Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
18/13.3TAVFR-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANTÓNIO GAMA
Descritores: SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO
INSTRUÇÃO
INDÍCIOS
DECISÃO QUE NÃO ADMITE O RECURSO
do Documento: RP2014111818/13.3TAVFR-A.P1
Data do Acordão: 11/18/2014
Votação: DECISÃO SINGULAR
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: INDEFERIDA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – A suspensão provisória do processo pressupõe a existência de indícios suficientes da prática do crime.
II – Tanto no inquérito como na instrução, a suspensão provisória do processo não pode ser uma saída ou expediente para situações de dúvida quanto aos indícios, caso em que deverá ocorrer arquivamento.
III – Se o pedido de suspensão provisória do processo surge instantes antes de ser lida a decisão de não pronúncia do arguido, por falta de indícios da prática do crime, cabe ao JIC discordar de tal pedido e ler o despacho de não pronúncia.
IV – A decisão de denegação da aplicação da suspensão provisória do processo é irrecorrível.
Reclamações: Reclamação, n.º 18/13.3TAVFR-A.P1

O assistente Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados reclama do despacho que não lhe admitiu o recurso interposto.
O arguido foi acusado pelo Ministério Público e requereu a abertura de instrução. Realizada a instrução e realizado debate instrutório foi designado dia para a leitura da decisão instrutória. No dia da leitura, imediatamente antes da mesma, os mandatários do assistente e arguido requereram a suspensão provisória do processo.
Dada a palavra ao Ministério Público, declarou estarem verificados os pressupostos a que alude o art.º 281º do Código de Processo Penal pelo que dava a sua concordância á aplicação da suspensão provisória do processo.
E passamos a citar o que consta da acta:
“Acto contínuo a Mm.ª juiz proferiu o seguinte despacho:
Considerando o teor da decisão instrutória a cuja leitura vou proceder de imediato, fica prejudicada a apreciação da requerida suspensão provisória do processo.
Seguidamente, de viva voz, a Mm.ª juiz procedeu à leitura da decisão instrutória”, que conforme se colhe de fls. 24 foi de não pronúncia”.

O despacho reclamado, que não admitiu o recurso, refere entre o mais:
(…) Tendo em atenção que a decisão cuja leitura então se procedeu foi de não pronúncia do arguido, facilmente se percebe a razão pela qual se disse que ficaria prejudicada a apreciação da suspensão provisória do processo (…) não era possível ao juiz de instrução dar a sua concordância àquela suspensão já que entendia que não existiam indícios da prática de crime. Por conseguinte, a decisão da qual interpõe o assistente recurso é inelutavelmente uma decisão de não concordância do juiz de instrução com a requerida suspensão provisória do processo.
Donde que, nos termos da jurisprudência fixada pelo Acórdão do STJ de 16/2009, A discordância do juiz de instrução em relação à determinação do Ministério Público, visando a suspensão provisória do processo, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 281.º do Código de Processo Penal, não é passível de recurso, “mutatis mutandis” a decisão em crise é irrecorrível.
Sustenta o reclamante que “o contexto, a lógica, e a legalidade vigente, impunham que a Mmª juiz despachasse no sentido da suspensão provisória do processo, homologando o acordo…”.

Apreciando e decidindo:
É patente a sem razão do reclamante.
A suspensão provisória do processo do art.º 281º Código de Processo Penal é uma manifestação do princípio da oportunidade num quadro de legalidade. Pode ocorrer em inquérito, assim como em instrução, art.º 307º n.º2 do Código de Processo Penal.
A suspensão provisória do processo pressupõe que há indícios suficientes da prática do crime, que há como que uma “certeza” indiciária de que o arguido foi o autor dos factos. Se a suspensão provisória do processo não pode ser em inquérito uma saída ou “expediente” para situações de dúvida quanto a indícios, caso em que deverá ocorrer arquivamento, facilmente se intuirá que o mesmo terá que ocorrer em instrução: se o JIC tem dúvida quanto à suficiência dos indícios recolhidos resta-lhe o caminho de não aceitar a suspensão provisória do processo e proferir despacho de não pronúncia.
No caso o pedido de suspensão ocorreu quando a decisão já estava escrita e ia ser lida. Admitimos que a solução pudesse ser outra se a questão fosse suscitada numa fase inicial. Mas no caso em apreço o JIC já tinha decidido não pronunciar o arguido. Nesse circunstancialismo, não lhe restava outra saída senão a que escolheu: discordar do pedido de suspensão, lendo o despacho de não pronúncia. E o despacho de não pronúncia encerra a explicação da sua discordância.
Neste quadro, parece de meridiana clareza, perante lei expressa, art.º 281º n.º6 ex vi art.º 307º n.º2 do Código de Processo Penal, “reforçada” com a interpretação do STJ em Acórdão de Fixação de jurisprudência, a não admissibilidade de recurso. Solução normativa com a aquiescência constitucional, pois o Tribunal Constitucional decidiu no Acórdão n.º 235/2010 (relator Cons. Pamplona de Oliveira) não julgar inconstitucional a interpretação das disposições conjugadas dos arts. 281º, n.º 5 [agora 6], 307º, n.º 2, 310º, n.º 1, e 399º, todos do CPP no sentido de que é irrecorrível a decisão de denegação da aplicação do instituto da suspensão provisória do processo quando inserta na decisão instrutória de pronúncia.

Como sabe o reclamante o processo penal é direito constitucional concretizado. E entre os princípios fundamentais do processo de um Estado de direito figuram a presunção de inocência e o in dubio pro reo. Ambos os princípios têm reflexos a nível da apreciação da matéria de facto, constituindo um critério de decisão em caso de dúvida, decorrendo da sua correcta compreensão a preferência, em casos como o em apreço, por uma decisão absolutória em vez de uma decisão de mera suspensão provisória do processo. Escrita e prestes a ser lida uma decisão de não pronúncia, não se descortina que norma ou princípio de direito impunha outra solução que não a leitura do despacho de não pronúncia.
Donde se indefere a reclamação.
Sem tributação.

Porto 18 de Novembro 2014.
Vice-Presidente do Tribunal da Relação do Porto.
António Gama Ferreira Ramos
Decisão Texto Integral: