição de C… para administrar patrimónios de terceiros pelo período de dois anos;
2. Declarar C… inibido para o exercício do comércio, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa pelo período de dois anos;
3. Determinar a perda de quaisquer créditos do requerido C… sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente, condenando-o restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos;
4. Condenar o requerido a indemnizar os credores da insolvente no montante dos créditos não satisfeitos após o término da liquidação do altivo da insolvente, até às forças do respectivo património, valor a apurar em liquidação de sentença.

O apelante insurgiu-se, em primeiro lugar, contra a cumulação de sanções afirmando que o Tribunal não está obrigado a aplicar cumulativamente todas as sanções, devendo, antes, escolher a mais adequada em função do caso concreto.
Não lhe assiste razão.
A formulação da lei é inequívoca no sentido da cumulação, não deixando margem para qualquer escolha pelo juiz.

Assim o entendeu o acórdão do Tribunal Constitucional, n.º 280/2015, Carlos Fernandes Cadilha: Esses efeitos jurídicos são cumulativos e automáticos, como claramente decorre do proémio do n.º 2 do artigo 189.º, pelo que, uma vez proferida tal decisão, não pode o juiz deixar de aplicar todas essas medidas.

O que se compreende, pois as medidas aplicadas satisfazem interesses distintos, todos merecedores de tutela: interesses de terceiros, do tráfego comercial, dos credores.
Seguidamente esgrime a desproporção das sanções relativamente ao caso concreto, mas centra a sua argumentação na medida n.º 4: Condenar o requerido a indemnizar os credores da insolvente no montante dos créditos não satisfeitos após o término da liquidação do altivo da insolvente, até às forças do respectivo património, valor a apurar em liquidação de sentença.
Aduz que, mesmo que o título da revista fosse considerado um activo, seria de valor diminuto como é expressamente admitido na sentença recorrida, pelo que o dano causado aos credores, a existir, limitar-se-ia ao valor comercial que o título teria na esfera da devedora Insolvente, e, só nessa medida, poderia satisfazer os direitos dos credores.

E que tendo o presente processo de insolvência sido encerrado por insuficiência da massa insolvente, desde logo não se verificando qualquer liquidação, o Tribunal tê – lo - ia condenado em indemnização superior ao dano, em violação dos artigos 483.º, n.º 1, 562.º, 563.º CC.
Acrescenta que se se dispôs a entregar à massa insolvente o título doado, sendo a reconstituição natural é o primeiro critério da indemnização, e apenas não sendo esta possível, se admite a indemnização em dinheiro, nos termos do artigo 566.º, n.º 1, CC.

Atendendo a que o único valor determinado pela perícia realizada foi o valor contabilístico mínimo que o título D… teve para a insolvente - €2.616,77 (o qual terá sido considerado na sentença recorrida como equivalente ao seu valor comercial) - , e que o valor contabilístico do equipamento administrativo não apreendido ascende a €922,05, sustenta que a sua responsabilidade tem o limite de €3.538,82.

Considera violado o artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa, na medida em que no mesmo se integra a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, cujo artigo 6.º garante um processo equitativo.

Apreciando:

A problemática da proporcionalidade da medida da obrigação de indemnizar foi abordada de forma exemplar no acórdão da Relação do Porto, de 2017.06.29, Filipe Caroço, www.dgsi.pt.trp, proc. n.º 2603/15.0T8STS-A.P1, que por isso se transcreve:
Visa a norma dissuadir o agente da prática de condutas dolosas ou gravemente culposas suscetíveis de criar ou agravar a situação de insolvência nas condições referidas no art.º 186º.
É uma indemnização com uma evidente componente sancionatória.
Numa simples interpretação literal, parece que o afetado pela qualificação fica obrigado a indemnizar os credores do insolvente pela totalidade do valor dos créditos que a massa insolvente, por insuficiência, não possa satisfazer, contanto que no património do afetado existam bens suficientes para o efeito; ou seja, responde pelos créditos graduados e reconhecidos na medida em que a massa insolvente seja insuficiente para os cobrir, tendo como limite o esvaziamento do seu próprio património.
Não nos parece que assim possa ser interpretada a norma, desde logo pela violação do princípio constitucional e penal da proporcionalidade e da proibição do excesso. Teríamos então, por hipótese, a possibilidade de um gerente afetado pela qualificação a responder com toda a sua massa patrimonial, com todos os seus bens, por créditos sobre uma sociedade insolvente que podem atingir milhões de euros, apenas por se ter apropriado de um bem a ela pertencente no valor de cinco ou seis mil euros, dentro dos 3 anos que precederam o início do processo de insolvência. Sanção brutal e inaceitável, por ser desproporcional ao prejuízo causado, e inconstitucional.
Na verdade, decorre do princípio do Estado de direito democrático conexionado com os direitos fundamentais, o princípio da proibição do excesso ou princípio da proporcionalidade em sentido amplo, que constitui, na realidade, um princípio de controlo a respeito da medida tomada pela autoridade pública - seja a autoridade administrativa, seja a autoridade judicial - no sentido de saber da sua conformidade aos princípios subconstitutivos da proibição do excesso, como sejam: (i) o princípio da conformidade ou adequação de meios; (ii) o princípio da exigibilidade ou da necessidade; (iii) o princípio da proporcionalidade em sentido estrito.
De modo prático, pelo princípio da conformidade ou da adequação controla-se a relação de adequação medida/fim.
Pelo princípio da proporcionalidade em sentido estrito ou princípio da "justa medida" cuida-se de saber e avaliar, mediante um juízo de ponderação, se o meio utilizado é ou não proporcionado em relação ao fim. Saber se, no sopeso entre as desvantagens dos meios em relação às vantagens do fim ou fins, ocorre um equilíbrio ou, ao invés, são "desmedidas" (excessivas) as desvantagens dos meios em relação às vantagens do fim ou fins.
O princípio da exigibilidade ou da necessidade (também conhecido pelo princípio da menor ingerência possível) coloca a tónica na ideia de que o cidadão tem direito à menor desvantagem possível, exigindo-se, por isso, de quem toma a medida, a prova de que, para a obtenção de determinados fins não é possível adotar outro meio menos oneroso para o cidadão.
A liberdade com que devemos interpretar e aplicar as regras de direito leva-nos a esclarecer o sentido daquela norma, numa interpretação constitucional, conforme aos citados princípios (art.º 5º, nº 3, do Código de Processo Civil).
A nosso ver, a indemnização a suportar deve aproximar-se do montante dos danos causados pelo comportamento do afectado que conduziu à qualificação da insolvência. Se, por exemplo, a qualificação da insolvência decorre de um comportamento que se traduziu na destruição ou dissipação de todo ou parte considerável do património do devedor, a indemnização deve ascender ao valor do património destruído ou dissipado que se não fosse esse comportamento iria responder pela satisfação dos créditos. É por isso que as normas em apreço estabelecem que o juiz deve fixar o valor das indemnizações devidas e se isso não for possível, como sucederá na maior parte dos casos, fixar, ao menos, os critérios que permitirão liquidar o seu valor, o que não seria minimamente necessário se a indemnização devesse corresponder apenas à diferença entre o valor dos créditos e o pagamento a ser obtido na distribuição do produto da liquidação do ativo.»
Volvendo ao caso dos autos, o apelante labora no equívoco de considerar que o prejuízo dos credores se limita ao valor do título e do equipamento não apreendido.
Ora, o prejuízo do credor apelado não se reconduz ao valor do título cedido gratuitamente, mas sim ao valor dos créditos contra a empresa, segundo o acórdão do STJ proferido nestes autos.

Assim, STJ, no acórdão de fls. 416 e ss., entendeu não estar em causa o valor intrínseco do título, mas sim as consequências da sua saída do acervo patrimonial e da organização da insolvente.

Lê-se a fls. 422 daquele acórdão: retirou-se o título, sem contrapartida, da esfera do Insolvente, cerceando-lhe qualquer possibilidade de rendimento à sombra dele para realizar os seus fins na esfera do Requerido e da sociedade do filho. Ao invés de procurar manter o título no património do insolvente e de o fazer de algum modo prosperar em ordem a gerar rendimentos para pagar as dívidas já existentes da sociedade, o Requerido optou por afastar o título da esfera da sociedade, desassociando-o das dívidas desta, e indo integrá-lo na sua (dele Requerido) esfera e na do filho.

Por outras palavras, parte-se do princípio que se o título não tivesse sido transferido teriam sido gerados rendimentos que permitiriam satisfazer as dívidas, donde o dano causado pela transferência do título equivale ao valor dos créditos não satisfeitos.

Reconduzindo-se o dano aos créditos não pagos pela insolvente por força daquele acórdão, o limite da indemnização será o valor dos créditos, por um lado, e património do afectado pela insolvência, não fazendo sentido a disponibilidade manifestada pelo apelante pode entregar o título.

Nessa conformidade, não se pode afirmar que a indemnização em que foi condenado seja superior ao dano.

O acórdão do Tribunal Constitucional supra referido, após afirmar a natureza cumulativa das sanções, pondera que:

Não obstante, a determinação do período de tempo de cumprimento das medidas inibitórias previstas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 189.º do CIRE (inibição para a administração de patrimónios alheios, exercício de comércio e ocupação de cargo de titular de órgão nas pessoas colectivas aí identificadas) e, naturalmente, a própria fixação do montante da indemnização prevista na alínea e) do n.º 2 do mesmo preceito legal, deverá ser feita em função do grau de ilicitude e culpa manifestado nos factos determinantes dessa qualificação legal.

Ora, no caso vertente, não se apuraram circunstâncias que justifiquem a redução da indemnização.

Nessa conformidade, improcede a apelação mo segmento cujo conhecimento foi determinado pelo acórdão do STJ.
4. Decisão
Termos em que, julgando a apelação improcedente, confirma-se a decisão recorrida.

Custas pelo apelante.

Porto, 15 de Janeiro de 2019
Márcia Portela
Maria de Jesus Pereira
José Igreja Matos